Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
114/11.1TBFIG. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.S 141º DO CC E 27º E 320º A) DO CPC
Sumário: O único interesse próprio que está em causa na acção de interdição respeita ao requerido, que é o beneficiário do pedido.

A lei concede legitimidade (concorrente, e não subsidiária ou sucessiva) a várias pessoas para requerer a interdição.

Quando a acção de interdição foi proposta por apenas uma dessas pessoas, as restantes não podem deduzir intervenção principal espontânea.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., casado, residente em ..., Figueira da Foz, veio requerer a interdição por anomalia psíquica de seu pai B... casado (em segundas núpcias) com C....

Mencionou os factos reveladores do fundamento invocado e resultando dos mesmos não estar o requerido em condições de receber a citação, indicou como curador provisório – estando instaurada pela esposa do requerido, como preliminar da acção de separação de pessoas e bens, providência cautelar de arrolamento – a sua irmã e filha mais velha do requerido, D....

Esta, recebida a citação, veio dizer que correspondem à verdade os factos alegados na PI.

Entretanto, a esposa do requerido, C..., veio:

1.º - Informar que desistiu, em 04/04/2011, da acção de separação de pessoas e bens que intentou contra o requerido – desistência já homologada por sentença – e requerer a sua nomeação como curadora provisória (ao abrigo do art. 143.º/1/a) do CC) em substituição da filha mais velha do requerido, D...

2.º - Deduzir incidente de intervenção principal, dizendo que considera verídicos todos os factos, mencionados na PI, reveladores do fundamento ali invocado para a interdição por anomalia psíquica do requerido e que deve ser decretada a interdição por anomalia psíquica de requerido e seu marido por o mesmo se mostrar incapaz de governar a sua pessoa e bens.

O requerente, A..., pronunciou-se no sentido do indeferimento da intervenção, por tal não ser admissível em processo especial de interdição.

O Ministério Público promoveu a admissão do incidente.

Conclusos os autos, a Mm.ª Juíza proferiu decisão em que considerou não ser legalmente admissível a intervenção de terceiros em acções de interdição ou inabilitação, atendendo não só à natureza das mesmas como à especificidade da respectiva tramitação e de não consubstanciar efectivamente um processo de partes; e em que indeferiu a pretensão da requerente de ser nomeada curadora provisória em substituição da filha mais velha do requerido.

Inconformada com a 1.ª parte da decisão – sobre a não admissão da pretendida intervenção principal da C... nos autos – veio esta interpor o presente recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que admita a sua intervenção principal nos autos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

l.º - A recorrente é esposa do interditando.

2.º - A recorrente deduziu incidente de intervenção espontânea —  Art. 320.º do C.P.C.

3° - A recorrente tem legitimidade para deduzir tal incidente, no processo de interdição, porquanto, tem interesse igual ao Autor, em relação ao objecto de causa — Art. 27° e 28° do C.P.C.,

4° - quer quanto ao decretamento da interdição, quer quanto às melhores condições em que a interdição possa ser decretada,

5° - Quer ainda quanto à pessoa do tutor a nomear,

6° - Quer quanto à composição do conselho de família,

7.º - interesse relevante e justificativo para a admissão do incidente, porquanto não obstante aderir aos fundamentos alegados pelo Autor para a interdição, a mesma além de ainda não estar decretada, ainda não estão o tutor e composição do conselho de família definitivamente estabelecidos,

8° - podendo haver, e efectivamente há já nesta fase do processo, diferenças substanciais quanto, nomeadamente ao exercício dos cargos legalmente previstos, e quanto à forma de ser executada essa nomeação.

9° - Com admissão de intervenção da recorrente, não se verifica qualquer repetição redundância processual.

10° - Foram violados, pela decisão recorrida, os artigos 320°, ai. a) e 27° e 28° do Código Processo Civil.

O requerente, A..., respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a decisão recorrida quaisquer normas, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação

A – Em termos factuais, nada há a acrescentar ao que já foi referido e transcrito no relatório que antecede.

B – Quanto ao direito:

O objecto do recurso circunscreve-se à não admissão da intervenção principal da recorrente, como esta pretende, nos autos.

Não tem, a nosso ver e com o devido respeito, razão na sua divergência recursiva[1].

É invocado, para a admissibilidade da intervenção principal espontânea, ter a recorrente em relação ao objecto da causa um interesse igual ao do autor, nos termos do art. 27.º do CPC – cfr. 320.º/a) do CPC.

É indiscutível que a recorrente (esposa do interditando), assim como o autor, é uma das pessoas incluídas no círculo definido no art. 141.º do C. Civil, isto é, é indiscutível que a recorrente é uma pessoa a quem a lei também confere legitimidade para requerer a interdição.

Porém, a circunstância de a lei conceder legitimidade a várias pessoas – que é concorrente e não subsidiária ou sucessiva – para requerer a interdição não significa que, quando já proposta, como é o caso, a acção de interdição por apenas uma de tais pessoas, qualquer uma das outras (a quem a lei também reconhece legitimidade para requerer a interdição) possa invocar, em relação ao objecto da acção pendente, um interesse igual ao do autor e, em consequência, deduzir intervenção principal espontânea.

É que a legitimidade concedida às pessoas incluídas no círculo definido no art. 141.º do C. Civil não é a expressão ou reflexo dum direito ou interesse próprio de tais pessoas; isto é, não é o direito ou o interesse próprio de tais pessoas que justifica que lhes seja atribuída, pela lei, legitimidade para instaurar a acção de interdição.

O único direito ou interesse próprio que está em causa na acção de interdição respeita ao requerido; que é o beneficiário do pedido.

“Partindo-se, certamente, das regras da experiência comum, atribui-se legitimidade àquelas pessoas que provavelmente estarão próximas do incapaz e que, por isso, estarão em condições de requerer ao tribunal as medidas de protecção.

A atribuição de legitimidade concorrente a uma pluralidade de pessoas é, pois, inequivocamente feita em benefício do incapaz.

Assim sendo, requerida a protecção por uma das pessoas a quem a lei reconhece legitimidade para tanto, fica alcançado o objectivo pretendido pelo legislador com a atribuição da legitimidade plural concorrente,

As restantes pessoas não têm direito ou interesse próprio, paralelo ao do autor ou réu, que justifiquem a sua intervenção na acção.[2]

E não serão conveniências porventura conflituantes e/ou presumíveis divergências quanto à pessoa a nomear como tutor e quanto à composição do conselho de família que podem fundamentar a intervenção às pessoas que, com legitimidade para instaurar a acção, o não fizeram; aliás, a tal respeito – quanto à pessoa a nomear como tutor e quanto à composição do conselho de família – a lei não permite grande margem de discricionaridade, estabelecendo os critérios a que o tribunal terá que obedecer nas designações que obrigatoriamente terá que efectuar[3].


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III - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente ( C...).


Barateiro Martins (Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Discorda-se pois, com o devido respeito, do decidido no Ac. Rel. de Lisboa de 05/05/2009, citado pela recorrente na sua alegação.
[2] Das interdições e Inabilitações, Emídio Santos, pág. 49/50.

[3] Designações que estão sujeitas ao escrutínio do requerente, do M.º P.º e do curador provisório do interditando; é claro que, no caso, a recorrente não é – como a regra manda – a curadora provisória, o que, porém, não é o resultado de qualquer irregularidade processual, mas sim da recorrente ter instaurado (embora entretanto já haja desistido), como preliminar de acção de separação de pessoas e bens, providência cautelar de arrolamento contra o seu marido (e aqui requerido), de quem aqui diz ser incapaz de governar a sua pessoa e bens.