Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1781/19.3T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
NOTÁRIO
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
MARCAÇÃO
MANDATÁRIO JUDICIAL
Data do Acordão: 05/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 13, 47, 48, 49, 66, 76 DA LEI Nº 23/2013 DE 5/3, ART.151 CPC
Sumário: I - No processo de inventário tramitado ainda ao abrigo da Lei nº 23/2013 de 05.03, o notário não pode decidir as impugnações contra as suas decisões que possam influir na divisão, antes, e não sendo caso de recurso com subida imediata, elas devendo ser apreciadas pelo Juiz, em sede de decisão sobre a homologação da partilha, sob pena de nulidade desta decisão – artºs 66º nº3 e 76º nº2 da cit. Lei.

II - O advogado que não possa estar presente em diligência designada sem o seu acordo, deve, para obter o seu adiamento, cumprir, adrede, os requisitos do artº 151º nº2 do CPC, a saber: identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita; propor datas alternativas, após contacto, se necessário, com os restantes mandatários interessados; e, assim, não bastando para o adiamento cumprir apenas o primeiro requisito.

III - O artº 49º do RJPI aprovado pela Lei 23/2013 de 05.03 proibia o adiamento da conferência de interessados nos casos em que ela tinha sido marcada com a anuência das partes e do seu advogado; mas não impunha o seu adiamento nos casos em que fosse designada sem o referido acordo; antes e quando muito o permitindo, mas, por igualdade ou maioria de razão com o disposto no nº5 do artº 47º atinente à conferência preparatória, apenas se fosse requerido e se alegada forte hipótese de consenso quanto à composição do pleito.

Decisão Texto Integral:

Processo nº 1781/19.3T8PBL.C1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo em epígrafe, atinente a inventário para separação de meações, em que são interessados  A (…) e A (…) foi proferido despacho de homologação da partilha:

«Nestes autos de inventário para separação de meações a que se procede para divisão do património que foi do casal constituído por A (…) e A (…), declarado dissolvido por decisão transitada em julgado, homologa-se por sentença, a partilha efectuada nos termos do mapa datado de 19.6.2019, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (e que se justifica atenta a sua simplicidade), adjudicando-se a cada um dos interessados os bens que lhes ficaram a caber em preenchimento das respectivas meações.

Custas pelos interessados na proporção de ½ para cada um.»

2.

Inconformado recorreu o interessado A (…)

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – A sentença homologatória da partilha é nula, por omissão de pronúncia, sobre as impugnações do ato de realização da conferência de interessados e da não admissão da mesma, como dispõe art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, aplicável “ex vi” do art. 82º, do RJPI, aprovado pela Lei 23/2013, de 5-03;

2ª – Com efeito, não poderia a conferência de interessados ser realizada como foi, porquanto não foi cumprido o pressuposto legal para a sua marcação, i. e., a coordenação do seu agendamento com os mandatários das partes, como comanda o disposto no art. 49º, do RJPI;

 3ª – Outrossim, não podia do sr. notário proferir despacho de não admissão da impugnação contra realização daquela, pois, carece o mesmo de poderes para tal efeito, apenas lhe competia remeter imediatamente a mesma ao juiz territorialmente competente para dela conhecer, acompanhada do processo;

4ª – Pois, apesar da lei lhe conferir o poder para a tramitação do processo de inventário, os seus atos não são jurisdicionais;

5ª – Pelo que, não lhe competia pronunciar-se sobre a admissão da impugnação, mas remetê-la ao juiz, porquanto é a este que constitucionalmente está atribuída a função jurisdicional;

6ª – Outrossim, não poderia ser proferido despacho determinativo da partilha, porquanto o sr. notário estava impedido de o fazer, em face da pendência das impugnações;

7ª – Pelo que, não podia a Mma. Juiz “a quo” igualmente homologá-la, como fez equivocadamente, sem averiguar da sua correção. Com efeito, a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, aplicável “ex vi” do art. 82º, do RJPI, aprovado pela Lei 23/2013, de 5-03, porquanto omitiu pronúncia sobre a impugnação oposta à realização da conferência de interessados, por a mesma ter sido realizada com ofensa ao disposto no art. 49º, do RJPI, bem como da respeitante ao despacho de não admissão daquela, por incompetência do sr. notário para se pronunciar sobre tal matéria, como ofensa ao disposto no art. 57º, nº 4, do mesmo regime jurídico, que manda imediatamente subir ao juiz territorialmente competente as impugnações dos atos praticados pelos notários no processo de inventário.

 Além do mais, fez incorreta interpretação do disposto no art. 66º, do citado regime jurídico do processo de inventário, quando não averiguou da correção da partilha, homologando uma partilha viciada.

Termos em que, conferindo Vs. Ex.as procedência ao presente recurso de apelação e, em consequência, anulado a sentença homologatória da partilha, e ordenando a baixa do processo à instância, a fim de que esta se pronuncie sobre as impugnações, farão a melhor JUSTIÇA.

Contra alegou a interessada pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

I - A douta sentença que homologou a partilha de bens por divórcio nos autos de Inventário nº 5565/16, que correram termos pelo Cartório Notarial a cargo do Notário (…), não merece qualquer reparo.

II – Não se verifica qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

III – A Conferência de Interessados foi realizada com o estrito respeito pela lei

IV – O Mandatário do Autor não solicitou a alteração da data da Conferência de Interessados, apesar de ter tido oportunidade para o fazer.

V – O Senhor Notário decidiu bem ao não aceitar a primeira impugnação apresentada pelo

Recorrente.

VI – O Recorrente não utilizou o meio próprio para reagir.

VII – Apesar de esclarecido que, nos termos do disposto no artº 627º, nº do C.P.C., se recorre de despachos e de sentenças e não de atos, o Recorrente insiste na impugnação apresentada.

VIII – De igual modo, a segunda impugnação não é o meio próprio para reagir ao despacho de indeferimento proferido, pois foi apresentada ao abrigo do artº 57º, nº 4 do RJPI que é aplicável ao despacho determinativo da forma da partilha.

IX – O meio e o momento próprios para o Recorrente reagir contra o despacho de indeferimento é nesta sede, nos termos do nº 2 do artigo 76.º do RJPI, porém, o Recorrente limitou-se, e limitase, a insistir nas impugnações erradamente apresentadas,

X – pelo que não poderá o Recurso proceder.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª- Nulidade da  sentença homologatória da partilha por omissão de pronúncia – artº 615º nº1 al. d) do CPC

2ª – Ilegalidade da realização da conferência de interessados por não marcação da data da mesma  por acordo com os mandatários das partes, como comanda o art. 49º do RJPI.

 5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

No inventário, tramitado ao abrigo do regime previsto na Lei nº 23/2013 de  05 de Março, ainda aplicável ao presente processo – cfr. art- 11º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro - «Compete aos cartórios notariais …efetuar o processamento dos atos e termos do processo de inventário  e …dirigir todas as diligências do processo …sem prejuízo dos casos em que os interessados são remetidos para os meios judiciais comuns.» - artº 3º.

Obviamente que os poderes dos notários  não se atêm apenas, stricto sensu,  a tais atos, termos e diligências, em si mesmos considerados, mas antes devem perspetivar-se, mais latamente, outrossim com relação às decisões que, ao menos implicitamente, estão subjacentes e determinam  a realização, não realização, ou, por qualquer modo, o condicionamento, de tais atos, termos e diligências.

Ao contrário do que alega o recorrente, o notário tem competência para proferir tais decisões.

Efetivamente: «Caraterística indiscutível pretendida alcançar pelo Regime Jurídico do Processo de Inventário…é a assunção de uma natureza primordialmente não judicial.» - in Guia Prático – Novo Processo de Inventário e-book, Centro de Estudos Judiciários, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_guia_pratico_do_novo_processo_de_inventario_2_edicao.pdf?id=9&username=guest , pág. 8.

Na verdade: «ao contrário do que sucedia no regime anterior (aprovado pela Lei nº 29/2009 de 29/06) – onde se previa um controlo geral do processo por parte do juiz que, a todo o tempo, poderia decidir e praticar os actos que entendesse deverem ser decididos ou praticados pelo tribunal (cfr. artigo 4º) – o regime actualmente vigente não prevê esse controlo e, além das competências em sede de impugnação judicial das decisões do notário, o único acto que está expressamente previsto na lei como sendo da competência do juiz corresponde à sentença homologatória da partilha.» - Ac. RC de  10.12.2019, p. 9335/18.5T8CBR.C1 in dgsi.pt.

Mas obviamente que, se proferida tal decisão, máxime se ela tiver influência decisiva na partilha, o interessado pode impugná-la  junto do juiz, nos termos do artº 76º nº2: «2 - Salvo nos casos em que cabe recurso de apelação nos termos do Código de Processo Civil, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha.»

Por outro lado.

A decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio é proferida pelo juiz cível territorialmente competente – Artº 66.º

Esta decisão é a única que a lei atribui ao juiz com cariz de exclusividade, o que se compreende dada a sua importância de decisão final que define o objeto da lide e vincula os interessados.

Efetivamente: «…a decisão homologatória da partilha é uma decisão da competência própria do juiz, que consubstancia o ato constitutivo em que culmina toda a atividade desenvolvida no âmbito do processo que, até esse momento, correu termos perante o notário, através do qual se atribui aos interessados a titularidade exclusiva dos direitos sobre os bens incluídos no acervo, hereditário ou conjugal, que passaram a caber-lhes, conformando, dessa forma, a respetiva esfera jurídica”, traduzindo também “…o momento em que o juiz verifica a conformidade dos atos praticados durante a fase notarial, bem como a legalidade e a regularidade do processo…» - Acórdão do Tribunal Constitucional nº 843/2017, de 13/12/2017 in http://www.tribunalconstitucional.pt.

Significa isto que tal intervenção judicial de apreciação da partilha efetuada «não pode ser vista como mera formalidade pela qual o juiz apõe a sua “chancela” à globalidade dos actos praticados e à partilha efectuada sem a possibilidade de exercer um efectivo controlo sobre a regularidade e legalidade desses actos e sem a possibilidade de recusar a homologação da partilha que lhe é apresentada…».

 Se assim fosse: « nenhuma razão existiria para que ela não fosse proferida pelo notário – à semelhança do que acontece com os demais actos e decisões proferidas no processo de inventário – e tivesse sido reservada ao juiz.»

Nesta conformidade, pelo menos as: «questões que já foram expressamente decididas pelo notário e que ainda podem vir a ser impugnadas judicialmente nos termos previstos no artigo 76º, nº 2, do RJPI» devem ser objeto de apreciação  do juiz aquando da decisão sobre a homologação, ou não, da partilha. – Ac. RC sup. cit.

O caso vertente.

Designada a conferência de interessados, o Sr. advogado do interessado informou que nem ele nem o seu cliente poderiam comparecer à mesma.

Não obstante, o Sr. Notário manteve a realização da diligência.

Obviamente, e partindo do pressuposto que ele teve conhecimento de tal informação do Sr. Advogado, a realização da conferência teve na sua génese um entendimento, rectius uma decisão do Notário, no sentido de que tal comunicação do Sr. Advogado era irrelevante para o seu adiamento, em função do que, consequentemente, manteve a sua realização.

Daqui dimana que a irresignação do interessado – e apesar de, ao enfatizar a realização do ato em prejuízo da decisão que esteve na sua génese, não se ter expressado o mais curialmente - não se prende com o ato da realização da conferência, mas, mais a montante, com a decisão do Notário que permitiu  a efetivação da mesma.

Assim sendo, a sua adequada postura processual não poderia ser a arguição da nulidade pela prática de um ato que a lei não permite – pois que, em tese e por princípio, a conferência de interessados é  legalmente permitida, e, ademais, imposta, – mas antes o insurgimento, por via do recurso, contra a decisão que permitiu a realização da conferência.

Bem andou, pois, o recorrente, ao interpor recurso de tal decisão.

Tendo este sido interposto e dirigido ao Juiz, é óbvio que estava vedado ao Sr. Notário pronunciar-se sobre o mérito do recurso, pois que nem formalmente – atento o modo como o interessado agiu processualmente – nem substantivamente, como se viu, o Sr. Notário tinha competência para tal.

O Sr. Notário apenas se poderia pronunciar sobre a (in)admissibilidade do recurso e, no caso de o admitir, fixar o seu regime quanto ao momento da subida e ao seu efeito.

Não o tendo feito, urge  agora, nesta sede recursiva,  concluir que o recurso não poderia subir imediatamente e com efeito suspensivo, pois que perante as regras gerais do CPC aqui aplicáveis, não seria o caso; antes ele devendo subir a final e com efeito meramente devolutivo – artºs 66º nº3 e 76º nº2 da Lei 23/2013.

O que vale por dizer que tal matéria deveria ser apreciada pelo Sr. Juiz, previamente à decisão final de homologação ou não homologação da partilha, nos termos supra referidos.

Inexistindo tal pronúncia é caso para concluir que efetivamente existiu omissão de pronúncia, que acarreta a nulidade da decisão  de homologação da partilha pois que, pelo menos lato sensu, tal obrigação de pronúncia deve ter-se por incluída nesta decisão.

Não obstante a constatação de tal nulidade, e por via da regra da substituição do tribunal de recurso ao tribunal recorrido – artº 665º nº1 do CPC, aplicável ex vi do artº 82º da Lei 23/2013 -, deverá este tribunal ad quem conhecer do objeto do recurso.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Diz o recorrente que a data da conferência de interessados devia ter sido marcada com a anuência do seu advogado, pelo que não o tendo sido foi violado o princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional e o disposto no artº 49º do RJPI

Importa atentar, nuclearmente, nos seguintes preceitos.

Do RJPI  - aprovado pela Lei 23/2013 de 05.03 -, entretanto revogado, mas ainda   ao presente processo aplicável.

Artigo 13.º

Constituição obrigatória de advogado

 1 - É obrigatória a constituição de advogado no inventário se forem suscitadas ou discutidas questões de direito.

2 - É ainda obrigatória a constituição de advogado em caso de recurso de decisões proferidas no processo de inventário.

Artigo 47.º

Saneamento do processo e marcação da conferência preparatória

1 - Resolvidas as questões suscitadas que sejam suscetíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, o notário designa dia para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados.

2 - Os interessados podem fazer-se representar na conferência preparatória por mandatário com poderes especiais e confiar o mandato a qualquer outro interessado.

3 - Na notificação das pessoas convocadas faz-se sempre menção do objeto da conferência.

4 - Os interessados diretos na partilha que residam na área do município são notificados com obrigação de comparência pessoal, ou de se fazerem representar nos termos do n.º 2, sob cominação de pagamento de taxa suplementar prevista em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

5 - A conferência pode ser adiada, por determinação do notário ou a requerimento de qualquer interessado, por uma só vez, se faltar algum dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.

  Artigo 48.º

Assuntos a submeter à conferência preparatória

1 - Na conferência, os interessados podem deliberar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes:

a) Designando as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados;

b) Indicando as verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio pelos interessados;

c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.

2 - As diligências referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser precedidas de avaliação, requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo notário, destinada a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.

3 - Aos interessados compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e da forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.

4 - Na falta da deliberação prevista no n.º 1, incumbe ainda aos interessados deliberar sobre quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha.

5 - A deliberação dos interessados presentes, relativa às matérias contidas no número anterior, vincula os demais que, devidamente notificados, não tenham comparecido na conferência.

Artigo 49.º

Quando se faz a conferência de interessados e qual a sua finalidade

A conferência de interessados destina-se à adjudicação dos bens e tem lugar nos 20 dias posteriores ao dia da conferência preparatória, devendo a sua data ser designada pelo notário, não havendo lugar a adiamento nos casos em que a respetiva data tenha sido fixada por acordo, salvo havendo justo impedimento.

Artigo 50.º

Adjudicação dos bens, valor base e competência

1 - A adjudicação dos bens é efetuada mediante propostas em carta fechada, devendo o notário, pessoalmente, proceder à respetiva abertura, salvo nos casos em que aquela forma de alienação não seja admissível.

2 - O valor a propor não pode ser inferior a 85 % do valor base dos bens.

3 - À adjudicação aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva mediante propostas em carta fechada.

Do CPC:

Artigo 151.º

Marcação e início pontual das diligências

1 - A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.

2 - Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.

3 - O juiz, ponderadas as razões aduzidas, pode alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no ato após o decurso do prazo a que alude o número anterior.

De tais disposições dimanam os seguintes corolários que são pressupostos da decisão no caso vertente, a saber:

No processo de inventário só é obrigatória a constituição de advogado nos atos em que,  pela sua natureza, necessáriamente forem suscitadas e discutidas questões de direito, ou na fase do recurso – artº 13º do RJPI.

A marcação  da data das diligências por acordo com o advogado apenas é imposta nos casos em que às mesmas «devam» comparecer os mandatários judiciais, ou seja, nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, vg., e no que aqui interessa,  por força da presença dos aludidos pressupostos do  artº 13º - artº 151º do CPC.

No domínio da lei 23/203 a diligência essencial do inventário era a audiência preparatória pois que na mesma os interessados podem acordar quanto às verbas que haveriam de compor o seu quinhão, quanto ao passivo e quanto a outros assuntos -  artº 48º.

Assim, a lei impõe a  obrigação da comparência pessoal dos interessados com notificação expressa do objeto da diligência, podendo, porém, eles fazerem-se representar quer por advogado quer por outro interessado,  mas apenas  através de instrumento que confira poderes especiais para o efeito – artº 48º.

O artº 49º permite a marcação da data da diligência por acordo, quer com os interessados, quer com o seu ilustre mandatário, se o houver; mas não impõe esse acordo.

 Com os interessados, naturalmente e pela natureza das coisas, pois que o juiz é soberano na definição da sua agenda; com os advogados, porque na diligência da conferência de interessados - máxime com a substância que lhe era dada pela lei 23/2013, a qual a destinava apenas à adjudicação dos bens-, não era inelutável ou até provável que se fossem discutir, ao menos formalmente e por virtude do seu objeto, questões de direito.

Por conseguinte,  da estatuição deste preceito no sentido de  que «não (há) lugar a adiamento nos casos em que a respetiva data tenha sido fixada por acordo,»  não pode concluir-se, numa intoleravelmente arriscada, e, assim, inadmissível, interpretação a contrario sensu, que, inexistindo tal marcação por acordo, o adiamento se impõe.

Nem as regras da lógica, nem os elementos teleológico e sistemático da hermenêutica jurídica o permitem: basta atentar na restrição imposta pelo nº5 do artº47º quanto ao adiamento da  conferência preparatória, a qual, no regime desta Lei 23/2013, era até muito mais  substantiva e relevante do que a conferência de interessados.

Da interpretação concatenada do segmento normativos do nº5 do artº 47º  e do artº 49º retiram-se as seguintes conclusões:

i) a conferência preparatória  pode ser adiada, quer haja ou não marcação da sua data por acordo com os interessados, «se faltar algum dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.»;

ii) já a conferência de interessados, e nos casos em que a sua data foi designada com a anuência dos interessados, nunca – mesmo que o seu adiamento pudesse implicar acordo quanto à  composição do objeto do processo - pode ser adiada;

iii) e, numa interpretação que temos como possível,  podendo admitir-se o seu adiamento, apenas nos casos em que ela foi marcada sem acordo dos interessados e, - por analogia e igualdade ou até, maioria de razão, dada a sua  menor relevância  por reporte à  conferência preparatória, na economia da consecução da partilha com o exigido para a conferência preparatória -  se for alegado e se indiciar que tal adiamento pode acarretar um consenso quanto à composição do pleito.

5.2.2.

No caso sub judice.

Notificados, o interessado e o seu ilustre advogado entretanto constituído depois da renúncia do anterior, da data da conferência de interessados, veio este, antes da sua realização, informar que tanto ele, por estar impedido noutro processo judicial que identificou, como o seu cliente, por não ter permissão do EP em que se encontrava detido para  se deslocar ao tribunal, não podiam comparecer na diligência.

Sem mais, ou seja, sem  expressarem a sua posição sobre a imprescindibilidade da sua presença e sem sugerirem, com a anuência do outro mandatário, uma nova data para a sua realização, como manda a lei.

Nesta conformidade, e como bem plasmou o Sr. Notário, o expendido pelo Ilustre Advogado do interessado era insuficiente para se concluir que eles não estavam de acordo com a realização da conferência e que pretendiam o seu adiamento.

Na verdade, uma interpretação possível e, quiçá, a mais defensável perante o supra, em tese, expendido, é que o ilustre advogado apenas e simplesmente pretendeu informar sobre, e justificar a, sua não presença e a do seu constituinte.

É que, como se viu, a presença do ilustre causídico não era exigível e imprescindível.

Por outro lado, o motivo invocado para a não presença do interessado outrossim não podia ser impeditivo daquela realização: quer porque ele não informou sobre os motivos pelos quais careceu de autorização  - para se aquilatar se lhe poderiam, ou não, ser imputáveis, de sorte, vg., à aplicação, ou não, da sanção do nº4 do artº 47º  –, quer porque não solicitou ao tribunal qualquer intervenção no sentido de  diligenciar junto do EP para que permitisse a sua ulterior deslocação, quer porque sempre se poderia fazer representar pelo seu advogado.

Destarte, e desde logo por aqui, se tem de conclui inexistir fundamento para o adiamento da conferência.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, urge ainda ter presente o disposto no nº 5 do artº47º do RJPI, atualmente correspondente, no seu conteúdo, substancia e finalidade, ao nº7 do artº1110º do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro que aprovou o novo REGIME DO INVENTÁRIO NOTARIAL, a saber:

«5 - A conferência pode ser adiada, por determinação do notário ou a requerimento de qualquer interessado, por uma só vez, se faltar algum dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.»

«7 - Se faltar algum dos convocados, a conferência de interessados pode ser adiada, por determinação do juiz, uma só vez e desde que haja razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões com a presença de todos os interessados.»

Temos assim, na sequência do supra expendido, que, para obter o adiamento, o recorrente teria ainda de alegar que com ele seria, certamente, ou com forte plausibilidade, consecutido um consenso quanto ao objeto da lide.

O que ele não efetivou.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - No processo de inventário tramitado ainda ao abrigo da Lei 23/2013 de 05.03,  o notário não pode decidir as impugnações contra as suas decisões que possam influir na divisão, antes, e não sendo caso de recurso com subida imediata, elas devendo ser apreciadas pelo Juiz, em sede de  decisão sobre a homologação da partilha, sob pena de nulidade desta decisão – artºs 66º nº3 e 76º nº2 da cit. Lei.

II - O advogado que não possa estar presente em diligência designada sem o seu acordo, deve, para obter o seu adiamento, cumprir, adrede, os requisitos do artº 151º nº2 do CPC, a saber: identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita; propor datas alternativas, após contacto, se necessário, com os restantes mandatários interessados; e, assim, não bastando para o adiamento cumprir  apenas o primeiro requisito.

III - O artº 49º do RJPI aprovado pela Lei 23/2013 de 05.03  proibia o adiamento da  conferência de interessados  nos casos em que ela tinha sido marcada com a anuência das partes e do seu advogado; mas não impunha o seu adiamento nos casos em que fosse designada sem o referido acordo; antes e quando muito o permitindo, mas, por igualdade ou maioria de razão com o disposto no nº5 do artº 47º atinente à conferência preparatória,  apenas se fosse requerido e se  alegada forte hipótese de consenso quanto à composição do pleito.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2020.05.05.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos