Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3001/09.0TBFIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INIBIÇÃO
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - FIGUEIRA FOZ - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1878, 1885, 1915, 1918 CC, 36 Nº 6 CRP
Sumário: 1.- A relação pais-filhos deve ser considerada primordial, assumindo foros de excepção o seu afastamento.

2.- Competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação grave e culposa de algum ou alguns dos assinalados deveres, daí resultando grave prejuízo para o filho, o que no caso não ocorre.

3.- A inibição é uma medida de última “ratio”, pelo que a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho menor sempre cumprirá indagar se o regime prevenido no art. 1918 CC não constitui remédio adequado, em ordem a preservar no progenitor o exercício das responsabilidades parentais.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. O Mº Pº propôs a acção de inibição do exercício das responsabilidades parentais, contra M (…), com última residência conhecida (…) Luxemburgo, então em paradeiro desconhecido, alegando que no âmbito deste processo e seus apensos o seu filho, o menor P (…), nascido a 7.8.2007, foi confiado à mãe em Abril de 2010, estabelecendo-se um regime de convívios do mesmo com o pai, que já não convivia com o menor desde Outubro de 2008. Em Abril de 2012 este foi entregue a C (…), residente em Braga, e desde então nunca mais o pai o procurou ou quis saber dele e nunca lhe ofereceu nada, salvo uma vez com uma prestação de alimentos, que entregou à mãe do menor, embora a C (…) ainda telefonasse ao pai do menor, quando descobriu o seu contacto telefónico através do Facebook, mas o mesmo mostrou-se completamente desinteressado do menor, tendo eliminado os seus contactos.

Concluiu que o progenitor infringiu intencionalmente o dever de convívio com o filho, com grave prejuízo deste e se alheou intencionalmente do seu poder-dever parental com aquele, apesar de estar ciente das necessidades afectivas e de referência parental que o jovem necessita para o seu desenvolvimento harmonioso, pelo que o requerido progenitor deve ser inibido totalmente de exercer as responsabilidades parentais relativamente ao filho.

O requerido foi citado editalmente.

Foi solicitado relatório social à EMAT.

*

A final foi proferida sentença que inibiu o requerido do exercício das responsabilidades parentais, quanto aos actos da vida corrente e quanto às questões de especial importância da vida do menor seu filho.

Mais se decidiu que o requerido poderá visitar o filho e manter convívio com o filho, de acordo com o regime estipulado na instituição de acolhimento do menor para esse fim.

E que o requerido continua obrigado à prestação de alimentos vincendos ao filho, no valor de 75 € por mês, determinando-se que a entregue à instituição residencial que cuida do menor, sem prejuízo de o pai ter de pagar a favor do filho os alimentos vencidos, depositando-os numa conta bancária de que o menor seja beneficiário.

*

2. O requerido interpôs recurso, tendo concluído como segue:

 (…)

3. O Mº Pº contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II – Factos Provados

1. No âmbito do presente processo e seus apensos foi o menor, em 6/4/2010, confiado à mãe, sendo estabelecido um regime de convívios do menor com o pai, que já não convivia com o menor desde Outubro de 2008, porque não assumia a sua paternidade.

2. Os testes de ADN, realizados quando o filho tinha dois anos, comprovaram que o requerido é pai do menor, sendo fruto de uma relação sexual fugaz com a progenitora.

3. Após o menor ter sido confiado à mãe, a casa de habitação de ambos sofreu um incêndio que a consumiu, ficando destruído todo o seu recheio, de modo que a progenitora e o menino, então com 4 anos, ficaram apenas com a roupa e calçado usados nesse dia.

4. Em resultado dessa situação, a mãe entregou o filho aos cuidados do pai.

5. Enquanto esteve a viver com o pai, o menino ia à escola, sendo a sua educação e a sua vida em geral orientadas pelo progenitor.

6. O pai emigrou para o Luxemburgo, tendo previamente, em 5 de Abril de 2012, por acordo com a mãe, deixado o menor aos cuidados de C (…) residente na (…) Braga.

7. C (…) já tinha tomado conta do menor em algumas ocasiões quando vivia em Buarcos com um primo do progenitor, pelo que a criança ficou emocionalmente muito ligada a si.

8. O menor voltou a ir à escola, ia à catequese e estava bem integrado no agregado familiar de C (…).

9. O menino sabia que o progenitor fora para o Estrangeiro e fazia a C (…) bastantes perguntas sobre o pai, que sempre adorou, tendo-o visto como o seu herói no período em que o pai viveu consigo.

10. O menor tem muitas recordações do pai e sempre falou dele, excepto nos últimos meses em que esteve com a dita cuidadora, revoltado com a atitude do pai, que sempre dissera que o viria buscar e não o fez.

11. O menor manteve-se até Julho de 2015 ao cuidado de C (…), data em que acordou com a progenitora ficar esta com a criança a seu cargo.

12. O pai do menor, desde que o filho foi entregue a C (…), nunca mais o procurou, ou quis saber dele, até tomar conhecimento que o menor tinha sido acolhido numa instituição.

13. O pai do menor nunca lhe ofereceu nada até às férias de Verão de 2015, tendo entretanto apenas contribuído uma única vez com uma prestação de alimentos, que entregou à mãe do menor.

14. Nunca o procurou, mesmo nos aniversários do menor ou no Natal.

15. Não contactou a cuidadora, sequer telefonicamente.

16. C (…) ainda telefonou ao pai do menor, quando descobriu o seu contacto telefónico através do Facebook, mas o seu contacto ali foi eliminado, mostrando-se o pai completamente desinteressado do menor.

17. A cuidadora nunca teve conhecimento de o pai do menor vir em férias a Portugal enquanto a criança esteve a viver com ela.

18. A família alargada do pai reside na zona de Coimbra, nunca tendo qualquer dos seus membros procurado o menino, quer quando viveu com a mãe, quer quando viveu com a C (…).

19. A progenitora não conhece ninguém da família do pai, mas o filho conhece os avós paternos.

20. O pai esteve em férias com o menor apenas durante cerca de quatro dias, em Agosto de 2015, porque a progenitora não lhe permitiu ficar mais tempo com o filho.

21. Pai e mãe falaram da hipótese de o menor ir viver com o pai para o Luxemburgo, a partir do Natal, acabando a progenitora por não concordar com essa solução.

22. A progenitora tem assumido todas as despesas com o sustento do filho e quer ficar com a sua guarda, embora tenha a maior parte do seu tempo ocupada no trabalho num restaurante desta cidade.

23. A progenitora do menor tem receio que o pai se aproprie do abono de família do filho.

24. O progenitor foi institucionalizado aos dois anos de idade, passando as suas infância e adolescência em instituições.

25. Depois de se autonomizar, residiu em diferentes localidades do País e do Estrangeiro.

26. O progenitor tem outro filho em Portugal, R (…), nascido em 24/1/2006, irmão consanguíneo do P (…), tendo ambos estado juntamente com o pai no referido período de férias de Agosto de 2015.

27. Tem ainda duas filhas, A (…), nascida em 7/10/1999 e M (…) nascida em 21/7/2013.

28. Os seus quatro filhos são fruto de vários relacionamentos de tipo marital, tendo deixado progressivamente de conviver com os mesmos e de assumir as suas responsabilidades paternais com cada um deles, deixando-os a cargo das respectivas mães, só mantendo contactos regulares com a M (…).

29. O progenitor constituiu nova família no Luxemburgo, vivendo maritalmente com T (…) desde Janeiro de 2015, embora conhecendo-se mutuamente há dois anos.

30. T (…) nascida em 22/11/1981, trabalha em casa como ama agregada ao Ministério da Educação do Luxemburgo, cuidando de cinco crianças em regime diurno, auferindo mensalmente €4.800.

31. Tem experiência de animadora social em Portugal e de assistente parental no Luxemburgo.

32. Tem duas filhas, de 14 e 7 anos de idade, a viver consigo e com o pai do menor P (…), tendo o companheiro uma boa relação com elas.

33. T (…) recebe mensalmente €650 de abono de família para as duas filhas.

34. A casa de tipologia T-3, com boas condições de habitabilidade, onde habita o agregado familiar do progenitor do menor em causa, arrendada no Luxemburgo, tem um quarto livre para acolher o dito menor.

35. Antes de viver com T (…) o pai do menor não tinha emprego certo e vivia num quarto, não podendo acolher ali o P (…), nem assegurar-lhe a frequência da escola ou cuidados de saúde.

36. O pai do menor e a sua companheira querem que o P (…) lhes seja confiado, passando a fazer parte do agregado familiar que têm no Luxemburgo.

37. O progenitor tem 38 anos de idade, atingiu o 6º ano de escolaridade e está empregado na construção civil.

38. Trabalha de segunda-feira a sábado e aufere cerca de €1.900 por mês, sendo o S.M.N. no Luxemburgo de €1.600, aproximadamente.

39. Em Agosto de 2015 o pai ofereceu uma mochila com todo o material escolar necessário ao menor P (…).

40. No Natal de 2015 o pai ofereceu ao filho P (…) um conjunto completo de peças de roupa.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Inibição do exercício do poder paternal.

2. (…)
3. Dispõe o art. 1878º, nº 1, do CC que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
E nos termos do art. 1885º, do CC, a propósito da direcção da educação, também cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, proporcionando-lhes adequada instrução geral e profissional.

Por outro lado, prevê o art. 1915º, nº 1, do CC, que “A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o Tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres”. O mesmo dispõe o art. 52º do Reg. Geral do Proc. Tutelar Cível (Lei 141/2015, de 8.9).
Por fim, importa relembrar que “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial” (art. 36º, nº 6 da Const. Rep. Portuguesa).
Decorre dos preceitos citados que, competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e educação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação culposa – não necessariamente dolosa, face ao texto legal, como defende o recorrente - de algum ou alguns dos assinalados deveres, daí resultando para o filho grave prejuízo – que não carece de ser excepcional, como defende o recorrente, atenta a redacção legal.
Importa afirmar, por decorrência constitucional, que a relação pais-filhos deve ser considerada primordial, assumindo foros de excepção o seu afastamento.
Deste modo, a inibição é uma medida de última “ratio”, pois a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho, cumprirá sempre indagar se o regime prevenido no art. 1918º do CC - medida de limitação das responsabilidades parentais - não constitui remédio adequado em ordem a preservar no progenitor o exercício das mesmas.
Assim, a inibição do poder paternal é uma solução violenta, que na lição de Castro Mendes (T. G. D. Civil, Ed. AAFDL, 1978, pág.312) está prevista para casos de abandono, crueldade ou corrupção de costumes por parte dos pais, em relação ao filho, ou maus-tratos físicos, com grave prejuízo para este.  
Tal medida dura, não obstante a elasticidade conferida pelo art. 1916º do CC (levantamento da inibição), será de afastar se o caso puder ser solucionado com recurso a qualquer das providências enquadráveis no apontado art. 1918º, sob pena de truncar a relação progenitor-filho, e de gerar o vazio onde se queria que não deixasse de existir algo.

Como professa A. Varela (CC Anotado, Vol. V, 2ª Ed., nota 2. ao indicado 1918º, pág. 426, a faixa das deficiências contempladas no art. 1918, abrange especialmente os casos em que a má conduta dos pais põe em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação dos filhos, mas não justifica ainda a inibição, nem sequer parcial, do poder paternal. É para tais situações, que a lei anterior tenderia a cobrir com a medida da inibição, por considerar que um pai que põe em perigo tais valores da personalidade do filho é um pai que não presta, que a lei actual prevê a decretação das providências adequadas, entre as quais, a título exemplificativo, enumera a entrega a terceira pessoa ou a estabelecimento assistencial.

Também L. Carvalho Fernandes (T. G. D. Civil, Vol. I, 2ª Ed., pág. 243/244) propugna que a aplicação da inibição do art. 1915º está reservada para casos de relevante gravidade, devendo aplicar-se o citado art. 1918º, como medida de limitação do exercício das responsabilidades parentais para defesa dos filhos nas situações aí previstas.

Igualmente Pais do Amaral (D. Família, 2ª Ed., 2015, pág. 242/243, acompanhando Armando Leandro) defende que a inibição é subsidiária em relação à limitação das responsabilidades parentais, estando aquela reservada para casos de maior gravidade, pois passar um atestado, via sentença, ao filho criança de que o pai não presta é contraproducente em relação à auto-estima deste e à possibilidade de o mesmo recuperar, com relativa facilidade, a imagem parental do progenitor.

Pelo mesmo diapasão se orienta a jurisprudência (vide Acds. da Rel. Porto de 4.2.1999, CJ, T. 1, pág. 215 e segs, e da Rel. Coimbra, de 29.4.2014, Proc.241/10.2TMCBR, em www.dgsi.pt., este também indicado pelo recorrente).

Descendo, agora, ao caso concreto.

Militam em desfavor do recorrente os factos apurados (em 10., 2ª parte, 12., 1ª parte, a 15. e 16.): o menor deixou de falar do pai nos últimos meses em que esteve com a dita cuidadora, revoltado com a atitude do pai, que sempre dissera que o viria buscar e não o fez; o pai do menor, desde que o filho foi entregue a C (…), nunca mais o procurou, ou quis saber dele; o pai do menor nunca lhe ofereceu nada até às férias de Verão de 2015, tendo entretanto apenas contribuído uma única vez com uma prestação de alimentos, que entregou à mãe do menor; nunca o procurou, mesmo nos aniversários do menor ou no Natal; não contactou a cuidadora, sequer telefonicamente (…) ainda telefonou ao pai do menor, quando descobriu o seu contacto telefónico através do Facebook, mas o seu contacto ali foi eliminado, mostrando-se o pai completamente desinteressado do menor.

Ou seja, o recorrente deixou de contribuir para o sustento do menor e deixou de dirigir a sua educação, desinteressando-se/afastando-se do mesmo, desde que o deixou entregue, por acordo com a mãe, a uma pessoa que dele cuidou três anos e pouco a tempo inteiro. Com o passar do tempo, o próprio filho na parte final do acolhimento por C (…) já se mostrava revoltado com a atitude do pai, que sempre dissera o viria buscar e nunca o fez.

Porém, não dão nota os factos que a atitude do pai tenha posto em perigo a segurança, saúde, formação moral e educação do filho, isto é, que a violação daqueles seus deveres como pai tenha causado graves prejuízos ao filho, pois a criança (de 8 anos) foi confiada a terceira pessoa, não pelo tribunal, mas pelo acordo de ambos os pais, sendo certo que (como resulta dos factos 6. a 8., 11.) a pessoa que passou a cuidar do menor, por força da emigração do apelante para o Luxemburgo, pessoa emocionalmente muito ligada ao menor, dele tratou muito bem, pois o menor ia à escola, ia à catequese e estava bem integrado no agregado familiar da referida cuidadora, com quem se manteve nesses três anos e pouco até Julho de 2015, data em que acordou com a progenitora ficar esta com a criança a seu cargo.

Mas, pelos vistos, a mãe do menor não terá as condições necessárias para tomar conta do seu filho, pois este foi rapidamente institucionalizado.

A favor do apelante ressalta a seguinte realidade (factos 4., 5., 9., 10., 1ª parte, 12., 2ª parte, 20., 21., 26., 29. a 40.): o menor, com 4 anos, passou a estar ao cuidado do pai; enquanto esteve a viver com o pai, o menino ia à escola, sendo a sua educação e a sua vida em geral orientadas pelo progenitor; porém o pai emigrou, mas previamente, em Abril de 2012, por acordo com a mãe, deixou o menor aos cuidados de C (…); o menino sabia que o progenitor fora para o estrangeiro e fazia a Cecília bastantes perguntas sobre o pai, que sempre adorou, tendo-o visto como o seu herói no período em que o pai viveu consigo; o menor tem muitas recordações do pai e sempre falou dele; o pai do menor procurou-o logo que tomou conhecimento que o menor tinha sido acolhido numa instituição; o pai retornou ao contacto com o filho, pois esteve em férias com o menor durante cerca de quatro dias, em Agosto de 2015, porque a progenitora não lhe permitiu ficar mais tempo com o filho; o pai e a mãe falaram da hipótese de o menor ir viver com o pai para o Luxemburgo, a partir do Natal, acabando a progenitora por não concordar com essa solução; o pai tem outro filho em Portugal, R (…), nascido em 24.1.2006, irmão consanguíneo do P (…) tendo ambos estado juntamente com o pai no referido período de férias de Agosto de 2015; o progenitor constituiu nova família no Luxemburgo, vivendo maritalmente com T (…) desde Janeiro de 2015, que trabalha em casa como ama, cuidando de cinco crianças, auferindo mensalmente 4.800 €, tendo experiência de assistente parental, tendo o casal, a viver consigo duas filhas da T (…), de 14 e 7 anos de idade, tendo o apelante uma boa relação com elas, recebendo mensalmente a T (…) 650 € de abono de família para as duas filhas, e tendo casa, de tipologia T-3, boas condições de habitabilidade, tendo um quarto livre para acolher o dito menor; antes de viver com a T (…) o pai do menor não tinha emprego certo e vivia num quarto, não podendo acolher ali o P (…), nem assegurar-lhe a frequência da escola ou cuidados de saúde; o pai do menor e a sua companheira querem que o P (…) lhes seja confiado, passando a fazer parte do agregado familiar que têm no Luxemburgo; o recorrente tem 38 anos de idade, atingiu o 6º ano de escolaridade e está empregado na construção civil, trabalhando de segunda-feira a sábado e auferindo cerca de 1.900 € por mês (sendo o S.M.N. no Luxemburgo de 1.600 €, aproximadamente); em Agosto de 2015 o pai ofereceu uma mochila com todo o material escolar necessário ao menor P (…); no Natal de 2015 o pai ofereceu ao filho P (…) um conjunto completo de peças de roupa.

Ou seja, quando por força das circunstâncias o filho lhe foi entregue, pela mãe, aos seus cuidados, o recorrente cuidou do filho e mostrou ser bom pai, tanto que o menor o via como seu herói e mesmo depois de ele partir para o estrangeiro sempre falou dele e fazia muitas perguntas. O apelante depois emigrou, à procura de melhor vida, decerto, mas no Luxemburgo na sua condição de emigrante, antes de viver com a sua actual companheira, o pai do menor não tinha emprego certo e vivia num quarto, não podendo acolher ali o seu filho, nem assegurar-lhe a frequência da escola ou cuidados de saúde. É neste período que o pai se afasta do filho, mas logo que soube da sua institucionalização procurou-o. Esteve de férias 4 dias com o filho em Agosto de 2015, e com um meio-irmão do menor, não mais tempo porque a progenitora não permitiu. Falou com a mãe da hipótese de o menor ir viver com ele para o Luxemburgo no Natal, mas a mãe opôs-se outra vez. Agora o recorrente estabilizou a sua vida profissional e familiar no Luxemburgo, e ele e a companheira recebem 7.350 € mensalmente, tendo uma habitação com boas condições de habitabilidade e um quarto livre para acolher o menor, o que é sua vontade, querendo até que o menor lhes seja confiado, passando o menor a viver a sua vida no âmbito de um agregado familiar adequado e com uma boa situação económica, face aos padrões portugueses, atento os rendimentos do trabalho e abonos auferidos. Nesse Agosto de 2015 o pai ofereceu uma mochila com todo o material escolar necessário ao menor e no Natal de 2015 o pai ofereceu ao filho um conjunto completo de peças de roupa.

É certo que depois de se revelar um bom pai para o menor ele se afastou completamente do filho no referido período de cerca de 3 anos, em que foi emigrante a viver com dificuldades no Luxemburgo, e que só acordou quando o menor foi institucionalizado, mas felizmente para si e para o seu filho reactivou o seu interesse no filho, contactou-o, passou férias com ele, este conviveu com o meio-irmão, presenteou o filho nas férias de Verão e no Natal e quer que o mesmo vá viver consigo para o Luxemburgo para junto do seu agregado familiar tendo condições sociais e económicas adequadas para que o menor viva e cresça num agregado familiar apropriado.

Crismar com a sentença recorrida este pai de pai que não presta - a sentença, em diversas passagens, assume laivos de punição, por essa ausência de cerca 3 anos, ameaçando mesmo com hipotética adopção - afigura-se-nos duro e exagerado. E mesmo inconveniente para o menor que sempre viu no pai uma referência positiva e adorou, referencial que na sua actual idade (8 anos) é com relativa facilidade recuperável, como é timbre das crianças. Ainda mais considerando que da parte do menor, embora justa e momentaneamente revoltado, não há nenhum facto que revele que tenha rejeitado o pai, que tenha passado a ver o pai como um pai que não presta.

E o que se vai decidir não elimina obviamente o dever de o pai pagar os alimentos vencidos devidos ao seu filho ou coarcta a possibilidade da mãe os exigir. 

Desta sorte, podemos concluir, como o faz o recorrente, que no caso em apreço ocorreu no passado uma inibição de facto, imposta, em parte, pelas circunstâncias da vida do requerido, que no presente já não ocorre, encontrando-se o menor ao cuidado de uma instituição, e, por isso, encontrando-se o exercício das responsabilidades parentais do progenitor já limitado por esta circunstância.

Aplicar a inibição seria um retrocesso para os interesses do menor, ainda por cima porque tal medida constituiria presentemente um obstáculo a que a guarda do menor possa ser atribuída eventualmente ao progenitor, no âmbito de uma regulação do poder paternal, e aquele possa viver com este em condições comprovadamente favoráveis. Tudo desaconselhando a inibição, não havendo, pois, fundamento legal para a aplicação do art. 1915º do CC.

4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) A relação pais-filhos deve ser considerada primordial, assumindo foros de excepção o seu afastamento;

ii) Competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação grave e culposa de algum ou alguns dos assinalados deveres, daí resultando grave prejuízo para o filho, o que no caso não ocorre;

iii) A inibição é uma medida de última “ratio”, pelo que a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho menor sempre cumprirá indagar se o regime prevenido no art. 1918.º não constitui remédio adequado, em ordem a preservar no progenitor o exercício das responsabilidades parentais.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, indo o requerido absolvido.

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Sem custas.

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   Coimbra, 17.5.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

 Fonte Ramos

Maria João Areias