Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141/11.9TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CADUCIDADE
DECISÃO
DESPACHO SANEADOR
RECURSO DE APELAÇÃO
SUBIDA DO RECURSO
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 691.º/2/H) DO CPC = 644.º/1/B)/1.ª PARTE DO NCPC
Sumário: A decisão de improcedência proferida no despacho saneador sobre a caducidade, uma vez que se trata de decisão que, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa é imediatamente recorrível (cfr. art. 691.º/2/h) do CPC = 644.º/1/b)/1.ª parte do nCPC); sob pena do decidido transitar em julgado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., residente na Rua (...), Pinhel, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B... e esposa C... , residentes na Rua (...), Pinhel, pedindo a condenação destes a:

“ em prazo a fixar, mas nunca superior a 100 dias contados da decisão judicial que venha a ter lugar no presente processo, executar todos os trabalhos necessários à reparação/eliminação dos defeitos indicados, designadamente: reparações que se revelarem necessárias para impedir definitivamente as infiltrações de humidade e dos danos consequentes – no respeito de relatório que diagnostique completamente as causas dos citados defeitos e indique solução de eliminação dos mesmos, relatório a elaborar por técnico(s) qualificado(s) de entidade independente, nomeadamente, o Departamento de Engenharia Civil da Escola Superior de Tecnologia e Gestão;

 pagar ao Autor, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia que acrescer aos indicados 100 dias para finalização dos trabalhos necessários às reparações mencionadas;

 pagar ao Autor indemnização de € 1.500,00 pelas privações, preocupações, arrelias, incómodos citados;

 pagar ao Autor os prejuízos que, em consequência de estudo técnico que seja a respeito do caso vertente elaborado e das obras de eliminação dos defeitos vertentes, a privação ou limitação do uso da casa considerada e danos consequentes originem para o Autor, mais encargos com o processo e honorários do mandatário, tudo em montante ainda incerto a liquidar em execução de sentença.”

Alegou, muito em síntese, que, em 12/06/2006, comprou aos RR. uma casa nova (onde reside com o seu agregado familiar: esposa e filho de três anos), construída pelo Autor marido, profissional da construção; casa que apresenta defeitos que a desvalorizam e tornam imprópria para o fim a que se destina, defeitos que denunciou e que o R. marido “tentou”, sem o conseguir (mantendo-se os defeitos), reparar.

Os RR. contestaram, alegando, entre outras coisas e no que releva para o objecto do presente recurso, a caducidade do direito exercido pelo A.; uma vez que o imóvel foi vendido em 12/6/2006 e a presente acção apenas foi intentada em 9/6/2011 – sendo a carta enviada pelo mandatário do autor completamente inócua pois não descrimina os defeitos – quando, segundo os RR., deveria ter sido até 5 dias antes de 12/6/2011, pelo que o direito do A. caducou nos termos do artigo 1.225.º/1 do Código Civil.

O A. respondeu, opondo-se à caducidade, dizendo, designadamente, que os RR. confundem o regime jurídico da caducidade com o da prescrição, acrescentado que o acto impeditivo da caducidade é a propositura da acção e não a citação do R.

Foi proferido despacho saneador[1] – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém, tendo-se sem qualquer imediata censura julgado improcedente (fls. 51 a 54) a excepção de caducidade suscitada pelos RR. – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência; após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que concluiu do seguinte modo:

“ (…) considero a acção parcialmente procedente (…) e em consequência:

Condeno os Réus, B... e C..., a procederem à eliminação dos defeitos verificados na moradia do Autor, A..., cuja eliminação é peticionada na presente acção, nomeadamente dos mencionados nos pontos 9. a 12. da Fundamentação de Facto;

A mencionada eliminação dos referidos defeitos deverá ser efectuada mediante os procedimentos adequados e em prazo razoável;

Para a eliminação dos referidos defeitos, os Réus devem fornecer todos os materiais e a mão-de-obra necessários para a execução dos mesmos, conferindo-lhes a normal perfeição e aptidão para os fins a que se destinam;

Improcedem os demais pedidos formulados, absolvendo-se, assim, os Réus do demais peticionado. (…)”

Inconformados, interpuseram os RR. recurso de apelação, visando a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente.

Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1.º Os AA. nunca denunciaram quaisquer defeitos existentes no seu prédio urbano aos RR.

 2.º A carta datada de 3 de Maio de 2011 foi escrita por quem não tinha poderes nem legitimidade para o fazer, no caso concreto o mandatário do A.

 3.º Nessa carta não eram denunciados quaisquer defeitos.

 4.º A presente acção foi interposta a 09/06/2011, quando deveria ter sido interposta até 07/06/2011.

 5 A sentença violou os art. 323.º e 1225.º do C. Civil”

O A. respondeu, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma substantiva, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II. Fundamentação de Facto

1. A 12 de Junho de 2006, no Cartório Notarial de Pinhel, foi celebrada escritura pública denominada de “compra e venda” entre os réus B... e C..., na qualidade de primeiros outorgantes, e o autor, A..., na qualidade de segundo outorgante, onde consta que:

“Pelos primeiros outorgantes foi dito que vendem ao segundo outorgante, pelo preço já recebido, de cento e vinte e cinco mil, duzentos e cinquenta euros, o seguinte imóvel:

Prédio urbano, constituído por casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, sita na “ (...)”, Lote n.º (...), freguesia e concelho de Pinhel, omisso na matriz, mas tendo já sido pedido a sua inscrição como adiante se fará referência, com o artigo provisório P3626, com o valor atribuído de € 125.250,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pinhel sob o número (...), daquela freguesia e aí registado a favor dos vendedores, pela inscrição G-um.

Sobre o referido prédio incide ainda a seguinte inscrição registada na mesma Conservatória: Autorização de loteamento pela inscrição F-um (PM).

E pelo segundo outorgante, foi dito:

Que aceita esta venda nos termos exarados e que o prédio adquirido se destina exclusivamente a habitação própria permanente.

Mais declararam os outorgantes de que neste acto não houve intervenção de mediador imobiliário”; Conforme documento de fls. 11 a 14 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea A) dos Factos Assentes).

2. O imóvel referido em 1. encontra-se inscrito na matriz sob o artigo 3626 e registado a favor do autor na Conservatória de Registo Predial de Pinhel sob o artigo (...), com a composição de “casa de cave, rés-do-chão e 1.º andar, destinada a habitação, a confrontar a norte com rua pública, sul com sociedade agro-pecuária (...), Lda., nascente com lote n.º 8, e poente com lote n.º 6; Conforme documento de fls. 15 e 16 dos autos que se aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea B) dos Factos Assentes).

3. A casa referida em 1. e 2. foi construída pelo autor marido, actividade à qual o mesmo se dedica profissionalmente (alínea C) dos Factos Assentes).

4. A 3 de Maio de 2001, o autor, por intermédio do seu mandatário, remeteu carta ao réu marido onde consta:

“Assunto: Prédio Urbano, constituído por casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, sito na (...), Lote (...), freguesia e concelho de Pinhel, descrito sob o n.º (...), na Conservatória de Registo Predial de Pinhel.

Exmo. Senhor:

Serve a presente para, na qualidade de mandatário de A..., saber da V. disponibilidade para extrajudicialmente reparar os defeitos da casa identificada em epígrafe.

Assim, solicito a V. Exa. que, no prazo máximo de 5 dias, me contacte para combinarmos uma reunião no local.

Quando não, accionarei os devidos meios legais/Tribunal, com todos os incómodos e despesas que tal solução implica.”; Conforme documento de fls. 17 dos autos (alínea D) dos Factos Assentes).

5. A carta referida em 4. foi recebido pelo réu marido a 6 de Maio de 2011, conforme documento de fls. 18 dos autos (alínea E) dos Factos Assentes).

6. O autor reside na casa referida em 1. e 2. com a sua esposa e um filho com três anos de idade (alínea F) dos Factos Assentes).

7. Entre 19 a 23 de Maio de 2011, o réu marido executou trabalhos de pintura nos tectos e paredes interiores das divisões da casa referida em 1. e 2. que apresentavam manchas pretas e amarelas (alínea G) dos Factos Assentes).

8. A 20 de Maio de 2011, o réu marido assinou um documento denominado “declaração”, onde consta:

“ B..., NIF (...), construtor/vendedor da casa de habitação Prédio Urbano, constituído por casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, sito na (...), Lote (...), freguesia e concelho de Pinhel, descrito sob o n.º (...), na CRP de Pinhel, declara que:

Reconhece o(s) defeito(s) que o Senhor A... oportunamente lhe comunicou, qual(is) seja(m): humidade acentuada nos quartos, casas de banho, cozinha, hall e escadaria interior da casa em apreço, sendo visíveis nas paredes destas divisões manchas pretas e amarelas, declarando também que se compromete a reparar este(s) identificado(s) defeito(s), estando em condições de admitir que é necessário um isolamento interior e pintura interior desta casa iniciado ontem”; Conforme documento de fls. 22 dos autos (alínea H) dos Factos Assentes).

9. Em data não concretamente apurada, surgiram na casa do autor identificada em 1. e 2. manchas pretas e amarelas nos quartos, casas de banho, cozinha, hall e escadaria interior (resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória).

10. As manchas pretas e amarelas não resultam de infiltração generalizada, mas sim de condensações e mau isolamento térmico (pontes térmicas) conjugado com uma má ventilação e eventual existência de um grande diferencial térmico entre o interior e exterior que potencia as condensações especialmente no período de inverno, esclarecendo-se que existem três pontos de ventilação a nível da cave que ficaram enterrados nos passeios e promovem infiltração localizada por deficiente construção (resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória).

11. Os trabalhos referidos em 7. não eliminaram os sinais de humidade resultante das condensações nos tectos e paredes interiores (resposta ao artigo 4.º da Base Instrutória).

12. Apenas as tendo ocultado (resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória).

13. Na execução dos trabalhos referidos em 7., o réu marido não isolou integralmente todas as portas (resposta ao artigo 6.º da Base Instrutória).

14. Algumas partes do chão não se encontravam totalmente isoladas (resposta ao artigo 7.º da Base Instrutória).

15. Alguns móveis não se encontravam totalmente tapados (resposta ao artigo 8.º da Base Instrutória).

16. Nem desmontou candeeiros e interruptores eléctricos (resposta ao artigo 9.º da Base Instrutória).

17. Não tendo procedido a qualquer limpeza (resposta ao artigo 13.º da Base Instrutória).

18. Após a compra do imóvel, referida em 1., o autor fez diversas obras na casa (resposta ao artigo 14.º da Base Instrutória).

19. Tendo aberto buracos nas paredes exteriores, a poente e nascente, que tapou com caixas (resposta ao artigo 15.º da Base Instrutória).

20. Buracos esses que atravessa as paredes exteriores, dando directamente na caixa de ar (resposta ao artigo 16.º da Base Instrutória).

21. E acrescentou um piso ao anexo existente nas traseiras (resposta ao artigo 17.º da Base Instrutória).

22. Tendo montado paredes e vigas em cimento em cima do anexo inicial (resposta ao artigo 18.º da Base Instrutória).

23. E executou na cave uma nova divisão. (resposta ao artigo 21.º da Base Instrutória).

24. Para a execução dos compartimentos referidos no artigo anterior o Autor teve que construir paredes interiores nas quais terá feito rasgos para passagem da rede de electricidade (resposta ao artigo 22.º da Base Instrutória).

25. E instalou radiadores de aquecimento em toda a casa (resposta ao artigo 23.º da Base Instrutória).

*

III – Fundamentação de Direito

Na origem do litígio está um negócio jurídico de compra e venda entre o A/apelado (como comprador) e os RR/apelantes (como vendedores); tendo por objecto uma casa composta de cave, rés-do-chão e 1.º andar, destinada a habitação.

Nos termos da alínea b) do art. 879.º do CC, a compra e venda tem como efeito essencial a obrigação de entregar a coisa; obrigação esta, a cargo do vendedor, em cuja execução este deve respeitar escrupulosamente o contrato (art. 763.º do CC), entregando a coisa prevista no contrato.

O que significa que não cumpre escrupulosamente o contrato, não só aquele que não entrega a coisa, como aquele que entrega coisa diversa da convencionada, como aquele que cumpre imperfeita, inexacta ou defeituosamente a obrigação de entrega.

A tal propósito – do cumprimento imperfeito na compra e venda – dispõe-se no art. 913.º do CC:

1 – Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2 – Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

Assim, na compra e venda – para além da equiparação, em termos de tratamento jurídico, do vício ao defeito e à falta de qualidade – privilegia a lei a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera[2].

Por conseguinte, numa compra e venda duma moradia habitacional – nova, como resulta do contexto factual – faz parte do “resultado prometido” que a mesma não apresente “manchas pretas e amarelas”, “sinais de humidades”, resultantes “de condensações e mau isolamento térmico, conjugado com uma má ventilação e eventual existência de um grande diferencial térmico entre o interior e exterior que potencia as condensações especialmente no período de inverno”; que, é verdadeiramente ocioso referi-lo, constituem “deficiências” que reduzem o seu valor, o mesmo é dizer, constituem vícios/defeitos, de gravidade suficiente a afectar o uso e/ou a coisa (moradia habitacional).

Assim, padecendo a coisa de “defeito”, o comprador goza, é sabido, do direito de reparação ou substituição da coisa, do direito de redução do preço, do direito à indemnização, da excepção do não cumprimento e da resolução nos termos gerais; “colecção” de direitos de exercício complexo, subsidiários e sucessivos nuns casos, cumulativos noutros e alternativos ainda noutros (cfr. art. 914.º, 915.º e 911.º ex vi 913.º do CC)[3].

Isto dito, exposta em síntese a premissa maior em que nos movemos, centremo-nos sobre o direito à reparação da coisa, que é o direito que está na origem e centro do litígio.

Demonstrando-se que a coisa apresenta “defeitos”, ficam provados todos os factos constitutivos do direito à reparação/eliminação dos defeitos (art. 914.º/1 do CC). Com efeito, para no âmbito dum contrato de compra e venda se pedir a reparação/eliminação dum defeito, basta provar (art. 342.º/1 do CC), por um lado, a existência do defeito e, por outro lado, que o mesmo, pela sua gravidade, é de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa; uma vez que, provado o defeito e a sua gravidade, presume-se – uma vez que é contratual a responsabilidade do vendedor – que o mesmo é imputável ao vendedor (art. 799.º, n.º 1, do CC), isto é, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao vendedor[4].

Só deixará de ser assim se ocorrer uma qualquer situação que haja conduzido à extinção do direito – à eliminação dos defeitos – invocado pelo comprador.

Ora, é justamente aqui – na caducidade do direito à reparação invocado/exercido pelo A/apelado – que se sitia o âmbito/objecto da apelação.

Efectivamente, para haver responsabilidade por cumprimento defeituoso – isto é, para o comprador manter o direito à eliminação dos defeitos – é necessário que seja previamente feita a denúncia do defeito (916º/1 do C. C.) e tempestivamente exercidos os direitos supra elencados (cfr. 916.º/2 e 3 e 917.º, ambos do C. C.).

A tal propósito, está hoje largamente sedimentada a ideia do funcionamento articulado, quanto aos direitos do comprador de coisa defeituosa, de 3 prazos de caducidade: o prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos (de eliminação dos defeitos, de redução do preço, de resolução do contrato e de indemnização) e o chamado limite máximo da garantia legal.

Quanto ao 1.º prazo, vale, para o caso, o prazo de 1 ano, quer por força do art. 916.º, n.º 3, 1.ª parte, do C. Civil, quer por força do art. 1225.º, n.º 2 e 4, do C. Civil[5].

Quanto ao 2º prazo, entende-se que a lei estabelece o prazo de 6 meses, mas a contar da denúncia atempada dos defeitos (art. 917.º do C. C.); embora para o caso valha e seja aplicável o prazo de 1 ano do art. 1225.º, n.º 3, do C. Cicil (ex vi art. 1225.º, n.º 4, do C. Civil)[6].

Quanto ao 3º prazo, vale o prazo de 5 anos (cfr. 916.º, n.º 3, parte final, e 1225.º, n.º 4, ambos do CC)[7] – após a entrega da coisa, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia[8].

Aqui chegados, há ainda duas observações adicionais sobre a caducidade que, no caso, pelo seu carácter decisivo, importa acentuar:

1.ª – Não é possível o tribunal conhecer oficiosamente da caducidade, uma vez que nos encontramos perante direitos disponíveis (art. 303.º, ex vi do art. 333.º/2 do C. Civil).

2.ª – O ónus da prova do decurso do prazo de denúncia do defeito por parte do comprador compete ao vendedor (art. 343.º/2 do C. Civil).

Significa isto – para além de outras e diversas razões reveladoras da falta de razão substantiva dos RR./apelantes – que, em face do princípio da eventualidade ou preclusão constante do então art. 489.º do CPC, qualquer questão/excepção de caducidade do direito à reparação invocado/exercido pelo A/apelado tinha que ter sido suscitada logo na contestação, onde evidentemente os aqui RR/apelantes deviam alegar os factos demonstrativos do facto extintivo invocado, tendo em vista, depois, nos termos do art. 342.º/2 do C. Civil, proceder à sua prova (tendo presente que eram eles que tinham que provar a data do conhecimento/detecção do defeito por parte do A/apelado).

Ora, fizeram-no em bem estrita medida (como resulta do relatório inicial) e – é o ponto – o que invocaram foi já alvo de decisão de improcedência no saneador; no qual – para se perceber a dimensão da falta de objecto processualmente “válido” da presente apelação – se expendeu e decidiu o seguinte:

Em sede de contestação os réus vieram igualmente invocar a caducidade do direito do autor. Nesse sentido, alegam que o imóvel em causa foi vendido ao autor a 12 de Junho de 2006 e a presente acção foi intentada a 9 de Junho de 2011, e que, para obstar à verificação de tal excepção, a mesma teria de ser intentada pelo menos até ao dia 7 de Junho de 2011.

(…) Cumpre apreciar e decidir.

Estabelece o artigo 1225.º, n.º 1, do C.C. (Código Civil), que, se a empreitada tiver por objecto a construção de imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos, a contar da entrega, a obra apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra. Estes cinco anos são um prazo limite, visto que o n.º 2 do mesmo artigo determina que a denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.

Entrando no âmago desta última norma, importa fazer vários esclarecimentos.

Em primeiro lugar estamos perante prazos de caducidade, por aplicação analógica do artigos 1224.º, do C.C., o significa dizer que estes prazos não se suspendem nem se interrompem, de acordo com o artigo 328.º do mesmo código. Em segundo lugar, nos termos do n.º 3, do já citado artigo 1225.º, os mesmos prazos aplicam-se ao direito a exigir a eliminação de defeitos. (…)

No caso dos autos, os réus não invocam que o autor intentou a acção decorrido mais de um ano após a denúncia dos defeitos, situação em que poderia de igual modo ocorrer a invocada caducidade do direito invocado. Ao invés, os réus sustentam que o autor nunca antes havia comunicado quaisquer defeitos no imóvel em causa.

Desse modo, cumpre apenas aferir se se encontra decorrido o prazo de caducidade de cinco anos dentro do qual simultaneamente têm de ser denunciados os alegados defeitos e pedida a sua reparação.

Ora, o imóvel em causa foi vendido ao autor a 12 de Junho de 2006, tendo a presente acção dado entrada em juízo a 9 de Junho de 2011.

Nos termos do art. 331.º, n.º 1, do C.C., a caducidade só é impedida com a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, ou seja, com a propositura da acção. De facto, decorre do art. 267.º do C.P.C., que a instância inicia-se com a proposição da acção, e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial.

Tal regime é diverso do estabelecido para a interrupção da prescrição, a qual efectivamente apenas ocorre, no limite, cinco dias após a propositura da acção em juízo. Assim decorre do art. 323.º, do Código Civil, segundo o qual “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial avulsa de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual foi o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias”.

Desse modo, resulta à saciedade que o prazo de caducidade de cinco anos, a contar da data da venda do imóvel, para peticionar a reparação dos alegados defeitos, ainda não havia decorrido quando se verificou a circunstância impeditiva da caducidade, que foi a proposição da acção.

Em consequência, julga-se improcedente a invocada excepção dilatória de caducidade.
Ou seja – é o que resulta do trecho acabado de transcrever – a excepção de caducidade que foi suscitada pelos RR/apelantes na contestação foi decidida/julgada improcedente no saneador[9]; e – é o ponto, insiste-se – não tendo sido então interposto qualquer recurso de tal decisão, transitou a mesma em julgado.
Pelo seguinte:

No actual[10] regime dos recursos, são imediatamente recorríveis as decisões que ponham termo ao processo (cfr. 691.º/1 do CPC); e, quanto às decisões intercalares ou interlocutórias proferidas, são (devem ser) imediatamente recorríveis as compreendidas no elenco taxativo do 691.º/2 do CPC.

Entre estas (preenchendo alguma das situações enunciadas/elencadas no art. 691.º/2) está justamente a decisão proferida no despacho saneador sobre a caducidade, uma vez que se trata de decisão que, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa – cfr. alínea h) do n.º 2 art. 691.º.

“ (…) pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados; outrossim quando, independentemente da solução da ou da posterior evolução processual, nele se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. Em qualquer dos casos, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato.”[11]

Enfim, os RR/apelantes, se discordavam do decidido – em que se julgou improcedente a excepção de caducidade que haviam suscitado – tinham que reagir/recorrer de imediato, sob pena de, como foi o caso, a decisão transitar e fazer caso julgado.

É justamente por tudo isto – para além de outras e diversas razões substantivas que é nosso dever abster-nos de apreciar[12] – que pode/deve ser dito que o objecto do recurso, dizendo/concluindo os RR/apelantes que “os AA. nunca denunciaram quaisquer defeitos existentes no seu prédio urbano aos RR.”[13] e que “a presente acção foi interposta a 09/06/2011, quando deveria ter sido interposta até 07/06/2011”, se limita a suscitar questão – caducidade – cuja desfecho/solução está em definitivo estabilizado nos autos; e não se argumente – acrescenta-se como hipótese de raciocínio – que, agora, se procurou suscitar algo de diferente daquilo que foi respondido/solucionado no saneador, uma vez que, lembra-se, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas, está excluída a possibilidade de alegação/invocação de factos novos na instância de recurso (tanto mais que – relembra-se – estamos perante matéria (caducidade) que não é de conhecimento oficioso, pelo que, a seu propósito, tudo, desde que não seja superveniente, deve ser dito/invocado na contestação).
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IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, nesta instância, pelos RR/apelantes.

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Coimbra, 10/12/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)

[1] Tendo antes sido proferido despacho de aperfeiçoamento, correspondido pelo A.; a que os RR. responderam.

[2] Daí a noção funcional: vício que desvalorize a coisa ou impeça a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina ou para a função normal/corrente das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina; devendo, para a determinação do “vício”, “defeito” ou “falta de qualidade” ser tomadas em conta todas as circunstâncias e envolventes concretas do contrato; contemplando-se o interesse do comprador no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme do contrato.

[3] Nem será exacta e rigorosamente assim – mas no caso não tem qualquer relevância/importância – uma vez que até estamos claramente perante uma relação de consumo (cfr. art. 2.º/1 da LDC 24/96 e 1.º-B/a) do DL 67/2003); mas, das presunções de não conformidade (constantes do art. 2.º/2 do DL 67/2003) resulta que o conceito de falta de conformidade, abrange genericamente os casos de “vício” e de “falta de qualidades” da coisa, referidos nos art. 913.º, nos quais se sub-divide o conceito mais amplo de “defeito”; e preenchidos tais conceitos – a “falta de conformidade” e o “defeito” – os direitos do comprador, seja relação de consumo ou não, são os mesmos quer no regime especial quer na lei geral (de acordo com o art. 4.º/1 do DL 67/2003, o direito de reparação das faltas de conformidade, o direito de substituição da obra, o direito à redução adequada do preço e o direito à resolução do contrato, exactamente os mesmo do regime geral do C. Civil); direitos em que existe alguma diferença/especialidade no modo de articulação/exercício, uma vez que (enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício) no âmbito do DL 67/2003 os direitos do comprador consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003), ou seja, perante a existência de faltas de conformidade na coisa, o comprador pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art. 4.º/1 do DL 67/2003, sem prejuízo, evidentemente, desta liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses dever respeitar os princípios da boa fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art. 334.º do C. Civil), o que significa que o respeito por princípios – como o da razoabilidade, da proporcionalidade e da prioridade da restauração natural – conduzirão, não raras vezes, à observância das regras de articulação (dos diferentes direitos do dono da obra) impostas pelo C. Civil e a soluções coincidentes com as do C. Civil. Daí que a exposição/fundamentação não se debruce especificamente sobre o sub-tipo contratual da compra e venda de consumo.

[4] No sub-tipo contratual da compra e venda de consumo até se estabelece – art. 12.º/1 da redacção inicial da LDC e art. 3.º/1 do DL 67/2003 – a responsabilidade objectiva do vendedor pela falta de conformidade da obra realizada (relativamente aos referidos direitos de eliminação das deficiências, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato), porém, em face da presunção de culpa constante do art. 799.º/1 do C. Civil, tal diferença de regime (entre a lei especial e a lei geral) acaba por não ter grande relevância prática.
[5] Também 1 ano, segundo o art. 5.º-A/2 do DL 67/2003 (na redacção do DL 84/2008, de 21-05).
[6] De 3 anos, segundo o art. 5.º-A/3 do DL 67/2003 (na redacção do DL 84/2008, de 21-05).
[7] Também 5 anos, segundo o art. 5.º/1 do DL 67/2003 (na redacção do DL 84/2008, de 21-05).

[8] Entendeu o legislador que este último prazo de 5 anos – que configura uma presunção iuris et de iure – de 5 anos é o tempo suficiente para todos os defeitos serem conhecidos, denunciados e exercidos os respectivos direitos.

[9] Temos sustentado (v. g., Acórdão proferido na apelação n.º 1127/07 Baixo Vouga – Anadia – Grande Instância), na esteira do defendido por Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 4.ª ed., pág. 135, que em nenhum lado a lei exige que o acto impeditivo da caducidade deva ser a propositura da acção judicial; em consequência, podem os direitos do comprador referidos no texto ser exercidos extrajudicialmente e, por este modo oportunamente exercidos, “a sua posterior (em relação ao anterior exercício extrajudicial) invocação, em acção judicial, por via de acção, reconvenção ou excepção, já não estará sujeita a qualquer prazo de caducidade, ficando apenas sujeitos, a partir do seu exercício extrajudicial, ao prazo de prescrição geral”.

Trata-se de posição, reconhecemo-lo, jurisprudencialmente minoritária, que, no caso, só ajudava a reforçar a solução de improcedência a que se chegou.
[10] Mais exactamente, no vigente quando foi proferido o saneador (embora não haja quaisquer diferenças significativas entre o então vigente e o entrado em vigor em 01/09/2013).
[11] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3.º ed., pág. 203.

[12] Em todo o caso, de modo muito necessariamente sumário, sublinha-se o seguinte:

1.º Os RR. nunca deram, em termos de alegação, qualquer contributo factual de modo a poderem, depois, cumprir o ónus probatório imposto pelo art. 343.º/2 do C. Civil; nunca disseram quando o A. conheceu/detectou os defeitos, pelo que (até ao ultimo dia dos 5 anos da garantia geral) sempre a denúncia dos mesmos seria tempestiva.

2.º A execução de trabalhos (facto 7), configura o reconhecimento dos defeitos (repetido no facto 8); o que dispensa o comprador da denúncia dos defeitos.

3.º Final e decisivamente, o que consta da parte final do facto 8 constitui um verdadeiro reconhecimento do direito accionado pelo A/comprador; e, nos termos do art. 331.º/2 do C. Civil, a caducidade é impedida pelo reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido, o que significa – o impedimento da caducidade resultante do reconhecimento do respectivo direito – não a contagem dum novo prazo de caducidade, mas que o exercício desse direito passa a estar sujeito apenas a prazo de prescrição ordinário; isto é, em rigor, nem estaremos sequer perante um caso em que a garantia geral dos 5 anos tenha/tivesse que ser respeitada (embora tenha sido).

[13] Por “a carta datada de 3 de Maio de 2011 ter sido escrita por quem não tinha poderes nem legitimidade para o fazer, no caso concreto o mandatário do A.” e por “nessa carta não serem denunciados quaisquer defeitos.”