Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
373/15.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: ACUSAÇÃO;
ACÓRDÃO;
DOLO DO TIPO;
DOLO DE CULPA;
ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 08/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J4)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: AC. DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2015, PUBLICADO NO DR, 1.ª SÉRIE – N.º 18 – DE 27-01-2015
Sumário:
I – Parafraseando (parcialmente) a fundamentação do AFJ n.º 1/2015, “a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa (…), englobando, [além do mais], a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso (…)”.
II – Não existindo “fórmulas sacramentais” na descrição do “dolo de culpa” ou “tipo-de-culpa dolosa”, mister é que as utilizadas na acusação ou na pronúncia inequivocamente signifiquem uma atitude, revelada no facto, de contrariedade ou indiferença do agente perante o dever-ser jurídico-penal, ou seja que, encontrando-se o mesmo em condição/posição de se determinar de outro modo, ainda assim optou por agir contra o direito.
III – No específico domínio dos autos, o acórdão recorrido, tendo-se limitado a transcrever os termos da acusação, cingidos ao seguinte semento textual “os arguidos agiram deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas pela lei penal”, omitiu os elementos subjectivos do facto na perspectiva da culpa, culpa dolosa, enunciando exclusivamente as componentes do dolo enquanto elemento subjectivo essencial do tipo, traduzidas nos elementos intelectual ou cognoscitivo e volitivo.
IV – Enfermando a própria acusação, por via de uma narração insuficiente, da deficiência congénita acima assinalada, uma vez ultrapassado o crivo do artigo 311.º do CPP, e não sendo possível, através dos mecanismos previstos nos artigos 358.º ou 359.º, ambos do dito diploma, suprir o elemento em falta – de outro modo, converter-se-ia uma conduta atípica numa conduta típica –, o único caminho processual legalmente possível conduz inexoravelmente à absolvição dos arguidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório
1. No âmbito do processo comum coletivo n.º 373/15.0JACBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – JC Criminal – Juiz 4, mediante acusação pública, foram os arguidos A, B e C, todos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes então imputada a prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alíneas c) e h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento por acórdão de 27.02.2018, deliberou o Coletivo [transcrição parcial do dispositivo]:
Julgando-se a acusação pública parcialmente provada e procedente:
- Absolve-se a arguida A de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos arts. 21º/n.º1 e 24º - c) e h) D.L. n.º 15/93, pelo qual, como coautora material, vem acusada nestes autos;
- Condena-se a arguida A, como coautora material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º - a) D.L. n.º 15/93, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- Condena-se o arguido B, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos arts. 21º/n.º 1 e 24º - h) D.L. 15/93, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão;
- Absolve-se a arguida C de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos arts. 21º/n.º 1 e 24º - c) e h) D.L. n.º 15/93, pelo qual, como coautora material, vem acusada nestes autos;
- Condena-se a arguida C, como coautora material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º - a) D.L. 15/93, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
[…]
*
Ao abrigo dos arts. 50º, 52º e 53º do C.P., esperando-se (pelos motivos já expostos) qua a ameaça de prisão a afaste da prática de novos ilícitos criminais, decide-se suspender a execução da pena de prisão definida à arguida A pelo respetivo período e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, acompanhada cumulativamente de um regime de prova assente em plano individual de reinserção social, tendente ao seu ingresso no mercado laboral e ao afastamento da ambientes e pessoas relacionadas com o tráfico de substâncias estupefacientes [tudo nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal; para tais efeitos, deve ainda a arguida apresentar-se e (ou) responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe venham a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, sem prejuízo de o plano de reinserção social poder vir a ser completado posteriormente pelos aludidos serviços].
*
Perante a improcedência da acusação pública no que a ela diz respeito, devido à absolvição da mesma do crime de tráfico de estupefacientes agravado [p. e p. nos arts. 21º/n.º 1 e 24º - c) e h) D.L. n.º 15/93] que lhe era imputado, decreta-se a improcedência do pedido de “perda ampliada” deduzido contra a arguida A.
*
Nos termos do art. 35.º/n.º 2 D.L. n.º 15/93, declaram-se perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes e os telefones móveis apreendidos nos presentes autos aos arguidos (e aqui melhor identificados).
[…].

3. Inconformados com o assim decidido recorreram os arguidos A, B e C, extraindo da correspondente motivação as seguintes conclusões:

Recorrente A:
1. Foi a ora Recorrente condenada por Acórdão Proferido pelo Coletivo de Juízes do Juízo Central Criminal de Coimbra, pela coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art.º 25º-a) D.L. n.º 15/93, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2. A ora Recorrente, humildemente se conforma com a Decisão Proferida pelo Tribunal a quo, em matéria de facto.
3. Contudo, não se conforma o Recorrente, nem se poderia de modo algum, conformar, com a Douta Decisão proferida, no que tange à pena concretamente aplicada, de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução.
4. Uma vez que, no entendimento do ora Recorrente a mesma ser manifestamente excessiva, tendo em conta as penas aplicadas aos seus coarguidos e o seu grau de culpa.
5. Condenou o Tribunal de 1ª Instância, a ora Recorrente na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, e decidiu ainda absolver a ora Recorrente da prática de um crime de tráfico agravado p. e p. nos artigos 21º/n.º 1 e 24º-h) D.L. n.º 15/93. Por sua vez, o mesmo Tribunal que condenou a Recorrente, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução, condenou a Arguida C, como coautora material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art.º 25º-a) D.L. n.º 15/93, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; Condenou ainda, o arguido B, como autor material de um crime de tráfico de estupefaciente agravado, p. e p. nos artigos 21º/n.º 1 e 24º-h) D.L. n.º 15/93, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão;
6. A Recorrente não se conforma com a pena que lhe foi aplicada, considerando que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, é manifestamente excessiva tendo em conta o seu grau de culpa. Considerando ainda, que a pena a que foi condenada é ainda manifestamente excessiva, quando comparada com as penas concretamente aplicadas aos seus coarguidos.
7. A medida da pena, é construída nos termos do binómio culpa e prevenção. Refere o Douto Acórdão ora em crise, que na medida concreta das penas a aplicar relevará, o principio contido no nº 1 do art.º 71 do Código Penal.
8. A exigência legal de que a medida de que a medida da pena seja encontrada pelo Juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena.
9. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável às exigências de prevenção.
10. De facto, a Arguida reconhece a gravidade da conduta levada a cabo nos presentes autos, e que a mesma consubstancia a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
11. Contudo, não podemos olvidar, que pese embora se trate de um crime de tráfico de menor gravidade, a verdade é que se tratou de um ato isolado. Não tendo resultado provados quaisquer outros factos ou atos criminosos por parte da Arguida.
12. Mais acresce, que a Arguida não tem quaisquer antecedentes criminais. Por outro lado, há que ter em conta a personalidade e fragilidades da Arguida as quais constam quer do teor do relatório social, quer do teor das perícias.
13. Por outro lado e pese embora, haja resultado provado que a Arguida transportava e detinha o produto estupefaciente o qual iria posteriormente introduzir no Estabelecimento Prisional, a verdade é que não chegou a fazê-lo tendo entregue voluntariamente o produto que transportava.
14. O ora Recorrente, tem plena consciência, que nos presentes autos em relação a qualquer um dos Arguidos, mormente, em relação a si mesmo, as exigências de prevenção geral e especial são elevadas.
15. Contudo, abona a favor da ora Recorrente o facto de não ter quaisquer antecedentes criminais, ter personalidade fragilizada e ter um papel de maior fragilidade e risco na concretização do plano criminoso.
16. Sendo a Arguida, a única dos três que não tinha antecedentes criminais. Atualmente, a Recorrente encontra-se inserida em comunidade terapêutica onde tem trabalhado algumas das suas fragilidades e aspetos da sua personalidade.
17. Quando se fala de prevenção como princípio regulativo da atividade judicial de medida da pena, não pode ter-se em vista o conceito de prevenção em sentido amplo, como finalidade global de toda a política criminal, ou seja, como conjunto dos meios e estratégias preventivos de luta contra o crime.
18. O que está aqui em causa, é na verdade, a aplicação de uma concreta consequência jurídico-penal, num momento em que o crime já foi cometido e não pode por isso, e não pode por isso, falar-se com sentido de prevenção na aceção referida.
19. “Prevenção” tem, no contexto que aqui releva, o preciso sentido que possui quando se discute o sentido e as finalidades de aplicação de uma pena, quando se discute, numa palavra, a questão das finalidades das penas. Dito por outras palavras, “prevenção” significa, por um lado prevenção geral, e, por outro lado, prevenção especial, com a conotação específica que estes termos assumem na discussão sobre as finalidades da punição.
20. Porém, a prevenção geral, no seu entendimento mais atual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável – e na verdade, o mais essencial – de aplicação da pena, e não pode, por isso deixar de revelar decisivamente para a medida daquela.
21. Assim, a prevenção geral positiva traduz-se na confiança que a sociedade precisa de manter na vigência da norma, é o mínimo exigível da pena, ora no presente caso do ora Recorrente, ainda, que as necessidades de prevenção geral positiva, sejam elevadas, tendo em conta que o grau de ilicitude dos factos, não se poderá olvidar a personalidade frágil da Arguida, limitações a nível intelectual, e ainda, o facto de não registar quaisquer antecedentes criminais. A medida da pena, não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
22. Deste modo, torna-se indispensável por ora, proceder à transcrição da totalidade dos factos pelos quais a Arguida Recorrente foi condenada a par com os restantes Arguidos, para que possamos melhor aferir, quer do grau de culpa do Recorrente, bem como, aferir do grau de culpa dos restantes Arguidos.
23. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efetivamente, numa incondicional proibição de excesso.
24. A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização.
25. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.
26. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.
27. Ora, no modesto entendimento da Recorrente, tal limite foi claramente e grosseiramente ultrapassado, na pena que concretamente foi aplicada ao ora Recorrente de dois anos e 6 meses de prisão.
28. Mormente, quando comparada com a pena aplicada aos Arguidos B e C, pena de 5 anos e 9 meses de prisão e pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
29. Ora, na humilde opinião da Arguida, e face à factualidade provada nos presentes autos e com a qual a Recorrente se conformou, a participação do arguida no crime de tráfico pelo qual foi condenada, é claramente menor que a participação dos seus coarguidos. Sendo deste modo, a sua culpa também menor!
30. Ora, de todos os factos supra transcritos, denota-se uma participação mais ativa por parte dos Arguidos C e B. Sendo a participação dos restantes Arguidos mais ativa que a participação da Arguida que atuou apenas como “homem da frente”, sob direção dos restantes arguidos.
31. Conformando-se a Arguida Recorrente com a matéria de facto provada, e de acordo com a mesma, a Recorrente participou na resolução criminosa, sob as orientações dos restantes arguidos.
32. Ora, é evidente que a Recorrente foi de todos os Arguidos o que teve menor participação nos factos.
33. Nesta medida a Arguida não se conforma com a pena de prisão de 2 anos e 6 meses de a que foi condenado, quando comparada com as penas aplicadas aos restantes Arguidos.
34. De facto, a medida da pena não pode exceder a medida da culpa, contudo a pena concretamente aplicada ao ora Recorrente excede claramente a medida da sua culpa.
35. Vejamos, a Arguida C que já contava com antecedentes criminais pela prática de igual crime e se encontrava no período da suspensão foi condenada na pena de 3 anos e 6 meses de prisão. O Arguido que se encontrava em cumprimento de pena e praticou factos em duas ocasiões distintas foi condenado na pena de 5 anos e 9 meses de prisão.
36. Assim, impõe-se a aplicação à Arguida Recorrente, de uma pena justa e proporcional, tendo em conta a efetiva participação nos factos e as penas aplicadas aos demais Arguidos.
37. Face ao supra exposto, a Arguida ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 2 anos de prisão suspensa na execução.
38. Esta medida concreta da pena que a ora Recorrente pretende que agora lhe seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhe parece mais adequada, justa e proporcional tendo em conta a sua efetiva colaboração no crime.
39. Por outro lado, e em nome do princípio da Igualdade previsto no artigo 13º da CRP, reclama-se que a pena aplicada à aqui recorrente seja reduzida se a mesma for comparada com a pena aplicada pelo Tribunal de 1ª Instância aos Arguidos C e B, cuja participação nos factos foi manifestamente mais ativa que a do Recorrente no tocante aos atos preparatórios.
40. Sem dúvida alguma, resulta dos autos que a participação da recorrente nos factos pelos quais foi condenada, era bastante inferior em relação à participação dos seus coarguidos.
41. Pois bem, apesar de essa diferença que ressalta à vista, a verdade é que ao Arguido B, foi aplicada a pena de prisão de 5 anos e 9 meses, e à Arguida C a pena de 3 anos e 6 meses, e à ora Arguida foi aplicada uma pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão, o que é manifestamente desproporcional tendo em conta o envolvimento de cada um nos autos.
42. Deste modo, entende o Recorrente que atendendo à diferença do grau de participação nos factos praticados, sendo este menor por parte do Recorrente, a pena aplicada de 2 anos e 6 meses, é desproporcional à culpa e desempenho de cada um dos Arguidos.
43. Pelo que se entende que o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por outro que condene o ora Recorrente numa pena de prisão (no nosso humilde entendimento que não deve ultrapassar os 2 anos), irá realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
44. Assim, e por todo o exposto, e independentemente da pena de prisão que for concretamente aplicada por vós, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior a 2 anos de prisão, não ultrapassando assim a medida da culpa da Recorrente.

Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Conselheiros, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente recurso julgado procedente nos exatos termos supra expostos.
Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta Justiça.

Recorrente B:
1. O Recorrente foi condenado por douto Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo da Instância Central Criminal de Coimbra, na coautoria material, e na forma consumada, de um Crime de Tráfico de estupefacientes Agravado, previsto e punido pelo artigo 21º e 24º, al. h) do DL n.º 15/93, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva.
2. Sucede, porém, que o Recorrente não pode conformar-se -se com a douta decisão proferida, nem quanto à matéria de facto, nem quanto à matéria de Direito, esta, designadamente, quer no que tange à qualificação jurídico-criminal, quer no que tange à pena concretamente aplicada de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva, considerando a mesma manifestamente excessiva e desproporcional, porquanto desequilibradamente doseada.
2. I – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: considera o recorrente que os pontos 7, 13, 15, 16 e 18 da factualidade dada como provada deverá antes ser considerada como não provada, porquanto não ter sido produzida qualquer prova, quer documental, quer testemunhal, que permita concluir, além do que não passe de meras conjeturas subjetivas e discricionárias, que:
a) o arguido B (7) seria o destinatário do produto apreendido à arguida A, no dia 6/9/2015, e que de seguida o destinaria a ser distribuído no interior do EP, em troca de dinheiro, a vários outros reclusos; b) que o arguido B (13) teria agido com as arguidos A e C, de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito de introduzirem as substâncias estupefacientes (os dois pedaços de cannabis) no interior do Estabelecimento Prisional de (…), no referido dia 6 de Setembro de 2015; c) Que o produto apreendido ao arguido B (15 e 16) no dia 14/04/2016 era, pelo menos em parte, destinado pelo arguido B… a ser vendido a terceiros no interior do EP; e que tais pacotes se encontravam no interior dos seus bolsos. d) Que o arguido B, bem como as demais coarguidas, (18) tivessem agido deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas pela lei penal; porquanto considera o arguido ter ocorrido erro de julgamento/erro notório na apreciação da prova e violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio in dúbio pro reo.
3. Especificamente, quanto ao ponto 18 da matéria de facto, não pode deixar de entender o recorrente que este deve considerar-se não escrito, porquanto a matéria em questão, além de incompleta (como de seguida analisaremos) configura matéria estritamente jurídica e conceptual, conclusiva não podendo jamais considerar-se como enquadrável em factos. Saber se o arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabia que tais condutas eram proibidas e punidas pela lei penal é, consabidamente, matéria de direito, cuja densificação factual incumbiria ao Tribunal realizar, o que de todo não concretizou.
4. A prova do elemento subjetivo do tipo legal de crime não se basta com a inscrição tabelar das palavras “deliberada, voluntariamente e conscientemente”, outra ilação se não podendo extrair da inserção deste facto como provado senão que não se realizou a prova – e efetivamente assim é – da intenção dolosa do arguido na prática do crime de que vem acusado, daí não podendo deixar de se extrair todas as demais legais consequências.
5. II- DO DIREITO: A) DA NULIDADE DA ACUSAÇÃO E DO ACÓRDÃO PROFERIDO. INCONSTITUCIONALIDADE - Como resulta do disposto no artigo 283º, nº 3, al. b) e c) do Código de Processo Penal, a acusação tem que narrar, ainda que sinteticamente, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
6. Tal exigência legal deriva da circunstância de ser a acusação que fixa o objeto do processo, delimitando o âmbito da ulterior atividade investigatória a desenvolver pelo juiz, nomeadamente na fase de julgamento, em obediência ao princípio da vinculação temática do objeto do processo.
7. Caso a acusação não obedeça aos requisitos exigidos no artigo 283º, nº 3, é NULA. Com efeito, tratando-se de um crime doloso, na Acusação tem necessariamente de constar, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido (cfr. Ac. TRE de 06-10-2015 in www.dgsi.pt): a) Agiu de forma livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua ação); b) Deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso); c) Consciente (imputabilidade - o arguido é imputável); d) Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo). Ora, o dolo, como elemento subjetivo - enquanto vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objetivas - constitutivo do tipo legal, será, então, em definitivo, um dos elementos que o artigo 283º/3 C. P. Penal impõe que seja incluído na acusação.
8. Do mesmo modo, pode ler-se também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/06/2011, proferido no processo nº 150/10.5T3OVR.C1, disponível em ww.dgsi.pt, que: “Num crime doloso, da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (...), deliberada (...) e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal (...) ”.
9. Sucede, porém, que, in casu, a acusação pública é omissa quanto ao elemento volitivo do dolo, e é o em dois momentos, sendo nula por aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal. Diz-se na douta acusação que: “Agiram todos os arguidos de comum acordo e em conjugação de esforços com o propósito de introduzir substâncias estupefacientes, reiteradamente, no interior do E.P. bem conhecendo a sua natureza, características e propriedades preten[den]do obter elevados proveitos económicos. Sabiam que não tinham autorização alguma para deter, transportar, consumir e ceder os mesmos. Agiram, assim, deliberada, voluntariamente e conscientemente porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.” [Sublinhado nosso]
10. Ora, como se verifica, a acusação pública, ao proceder à imputação subjetiva do tipo legal de crime, limita-se a transcrever uma afirmação tabelar e, além do mais, incompleta, que não pode considerar-se suficiente por a imputação do elemento subjetivo do crime pois esta imputação não pode bastar-se com a alegação isolada de uma atuação deliberada, voluntária e consciente, antes devendo descrever efetivamente o que foi representado e querido pelo agente, nisso se traduzindo querer praticar um facto criminoso.
11. Sem essa indicação, não se mostra perfectibilizada a imputação criminosa e, assim sendo, jamais poderia ser proferido despacho de acusação ou mesmo a acusação ter sido aceite pelo Tribunal a quo.
12. Além disso, verifica-se ser omissa a acusação ao não mencionar sequer que o arguido “agiu de forma livre”, elemento que é essencial no estabelecimento do elemento volitivo, e se reporta ao afastamento das causas de exclusão da culpa, no sentido em que afirma ter ao arguido sido possível determinar a sua ação.
13. Este elemento não está de todo patenteado na acusação. Por outro lado, verifica-se que na própria matéria de facto, o tribunal a quo, considera-o como provado, qua tale, no ponto 18 dos factos provados, quando, s.d.r., também lhe não era permitido fazê-lo dado não se tratar de um facto, mas, em rigor, da transposição de conceitos jurídicos, conclusivos, atinentes ao elemento subjetivo do dolo.
14. Por tal motivo, não só é nula a acusação como, de seguida, é nulo também o acórdão por violação dos preceitos atinentes ao dever de fundamentação das sentenças plasmado no artigo 205º-1 da C.R.P. e no artigo 374º, n.º 2 do C.P.P. que refere, nomeadamente, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados (…) ”, não podendo constar do elenco de factos, por conseguinte, proposições que não configurem senão factos, ao contrário, da atrás aludida que reproduz tal afirmação sem qualquer densificação factual dos conceitos nela plasmados, em suma, do dolo do arguido B.
15. Por outro lado, é totalmente redundante afirmar ter o arguido agido “deliberada, voluntariamente” pois trata-se de palavras com igual significado.
16. Sendo que, a utilização da expressão agiu “deliberada, voluntariamente” não é suficiente para se considerar imputado o elemento volitivo do dolo na acusação, o qual não se presume.
17. Mas, ainda que a materialidade objetiva que dela consta resultasse provada em julgamento, estaria vedado ao julgador considerá-la, devendo, em consequência, proferir uma sentença de absolvição.
18. Em suma, a acusação pública proferida nos presentes autos é nula, por aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal, devendo considerar-se nulo todo o processado posteriormente, inclusive a sentença proferida, sendo nulo também o acórdão por violação do dever de fundamentação, previsto no artigo 374º-2 do CPP e 205-1 da CRP.
19. Com efeito, acompanhamos integralmente o douto Acórdão do TRG de 18-09-2006, proc. n.º 1055/06-1, quando expressamente afirma: “IV- Com efeito, há violações da lei processual muito mais graves que as nulidades insanáveis, quais são aquelas que constituem uma omissão de fundo constitucional e que, por isso, mais que nulas, são afetadas de inconstitucionalidade.”
20. Tal é, conforme exposto, o caso do douto Acórdão proferido, no que à violação do dever constitucional de fundamentação da sentença, p. no artigo 205º-1 da CRP, em conjugação com o artigo 374º-2 do CPP, diz respeito, o qual, assim não poderemos deixar de considerar ferido de inconstitucionalidade, cuja é de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo.
Sem prescindir,
21. B) DO CRIME DE TRÁFICO NA FORMA TENTADA, EM CUMPLICIDADE- Segundo o acórdão do STJ de 15/7/2008 "A consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos, uma das ocorrências ali referidas, "Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver" produto estupefaciente.
22. Deter pressupõe a possibilidade do exercício de um poder, ainda que só fáctico sobre a substância.
23. Quanto ao acontecimento do dia 06/09/2015, surge como uma evidência o facto de que o arguido/recorrente não recebeu, nem deteve qualquer tipo de estupefaciente, designadamente aquele que detinha a coarguida A, tendo esta sido intercetada à entrada do EP, de modo que, se algum produto daquele que trazia consigo fosse destinado ao arguido B..., certo é que o mesmo não chegou às suas mãos.
24. Assim, sempre haveria que estabelecer se, no caso concreto, os factos provados integram o crime de tráfico agravado tentado ou se se poderá considerar haver tão só cumplicidade quando as coarguidas alegadamente tentam introduzir o "Cannabis" (resina) no Estabelecimento Prisional de (…).
25. Seguindo de perto os princípios estabelecidos no acórdão do STJ de 6/11/2008, cujos factos também estão próximos poderemos estar perto da tentativa ou da cumplicidade. E seguindo o decidido neste douto acórdão (de 6/11/2008), para haver cumplicidade é necessário haver acordo ou plano entre o arguido preso/recluso e as pessoas que colocam o produto onde o recluso o possa recolher, ou lhos entreguem na visita, prestando os reclusos auxílio à prática do facto criminoso.
26. O arguido B... poderá, assim, noutra interpretação dos factos provados ter cometido tão só o crime de tráfico de estupefaciente agravado na forma tentada, devendo a pena ser fixada entre o mínimo de 1 ano de prisão e o máximo de 10 anos de prisão.
27. Perante a matéria de facto provada deve ser afastada a autoria do crime de tráfico qualificado dos artºs 21° e 24° do Dec. lei 15/93, havendo convolação que leve a conduta do arguido B... ao tipo de crime qualificado tentado ou apenas de cumplicidade.
28. Com efeito, “Autor” é quem realiza o facto, é o “senhor do facto”, aquele de quem depende o se e o como da realização do facto típico e ilícito. Porém a autoria pode assumir diversas formas, tal como estabelece o art. 26.º, do CP, e uma delas é a coautoria — caso em que é autor aquele que detém o domínio funcional do facto. Para tanto é necessário que exista uma decisão conjunta e uma execução conjunta entre todos os comparticipantes. Sendo certo que, para que se possa dizer que todos os comparticipantes fizeram parte daquela “decisão conjunta”, não basta um mero acordo (pois isso também existe de algum modo na instigação e na cumplicidade), mas é necessário que a participação de cada um dos coautores apareça como parte de uma atividade total.
29. Ora, o Tribunal a quo considerou que a atividade do arguido recorrente era a de venda dos estupefacientes no interior da cadeia, o que, todavia, não veio a verificar-se, porém entendeu-se que dominou todos os factos anteriores, que permitiriam que a droga entrasse no EP, sem que, todavia, existissem quaisquer mensagens telefónicas ou outro tipo de prova que o pudesse corroborar.
30. Todavia, facto é que o Tribunal a quo entendeu que todos os arguidos teriam atuado em coautoria após uma decisão conjunta e uma execução conjunta. Todavia, o arguido recluso, ainda que pudesse ter estado a par do planejamento que pudesse ter ocorrido entre as coarguidas, o certo é que nada mais fez. Isto é, não vendeu qualquer produto estupefaciente no interior do EP, dado que este nem sequer chegou até si, pelo que terá que concluir-se ter incorrido apenas numa tentativa deste crime.
40. Já quanto à admissibilidade da punição do coautor na tentativa, seguindo a solução individual, defendida entre nós por Figueiredo Dias e Conceição Valdágua, para que o coautor seja punido pela tentativa terá que ter uma atuação que de algum modo se possa considerar como integrando os atos de execução previstos no art. 22.º, n.º 2, do CP.
41. Relativamente ao que ocorre nos presentes autos quanto ao coarguido B, não resulta demonstrado que este tenha dado uma colaboração decisiva para que as outras coarguidas realizassem os atos necessários de aquisição, transporte e detenção da droga até praticamente dentro do EP, e de seguida em estreita conexão temporal com estes atos, não fosse a intervenção das autoridades, realizaria o ato de venda dentro do EP tal como estava delineado no plano anterior. Assim podendo concluir-se pela punibilidade do arguido/recorrente pela tentativa de tráfico de estupefacientes agravado, a título de cumplicidade.
42. Com efeito, a tentativa resulta de que nunca foi realizado, no interior do EP, qualquer ato de venda daquela droga, o que configura uma tentativa do crime qualificado previsto no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93 que pune expressamente a conduta de tráfico quando a “infração tiver sido cometida em estabelecimento prisional”.
43. Se as coarguidas, ao deterem o produto, já consumaram um crime de tráfico de estupefacientes — assim se considerando que praticaram o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do Dec.Lei n.º 15/93, já o recorrente, arguido B, ao praticar tal crime de tráfico de estupefacientes agravado (venda de droga no interior do EP) ficou-se pelo estádio da tentativa.
44. Conclui-se, pois, quanto ao arguido recorrente, e tendo em conta a factualidade provada, que este praticou, como cúmplice, um crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, previsto e punido nos termos do art. 21.º, n.º 1, e art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e arts. 22.º, 23.º e 27º do CP.
45. A mesma argumentação se transpõe ipsis verbis para o facto ocorrido em 14/04/2016, em que o Tribunal a quo considerou que a atividade do arguido recorrente era também, pelo menos em parte, a de venda do estupefaciente então detetado no interior da cadeia, o que, todavia, não se comprovou, nem sequer se sabendo quais as circunstâncias em que tal produto chegou à sua posse.
46. Assim, do mesmo modo, deverá considerar-se que este praticou em autoria um crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, previsto e punido nos termos do art. 21.º, n.º 1, e art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
47. C) DA MEDIDA CONCRETA DA PENA - Na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para tal, em consideração os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.
48. Atentos os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal.
49. Considerando os escassos factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática dos crimes, a ausência de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram - quer sobre a conduta anterior e posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares -, deverão pender a favor do arguido, seja por aplicação do princípio geral "in dubio pro reo", seja pelo facto da falta de fundamentos para penalizar o arguido.
50. Na verdade, no que ao arguido B diz respeito, nada se sabe sobre se a prática dos crimes em causa, por parte deste se reconduzem a um ato isolado ou não... porquanto nunca antes havia sido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional. Afirmar que “o arguido agiu deliberada, voluntariamente” carece de fundamentação e de explicação, ainda para mais porque o Tribunal a quo parte da presunção de que, no que se refere ao acontecimento do dia 06/09, o produto estupefaciente apreendido à coarguida A àquele se destinava, quando jamais chegou à sua posse, o que sempre configuraria, em todo o caso, a prática daquele crime na forma tentada e não na forma consumada, porquanto o arguido B não chegou sequer a deter o produto em questão.
51. Por outro lado, quanto ao acontecimento ocorrido meses mais tarde, se é verdade que a substância em causa foi apreendida na sua posse, certo é que também nada se provou acerca de saber se tal seria para seu consumo próprio ou efetivamente para disseminar no interior do EP, designadamente, nenhum comprador foi interrogado, nem o arguido foi visto a transacionar tal produto, sendo também, quanto a estes factos a prova extremamente escassa, melhor dizendo, inexistente, para efeitos de imputação de um crime de tráfico.
52. Ora, se os factos são escassos e se pouco esclarecem sobre as circunstâncias concretas da prática dos crimes, quer numa, quer noutra data, difícil será dosear e determinar uma pena concreta.
53. Há que respeitar a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal, sem, contudo, se descurar o facto de assistir ao arguido o direito de exigir que o acórdão que determina a sua condenação - em especial a privação da sua liberdade - seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.
54. Tal como não fundamentou, na perspetiva da defesa, a culpa do arguido, também descurou, o Tribunal a quo na determinação das exigências de prevenção, nomeadamente, as exigências de prevenção especial.
55. Ao condenar o arguido em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Dec. Lei n.º 15/93, agravado nos termos do artigo 24º, al. h) do mesmo diploma, o Tribunal a quo violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa, atenta a factualidade considerada e a escassa fundamentação da douta decisão.
56. Quanto aos antecedentes criminais e personalidade do arguido, se é certo que este tem diversos antecedentes criminais, o certo é também que, nunca antes fora condenado pela prática desta espécie de crime em meio prisional, sendo plausível considerar que possam ter sido casos isolados e que, uma vez fora do estabelecimento prisional, não se repetirão (necessariamente) tendo, antes, sido induzidos pelo próprio meio prisional em conjugação com o problema de toxicodependência, que tem acompanhado o arguido desde tenra idade.
57. Com efeito, é facto assente que o arguido padece de problemas de toxicodependência, condição que, como é notório, o “empurra” para tal tipo de delitos exclusivamente em função da sua necessidade de consumos.
58. Como tal, a personalidade do recorrente é, mais do que uma personalidade frágil, uma personalidade doente, doença em função da qual é internamente “coagido” à prática de atos que tais.
59. Como assim, esta condição inerente ao arguido, não foi devidamente aquilatada no doseamento da pena, nem, bem assim, o facto de o arguido se encontrar atualmente já fora do estabelecimento prisional, em regime de liberdade condicional à ordem de outro processo – sendo que a sua nova inserção naquele ambiente poderá até criar as condições propícias à incursão novamente na prática dos mesmos crimes, sendo sabido que o ambiente prisional é potencialmente criminógeno.
60. O facto de se encontrar em regime de liberdade condicional evidencia também ter sido o arguido B merecedor de um juízo de prognose favorável acerca da sua futura conduta e reinserção na sociedade, além do reconhecimento da própria culpa e da gravidade das suas condutas anteriormente praticadas, todas elas, aliás, decorrentes da sua necessidade constante de consumo de tais substâncias.
61. Conforme consta do relatório social e perícias, o arguido encontra-se a ser acompanhado por uma comunidade terapêutica – Associação (…) – obedecendo às regras da instituição, estando inserido no programa de metadona, tendo acompanhamento psicológico que, com o decurso do tempo, se espera produza melhorias na sua libertação dos vícios de que padece e no seu desenvolvimento pessoal, possibilitando-lhe readquirir competências e uma futura e gradual reinserção na sociedade e até mesmo no mercado de trabalho.
62. Fazer o arguido em causa, ora recorrente, entrar novamente em estabelecimento prisional será para ele um enorme fracasso pessoal, induzindo-o a beirar, como tem afirmado por diversas vezes, o suicídio… manifestando pavor de regresso ao meio prisional e receando reincidir no consumo caso retorne, contrariamente ao que se passa atualmente, em que se encontra devidamente acompanhado pela dita instituição, bem como pela família, que o não despreza, cumprindo integralmente as regras daquela instituição e o plano de reabilitação que lhe foi proposto.
63. Efetivamente o arguido não ignora a gravidade das condutas que estão em causa, bem como não desconhecer que são elevadas as exigências de prevenção geral e especial em tais casos.
64. Porém, cremos, não poder deixar de ser ponderadas em seu favor os aspetos acabados de descrever, ou seja, a debilidade da sua personalidade em virtude da sua toxicodependência, bem como o facto de os crimes em questão terem sido cometidos em ambiente criminal, atenta a notória e mais que estudada natureza criminógena da prisão.
65. Com efeito, a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, independentemente das necessidades de prevenção geral positiva, o que impõe uma verdadeira proibição do excesso, sob pena de se ferir o âmago da dignidade humana do arguido, sendo este Princípio da Dignidade Humana, consagrado no artigo 1º da Constituição, o fundamento axiológico estruturante de toda a nossa ordem jurídica.
66. No caso sub judice, o recorrente não pode deixar de considerar que esse limite foi manifestamente ultrapassado, ao ter sido aplicada ao ora Recorrente a pena de prisão efetiva de 5 anos e 9 meses.
67. Na verdade, até quando comparada com as penas aplicadas às demais coarguidas A e C - pena de 2 anos e 6 meses e pena de 3 anos e 6 meses de prisão, respetivamente - a do arguido revela-se desproporcional e excessiva atento o bastante menor doseamento das penas em que incorreram as coarguidas, em conjugação com a escassez da prova produzida relativamente ao recorrente, sendo, por conseguinte e também, tal doseamento, violador do próprio Princípio da Igualdade no tratamento deste coarguido em relação às restantes coarguidas, ferindo-se assim o consagrado no artigo 13º da Constituição.
68. Assim, e tendo em consideração tudo quanto se vem de expor, impõe-se a aplicação ao Arguido, ora Recorrente, de uma pena justa e proporcional, tendo em conta o grau de participação nos factos, sendo que, relativamente ao arguido B, não se demonstrou ter este tido qualquer concreto e efetivo envolvimento no acontecimento do dia 06/09/15, sendo que, relativamente ao acontecimento do dia 14/04/16 não se provou senão a sua detenção ilícita da substância em causa; bem como dever, ainda, atender-se às penas aplicadas às restantes coarguidas sob pena de violação do princípio da igualdade.
69. Assim, o Arguido, ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e grau de participação nos factos, esta não poderá ser em caso algum superior a 5 anos de prisão, devendo ser SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, nos termos previstos no artigo 50º-1 e sgs do CP, ainda que sujeito a um regime de prova ou à subordinação ao cumprimento de deveres e regras de conduta que assegurem a promoção da sua reintegração na sociedade e da sua recuperação como pessoa no encetar de uma nova vida, conforme ao Direito.
70. Assim o impõe, desde logo, e quanto mais não seja, a obediência devida aos princípios fundamentais da Igualdade e Dignidade Humana consagrados na Constituição da República Portuguesa, cujos foram violados pelo presente acórdão o que, tal como já anteriormente alegado, e em conformidade com a argumentação expendida no mui douto Acórdão do TRG de 18-09-2006, proc. n.º 1055/06-1 ( “IV- Com efeito, há violações da lei processual muito mais graves que as nulidades insanáveis, quais são aquelas que constituem uma omissão de fundo constitucional e que, por isso, mais que nulas, são afetadas de inconstitucionalidade.”) ferem de inconstitucionalidade o Acórdão em crise, por violação do artigo 1º e 13º da CRP.
71. Em conformidade, consideramos que, a manterem-se os factos e a atual qualificação jurídica dos mesmos, uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução, realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sem ultrapassar a medida da culpa do recorrente.
DAS NORMAS VIOLADAS
- Artigos 21.º, n.º 1, e art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro
- Artigos 127º; 283º, n.º 3, b); 374º-2 do Cód. Proc. Penal
- Artigos 22º; 26ª; 27º; 50-1 sgs; 71º-1,2; 73ª do Cód. Penal;
- Artigo 1º e 13º, 205º-1 da Constituição da República Portuguesa.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE
V.V EXAS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, REQUER SEJA O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS, ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!

Recorrente C:
I) Vinha a arguida C acusada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos arts. 21º/n.º 1 e 24º-c) e h) do D.L. n.º 15/93, de 22/1.
II) Realizada a respetiva audiência de julgamento, foi a arguida condenada pela prática, como coautora material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
III) Deu o Tribunal a quo, e para o que aqui interessa, como provados os seguintes factos:
“1 – o arguido B encontrava-se, em 6 de Setembro de 2015, em cumprimento de pena de prisão no Estabelecimento Prisional de (…);
2 – a arguida A visitava o arguido B desde Fevereiro de 2015, de quem era (e é) namorada;
3 – na data referida no ponto 1 (destes factos provados), a arguida C era companheira de um também ali recluso, (…);
4 – no dia 6 de Setembro de 2015, cerca das 10 horas, a arguida A deslocou-se ao Estabelecimento Prisional de (…) para visitar o arguido B;
5 – nesse momento, foi a arguida A sujeita a uma revista de segurança, tendo-lhe sido apreendidos dois pedaços de uma substância de cor castanha com forma paralelepipédica envoltos em plástico celofane que aquela introduzira na zona genital;
6 – efetuado o competente exame laboratorial, apurou tratar-se de cannabis (resina), com o peso líquido de 49,951 gramas;
7 – os pedaços de cannabis destinavam-se a ser entregues ao arguido B que, pelo menos em parte, pretendia distribuí-los no interior do Estabelecimento Prisional de (…), em troca de dinheiro, a vários outros reclusos;
8 – a arguida A sabia que transportava aquelas substâncias e o fim a que se destinavam;
9 – as referidas substâncias foram-lhe entregues, após troca de mensagens escritas, via telefone móvel, durante a manhã do apontado dia 6 de Setembro de 2015, no interior do café (…), nesta cidade de (…), pela arguida C;
10 – na posse do produto, a arguida A deslocou-se à casa de banho do mencionado café (…), local onde o introduziu na sua vagina;
11 – após, dirigiram-se ambas as arguidas, mas separadamente, para o Estabelecimento Prisional de (…);
12 – a arguida A utilizava o telefone móvel n.º XXXXXXXXX e a arguida C utilizava o telefone móvel n.º YYYYYYYYY;
13 – agiram os arguidos A, B e C de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito de introduzirem as substâncias estupefacientes (os dois pedaços de cannabis) no interior do Estabelecimento Prisional de (…), no referido dia 6 de Setembro de 2015, bem conhecendo as suas características, propriedades e natureza;”
(…)
“17 – os arguidos A, B e C sabiam não terem autorização alguma para deter, transportar, consumir e ceder as substâncias estupefacientes em causa;
18 – agiram os referidos arguidos A, B e C deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;
(…)
59 – a arguida C ficou órfã de mãe aos dois anos de idade, tendo sido então integrada, tal como os seus sete irmãos, em acolhimento (familiar ou institucional);
60 – foi então criada por um casal conhecido dos seus pais, a quem tratava por “avós” e que lhe proporcionaram normais condições de vida até sair daquele seio familiar, contava a arguida 17 anos de idade;
61 – ingressou na escola na idade legalmente prevista, experimentando variadas dificuldades de aprendizagem e irregular assiduidade, concluindo o 4º ano de escolaridade já durante a vida adulta;
62 – foi mãe durante a sua juventude e sem qualquer suporte familiar, sendo então acolhida temporariamente em uma instituição de apoio para mães, da qual saiu com o apoio de uma tia;
63 – o seu filho mais velho conta atualmente 26 anos de idade e tem vida familiar organizada;
64 – a arguida viria a estabelecer um novo relacionamento de vivência em comum com o pai dos seus dois filhos mais novos – na atualidade com 24 e 19 anos –, o qual veio a deixar devido a diversos problemas de toxicodependência, ficando os filhos entregues aos cuidados de familiares residentes na zona da cidade do (…), com quem enceta contactos esporádicos;
65 – a arguida reside em (…) desde há cerca de 16 anos, onde conheceu (….), acima identificado no ponto 3 (dos presentes factos provados), e de quem foi companheira durante cerca de 15 anos, vivendo ambos períodos especialmente vulneráveis, pernoitando em espaços devolutos da cidade ou em quartos arrendados, subsistindo com apoios sociais do Estado e de instituições de intervenção social local, assim como do chamado “rendimento social de inserção”;
66 – a arguida já trabalhou como ajudante de cabeleireira, empregada de restaurante, empregada de limpeza, tendo-se também dedicado a “arrumar” automóveis;
67 – em finais de Fevereiro de 2016, terminou o relacionamento com o mencionado (…), ainda durante o período de reclusão do mesmo, iniciando, em Agosto do citado ano, uma nova relação afetiva, constituindo um agregado composto pelo companheiro, de 40 anos, empregado, e o pai deste último, reformado;
68 – o companheiro da arguida aufere o salário de cerca de € 600 por mês como (…) e a arguida trabalha, desde há cerca de cinco meses, em uma empresa de limpezas por cuja conta percebe € 500 mensais;
69 – a arguida C foi julgada e condenada no processo comum coletivo n.º 204/12.3JACBR, da (então) 1ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, através de acórdão proferido em 19 de Fevereiro de 2014, transitado em julgado em 21 de Março de 2014, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período de 2 anos, mediante regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, ocorrido em 22 de Abril de 2013, vindo depois a pena a ser declarada extinta, por decurso do respetivo prazo.”
IV) O Tribunal a quo afirma que a sua convicção se sustenta na globalidade da prova produzida, analisada criticamente e com base nas regras da experiência comum.
V) A arguida não concorda nem se conforma com o Acórdão proferido, desde logo, porque a sua condenação se sustenta unicamente em provas indiretas ou circunstanciais, sem quaisquer factos-base resultantes de prova direta. E, por outro lado, foram duplamente valorados pelo Tribunal a quo os seus antecedentes criminais: primeiramente na determinação da medida da pena, e posteriormente, na decisão de não suspensão da pena de prisão determinada.
VI) Não foram devidamente apreciadas e valoradas as condições pessoais, sociais e laborais atuais da arguida, demonstrativas da sua plena inserção na sociedade e a mudança comprovada da sua errática conduta.
VII) A pena aplicada é desproporcional, desmedida, e desnecessária, em claro prejuízo da reintegração e ressocialização da arguida.
VIII) A pena aplicada viola os artigos 40.º, 50.º, 70.º, e 71.º, todos do Código Penal.
IX) - Afirma o Tribunal a quo que a decisão condenatória da arguida C se sustenta na prova produzida e existente nos autos, designadamente, nas mensagens trocadas entre as arguidas; nos fotogramas obtidos no interior do café (…); e no auto de interceção da arguida A.
X – Esta prova não se afigura suficiente para sustentar que a arguida C teve intervenção nos factos em questão, e por conseguinte, a sua condenação, como coautora material, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93.
XI – A única prova direta existente nos autos é a resultante da interceção da arguida A, a qual implica apenas e tão-somente esta arguida, já que a arguida C não foi intercetada, nem acompanhava aquela outra arguida.
XII - A demais prova existente no processo, e em que o Tribunal a quo diz sustentar a condenação da arguida C é meramente circunstancial ou indireta.
XIII – A verdade alcançada no processo deve ser, ainda que não “absoluta”, sustentada em prova direta e bastante da qual não restem dúvidas da prática dos factos e da sua autoria. O que no presente caso não se verifica.
XIV – A interceção da arguida A à entrada do Estabelecimento Prisional de (…), e consequente, apreensão de produtos estupefacientes, não permite aferir a coautoria da arguida C na prática dos factos.
XV – E igual conclusão merece a demais prova existente nos autos, nomeadamente, as mensagens escritas trocadas entre as arguidas e os fotogramas obtidos no interior do Café (…), ambas em 06.09.2015.
XVI - Dos fotogramas não se vê se as arguidas se sentaram na mesma mesa, e sobretudo, se a arguida C entregou produto estupefaciente à arguida A. Nada permitindo concluir acerca da participação da aqui recorrente nos factos discutidos nos autos.
XVII - Das mensagens escritas trocadas entre as arguidas, mais concretamente a mensagem enviada pela arguida A à arguida C, às 08horas 16minutos e 17segundos, onde se pode ler “OK depois liga para te dizer aonde tou quando chegares dasme na casa de banho e depois é melhor não irmos juntas para não dar nas vistas” também não resulta, na nossa modesta opinião, que a arguida C tivesse efetivamente entregue à arguida A as substâncias estupefacientes apreendidas a esta, mais tarde, naquela manhã.
XVIII - Os referidos fotogramas (fls.94 a 107) mostram, aliás, que a arguida A foi sozinha à casa de banho.
XIX – A arguida A podia ter recebido o produto estupefaciente de qualquer outra pessoa antes de se deslocar para o Estabelecimento Prisional de (…), no período de tempo que mediou entre o encontro das arguidas e a chegada da arguida A àquele local.
XX – É plausível equacionar que a arguida C nada tenha entregue à arguida A, e que por esse motivo, a mesma se tenha ausentado, e antes de ir para o Estabelecimento Prisional de (…), ter recebido de outra pessoa o produto estupefaciente que lhe foi posteriormente apreendido.
XXI – Também as testemunhas inquiridas nada demonstraram saber acerca da participação da arguida C nos factos: a testemunha (…), Inspetor, cujo depoimento foi prestado em 12.02.2018, e se encontra gravado no ficheiro 20180212102431_2748692_2870710, das 10:24:32 às 10:45:03, rotação 00:00:01 até 00:20:30, foi perentório ao afirmar que das diligências de interceções telefónicas e das vigilâncias levadas a cabo à arguida C nada resultou; e a testemunha (…) (cujo depoimento foi prestado em 12.02.2018 e se encontra gravado no ficheiro 20180212114943_2748692_2870710, das 11:49:43 às 11:57:59, rotação 00:00:01 até 00:08:14 e para o que aqui importa com inicio aos minutos 00:02:49 e fim aos minutos 00:04:14, e no ficheiro 20180212115924_2748692_2870710, das 11:59:24 às 12:05:01, rotação 00:00:01 até 00:05:36, e para o que aqui importa com inicio aos minutos 00:00:01 e fim aos minutos 00:00:53) disse, contrariamente ao referido no Acórdão recorrido, não se recordar das arguidas, nem se recordar de ter assistido a nada de “anormal” que captasse a sua particular atenção.
XXII - A condenação da arguida C sustenta-se única e exclusivamente na prova indireta existente nos autos, sem que esta se sustente, por sua vez, em qualquer prova direta. E portanto, aquela, isoladamente, de nada pode valer.
XXIII – Ao condenar a arguida com base naquela prova violou o Tribunal a quo o princípio ínsito no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
XXIV – É o próprio Tribunal a quo quem, a propósito da precaução de que o julgador se deve valer na mobilização da prova indiciária, diz que “apenas possa ser extraído o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, assim afastando também diversas hipóteses factuais igualmente possíveis mas descabidas em cada situação decidenda.”
Sendo que de nenhuns outros factos elementos de prova que corroborem os indiciários o Tribunal se vale.
XXV – O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-03-2012, proferido no âmbito do processo n.º 460/10.1JALRA.C1, elucida-nos a este respeito que: “(…) 3. Para que a prova indireta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração exigem-se alguns requisitos: pluralidade de factos-base ou indícios; que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência; não se admitir que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária.”
XXVI – Em suma, o Tribunal a quo não podia valer-se apenas de prova indiciária ou indireta para dar como provados os factos 9, 13, 17 e 18, e, em consequência, condenar a arguida C como coautora material da prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º-a), do D.L. n.º 15/93, de 22/1.
XXVII – Não podia o Tribunal a quo ter dado como provado que:
“9 – as referidas substâncias foram-lhe entregues, após troca de mensagens escritas, via telefone móvel, durante a manhã do apontado dia 6 de Setembro de 2015, no interior do café (…), nesta cidade de (…), pela arguida C;
(…)
13 – agiram os arguidos A, B e C de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito de introduzirem as substâncias estupefacientes (os dois pedaços de cannabis) no interior do Estabelecimento Prisional de (…), no referido dia 6 de Setembro de 2015, bem conhecendo as suas características, propriedades e natureza;
(…)
17 – os arguidos A, B e C sabiam não terem autorização alguma para deter, transportar, consumir e ceder as substâncias estupefacientes em causa;
18 – agiram os referidos arguidos A, B e C deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;”
XXIX - Não podia o Tribunal a quo ter condenado a arguida C pela prática, como coautora material, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93. Impondo-se antes a sua absolvição.
Sem prescindir,
XXX - Caso assim não se entenda, sempre deveria a pena de prisão aplicada à arguida ser inferior ao determinado e suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º do Código Penal.
XXXI - Como se disse, o Tribunal a quo sustentou a sua decisão na prova produzida e existente nos autos, nomeadamente, as mensagens trocadas entre as arguidas; os fotogramas obtidos no interior do café (…); e o auto de interceção da arguida A.
XXXII – Valorou o Tribunal a quo o facto de estar em causa uma chamada “droga-leve”, destinada a uma entrega circunscrita no espaço e no tempo, e ainda a uma pessoa concreta.
E considerou ainda como relevante, o facto de as arguidas aparentarem ser “dependentes de um certo comando exógeno, mais forte, que as transformam em perfeitos “meios de transporte” de uma atividade”.
XXXIII - Quanto à determinação da medida da pena, teve o Tribunal a quo em consideração a gravidade da ilicitude dos factos – número e ao grau de violação dos interesses ofendidos, as quantidades e as características das substâncias estupefacientes em questão, o facto de se tratar de uma situação isolada, e ainda as consequências e eficácia dos seus atos; o dolo manifestado; as condições pessoais de vida da arguida, marcadas pela dureza e dificuldades, e a sua estabilização laboral; e também os antecedentes criminais da arguida C.
XXXIV – O Tribunal a quo aplicou penas, embora ambas de prisão naturalmente, mas diferenciadas às duas arguidas do processo - à aqui recorrente a pena de prisão efetiva de 3 (três) anos e 6 (seis) meses; e à arguida A a pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (meses), suspensa na sua execução por igual período – sem que para isso tenha invocado razão bastante.
XXXV – Com efeito, para além da existência de antecedentes criminais relativamente à arguida C, não foi invocado mais nenhum fundamento que justifique a diferenciação das penas em 1 (um) ano.
XXXVI – Uma vez que os factos praticados por ambas, preenchem o mesmo tipo legal de crime, não é discutível se uma ou outra conduta é mais ou menos gravosa. Sendo certo que a pena aplicada à arguida C é excessiva, desnecessária e desproporcional à gravidade dos factos praticados, às suas consequências, e ao seu resultado.
XXXVII - Deveria ter sido aplicada à aqui recorrente pena mais próxima da aplicada à arguida A.
XXXVIII – Acresce que, no que tange à escolha concreta da pena voltou o Tribunal a quo a valorar os antecedentes criminais da arguida aqui recorrente, em clara violação do princípio da dupla valoração, a qual é proibida no nosso ordenamento jurídico-penal.
XXXIX – Por outro lado, frise-se que, com exceção da referência aos antecedentes criminais da arguida, nada mais o Tribunal a quo refere que inviabilize a suspensão da pena de prisão que foi aplicada à arguida.
XL – O Tribunal a quo viola o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, já que primeiramente, e a propósito da arguida A, afirma que a existência de outras condenações não são, a priori, impeditivas da aplicação da suspensão; para depois, no que respeita à arguida C dar o dito por não dito, ao sustentar a sua decisão de não suspensão da pena de prisão a esta aplicada com base unicamente na sua anterior condenação.
XLI – O Tribunal a quo olvida e desconsidera totalmente as condições pessoais, sociais e profissionais da arguida no que tange à suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
XLII – Na fundamentação do Acórdão recorrido é possível perceber que o facto de a arguida se encontrar empregada é notado pelo Tribunal, e até valorizado. Porém, uma vez chegado à decisão de suspender ou não a pena de prisão aplicada, o Tribunal nada refere a propósito das condições pessoais, sociais e profissionais da arguida.
XLIII – Como o Tribunal deu, aliás, como provado, a arguida encontra-se inserida na sociedade quer profissional quer socialmente. Esta está empregada, tem um rendimento mensal fixo, e inerente à sua situação de empregabilidade está também a sua inserção social no trabalho mas também na zona onde reside.
XLIV – Pessoalmente a arguida tem um novo relacionamento amoroso desde Agosto de 2016, residindo com o companheiro (que também trabalha, como (…), e tem rendimento mensal fixo), e com o pai deste.
XLV - A situação pessoal, social e profissional da arguida C é, portanto, radicalmente distinta da que a arguida vivenciava na altura dos factos (e anteriormente): tinha um outro relacionamento amoroso, com um recluso que cumpria então pena no Estabelecimento prisional de (…), sendo a situação de ambos de especial vulnerabilidade, atento o facto de a arguida ser arrumadora de carros, e pernoitar em locais devolutos da cidade ou em quartos arrendados; e vivia dos apoios do Estado e dos “trocos” que recebia como arrumadora de carros.
XLVI - O relatório social elaborado por ordem do presente processo reflete que “(…) na atualidade apresenta um modo de vida estruturado com ocupação, uma relação familiar caraterizada de estável e sem registo de obstáculos à sua integração no atual meio social de residência. Manifesta preocupação quanto ao desenrolar da situação jurídica e quando confrontada com o tipo de factos de que está indiciada, apresenta sentido crítico face a condutas desta natureza. A rutura do relacionamento com o companheiro e o estabelecimento de nova relação em meados de 2016, parece ter alterado o padrão de vida que a arguida vinha mantendo. Está agora inserida profissional e socialmente, apresentando estabilidade e suporte familiar no atual contexto. Caso venha a ser condenada somos de opinião que reúne requisitos para executar uma medida probatória na comunidade e acompanhada pelos Serviços de Reinserção, à qual manifestou adesão.”
XLVII - Os Serviços de Reinserção Social formularam, se assim lhe podemos chamar, um “juízo de prognose favorável”, atentas as mudanças ocorridas na vida da arguida, e as suas atuais circunstâncias de vida.
XLVIII – Deveria também o Tribunal a quo ter sopesado estas circunstâncias e não o fez, sendo ao invés omisso quanto à valorização das mesmas, em benefício da arguida, ou justificando por que motivo as mesmas não são suficientes para formular o dito juízo de prognose favorável.
XLIX – Padecendo, nesta parte, o Acórdão recorrido de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, já que esta era uma questão que cabia ao Tribunal a quo conhecer, ou melhor dizendo, estes eram factos e circunstâncias que cabia ao Tribunal a quo avaliar. Devendo, pois, ser extraídas as devidas consequências legais.
L – Conforme dispõe o artigo 50.º do Código Penal, cabia ao Tribunal apreciar não apenas as circunstâncias do crime, mas também e sobretudo as circunstâncias pessoais ou condições de vida da arguida no momento da condenação.
LI - É isto que nos ensina o Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 343), que refere que: “E «para a formulação de um tal juízo [de prognose favorável] – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto». (…) na formulação do aludido prognóstico, o Tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto”.
LII - Salvo o devido respeito por diversa opinião, o Tribunal a quo fez precisamente o inverso, ou seja, atendeu às circunstâncias da vida da arguida no momento da prática do facto, e não às condições e circunstâncias vivenciais da arguida no momento da condenação.
LIII – Se o tivesse feito, está a arguida convicta que a pena de prisão aplicada teria sido suspensa na sua execução.
LIV – Ademais, entende a recorrente que o Tribunal a quo não justifica a decisão de não suspender a pena de prisão aplicada à arguida C, já que não basta afirmar que “a proteção dos bens jurídicos postergados pela sua atuação estarão como que sempre, e uma vez mais, à “disposição” de um novo comportamento semelhante” e que “a oportunidade anteriormente concedida de pouco ou nada serviu no sentido de evitar a perpetração, pela mesma, de futuros atos similares, integráveis no tráfico de estupefacientes” sem sustentar tais afirmações em factos concretos, nomeadamente, na situação pessoal, social e laboral da arguida no presente, ou mais corretamente, no momento da condenação. Padecendo, pois, o Acórdão recorrido de falta de fundamentação, com as inerentes consequências legais, nomeadamente, a sua nulidade.
LV – Até porque, como se disse, as circunstâncias de vida da arguida mudaram radicalmente e se devidamente consideradas impunham decisão diversa, no sentido da suspensão da pena de prisão aplicada à arguida.
LVI - Não compreende nem aceita a recorrente de onde retirou o Tribunal a quo a ilação de que a arguida poderá repetir semelhante comportamento. E que aliás, as suas atuais circunstâncias de vida a impelirão a tal conduta.
LVII - A arguida tem um novo projeto de vida, o qual será devassado caso tenha que cumprir uma pena de prisão efetiva.
LVIII – Temos vindo a assistir à crescente consciencialização de que as prisões mais não são do que “escolas de crime” e que em nada beneficiam os condenados no que à sua reintegração e ressocialização respeitam.
LIX – A suspensão da pena de prisão não é uma faculdade discricionária de que o Tribunal dispõe, mas um poder-dever ou um poder vinculado, conforme se pode constatar pela leitura do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 10-02-2010, no âmbito do processo n.º 113/09.3GTCTB.C1, disponível em www.dgsi.pt:
“1. Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
2. O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respetivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.
3. Não o fazendo comete a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP.”
LX - O nosso ordenamento jurídico demonstra prevalência pelas penas não privativas da liberdade. Pelo que ainda que o crime pelo qual a arguida foi condenada seja cominado com pena de prisão, deve a suspensão da sua execução ser aplicada sempre que estejam reunidos os respetivos pressupostos, e resultem satisfeitas as finalidades da punição.
LXI - Na modesta opinião da recorrente, estão reunidos os pressupostos para que seja suspensa na sua execução a pena de prisão aplicada, uma vez que as suas circunstâncias de vida determinam um juízo de prognose favorável, e aquela satisfará “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
LXII - A arguida não é alheia que ao tipo de ilícito penal praticado estão associadas necessidades de prevenção elevadas. Porém, não pode também descurar-se a finalidade ressocializadora das penas, nem esquecer-se que em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
LXIII – Da leitura dos artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal, extrai-se que as penas têm uma dupla finalidade: a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; e que tal desiderato é limitado pelo princípio da estrita necessidade da reação sancionatória à medida da culpa.
LXIV – Como doutamente nos ensina o Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (cfr. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais – A doutrina geral do crime), em relação à determinação da pena, as exigências de prevenção especial tidas em conta são em regra positivas ou de socialização, só excecionalmente serão negativas.
LXV – Assim, se de um lado se apresentam exigências de prevenção geral (positiva), apelando à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e centrada no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens tutelados; não menos importante se revela a prevenção especial que visa a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
LXVI - A arguida está pessoal, social e profissionalmente inserida na sociedade, sendo distintas as suas circunstâncias de vida à data da prática dos factos e no momento da condenação.
LXVII - Uma pena, como a aplicada, que menosprezando as circunstâncias da vida atuais da arguida, não seja suspensa na sua execução, é excessiva, desnecessária e desproporcional.
LXVIII - Mais, viola claramente a medida da culpa, ainda que arrazoada em exigências de prevenção, e nessa medida é atentatória da dignidade humana da arguida e do princípio da socialidade, e por isso, também violadora de preceitos jurídico-constitucionais.
LXVIX - A recorrente entende que ao aplicar à arguida a pena de prisão de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, e bem assim, ao ter decidido pela não suspensão da mesma, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
LXX – Devendo o Acórdão proferido ser revogado, e substituído por outro que determine pena de prisão inferior à aplicada, e determine também a suspensão da sua execução, mesmo que subordinada a regras de conduta.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

4. Por despacho exarado a fls. 1261 foram os recursos admitidos com efeito suspensivo.

5. Aos recursos respondeu o Ministério Público, concluindo:
Quanto ao recurso interposto por A:
1. A arguida, que vinha acusada como coautora material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21.º, n.º1 e 24.º, alínea c) e h), do Decreto-Lei n.º15/93, foi condenada como coautora material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º15/93.
2. O douto Tribunal a quo aplicou-lhe uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada cumulativamente de um regime de prova assente em plano individual de reinserção social, tendente a seu ingresso no mercado laboral e ao afastamento de ambientes e pessoas relacionados com o tráfico de substâncias estupefacientes.
3. O Tribunal foi bastante benevolente quando alterou a qualificação jurídica da incriminação imputada à arguida, na medida em que ela bem conhecia as características e natureza do estupefaciente e estava ciente de que a sua detenção e transporte era proibido e punido por lei penal, sendo certo que, não obstante, a quis introduzir num estabelecimento prisional, para ser vendida a reclusos, de conluio com os coarguidos.
4. As circunstâncias em que a arguida recebeu o estupefaciente e o transportou até ao estabelecimento prisional (dissimulado no interior do corpo) revelam que houve planeamento da atividade criminosa e cautelas na sua execução.
5. A pena aplicada à arguida está certamente bem abaixo da sua culpa, pois a sua conduta é grave e a arguida tinha perfeita consciência da sua gravidade.
6. Comparativamente com as penas aplicadas aos coarguidos, não tem a arguida motivos para reclamar.
7. A coarguida C foi condenada numa pena de 3 anos e 6 meses de prisão e o coarguido B foi condenado numa pena de 5 anos e 9 meses de prisão, ou seja, mais 1 ano, no caso da C, e mais 3 anos e 3 meses, no caso do B, sendo certo que estes foram condenados em penas de prisão efetivas.
8. A pena imposta à arguida, se de algum vício padece, só pode ser de excessiva benevolência.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Quanto ao recurso interposto por B:
1. Nos autos em epígrafe foi proferido douto acórdão, no qual se decidiu condenar o arguido B, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21.º, n.º1 e 24.º, alínea c) e h), do Decreto-Lei n.º15/93, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
2. Inconformado com o douto acórdão, dele veio o arguido (…) interpor recurso, sendo que, para tanto, alega, em síntese:
· Erro de julgamento, na medida em que os pontos 7, 13, 15, 16 e 18 dos factos dados como provados deveriam ter sido dados como não provados;
· Nulidade da acusação, por não conter factos que sustentem a imputação do elemento subjetivo, e nulidade e inconstitucionalidade do acórdão, por violar o dever legal e constitucional de fundamentação;
· Sem prescindir, sempre o arguido deveria ter sido apenas condenado por crime de tráfico de estupefacientes, na forma tentada e em cumplicidade;
· Sem prescindir, sempre o arguido deveria ter sido condenado em pena não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.
3. Invocou o arguido e recorrente que o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que os pontos 7, 13, 15, 16 e 18 dos factos dados como provados deveriam ter sido dados como não provados.
4. Acontece, porém, que o recorrente se limitou a indicar os concretos pontos de facto que, em seu entender, foram incorretamente julgados, mas, nem na motivação, nem nas conclusões do seu recurso, especificou as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas, pelo que temos de concluir que não deu cumprimento àquele ónus de impugnação especificada, imposto pelos aludidos n.º3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. É, pois, manifesta a improcedência do recurso, nesta parte.
5. O ponto 18 dos factos dados como provados – “agiram os referidos arguidos A, C e B deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas pela lei penal” – foi corretamente julgado.
6. Esta factualidade, que integra o elemento subjetivo do tipo de crime, deve estar descrita na acusação, com esta ou com uma formulação equivalente, e deve ser dada como provada, para fundamentar uma condenação.
7. Perante a factualidade dada como provada, é por demais evidente que o aqui recorrente cometeu um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21.º, n.º1 e 24.º, alínea h), do Decreto-lei n.º15/93, na forma consumada e como autor (embora também como coautor, na situação em que são também intervenientes as coarguidas C e A).
8. O arguido foi condenado na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
9. Este crime é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, aumentados de ¼ nos seus limites mínimo e máximo, ou seja, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
10. Para a determinação da pena de prisão aplicada ao arguido e do seu quantum, o Tribunal a quo atendeu à sua situação pessoal, assumindo particular relevância “o já bastante relevante passado criminal do arguido”.
11. Com efeito, os antecedentes criminais do arguido são vastos e diversificados, sendo certo que os factos por que foi agora condenado foram praticados durante o cumprimento de uma pena única de 6 anos de prisão.
12. A pena imposta ao arguido situa-se próximo do limiar mínimo da moldura penal aplicável pelo que, se de algum vício padece, só pode ser de excessiva benevolência.
13. Ainda assim, situando-se claramente dos 5 anos de prisão, está fora de hipótese a suspensão da sua execução.
14. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, não enfermando de qualquer vício de natureza formal ou material que inquine a sua validade material e, por isso, deve ser mantida nos seus precisos termos.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Quanto ao recurso de C:
1. Consideramos que foi produzida prova de que a arguida C, aqui recorrente, cometeu efetivamente um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, sendo que a pena que lhe foi aplicada – 3 (três) anos e 6 (seis) de prisão, se de algum vício padece, só pode ser de excessiva benevolência.
2. A recorrente fez algumas alusões aos elementos probatórios dos autos e procedeu à transcrição parcial dos depoimentos das testemunhas (…), mas, não especificou os concretos pontos de facto que, em seu entender, foram incorretamente julgados, nem na motivação, nem nas conclusões do seu recurso, pelo que temos de concluir que não deu cumprimento ao ónus de impugnação especificada, imposto pelos aludidos n.º3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, motivo pelo qual é manifesta a improcedência do recurso, com fundamento em erro de julgamento quanto à matéria de facto.
3. Atento o acervo probatório carreado (incluindo prova direta e indireta), a decisão proferida está fundamentada de forma inteiramente justa, tanto no que respeita aos factos dados como provados e não provados, que se adequam inteiramente à prova produzida, como no que respeita à motivação de facto e de direito, que explicita o processo de formação da convicção do tribunal e justifica a decisão proferida, pelo que, in casu, cumpre reafirmar a sua bondade, justeza e validade.
4. Para a determinação da pena aplicada à arguida e do seu quantum, o Tribunal a quo atendeu ao facto de ela ter uma anterior condenação pela prática de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em pena de prisão suspensa na sua execução, em cujo período suspensivo voltou a cometer os factos por que foi agora condenada.
5. A pena aplicada à arguida – 3 (três) anos e 6 (seis) de prisão, não pode ser reduzida e muito menos suspensa na sua execução.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

6. Na Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de os recursos não merecerem provimento.

7. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do C.P.P., nenhum dos recorrentes reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto dos recursos
Tendo presentes as conclusões, as quais sem prejuízo de eventuais questões de natureza oficiosa, delimitam os poderes cognoscitivos do tribunal de recurso, importa decidir se,
(i) Recurso de A:
- Se revela desadequada a medida concreta da pena encontrada.
(ii) Recurso de B:
- Em função de insuficiência de narração dos factos concernentes aos elementos subjetivos do crime, é nula a acusação e, em consequência, o acórdão;
- Ocorreu erro de julgamento;
- Se verifica erro de direito no que respeita à qualificação jurídica dos factos e, bem assim, quanto à participação do arguido;
- Mostra-se desadequada a pena concreta fixada;
- Deveria ter sido decretada a suspensão da sua execução.
(iii) Recurso de C:
- A insuficiência de prova direta e o uso indevido da prova indireta conduziram ao erro de julgamento;
- Peca por excesso a pena cominada;
- Deveria ter sido decretada a suspensão da sua execução.

2. O acórdão recorrido
Ficou a constar do acórdão [transcrição parcial]:
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, entende-se provada a seguinte matéria factual, pertinente à decisão a proferir:
1 – o arguido B encontrava-se, em 6 de Setembro de 2015, em cumprimento de pena de prisão no Estabelecimento Prisional de (…);
2 – a arguida A visitava o arguido B desde Fevereiro de 2015, de quem era (e é) namorada;
3 – na data referida no ponto 1 (destes factos provados), a arguida C era companheira de um também ali recluso, (…);
4 – no dia 6 de Setembro de 2015, cerca das 10 horas, a arguida A deslocou-se ao Estabelecimento Prisional de (…) para visitar o arguido B;
5 – nesse momento, foi a arguida A sujeita a uma revista de segurança, tendo-lhe sido apreendidos dois pedaços de uma substância de cor castanha com forma paralelepipédica envoltos em plástico celofane que aquela introduzira na zona genital;
6 – efetuado o competente exame laboratorial, apurou tratar-se de cannabis (resina), com o peso líquido de 49,951 gramas;
7 – os pedaços de cannabis destinavam-se a ser entregues ao arguido B que, pelo menos em parte, pretendia distribuí-los no interior do Estabelecimento Prisional de (…), em troca de dinheiro, a vários outros reclusos;
8 – a arguida A sabia que transportava aquelas substâncias e o fim a que se destinavam;
9 – as referidas substâncias foram-lhe entregues, após troca de mensagens escritas, via telefone móvel, durante a manhã do apontado dia 6 de Setembro de 2015, no interior do café (…), nesta cidade de (…), pela arguida C;
10 – na posse do produto, a arguida A deslocou-se à casa de banho do mencionado café (…), local onde o introduziu na sua vagina;
11 – após, dirigiram-se ambas as arguidas, mas separadamente, para o Estabelecimento Prisional de (…);
12 – a arguida A utilizava o telefone móvel n.º XXXXXXXXX e a arguida C utilizava o telefone móvel n.º YYYYYYYYY;
13 – agiram os arguidos A, B e C de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito de introduzirem as substâncias estupefacientes (os dois pedaços de cannabis) no interior do Estabelecimento Prisional de (…), no referido dia 6 de Setembro de 2015, bem conhecendo as suas características, propriedades e natureza;
14 – no dia 14 de Abril de 2016, foram apreendidos na posse do arguido B, no interior do Estabelecimento Prisional de (…), sete pacotes de heroína com o peso líquido de 0,112 gramas;
15 – o produto estupefaciente em causa era, pelo menos em parte, destinado pelo arguido B a vender a terceiros no interior do Estabelecimento Prisional de (…);
16 – tais pacotes encontravam-se no interior dos bolsos do arguido B;
17 – os arguidos A, B e C sabiam não terem autorização alguma para deter, transportar, consumir e ceder as substâncias estupefacientes em causa;
18 – agiram os referidos arguidos A, B e C deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;
(…).
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
Assim, e designadamente, não se demonstrou que:
(…).
*

3. Apreciação
A ordem cronológica por que foram apresentados os recursos conduziria a que iniciássemos pela apreciação do interposto pela arguida A; contudo, assim não sucederá em virtude de no recurso intentado pelo coarguido B vir suscitada, como decorrência da falta de narração completa da factualidade integrante do crime em questão, a nulidade da acusação e seu reflexo no acórdão, insuficiência que, a verificar-se, ultrapassa a pessoa do recorrente, expandindo os seus efeitos aos demais coarguidos, também eles recorrentes.

Vejamos então o recurso interposto pelo arguido B.
§1. Da nulidade da acusação e seu reflexo no acórdão
Vem a predita nulidade direcionada ao elemento subjetivo do crime, já em função da acusação não conter uma narração completa do mesmo, já por via da descrição, a esse nível, dos factos não se mostrar suficientemente densificada.
Neste específico domínio, perscrutados os autos, constata-se haver o tribunal a quo transposto (sem alteração) para o acórdão os termos da acusação, ou seja a imputação de terem os arguidos agido “deliberada, voluntária e conscientemente, porquanto sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas pela lei penal”.
Em causa, num primeiro momento, estaria a “liberdade de decisão” do arguido, traduzido no poder ter agido de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico, denominado por Figueiredo Dias por “tipo-de-culpa dolosa” «como a expressão, documentada no ilícito-típico, de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal» - [cf. Direito Penal, 1975, Universidade de Coimbra, pág. 184/185], permitindo a sua presença afastar as causas de exclusão da culpabilidade, como circunstâncias (impeditivas da atribuição culposa ao seu autor de determinado ato considerado ilícito pela lei) que anulam o conhecimento ou a vontade do agente.
Orientação que, também, encontra tradução nas palavras de M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio quando se reportam ao “duplo lugar” que o dolo ocupa, na medida em que determina não só o desvalor de uma conduta, mas também a culpa do agente. Na ilicitude, ele exprime a finalidade, o sentido subjetivo da ação (dolo do tipo); na culpa, será a expressão da atitude contrária ou indiferente ao direito, característica da realização dolosa. Na ilicitude, o dolo corporiza o sentido jurídico-social da ação; na culpa, representa a medida e a forma de censurabilidade (ULRICH ZIEGERT, 1987, p. 139). A punição por facto doloso só se justifica por um elemento que pertence ao tipo de culpa: “quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal”, FIGUEIREDO DIAS, 2007, p. 350” – [cf. Código Penal, Parte geral e especial, 20014, Almedina, pág. 118/119]. Será, além do mais, a capacidade de autodeterminação do agente que está em causa, já que se a mesma faltar «o facto não repousa sobre atitude interna juridicamente desaprovada» - [cf. JESCHECK/WEIGEND, Tratado de Direito Penal, versão espanhola, 5.ª edição, 460/461, 504 e seguintes].
É a consideração dos elementos subjetivos do facto na perspetiva da culpa, no caso da «culpa dolosa», que a acusação e o acórdão omitem, focando-se exclusivamente nas componentes do dolo enquanto elemento subjetivo essencial do tipo, a saber o conhecimento e vontade da sua realização no momento da prática do facto (dolo do tipo), traduzido, o primeiro, no conhecimento material dos elementos e circunstâncias do tipo legal em causa, bem como o seu sentido e alcance (elemento intelectual ou cognoscitivo) e o segundo numa especial direção da vontade, qual seja a da realização do facto ilícito previsto pelo agente, consequenciando os diferentes tipos de dolo: direto; necessário ou eventual (elemento volitivo).
Efetivamente, o agente pode agir de forma consciente e voluntária, com conhecimento do caráter proibido e punível da sua conduta e, contudo, esta não decorrer com liberdade. Basta pensar no caso em que a atuação se fica a dever a coação moral.
Assim, fazendo nossas as palavras do acórdão desta Relação de 30.09.2009 (proc. n.º 910/08.7TAVIS.C1), cuja orientação encontra eco no acórdão do TRC de 01.06.2011 (proc. n.º 150/10.5T3OVR.C1, dir-se-á que «num crime doloso da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa – o arguido pôde determinar a sua ação), deliberada (…) e conscientemente (…), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei» - [destaque nosso].
É tempo de questionar qual então a consequência da não descrição na acusação da integralidade dos elementos subjetivos do crime?
Consabidamente trata-se de domínio em que a jurisprudência dos tribunais superiores ao longo do tempo se foi posicionando de forma não unívoca, respondendo à questão de modo antinómico: de um lado a corrente que defendia que a narração incompleta na acusação das diferentes componentes do elemento subjetivo não constituía fundamento da sua rejeição, preconizando a possibilidade de vir a ser colmatada/integrada, designadamente com recurso aos princípios da lógica por inerente à prática dos factos imputados, em sede de julgamento; de outro lado a corrente que via na omissão, ainda que tão só em parte, por não poder o elemento subjetivo resultar como extrapolação e efeito lógico do conjunto dos factos objetivos descritos, motivo para a rejeição, por manifestamente infundada [artigo 311º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea d) do CPP], da acusação; para a não pronúncia, em caso, de instrução; e, ultrapassado qualquer destes crivos, para a absolvição.
Este estado de coisas conduziu à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, o qual no AFJ n.º 1/2015, publicado no Diário da República, 1.ª série – N.º 18 – de 27 de janeiro de 2015, veio a fixar jurisprudência no sentido de que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358.º do CPP».
Na fundamentação do dito acórdão discorre-se: «… a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa (…), englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de caráter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação do evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito» [destaques nossos].
Retomando o caso concreto impõe-se concluir ser a acusação omissa em relação à determinação livre do arguido – ainda que por qualquer modo concretizada, pois que não há “fórmulas sacramentais”, sendo possível transmitir o «dolo de culpa» ou «tipo-de-culpa dolosa» de diferentes formas, posto que inequivocamente signifiquem uma atitude, revelada no facto, de contrariedade ou indiferença do agente perante o dever-ser jurídico-penal, ou seja que encontrando-se o mesmo em condição/posição de se determinar de outro modo, ainda assim optou por agir contra o direito - o mesmo se passando quanto às arguidas, também elas recorrentes – “omissão” que não foi, nem o podia ter sido, colmatada no acórdão.
Com efeito, já em momento anterior ao AFJ n.º 1/2015 vínhamos defendendo não ser possível sanar a falta de descrição completa dos elementos subjetivos do crime mediante o procedimento contemplado no artigo 358.º do CPP (alteração não substancial), tão pouco por aquele outro, de maior alcance, prevenido no artigo 359.º (alteração substancial) do mesmo diploma, porquanto tal corresponderia a transformar em crime aquilo que, à luz da acusação ou da pronúncia, consoante os casos, o não era.
Traduzindo-se o crime, para efeitos processuais penais, no «conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais» (alínea a), do artigo 1.º do CPP), constituindo em termos dogmático-penais a liberdade de decisão/ação elemento integrante do «tipo de culpa» ou da «culpa tout court», afigura-se-nos isento de dúvida comprometer a sua falta (não narração) a existência do crime.
Orientação que, na densificação dos argumentos, não deixa de estar presente (ser sustentada) no AFJ n.º 1/20015, quando aí se refere: «No caso, o acrescento dos elementos constitutivos do tipo subjetivo do ilícito, compreendendo aqui também o tipo de culpa, corresponde a uma alteração fundamental, de tal forma que alguma jurisprudência inventariada (…) considera que tal alteração equivale a transformar uma conduta atípica numa conduta típica e que essa operação configura uma alteração substancial dos factos. O mecanismo adequado a uma tal alteração não seria, pois, o do art.º 358.º, mas o do art. 359.º, n.ºs 1 e 2 do CPP (…).
Porém, se não é aplicável, nestas situações, o mecanismo do art. 358.º do CPP, também não será caso de aplicação do art. 359.º, pois, corresponde a alteração à transformação de uma conduta não punível numa conduta punível (…) ou, como querem alguns, uma conduta atípica numa conduta típica, a verdade é que ela não implica a imputação ao arguido de crime diverso. Pura e simplesmente, os factos constantes da acusação (aqueles exatos factos) não constituem crime, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais».
Transpondo para a situação em apreço, enfermando a acusação, por via de uma narração insuficiente «dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança», concretamente quanto à relação entre os arguidos e a ilicitude dos respetivos factos, no que respeita à liberdade de determinação de acordo com esse conhecimento (da ilicitude), da nulidade contemplada na alínea b), do n.º 3, do artigo 311.º do CPP, ultrapassado que foi o crivo do artigo 311.º do CPP, sem que tenha sido rejeitada, não sendo possível, através dos mecanismos previstos nos artigos 358.º ou 359.º, ambos do CPP, suprir o elemento em falta, indispensável à existência de crime, tal como definido na alínea a) do artigo 1.º do mesmo diploma, impõe-se absolver o arguido/recorrente.
E pese embora não ter sido a questão suscitada pelas coarguidas/recorrentes A e C, projetando-se, de igual modo, a insuficiência na narração dos factos à conduta que lhes vêm imputada, independentemente do disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 402.º do CPP, sempre o caráter oficioso do conhecimento, atenta a natureza da patologia, importa a sua absolvição.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso de A e, bem assim, a apreciação dos concretos aspetos colocados pelas recorrentes A e C.

III. Dispositivo
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal, na procedência dos recursos interpostos pelos arguidos A, B e C, embora no caso das duas últimas recorrentes por diferentes fundamentos, em absolver:
a) O arguido B da prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, por que vinha condenado;
b) A arguida A da prática, como coautora material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, por que vinha condenada;
c) A arguida C da prática, como coautora material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, por que vinha condenada;
d) Revogar, em correspondência, no que se revelar incompatível com o supra decidido, o acórdão recorrido.
Sem tributação.

Com referência ao traslado, comunique de imediato ao tribunal de 1.ª instância.

Encontrando-se o arguido B sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, mediante vigilância eletrónica – em execução em comunidade terapêutica especializada – determina-se a comunicação aos serviços competentes da DGRSSP, com vista à imediata cessação da execução, a extinção da medida de coação (artigo 214.º, n.º 1, alínea d) do CPP).

Coimbra, 23 de Agosto de 2018
[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (relatora)