Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
712/06.5TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO PARA CONSTRUÇÃO
HIPOTECA
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1380.º; 1381.º, A) DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Não basta a intenção do comprador destinar o prédio a construção; é necessário que prove, na acção de preferência, que é possível construir, por se tratar de facto impeditivo do direito invocado pelo preferente.

2. Procedendo a acção de preferência é ineficaz em relação ao preferente a hipoteca constituída a favor de terceiro, pelo anterior comprador afastado do negócio.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A..... e mulher B....., residentes ..... , intentaram contra C.... com sede ......, D...... residente em .... e E..... com sede na ......, acção comum com processo ordinário, pedindo se declare que os autores são donos e senhores do prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz sob o artº 39 secção F e descrito na CRP sob a descrição 2343, que os autores têm o direito de preferirem na compra que do prédio sito em ... inscrito na matriz sob o artº 35 secção F e inscrito na CRP sob s descrição nº 1 410 o réu D... fez à ré C... e a ineficácia da hipoteca que sobre o mesmo impende a favor da E....

Alegam para tanto que são donos e senhores do prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto por cultura arvense, oliveiras e figueiras, com a área de 18 760 m2, confrontando a norte com ..., sul com ...e outros, nascente com ..., e do poente com Travessa, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 39, da secção F, sobre o qual existe e se encontra em vigor uma inscrição de aquisição a favor dos AA., registada através da apresentação nº 11, de 13-4-1983, por compra a F.... e G..... .

O prédio acima referido confina pelo lado sul, por uma extensão de cerca de 130 metros, com o prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto de cultura arvense, figueiras e oliveiras, com a área de 9.400 m2, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 35, da secção F, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1.410, da freguesia de ....

Por escritura de compra e venda de 17 de Janeiro de 2000, exarada a fls. 12, do livro 372, do Cartório Notarial de ..., H....., actuando como procurador e em representação da R. C...., declarou vender ao R. D..., o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1.410, da freguesia de ..., e este segundo declarou comprar o mesmo, pelo preço de Esc- 3.500.000$00, que a vendedora declarou já ter recebido do comprador. Referente a este negócio de compra e venda foi pago o Imposto da Sisa no valor de Esc- 280.000$00, correspondente a 1.396,63 euros, e o custo da escritura foi de Esc- 57.090$00, correspondente a 284,76 euros. No mesmo dia 17-1-2000, foi exarada uma outra escritura de hipoteca, a fls. 14, do livro 372, do Cartório Notarial de ..., entre a E..., que outorgou como primeiro outorgante, e o R. D..., que outorgou como segundo outorgante, e onde consta, designadamente que: “Para garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pelo hipotecante, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de nove milhões de escudos, respectivos juros à taxa anual de onze vírgula quarenta e cinco por cento, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas fixadas para efeitos de registo em trezentos e sessenta mil escudos, e o montante máximo de capital e acessórios no montante de treze milhões quinhentos e trinta e um mil e quinhentos escudos, o segundo outorgante constitui hipoteca a favor da E....., sobre o seguinte imóvel, com todas as suas pertenças e benfeitorias, presentes e futuras: - prédio rústico, composto de cultura arvense, figueiras e oliveiras, com a área de nove mil e quatrocentos metros quadrados, sito em “ ...”, freguesia de ..., concelho de ..., descrito, na Conservatória, sob o número mil quatrocentos e dez, inscrito na matriz sob o artigo 35, secção F, prédio que o segundo outorgante adquiriu, à firma “C....., a favor de quem o dito prédio se encontra registado nos termos da inscrição G-4, por escritura de compra, lavrada hoje, neste livro, antecedendo esta.

Os dois prédios rústicos acima mencionados são de sequeiro. Ambos têm área inferior à unidade de cultura para a região.

Juntou documentos duplicados e procuração.


*

Regularmente citados os réus disse a E... que desconhece a maior parte dos factos, confirma a concessão do crédito e a hipoteca a seu favor.

Conclui pela improcedência da acção.

Juntou documentos, duplicados e procuração.


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 Pelo réu D.... foi dito em resumo que adquiriu o prédio para aí construir uma moradia, os autores tiveram conhecimento da venda no ano de 2000, o preço pago pelo contestante foi de 10 250 000$00 e não 3 500 000$00 como mencionado na escritura, em reconvenção pedem que se aos autores lhe for reconhecido o direito de preferência os mesmos paguem a quantia de 10 250 000$00 que foi quando desembolsaram pelo prédio.

Juntou documentos, duplicados e procuração.


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A ré C... nada disse.

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Os autores replicaram dizendo que o prédio a preferir se encontra abrangido pela RAN e REN é inviável nele a construção.

No demais concluíram como na petição.

Entretanto, cf. requerimento de fl.s 88 e 89, os autores reduziram o pedido “por forma a que se deixe de ordenar o cancelamento na Conservatória de Registo Predial de ..., da Inscrição G-5 Ap 05 de 18/01/2000, a favor de D..., mas que se ordene, tão só, o cancelamento de todas as inscrições que se seguem à inscrição G-5 – Ap. 05 de 18/01/2000, tendo como eficaz a aquisição a favor do requerido D..., nomeadamente, a Inscrição C-1 Ap. 06 de 18/01/00”.

Teve lugar infrutífera Audiência Preliminar.

            A que seguiu a prolação de despacho saneador, no qual se admitiu a reconvenção deduzida e se seleccionou a matéria de facto assente e a que, estando controvertida, era relevante para a decisão da causa, de que não houve reclamações.

Foi designada data para audiência de discussão e julgamento a qual se realizou de acordo com o formalismo legal, com gravação dos depoimentos prestados, tendo o Tribunal respondido à base instrutória sem que houvesse reclamações, cf. fl.s 346 a 350.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 358 a 380, na qual se decidiu o seguinte:

“Assim e por todo o exposto, julgo procedente por provada a presente acção e em consequência:

a) declaro os autores donos e senhores do prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto por cultura arvense, oliveiras e figueiras, com a área de 17.000 m2, confrontando a norte com ..., sul com ...e outros, nascente com ..., e do poente com Travessa, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 39, da secção F, e descrito na CRP sob a descrição nº 2343;

b) declaro que os autores têm o direito de haverem para si o prédio referido na al B) por efeito do direito de preferência;

 

c) condeno o réu D... a abrir mão do dito prédio a favor dos autores;

d) declaro ineficaz em relação aos autores a hipoteca voluntária que sobre o mesmo incide e constituída pelo réu D... e registada pela inscrição C-1.

No demais absolvo os réus.


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Julgo improcedente por não provada a reconvenção e dela absolvo os autores.

Custas da acção e da reconvenção pelos réus.”.

            Notificados da mesma, os autores, cf. requerimento de fl.s 386 e 387, requereram a sua aclaração, no que respeita ao pedido de cancelamento da hipoteca, que não foi ordenado.

            Por seu turno, o réu D..., cf. requerimento de fl.s 390 e 391, requereu que se declarasse se ficava ou não prejudicada definitivamente a possibilidade de o mesmo vir a demonstrar que o preço foi superior a 8.500.000$00.

            Através do despacho de fl.s 402 e 403, que não foi objecto de recurso, o M.mo Juiz a quo, deferiu o pedido formulado pelos autores, fazendo consignar que se determinava o cancelamento da hipoteca que incide sobre o prédio, passando tal decisão a fazer parte da sentença.

            Já no que concerne ao pedido formulado pelo réu D..., foi o mesmo indeferido, com o fundamento em não se tratar de nenhuma obscuridade ou ambiguidade mas tão só de decidir uma questão que não foi formulada.

           

            Inconformados com a mesma, interpuseram recurso a ré E... e o réu D..., recursos, esses, admitidos como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despachos de fl.s 396 e 434, respectivamente), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões):

            Ré E...:

1. A Apelante é terceiro de boa fé, nos termos previstos no n° 3 do art°. 291.º do C. Civil.
2. O negócio a que se reporta o n° 2 do art°. 291.º do C. Civil, a partir de cuja data se inicia a contagem do prazo de três anos dentro do qual deve ser proposta e registada a acção de nulidade prevista no n° 1 do mesmo artigo, é o negócio também previsto naquele n° 1, ou seja o acto cuja declaração de nulidade ou anulação é objecto daquela acção.
3. A mencionada acção, a que correspondem os presentes autos, não foi proposta e registada dentro do prazo de três anos a contar da conclusão do negócio inquinado.
4. O beneficiário da declaração de nulidade terá de ser aquele que em consequência
dela vê renascer um direito ou a possibilidade de o exercer livremente e sem quaisquer restrições.
5. Uma vez reconhecido o direito de preferência do preferente, é este colocado na
posição do originário adquirente, retroactivamente e com efeitos à data da
venda, como se a mesma tivesse sido feita desde logo com o preferente.
6. No entanto, o acto que estava ferido de invalidade por preterição da atribuição
do direito de preferência a quem dele beneficia, até à sua declaração de
invalidade, é válido e produz todos os efeitos, e designadamente, os emergentes do direito registral.
7. A “ratio” quer do n° 2 do art°. 291.º do C. Civil, quer o n° 2 do art°. 17° do C. R.
Predial, vêm salvaguardar os direitos de terceiros de boa-fé que não viram o acto
ser atacado durante um determinado período razoável, que o legislador entendeu
suficiente ser de três anos, os quais só podem contar-se, a partir da data do acto que deu origem a tal situação.

8. Para efeitos de salvaguarda dos direitos de terceiros de boa fé, nos termos do n°
2 do art°. 291.º do C. Civil e do n.º 2 do art° 17° do C R. Predial, o que releva é a data da conclusão do negócio, devendo a respectiva acção ser proposta e registada no prazo de três anos a contar de tal data.

9. Tais direitos ficam, pois, como que cristalizados, não mais sendo afectados pela
nulidade inicial do acto, e prevalecerão sobre os direitos do beneficiário da declaração de nulidade.

10. Se assim não fosse entendido, não faria qualquer sentido a existência do n° 2 do art°. 291° nem tão pouco   a necessidade do registo.

l1. E as garantias constituídas, ainda que possam estar feridas, por terem nascido à luz de um contrato nulo — o contrato de compra e venda sem o cumprimento (ia obrigação de preferência legal só não poderão ser eliminadas da ordem jurídica, e consequentemente destruídos OS seus efeitos, porque a norma excepcional do n° 2 do art°. 291.º do C. Civil vem ressalvar os efeitos da declaração de nulidade que ocorra na sequência de uma acção de impugnação registada depois de decorridos três anos sobre a prática do acto inválido.
12. Dado que o interessado ou beneficiário do vício do acto nulo só tardiamente distribuiu e registou a acção de invalidade, tal atraso fê-lo ficar preterido em relação ao terceiro adquirente, cuja boa fé não está posta em causa nos autos, e consequentemente o seu direito terá de ceder perante o direito do terceiro de boa fé.
13. Consequentemente, a hipoteca que se mostra registada a favor da Apelante terá de manter-se incólume.

14. A sentença sob recurso, violou, assim, o disposto no n° 2 do art°. 291° do C. Civil e o n° 2 do art°. 17° do C. Registo Predial.

Termos em que, e nos mais de direito doutamente supridos, deve a douta sentença recorrida ser revogada na parte em que declara ineficaz em relação aos Apelados a hipoteca constituída a favor da ora Apelante, e que ordena o cancelamento do respectivo registo e substituída por outro que declare a improcedência da pretensão dos Apelados nesta parte, por se encontrar precludido o seu direito de fazer valer a nulidade do acto de alienação perante a Apelante, por terem decorrido mais de três anos sobre a prática do acto nulo, no momento em que foi registada a acção de impugnação do mesmo, mantendo-se assim, a inscrição registral relativa à hipoteca, dando-se provimento ao presente recurso, assim fazendo Vossas Excelências a costumada

Justiça!

            Réu D...:

            1ª- Para que haja direito de preferência entre proprietários de terrenos confinantes é necessário que ambos os prédios gozem reciprocamente desse direito, sendo certo que no caso sub judice não foi alegado nem provado pelos AA. que lhes cabe o direito de preferência por serem eles os proprietários que com o seu exercício obtêm a área que mais se aproxime da unidade de cultura.

2ª- Tal circunstância é um facto constitutivo do seu direito e a sua demonstração só seria dispensada caso os AA. tivessem recorrido previamente ao processo de determinação do direito de preferência sucessivo, previsto no artigo 1461º do CPC.

3ª- Além disso, o prédio dos AA. – artigo 39-F - tinha a área de 18.760m2 conforme foi alegado no artigo 1º da p.i. e é confirmado pela respectiva caderneta predial, o qual diverge em 1.760m2 da área de 17.000m2 indicada na Conservatória, sendo certo que a definição rigorosa da área do prédio dos AA. era condição de viabilidade da própria acção de preferência, nos termos das conclusões anteriores.

4ª- Não é admissível o reconhecimento desde já aos AA. do direito de preferência sabendo-se que no futuro outro confinante poderá vir propor uma nova acção de preferência relativa à mesma transmissão, alegando só então ter tomado conhecimento dela sem que se possa fazer prova do contrário, e demonstrar nessa acção que é ele o proprietário que com a preferência obtém a área que mais se aproxima da unidade de cultura.

5ª- De qualquer forma e para o caso de caber aos AA. o direito de preferência o R. alegou e provou factos de que resulta que esse direito se deve ter como afastado por força do disposto no artigo 1380º al. a) do Código Civil.

6ª- Assim provaram-se todos os factos referidos no Capítulo II (folhas 5) destas alegações sob as alíneas a) a g) que demonstram claramente não só que o ora Apelante tinha a intenção de destinar o prédio à construção como ainda que tal destinação era legalmente admissível, posto até que o prédio se localiza no interior de uma localidade, junto à Rua Principal, tendo já alguma área classificada como espaço urbano e estando o PDM em vias de ser alterado em termos de que resultará a ampliação da área urbanizável, viabilizando a construção.

7ª- Assim, a decisão recorrida conduziria a que se retirasse agora o prédio ao R. aproveitando os mecanismos legais do emparcelamento, para a curto prazo e em resultado da revisão do PDM em vigor o mesmo ser transformado já nas mãos dos AA. em terreno com aptidão urbanística, com nítido abuso de direito por parte destes e com ofensa do disposto no artigo 334º do Código Civil.

8ª- Na jurisprudência e na doutrina é dominante o entendimento de que o fim relevante para aplicação da norma da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil é aquele que o adquirente pretende dar ao terreno, mesmo que essa intenção não conste da respectiva escritura, não sendo necessário que a afectação do prédio a fim diferente exista já ao tempo da alienação.

9ª- Quanto à demonstração de que essa mudança de destino é legalmente possível no caso concreto, deveria o Mmº Juiz a quo tê-la atendido face aos elementos constantes do processo, designadamente que uma parte do prédio vendido já se situa em espaço urbano e junto à Rua Principal de uma localidade e que está em curso a revisão do PDM por forma a que uma parte substancial do prédio passe a ser classificado como “espaço urbano”, com a consequente viabilização da construção da moradia.

10ª- Tendo-se provado que o preço pago pelo R. D... à C... pela aquisição do prédio foi de pelo menos 8.500.000$00 não podia o Mmº Juiz “a quo” considerar que este último montante corresponde ao preço real e assim, tendo os AA. procedido ao complemento de depósito apenas até este valor, não podia julgar a acção procedente reconhecendo-lhes o direito de preferência.

11ª- A factualidade provada não autoriza a conclusão de que se o preço pago pelo réu foi de pelo menos 8.500.000$00, o seu valor efectivo não pode ter sido de 10.250.000$00, conforme foi pedido na reconvenção.

12ª- Em caso de simulação de preço, a preferência só pode ser exercida pelo preço real e, no caso “sub judice” não se apurou qual foi esse preço real, sabendo-se apenas que não foi inferior a 8.500.000$00 e que o preço real está situado entre o valor de 3.500.000$00 declarado na escritura e o de 10.250.000$00.

13º- Assim, ao efectuarem o depósito complementar de 24.939,90€ que não dava cobertura ao preço de 10.250.000$00 até ao qual pode ir o preço real de acordo com os factos provados, os AA. não garantiram o depósito necessário para assegurar o seu eventual direito de preferência, deixando-o caducar.

14ª- O procedimento adequado teria sido o de exigir que os AA. depositassem o preço real na sua máxima expressão possível (10.250.000$00), autorizando a entrega imediata ao R. D... da quantia de 8.500.000$00 e relegando a atribuição ou não de toda ou parte da diferença para posterior fase de liquidação.

15ª- Inicialmente o Mmº Juiz absolveu os réus dos demais pedidos, nele se incluindo o do cancelamento da hipoteca registada com a referência C-1, tendo os AA. pedido o esclarecimento da sentença, após o que o Mmº Juiz, alterando a decisão anterior, determinou o cancelamento da hipoteca sobre o prédio referido em B).

16ª- Porém o pedido de aclaração formulado pelos AA. traduz uma típica arguição de nulidade, só possível no caso de a decisão não admitir recurso ordinário.

17ª- Quanto à apreciação do pedido de cancelamento da hipoteca, que fora julgado improcedente, o poder jurisdicional do juiz estava esgotado e este só podia suprir nulidades caso a sentença não admitisse recurso ordinário.

18º- Dado que os AA. não interpuseram recurso da sentença, a absolvição do pedido de cancelamento da hipoteca transitou em julgado.

19- Ao decretar o direito de preferência a sentença violou o disposto nos artigos 1380º nº 2 alínea b), 1381º al. a) e 1410º nº 1 do Código Civil ou quando menos o disposto

no artigo 334º do mesmo Compêndio.

20ª- Pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e o R. totalmente absolvido dos pedidos, decretando-se prejudicada a apreciação do pedido reconvencional e imputando-se a totalidade das custas aos AA.

Assim se fará

J U S T I Ç A ! !

                       

            Contra-alegando, relativamente ao recurso interposto pela E..., os autores pugnam pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos na mesma invocados e que não tem aplicação à ajuizada situação o disposto no artigo 291.º CC, por estarmos perante negócio válido.

            E fazendo-o, igualmente, quanto ao recurso interposto pelo réu D..., referem que se trata de questão nova a de os autores estarem desacompanhados dos demais confinantes e relativamente às demais questões aderem ao exposto na sentença recorrida.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

           

Recurso da E...:

            A. Se a hipoteca que se mostra registada a seu favor deverá manter-se incólume.

            Recurso do réu D...:

            B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, al. d) do CPC;

            C. Se não se verifica o direito de preferência a que se arrogam os autores, por estes não terem alegado nem provado que com o seu exercício obtêm a área que mais se aproxima da unidade de cultura, nem recorreram ao processo de determinação previsto no artigo 1461.º CPC, sendo que o prédio vendido confronta a sul e poente com outros proprietários;

            D. Se o direito de preferência a que se arrogam os autores se encontra afastado em virtude de o réu ter comprado o prédio em questão, com a intenção de nele construir a sua habitação e;

            E. Qual o preço a ter em conta para efeitos de depósito obrigatório por parte dos autores e, consequentemente, se o direito de preferência se mostra ou não caducado.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

       Dos factos assentes:

A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 2.343, da freguesia de ..., um prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto por cultura arvense, oliveiras e figueiras, com a área de 17.000 m2, confrontando a norte com ..., sul com ...e outros, nascente com ..., e do poente com Travessa, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 39, da secção F, sobre o qual existe e se encontra em vigor uma inscrição de aquisição a favor dos AA., registada através da apresentação nº 11, de 13-4-1983, por compra a F... G...e H.... – al. A) dos factos assentes.

B) O prédio referido em A) confina pelo lado sul, por uma extensão de cerca de 130 metros, com o prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto de cultura arvense, figueiras e oliveiras, com a área de 9.400 m2, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 35, da secção F, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1.410, da freguesia de .... – al. B) dos factos assentes.

C) Por escritura de compra e venda de 17 de Janeiro de 2000, exarada a fls. 12, do livro 372, do Cartório Notarial de ..., I..., actuando como procurador e em representação da R. C....., declarou vender ao R. D..., o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1.410, da freguesia de ..., referido em B), e este segundo declarou comprar o mesmo, pelo preço de Esc- 3.500.000$00, que a vendedora declarou já ter recebido do comprador. – al. C) dos factos assentes.

D) Referente ao negócio de compra e venda referido em C) foi pago o Imposto da Sisa no valor de Esc- 280.000$00, correspondente a 1.396,63 euros, e o custo da escritura foi de Esc- 57.090$00, correspondente a 284,76 euros. – al. D) dos factos assentes.

E) No mesmo dia 17-1-2000, foi exarada uma outra escritura de hipoteca, a fls. 14, do livro 372, do Cartório Notarial de ..., entre a E..., que outorgou como primeiro outorgante, e o R. D..., que outorgou como segundo outorgante, e onde consta, designadamente que: “Para garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pelo hipotecante, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, até ao montante de nove milhões de escudos, respectivos juros à taxa anual de onze vírgula quarenta e cinco por cento, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas fixadas para efeitos de registo em trezentos e sessenta mil escudos, e o montante máximo de capital e acessórios no montante de treze milhões quinhentos e trinta e um mil e quinhentos escudos, o segundo outorgante constitui hipoteca a favor da E...., sobre o seguinte imóvel, com todas as suas pertenças e benfeitorias, presentes e futuras: - prédio rústico, composto de cultura arvense, figueiras e oliveiras, com a área de nove mil e quatrocentos metros quadrados, sito em “ ...”, freguesia de ..., concelho de ..., descrito, na Conservatória, sob o número mil quatrocentos e dez, inscrito na matriz sob o artigo 35, secção F, prédio que o segundo outorgante adquiriu, à firma “C...., a favor de quem o dito prédio se encontra registado nos termos da inscrição G-4, por escritura de compra, lavrada hoje, neste livro, antecedendo esta. – al. E) dos factos assentes.

F) Sobre o prédio referido em B), descrito na Conservatória sob o nº 1.410, da freguesia de ..., encontram-se registadas e em vigor: uma inscrição de aquisição a favor do R. D..., com o nº G-5, por compra à R. C...; e uma inscrição de hipoteca a favor da R. E..., com o nº C-1, nos termos que se encontram descritos em E). – al. F) dos factos assentes.

G) No dia 23-12-2005 o A. dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial de ... e obteve a certidão de registo predial junta de fls. 29 a 33. – al. G) dos factos assentes.

H) No dia 27-12-2005, o A. adquiriu no Cartório Notarial de ... as escrituras que se encontram juntas de fls. 34 a 45. – al. H) dos factos assentes.

I) Em 19-7-2006, a R. E...era credora do R. D... pelo montante global de 75.609,13 euros, sendo tais créditos todos vincendos e relativos aos seguintes títulos: a) Livrança no valor de € 25.000,00 com vencimento em 1.09.06; b) Saque no valor de € 5.000,00, aceite de M.... , com vencimento em 30.07.06; c) Saque no valor de € 6.609,13, aceite de M..., com vencimento em 30.09.06; d) Saque no valor de € 6.500,00, aceite de N.... , com vencimento em 31.07.06; e) Saque no valor de € 6.500,00, aceite de N..., com vencimento em 31.08.06; f) Saque no valor de € 6.500,00, aceite de N..., com vencimento em 31.09.06; g) Saque no valor de € 6.500,00, aceite de N..., com vencimento em 31.10.06; h) Saque no valor de € 6.500,00, aceite de N..., com vencimento em 31.11.06; e i) Saque no valor de € 6.500,00, aceite de N..., com vencimento em 31.12.06. – al. I) dos factos assentes.

J) O R. D... contraiu casamento com O.... em 30 de Abril de 2000. – al. J) dos factos assentes.

L) Por Procuração lavrada no dia 11 de Novembro de 1999, no 2º Cartório Notarial de Lisboa, a R. C... constituiu como seu procurador I...., a quem conferiu poderes “para, em relação aos prédios rústicos, sitos na freguesia de ..., concelho de ..., descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os nºs 1.604 e 1.410, ambos da referida freguesia de ..., e inscritos na matriz, respectivamente, sob os artigos 32, da secção G, e 35, da secção F, da indicada freguesia, praticar os seguintes actos: 1- Fazer quaisquer obras, segundo os projectos que melhor entender, requerendo o que se mostrar necessário perante…Repartições de Finanças, Câmaras Municipais e Conservatórias do Registo Predial…B) Vender ou prometer vender, os referidos prédios, pelos preços, respectivamente, de…Esc- 3.500.000$00…”. – al. L) dos factos assentes.

M) A Câmara Municipal de ... prestou ao A. A... a seguinte informação, datada de 16-5-2007: “1- É requerido informação sobre os instrumentos de Planeamento em vigor na propriedade inscrita sob o nº 35, da secção F, da freguesia de ..., ainda que a informação seja esclarecida a partir do ano de 1999 até à presente data. 2- Do ponto de vista Regulamentar o prédio encontra-se abrangido pelo regime da RAN ( Regime Jurídico de Reserva Agrícola Nacional) e da REN ( Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional), de acordo com o PDM em vigor…3- O Regulamento do Plano Director Municipal de ... entrou em vigor no dia 5 de Fevereiro de 1997, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 16/97...Tanto o regulamento do PDM como os regimes da REN e RAN tornam este terreno não edificável com as regras actualmente em vigor, não se encontrando preenchidos os requisitos para um regime de excepção”. – al. M) dos factos assentes.

Da base instrutória:

N) Os autores amanham, semeiam e colhem os frutos do prédio referido em A), à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de serem os respectivos proprietários, há mais de 30 anos, sem interrupção. – r q 1

O) Os prédios referidos em A) e B) situam-se numa área em que as culturas só germinam com a água da chuva, estando distantes de qualquer curso de água. – r q 2

P) São ambos os prédios constituídos por terreno de sequeiro. – r q 3

Q) Num fim-de-semana da 2ª quinzena de Dezembro de 2005, o autor A... ouviu dizer no Café ..., sito na povoação de ..., que o prédio referido em B) tinha sido vendido. – r q 4

R) No dia 27-12-2005, e face à leitura da escritura de compra e venda referida em C), o autor A... ficou a conhecer os termos do contrato aí em causa, celebrado entre a ré C... e o réu D..., e bem assim o respectivo preço. – r q 5

S) O réu D... adquiriu o prédio referido em B), através da escritura mencionada em C) para aí construir uma moradia. – r q 6

T) O prédio referido em B) confronta com a estrada dos lados sul e poente e situa-se a cerca de 4 Km do Nó da Auto-Estrada do Norte e do IP6. – r q 7

U) O vendedor da ré C... disse ao réu D... que no terreno referido em B) se podia construir. – r q 9

V) O prédio referido em B) foi avaliado pela E... como área onde se pode construir. – r q 10

X) O terreno do prédio referido em B) nos últimos anos não tem sido amanhado. – r q 11

Y) Pelo menos desde 23.12.2005 os autores sabiam que o prédio referido em B) fora hipotecado pelo réu D... à ré E... para garantia de um valor superior a Esc- 13.500.000$00. – r q 15

Z) O preço pago pelo réu D... à ré C... pela aquisição do prédio mencionado em B) foi de pelo menos 8 500 000$00 (42 397,82 €).– r q 16

AA) O pagamento do preço referido em 16) pelo réu D... foi efectuado mediante a entrega de pelo menos o cheque cópia de fls 201. – r q 17

AB) No início do ano de 2000, o valor venal no mercado do prédio referido em B) era de Esc- 8 019 280$00. – r q 18

AC) A ré E... procedeu à avaliação do prédio mencionado em B), em 1999, concluindo que o mesmo tinha valor equiparado a Esc- 9 400 000$00. – r q 19

AD) Na procuração mencionada em L) foi declarado ser a mesma irrevogável até 9 de Junho de 2000 foi estabelecida também no interesse do procurador, o mencionado AI...... – r q 21

AE) Os autores têm cultivado o prédio mencionado em A). – r q 23

AF) O réu D... teve despesas de escritura no valor de 57 090$00, imposto da sisa no valor de 280 000$00, registo e encargos conexos em valor que se desconhece. – r q 25.

            Nos termos do disposto no artigo 710.º, n.º 1 do CPC, os recursos devem ser julgados pela ordem da sua interposição.

            Assim, deveria conhecer-se, em primeiro lugar, do recurso interposto pela E....

            No entanto, a questão a decidir em tal recurso só terá acuidade no caso de procedência do recurso interposto pelo réu D..., pois que no caso de se vir a decidir que inexiste o direito de preferência a que se arrogam os autores, deixa de ter interesse o pedido, por estes formulado, de cancelamento da hipoteca de que beneficia a E....

            Consequentemente, não obstante o disposto no artigo ora citado, começamos por apreciar o recurso do réu D....

            Recurso interposto pelo réu D...:

            B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, al. d) do CPC.

            Defende o ora recorrente que assim é porque inicialmente o M.mo Juiz a quo absolveu os réus dos demais pedidos formulados pelos autores, em que se incluía o do cancelamento da hipoteca e, os autores em vez de recorrerem da sentença, pediram o seu esclarecimento, em função do que o M.mo Juiz a quo o veio a determinar, quando não o podia fazer, por já se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional.

De acordo com o disposto no artigo 668, n.º 1, al.s d), do CPC, é nula a sentença, quando:

o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

A nulidade em causa radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

In casu, o ora recorrente propende para a segunda hipótese.

No entanto, a mesma não se verifica uma vez que os autores haviam pedido o cancelamento de tal hipoteca e na sentença, não se conheceu de tal pedido, o que, efectivamente encerra a nulidade da sentença por não se ter conhecido de tal pedido.

De acordo com o n.º 3 do artigo 668.º CPC, tal nulidade deveria ser arguida em sede de recurso, o que não aconteceu.

O certo é que o réu, ora recorrente, o fez.

E, de acordo com o n.º 4 do mesmo preceito, arguida a mesma, poderia, de imediato, ser suprida pelo M.mo Juiz que proferiu a sentença, o que aconteceu e é legal, (apenas com a especificidade de o ter sido antes de tal alegação, não obstante o pedido de aclaração formulado pelos autores tivesse o mesmo objecto) – neste sentido, Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, a pág. 671 e Lopes do Rego, Comentários …, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág. 557, notas II e III.

Pelo que, poderia o M.mo Juiz a quo, como o fez, suprir a invocada nulidade como, já havia feito.

De resto, ainda que assim não fosse e porque pelos motivos já expendidos, a sentença sofreria de tal nulidade, sempre este Tribunal, nos termos do disposto no artigo 715.º, n.º 1 do CPC, teria de conhecer do pedido formulado, em face da alegação de tal nulidade e, como adiante se verá, a hipoteca constituída a favor da E... é ineficaz em relação aos autores.

Consequentemente, tem de concluir-se que a sentença recorrida não é nula, nem por força do alegado (nem de qualquer outra das nulidades ali previstas), pelo que tem de improceder esta questão do recurso.

            C. Se não se verifica o direito de preferência a que se arrogam os autores, por estes não terem alegado nem provado que com o seu exercício obtêm a área que mais se aproxima da unidade de cultura, nem recorreram ao processo de determinação previsto no artigo 1461.º CPC, sendo que o prédio vendido confronta a sul e poente com outros proprietários.

            Com vista a tal desiderato, alega o ora recorrente que os autores não são os únicos confinantes que podiam exercer o pretendido direito de preferência, pelo que teriam de lançar mão do mecanismo previsto no artigo 1461.º CPC.

            Independentemente da análise do mérito de tal questão, o certo é que a mesma não foi alegada anteriormente e só agora, em sede das alegações de recurso, é que a mesma foi levantada pelo recorrente D....

            Ora, como consabido, os recursos não se destinam a discutir questões novas, não apreciadas pelo Tribunal recorrido.

            Ao invés, apenas constituem “remédio jurídico” para concretas situações de facto ou de direito já discutidas e apreciadas na sentença recorrida, o que, manifestamente, não aconteceu.

            Assim, por se tratar de questão nova, não discutida nas instâncias, não se pode, agora, dela conhecer, o que acarreta, também, quanto a esta questão, a improcedência do presente recurso.

            D. Se o direito de preferência a que se arrogam os autores se encontra afastado em virtude de o réu ter comprado o prédio em questão, com a intenção de nele construir a sua habitação.

            Alega o ora recorrente que tendo alegado e provado que comprou o terreno em causa para construção, se verifica uma excepção ao direito de preferência concedido aos confinantes, nos termos do disposto no artigo 1381.º, al. a) do CC.

            Na sentença recorrida, após se ter reconhecido que se verificavam os requisitos para que se concedesse aos autores o direito de preferência, com base na confinância, nos termos do disposto no artigo 1380.º CC, considerou-se que não se verificava a excepção a tal direito tal como definida no artigo 1381.º, al. a) do CC, com o fundamento em que não obstante a demonstração de que o réu comprou o terreno em causa para nele construir uma casa, o certo é que de acordo com o PDM em vigor relativo ao concelho de ..., naquele local, não é possível construir no prédio transaccionado, pelo que não basta a intenção de o destinar a tal fim, sendo, ainda, necessário, provar que é possível construir, o que os réu não lograram demonstrar, sendo a eles que o incumbia fazer, por se tratar de facto impeditivo do direito invocado pelos autores.

            A sentença recorrida analisou exaustiva e correctamente a questão sub judice, para cujos termos se remete, em conformidade com o disposto no artigo 713.º, n.º 5 do CPC.

            Apenas se referindo mais o seguinte:

            Em face dos factos dados por provados em 1.ª instância (e que não foram impugnados) não existem dúvidas de que os autores gozam do direito de preferência, por força da confinância de prédios (o que o recorrente também não coloca em crise, para além da questão elencada em B. e já analisada), bem como que os réus adquiriram o prédio em questão para nele construir.

           

Mas será que basta esta intenção para afastar a preferência invocada pelos autores?

Conforme disposto no artigo 1381.º, alínea a) do CC:

“Não gozam do direito de preferência os proprietários dos terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura”.

Um dos casos em que o prédio se destina a um fim diverso da cultura é, manifestamente, o de o mesmo se destinar à construção urbana.

Está provado que esse era o fim querido pelos ora recorrentes para o prédio que compraram – cf. alínea S) dos factos provados.

No entanto, como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 23/10/2006, Processo 0655486, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp “... esta intenção (de construir) não pode ser meramente platónica, devendo existir uma possibilidade real desse destino diferente da cultura do prédio verificar-se” e no qual se citam, no mesmo sentido, inúmeros Arestos e Doutrina.

Também o STJ, cf. Acórdãos de 20/04/2004, Processo 04A844 e de 04/10/2007, Processo 07B2739, ambos disponíveis no respectivo site da dgsi, defendem tal tese, declarando-se no primeiro que “O que interessa estar apurado é que os fins da aquisição sejam viável e lícito … Os Réus teriam que ter provado que a sua intenção era legalmente admissível e não é.”. 

            E no segundo destes Arestos que: “o adquirente tem ainda de provar, …, que nada se opõe a que se concretize a sua intenção de dar ao prédio uma outra afectação ou um outro destino, e que, portanto, essa projectada mudança de destino é legalmente possível, é permitida por lei.”.

            Sem pretender ser exaustivo (até face à numerosa jurisprudência que existe sobre esta matéria), indica-se, ainda, em abono desta tese, o Acórdão desta Relação, de 4/11/2088, in CJ, Ano XXXII, tomo 5, pág.s 5 a 9.

            Ora, conforme al. M) dos factos provados, de acordo com o PDM em vigor para o local, bem como os regimes de REN e RAN, o prédio preferido não é susceptível de ser destinado a edificação, os mesmos (PDM e regimes de RAN e REN) “tornam-no não edificável”.

            Como consabido os PDM,s, são regulamentos administrativos que estabelecem as regras que classificam os solos e definem os regimes urbanísticos e regulamentam as condições de uso e ocupação de solos e os regimes de REN e RAN, são instrumentos de organização e ordenamento do território que impõem restrições ao uso dos solos neles englobados e que, por isso, constituem regimes de excepção ao direito de propriedade, no sentido de que o seu uso e ocupação ficam condicionados aos fins e objectivos neles tidos em vista.

            Ora, não podendo, como não pode, o prédio em questão ser destinado a construção, não lograram os réus, ora recorrentes, demonstrar a existência da excepção ao direito de preferência baseado na confinância de prédios, prevista no artigo 1381,º, al. a) do CC, factualidade esta que, por constituir matéria de excepção, a estes incumbia demonstrar – cf. artigo 342.º, n.º 2 do CC.

            Assim, carece, o ora recorrente de razão, pelo que, também quanto a esta questão, improcede o seu recurso.

            E. Qual o preço a ter em conta para efeitos de depósito obrigatório por parte dos autores e, consequentemente, se o direito de preferência se mostra ou não caducado.

            No que a tal respeita, alega o ora recorrente que tendo-se dado por demonstrado que o preço da venda foi de, pelo menos, de 8.500.000$00, não fica afastada a hipótese de o preço ter sido o de 10.250.000$00 por si alegado, pelo que o depósito efectuado pelos autores não cobre esta possibilidade e, por isso, terá de considerar-se caducado o seu direito.

            Na sentença recorrida considerou-se que os autores procederam inicialmente ao depósito da quantia referida na escritura como constituindo o preço da coisa vendida e logo que fixada a matéria de facto, depositaram, decorridos 3 dias, o preço que se deu por apurado, por aquele superior, pelo que se tem de entender que, atempadamente, procederam ao depósito do preço praticado, em conformidade com o disposto no artigo 1410.º, n.º 1, in fine, do CC.

            A factualidade, quanto a tal, a ter em conta é a constante das alíneas C) e Z), de acordo com as quais o preço declarado na escritura foi o de 3.500.000$00, mas sendo que o preço realmente praticado foi de, pelo menos, 8.500.000$00.

            Por outro lado, conforme fl.s 350 a 354, está assente que a resposta à matéria de facto ocorreu no dia 05 de Maio de 2009 e no dia 07 desse mesmo mês, os autores reforçaram o depósito na quantia de 24.939,90 €, com vista a preferir pelo preço dado por demonstrado.

            Como dispõe o artigo 1410.º, n.º 1, in fine, CC, impõe-se ao preferente que em 15 dias contados da propositura da acção proceda ao depósito do preço devido.

            Os autores, como já dito, inicialmente, depositaram a quantia referida na escritura de compra e venda e posteriormente a por último referida, em virtude de se ter demonstrado que o preço foi superior ao constante da escritura, nos já mencionados termos.

            A única questão que se nos impõe decidir é se os autores deviam depositar a quantia correspondente a 8.500.000$00 ou a 10.500.000$00.

            Ora, em face do que consta da al. Z) dos factos provados tinham os autores que depositar o equivalente ao preço efectivamente pago pela transacção que originou os presentes autos, ou seja, a quantia de 8.5000.000$00.

            Tendo-se determinado que o preço praticado foi o de pelo menos 8.500.000$00 e não o alegado pelos réus em sede de contestação-reconvenção, não podem estes exigir, contra a factualidade provada (cf. 342.º, n.º 1 do CC) que se lhes atribua quantia superior à determinada.

            A expressão “de pelo menos 8.500.000$00”, não permite que se fixe uma superior a esta, sob pena de ser completamente arbitrária e infundamentada.

            Consequentemente, não se pode considerar que os autores não procederam ao depósito do “preço devido”.

            Assim, igualmente, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

            Pelo que, improcede, na totalidade, o recurso interposto pelo ré D....

            Recurso da ré E...:

            A. Se a hipoteca que se mostra registada a seu favor deverá manter-se incólume.

            Alega a ora recorrente que se encontra numa situação de boa fé e que como tal goza da protecção que lhe é concedida pelo disposto no artigo 291.º do CC e 17.º do Cód. de Registo Predial, não tendo sido a presente acção proposta nem registada dentro dos 3 anos contados da conclusão do negócio.

            Os recorridos contrapõem que não se trata de uma situação de nulidade ou anulabilidade do negócio, tratando-se, ao invés de uma questão de ineficácia, pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 291.º CC.

            Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 291.º CC, protegem-se os interesses de terceiros de boa fé que tenham adquirido e registado direitos, a título oneroso, sobre um determinado bem, se este registo for anterior ao registo da acção de declaração da nulidade ou anulação do negócio que respeite aos mesmos bens, ressalvando-se no seu n.º 2 o caso de esta acção ser proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

            Mas, no caso em apreço não se trata de um caso de nulidade ou anulação do negócio de compra e venda que motiva os presentes autos.

            Como a própria recorrente reconhece, no caso do exercício, com sucesso, do direito de preferência, o que se passa é que o preferente é colocado na posição do originário adquirente, substituindo-se a este nas mesmas condições em que este comprou o prédio sujeito à preferência.

            Por outro lado, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a pág. 382, em caso de direito de preferência atribuído por lei (como é o caso, já que decorre do disposto no artigo 1380.º CC), o mesmo não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros e desde que verificados os respectivos pressupostos, o titular da preferência poderá exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro que sobre a coisa vendida venha a adquirir posteriormente um direito conflituante, v.g. direito de propriedade ou um direito real de garantia, sendo os direitos dos subadquirentes ineficazes em relação ao titular do direito real de preferência.

            Ora, como vimos, o artigo 291.º CC dirige-se a casos de nulidade ou anulabilidade e não de ineficácia, pelo que aqui não pode ter aplicação – neste sentido o Acórdão do STJ, de 25/03/2004, Processo 04B3891, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, referido pelos recorridos nas suas contra-alegações.

            O réu D... adquiriu o terreno em causa livre da hipoteca em causa, cf. al.s C) a F) dos factos provados.

            Assim, tem de se ter por ineficaz em relação aos autores preferentes a hipoteca constituída a favor da ora recorrente.

            De contrário, estaria encontrada a solução para obstar ao livre exercício dos direitos de preferência legais, onerando os bens transaccionados ao arrepio das normas que atribuem os tais direitos.

            Assim, improcede o recurso da ora recorrente E....

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedentes ambas as apelações deduzidas, em função do que se confirma a decisão recorrida.

Sem embargo do que aí vier a ser decidido em matéria de prescrições, envie cópia do presente Acórdão ao Serviço de Finanças competente, dada a invocada e comprovada simulação do preço da venda.

Custas pelos apelantes.