Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
706/12.1TAACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ARGUIDO
PRESTAÇÃO
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
ACUSAÇÃO
FALTA
RECETÁCULO POSTAL
Data do Acordão: 07/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 61.º, 113.º E 196.º DO CPP
Sumário: I – Com o DL n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, a modalidade de notificação por via postal simples adquire clara relevância, em detrimento da notificação por contacto pessoal e por carta registada, como medida de simplificação e combate à morosidade processual.

II – A introdução da via postal simples, como modalidade de notificação ao arguido, foi considerada como justificada pelo legislador, atento o dever de o arguido prestar termo de identidade e residência com respeito pela verdade e de desta prestação decorrer a obrigação de não mudar de residência, nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.

III – Se o arguido viola o seu estatuto processual, mudando de residência indicada no TIR ou dando uma morada incorreta ou sem recetáculo, tornando impossível proceder ao depósito da carta, a notificação por via postal simples não deixa de se verificar.

IV – Tal como a ausência ou mudança do arguido da residência indicada no TIR, sem informar o tribunal, leva a que se considere o arguido notificado, também se há de ter como notificada a sociedade arguida quando no TIR indica como morada a sua sede e se verifica aquando da notificação que inexistente recetáculo onde o distribuidor postal possa colocar a correspondência àquela dirigida.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

              

     Relatório

Por despacho de 20 de janeiro de 2017, o Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal de Alcobaça, decidiu julgar verificada a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação à sociedade arguida “A...., Lda” e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 123.°, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, determinou a devolução dos autos ao Ministério Público para os efeitos ali tidos por convenientes, designadamente, para que ali seja eventualmente reparada a aludida irregularidade.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Nos presentes autos, o Ministério Público proferiu despacho de acusação contra a arguida A... , Lda., a qual prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 206, através da pessoa do legal representante B... .

2. Nesse TIR, prestado em 06.08.2013, o legal representante indicou como sede da sociedade arguida a Estrada x... Alcobaça e, como morada da sua residência pessoal, a Avenida y... - Maputo ­Moçambique, assinando o respectivo documento após lhe ter sido dado conhecimento das obrigações decorrentes do TIR, incluindo a «de que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento», em conformidade com o estabelecido na alínea c) do n.º 3 do artigo 196.° do CPP,

3. O despacho de acusação foi notificado à sociedade arguida via postal simples com prova de depósito endereçado para a Estrada x... , a qual veio devolvida com indicação, datada de 24 de Outubro de 2016, de «não haver receptáculo».

4. Na fundamentação do douto despacho recorrido, invoca-se a norma prevista no n.º 4 do artigo 113.° do CPP [«se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia­-a de imediato ao serviço ou ao Tribunal remetente»] para concluir que da mesma não resulta que se deva considerar efectuada a notificação, ao contrário da norma prevista no n.º5 do mesmo preceito para as notificações postais simples.

5. É desta interpretação jurídica, vertida no douto despacho recorrido que o Ministério Público discorda, já que o inverso também se verifica: ou seja, a norma prevista no n.º 4 do artigo 113.0 do CPP não estabelece como consequência da impossibilidade de depósito da notificação remetida via postal com prova de depósito que a notificação deva considerar-se como não efectuada - nem, em bom rigor, tal consequência se encontra nalguma outra norma processual ou constitucional.

6. Importa distinguir entre o formalismo legalmente previsto para a expedição da notificação postal, nalguma das suas modalidades, e o momento da recepção ou impossibilidade de recepção dessa notificação postal, por serem momentos temporalmente diferentes (expedição e recepção) e, no que concerne à Secretaria (do Ministério Público ou judicial), apenas sobre o momento da expedição é que ocorre a possibilidade e o dever de cumprir o formalismo legal aplicável ao acto de notificação em causa; depois da notificação postal ser confiada aos serviços postais e ser fisicamente apresentada no espaço físico do endereço constante da mesma, já está-se no âmbito do momento da recepção da notificação, cuja sorte não depende da Secretaria (que não tem qualquer domínio sobre o receptáculo postal da morada indicada no TIR).

7. A impossibilidade de depósito ou de recepção da notificação postal somente dependerá do legal representante da pessoa colectiva sujeita a TIR, atendendo à inequívoca norma «de que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento», prevista alínea c) do n.º 3 do artigo 196.° do CPP, devendo a remessa para o n.º 2 deste preceito [«para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º1 do artigo 113., o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha»] ser interpretada, estando em causa pessoas colectivas constituídas arguidas, no seguinte sentido: para o efeito de ser notificada mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º1 do artigo 113.º, o legal representante da sociedade arguida indica a sede fixada nos respectivos estatutos ou, na falta de designação estatutária, o lugar em que funciona normalmente a administração principal, em coerência com a norma geral prevista no artigo 159,° do Código Civil e a norma especial prevista no artigo 12.° do Código das Sociedades Comerciais, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

8. A interpretação defendida no douto despacho recorrido implica, com o devido respeito, a desresponsabilização da sociedade arguida quanto às obrigações decorrentes do TIR, colocando o Ministério Público ou o Tribunal - enfim, a autoridade judiciária - à mercê do “chico-espertismo” processual (fuga às notificações) e da fraude à lei (casos em que o próprio notificando dá uma morada com a caixa do correio destruída ou sem caixa de correio ou mesmo destrói a caixa depois de dar a morada) de que alguma doutrina se lamenta, mas sem que nenhuma norma processual ou princípio constitucional imponha tal solução.

9. In casu, a notificação do despacho de acusação à sociedade arguida foi remetida com observância de todo o formalismo legal; simplesmente, se não foi recepcionada no endereço da sede da sociedade arguida indicado pelo respectivo representante legal por ausência de receptáculo postal, tal constitui um facto não imputável à Secretaria nem aos serviços postais, não correspondendo a qualquer inobservância do formalismo previsto para a expedição da notificação. 

Repete-se: no caso concreto, a notificação do despacho de acusação foi remetida com observância de todo o formalismo legal; simplesmente, se não foi recepcionada no endereço da sede da sociedade arguida indicado pelo respectivo representante legal por ausência de receptáculo postal, tal constitui um facto não imputável à Secretaria nem aos serviços postais, não correspondendo a qualquer inobservância do formalismo previsto para a expedição.

Consequentemente, não ocorreu o vício da irregularidade processual, previsto no artigo 123.° do CPP, invocado no douto despacho recorrido, que assim deverá ser revogado e substituído por outro, que receba a acusação deduzida.

Por último, note-se que, no caso concreto, o próprio legal representante da sociedade arguida foi, também ele, constituído arguido e notificado, via postal simples com prova de depósito para a morada de residência constante do TIR prestado a fls. 436, do mesmo despacho de acusação, afigurando-se inexacto considerar, como no douto despacho recorrido, que «porque o co-arguido B... foi notificado da acusação apenas a título pessoal e não também na qualidade de legal representante (gerente, cfr. Certidão de fls. 464 a 471) da sociedade arguida, não pode a nosso ver, tal como antecipámos, considerar-se esta regularmente notificada da acusação deduzida nos autos»,

10. Em abono do sentido da solução defendida no presente recurso invoca-se, além do mais, a jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 14.05.2014 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 04.06.2015, ambos publicados no sítio www.dgsi.pt e para cujos fundamentos se remete por economia processual.

11. Consequentemente, entende-se não ocorrer o vício da irregularidade processual previsto no artigo 123.° do CPP invocado no douto despacho recorrido, que assim deverá ser revogado e substituído por outro, que receba a acusação deduzida.

A arguida não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.

O Ex.mo Juiz manteve a decisão recorrida, por despacho de folhas 493.

O Ex.mo  Procurador Geral-adjunto  neste Tribunal da Relação apôs visto nos autos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

« Compulsados os autos, constata-se que, salvo o devido respeito pelo entendimento diverso plasmado pelo Ministério Público no despacho de f1s. 455, a sociedade « A... , Lda.» não se mostra regularmente notificada da acusação contra si também deduzida a f1s. 437 a 440.

Vejamos porquê:

Em primeiro lugar, resulta nítido do disposto no artigo 113.°, n.º 10, do Cód. Proc. Penal que a acusação tem de ser notificada à própria arguida, não sendo suficiente a notificação ao seu Ilustre defensor

Em segundo lugar, constata-se que a sociedade foi sujeita a termo de identidade e residência a f1s. 206, ali se indicando morada em Portugal para efeitos de recebimento de notificações, morada essa para a qual foi remetido, através de via postal simples, o expediente de notificação de f1s. 447, devolvido a f1s. 451 e 452 com a indicação de que não foi depositado por não haver receptáculo.

Ora, do nosso ponto de vista, decorre do n.º 3 do já citado artigo 113.° do Cód. Proe. Penal que a notificação levada a cabo por via postal simples só se considera concretizada (no 5.° dia posterior) nos casos em que o distribuidor do serviço postal deposita efectivamente a carta na caixa de correio do notificando, lavrando uma declaração, em que indica a data e confirma o local exacto de tal depósito.

Não desconhecendo a existência de pelo menos dois arestos de tribunais superiores que parecem acolher a sobredita posição manifestada pelo Ministério Público (Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-05-2014 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2015, disponíveis, tal como todos os demais que citaremos, em www.dgsi.pt, neste caso sob, respectivamente, Processos n.ºs 346/10.0GBLSA.C1 e 3/03.3IELSB.L1-9), e considerando aqui reproduzidos os fundamentos que se esgrimem em defesa de cada uma das teses em confronto, acompanhamos o Professor Paulo Pinto de Albuquerque no entendimento de acordo com o qual, se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, a notificação não se considera efectuada (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, UCE, 2011, p. 303).

Também nesse sentido se pronunciam, por exemplo, o Sr. Procurador Fernando Gama Lobo (Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2015, p. 171) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-05-2006 (Processo n.º 239/06), fazendo notar que, contrariamente ao que acontece nos n.ºs 2 e 3 do artigo 113.° em apreço, o n.º 4 não diz que se considera a notificação efectuada.

Assim sendo, e porque a co-arguido B... foi notificado da acusação apenas a título pessoal e não também na qualidade de legal representante (gerente, cfr. certidão de fls. 464 a 471) da sociedade arguida, não pode a nosso ver, tal como antecipámos, considerar-se esta regularmente notificada da acusação deduzida nos autos.

Ora, nos termos do disposto no artigo 283.°, n.º 5, do Cód. Proe. Penal, a remessa dos autos para julgamento sem a notificação da acusação ao arguido só é legalmente admissível quando os procedimentos para a sua notificação se tenham revelado ineficazes.

É bem verdade que o artigo 336.°, n.º 3, do mesmo diploma, salvaguarda a possibilidade de o arguido ser notificado da acusação e requerer a abertura da instrução quando o processo haja prosseguido nos termos do citado artigo 283.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal.

Mas o que também não é menos verdade é que no caso em apreço não se achavam verificados, do nosso ponto de vista, os pressupostos para que o processo fosse remetido para julgamento sem a regular notificação da acusação à sociedade arguida, uma vez que, não obstante a vicissitude ocorrida com o supra referido expediente de notificação, é perfeitamente conhecido nos autos, maxime a fls. 433, 434 e 436, o paradeiro em Portugal do legal representante da sociedade arguida, em morada diversa daquela em que se frustrou a notificação em apreço.

Nesta conformidade, entendemos estar-se perante uma irregularidade de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, uma vez que, na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-06-2013 (Processo n.º35/13.3IDPRT-A.P1, «[a) omissão da notificação das sociedades arguidas afeta os seus direitos/designadamente o de requerer a instrução (neste sentido, considerando a omissão de notificação da acusação uma irregularidade de conhecimento oficioso, pode ver-se o acórdão da Relação de Lisboa de 21 de novembro de 2013/ proc n.º 304/11.7PTPDL.Ll-9, relatado por Maria Guilhermina Freitas). Não pode dizer-se que os interessados renunciaram à arguição dessa irregularidade e que esta ficou, por isso, sanada», sendo que, «como os legais representantes da sociedade intervêm nos autos a título pessoal, não pode dizer-se que a esse título renunciam à arguição de uma irregularidade que afeta as sociedades de que são legais representantes».

No mesmo sentido vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 20-02-2008 e de 26-03-2008, assim como o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-04-2014 (respectivamente, Processos n.ºs 0840059, 0840057 e 650/12.2PBFAR-A.E1).

Dito isto, a questão que se coloca é a de saber se, chegados a tal conclusão de admissibilidade de conhecimento oficioso da irregularidade em apreço, o juiz pode ou não determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para que proceda ao eventual suprimento da mesma.

Não desconhecemos o entendimento que defende a resposta negativa com base na autonomia do Ministério Público (para além do citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-06-2013, vide de igual modo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2006 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2013: respectivamente, Processos n.ºs 06P1403 e 406/10.7GALNH-A.L1-S).

Sem embargo, e salvo o devido respeito, não podemos deixar de acompanhar o também já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-04-2014, quando ali se faz notar que «[n]ão é indiferente a fase do processo em que o arguido é notificado da acusação.

É certo que em qualquer fase ele pode requerer a realização da instrução, mas isso é uma abstracção. Pode concretizar-se com facilidade para o arguido que sabe ou tem facilidade de contratar quem saiba. Não para o comum cidadão que não sabe e/ou não tem facilidade de contratar quem saiba em tempo útil. E que tenderá a considerar que a marcação do julgamento é uma realidade inultrapassável.

Outra alternativa será determinar que o juiz que cumpre o artigo 311º abra uma "fase" nova no processo para notificar o arguido da acusação do Ministério Público.

(…)

Mas aqui também não é indiferente o arguido ser notificado pelo Ministério Público que o acusa ou pelo juiz de um tribunal que o vai julgar. O cidadão/ã que recebe a notificação não será uma abstracção sabedora, será um cidadão normal com dificuldade em perceber a notificação e seus efeitos».

Acresce que, fazendo agora uso das palavras do supra citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-02-2008, a apontada irregularidade afecta «direitos fundamentais, conduzindo à invalidade do acto inquinado e comunica a invalidade ao acto de remessa dos autos para julgamento, devido ao nexo de dependência existente entre eles».

Na confluência de todo o exposto, julgo verificada a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação à sociedade arguida e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 123.°, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, determino a devolução dos autos ao Ministério Público para os efeitos ali tidos por convenientes e, designadamente, para que ali seja eventualmente reparada a aludida irregularidade.

Notifique e demais d.n. ».


*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, « Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

Tendo em consideração as conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- Expedida cópia do despacho da acusação, por via postal simples, para a sede da sociedade arguida indicada no TIR para efeitos de recebimento de notificações, sendo esta devolvida com a indicação de que não foi depositada carta por não haver recetáculo, deve ou não a notificação da acusação ter-se por regularmente efetuada.


-

Passemos ao seu conhecimento.

O Ex.mo Juiz do julgamento decidiu, no despacho recorrido, julgar verificada a falta de notificação da acusação à sociedade arguida “ A... , Lda” e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 123.°, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, determinou a devolução dos autos ao Ministério Público para eventual reparação da irregularidade, com os seguintes argumentos:

Atento o disposto no art.113.º, n.º10 do C.P.P., a acusação tem de ser notificada ao arguido e ao seu Defensor.

Decorre do art.113.º, n.º 3 do C.P.P. que a notificação levada a cabo por via postal simples só se considera concretizada, no 5.º dia posterior, nos casos em que o distribuidor do serviço postal deposita efetivamente a carta no correio do notificando, lavrando uma declaração em que indica a data e confirma o local exato de tal depósito; esta posição é acompanhada pelo Prof. Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, UCE, 2011, p. 303), pelo Procurador Fernando Gama Lobo (Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2015, p. 171) e pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-05-2006 (Processo n.º 239/06), que faz notar que, contrariamente ao que acontece nos n.ºs 2 e 3 do art.113.° do C.P.P., o n.º 4 não diz que se considera a notificação efetuada.

A sociedade arguida “ A... , Lda” foi sujeita a TIR a folhas 206, ali indicando morada em Portugal para efeitos de recebimento de notificações. 

O expediente de notificação da acusação do Ministério Público, remetido para a morada do TIR, através de via postal simples, foi devolvido com a indicação de que não foi depositado por não haver recetáculo, pelo que face ao supra exposto a sociedade arguida “ A... , Lda” não se encontra notificada da acusação.  

É perfeitamente conhecido o paradeiro em Portugal do legal representante da sociedade arguida, em morada diversa daquela em que se frustrou a notificação em apreço.

A remessa dos autos para julgamento sem a notificação da sociedade arguida constitui uma irregularidade, de conhecimento oficioso, nos termos do art.123.º, n.º2 do C.P.P., uma vez que a omissão afeta os direitos da sociedade arguida e o Juiz pode determinar a devolução dos autos ao Ministério Público pese embora a autonomia do Ministério Público.   

O recorrente Ministério Público defende, por sua vez, a revogação do despacho recorrido, alegando para o efeito, no essencial, o seguinte:  

- A sociedade arguida A... , Lda”  prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 206, através do seu legal representante B... , tendo-lhe sido dado conhecimento das obrigações decorrentes do TIR, incluindo a «de que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento», em conformidade com o estabelecido no art.196.º, n.º 3, alínea c) do C.P.P..;

- O art.113.º, n.º 4 do C.P.P., não estabelece que perante a impossibilidade de depósito da notificação remetida via postal com prova de depósito deve considerar-se a notificação como não efetuada; 

- A interpretação defendida no despacho recorrido implica a desresponsabilização da sociedade arguida quanto às obrigações decorrentes do TIR, colocando o Ministério Público ou o Tribunal à mercê do “chico-espertismo” processual (fuga às notificações) e da fraude à lei (casos em que o próprio notificando dá uma morada com a caixa do correio destruída ou sem caixa de correio ou mesmo destrói a caixa depois de dar a morada) de que alguma doutrina se lamenta, mas sem que nenhuma norma processual ou princípio constitucional imponha tal solução;

- A acusação deduzida contra a sociedade arguida foi remetida por via postal simples com prova de depósito para a morada constante do TIR, pelo que se não foi rececionada no endereço indicado, por razões não imputáveis à secretaria, nem aos serviços postais, deve a notificação ter-se por efetuada, como se mostra decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 14.05.2014 e no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 04.06.2015, ambos publicados no sítio www.dgsi.pt.

- Consequentemente, não tendo ocorrido o vício da irregularidade processual previsto no art. 123.° do C.P.P. invocado no douto despacho recorrido, deverá ser revogado e substituído por outro, que receba a acusação deduzida

Vejamos.

É pacífico, face ao disposto no art.113.º, n.º10 do C.P.P., que a acusação tem de ser notificada quer ao arguido, quer ao seu Defensor. A acusação tem de ser obrigatoriamente notificada não só ao Defensor, como também ao arguido.

Tal unanimidade já não existe quanto à idoneidade da notificação da acusação por carta remetida por via postal simples para a morada indicada no TIR, quando a carta é devolvida com a indicação de que não foi depositada a carta por não haver recetáculo.

Assim, o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque defende que « Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa do correio, o distribuidor do serviço postal apõe a data na carta e devolve-a ao remetente. A notificação não se considera efetuada. O n.º 4 não resolve os conhecidos casos de fraude à lei, em que o próprio notificando dá uma morada com a caixa do correio destruída ou sem caixa do correio ou mesmo destrói a caixa depois de dar a morada[4]

Também o acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-05-2006, mencionado na decisão recorrida, segue este entendimento, ao decidir que não se pode considerar efetuada a notificação, numa situação em que tendo o arguido prestado TIR e sido expedida carta (para notificação da data designada para julgamento) por via postal simples, para a morada que indicou, esta veio devolvida com a informação de “desconhecido” e “endereço insuficiente”.[5]

E no mesmo sentido vai, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24-05-2006, ao decidir que «Assim, será idónea para o efeito da referida notificação, qualquer morada indicada pelo arguido, nos termos do artigo 196.º, n.º2, do Código de Processo Penal,  desde que a mesma contenha recetáculo adequado para que se realize o depósito da carta de notificação, pois, caso contrário, não se comprovando esse mesmo depósito e, independentemente de o arguido se considerar ou não notificado, o certo é que legalmente não se mostra notificado[6].

Em sentido diverso, contra aquela solução , pronunciaram-se, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e de Lisboa, mencionados no douto despacho recorrido.

Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-05-2014, foi decidido que « Se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência[7].

E, no citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4-06-2015, foi decidido igualmente que « Nos casos em que o arguido tenha prestado TIR e tenha sido devidamente advertido, a notificação por via postal simples considera-se efetuada ainda que a carta, devidamente depositada nos termos do art.113.º/3 do C.PP, venha devolvida e , também, no caso de ser devolvida sem a nota de depósito, por inexistência de caixa de correio.»[8].     

O relator do presente acórdão foi adjunto no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-05-2014; e não vislumbramos novos argumentos que nos levem a alterar a posição ali tomada.

Realçamos, antes do mais, que o arguido beneficia de um verdadeiro estatuto, com direitos e deveres, expressamente consagrados no art.61.º do Código de Processo Penal.

E se entre os direitos de que goza o arguido, referidos no seu n.º 1 estão, entre outros, o direito de « estar presente nos atos processuais que lhe dizem respeito» (al. a), de « ser ouvido pelo tribunal sempre que se possa tomar uma decisão que pessoalmente o afete» (al. b) , de «ser assistido por defensor, com a qualidade de advogado, em todos os atos processuais em que participar»(al. f), e de «recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis» (al. i), também se incluem entre os deveres, previstos no seu n.º 2, o de « prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido.» (al. c).

O art.196.º do C.P.P. , na redação introduzida no mesmo pelo DL n.º 320-C/2000, estatui, designadamente:

«  2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

  3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:

     a) ...

     b) ...

     c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;

     d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º.».

O art.113.º do Código de Processo Penal, com as alterações introduzidas pelo mesmo DL n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, passou a consignar, nomeadamente:

« 3 - Quando efetuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação.

   4 - Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.».

Se com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, é introduzida no Código de Processo Penal a notificação por via postal simples, com o DL n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, a modalidade de notificação por via postal simples adquire clara relevância, em detrimento da notificação por contacto pessoal e por carta registada, como medida de simplificação e combate à morosidade processual.

A este respeito explica o legislador, no preâmbulo deste DL n.º 320-C/2000:

« Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma das prioridades da política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual.

A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efetuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objetivos.

Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.

No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exato desse depósito, e enviá-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação.

Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.

Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coação, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.

Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.».

O Ministro da Justiça acentuara já, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 41/VIII, que o arguido tem direito à defesa, mas não tem o direito de se furtar à acusação nem o de impedir o julgamento.  

A introdução da via postal simples, como modalidade de notificação ao arguido, foi considerada como justificada pelo legislador, atento o dever de o arguido prestar termo de identidade e residência com respeito pela verdade e de desta prestação decorrer a obrigação de não mudar de residência, nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.

O Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 16/2010, ao decidir não julgar inconstitucionais “ as normas constantes dos art.113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efetuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência”, consignou, designadamente, o seguinte:

« … não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma não é idónea a transmitir o ato notificando ao conhecimento do destinatário.

E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um procedimento criminal contra si – como, aliás, sucedeu na maioria dos casos acima referidos que foram submetidos ao crivo do TEDH.

Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o pro­cesso, consubstanciado, pelo menos, na respetiva constituição como arguido e na respetiva sujeição a termo de identidade e residência.

Por outro lado, o recetáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido.

É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido recetáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal.

Mas o não conhecimento pelo arguido do ato notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no recetáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local.

Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efetivo esse conhecimento.

Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.

Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase processual não possam ser completamente postergadas com base na invocação de garantias previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, estando assim mini­mamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso (artigos 333.º, n.ºs 5 e 6, e 334.º, n.º 4, do CPP).».

Do exposto resulta que a notificação em processo penal por via postal simples só tem lugar quando o arguido tem conhecimento do decurso de um processo em que é interveniente e já prestou TIR, onde ficou consciente de que as notificações posteriores serão feitas por via postal simples para a morada aí indicada, salvo se o mesmo comunicar uma outra, nos termos definidos na lei (n.º 3, alínea c), do artigo citado).

Se o arguido viola o seu estatuto processual, mudando de residência indicada no TIR ou dando uma morada incorreta ou sem recetáculo, tornando impossível proceder ao depósito da carta, entendemos que a notificação por via postal simples não deixa de se verificar. O arguido, que não cumpriu os seus deveres processuais, tem-se por notificado, passando a estar representado por defensor em todos os atos processuais a que deva ou tenha o direito de estar presente e à realização da audiência na sua ausência (art.196.º, n.º 3, al. d) do C.P.P.).

No caso em apreciação a arguida « A... , Lda.» é uma pessoa coletiva, pelo que a sua notificação tem lugar de harmonia com o disposto no art.113.º do Código de Processo Penal e, ainda, segundo o disposto no art.213.º, n.º 3 do novo Código de Processo Civil, aplicável por força do art.4.º daquele Código, que estatui: « as pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.».

A arguida « A... , Lda.», através do seu legal representante indicou no TIR, prestado a 6/8/2013, para efeitos de notificação, a sua sede, que inclui um apartado.    

Tendo sido expedida a acusação deduzida contra a arguida « A... , Lda», para essa morada, por via postal simples, foi o expediente de notificação da acusação devolvido a f1s. 451 e 452, com a indicação do distribuidor do serviço postal de que não foi depositado por não haver recetáculo.

Tal como a ausência ou mudança do arguido da residência indicada no TIR, sem informar o Tribunal, leva a que se considere o arguido notificado, também se há de ter como notificada a aqui sociedade arguida “ A... , Lda” quando no TIR indica como morada a sua sede e se verifica aquando da notificação que inexistente recetáculo onde o distribuidor postal possa colocar a correspondência àquela dirigida.

A arguida “ A... , Lda” tem-se, pois, por notificada da acusação, passando a estar representada pelo defensor em todos os atos processuais a que deva ou tenha o direito de estar presente e à realização dos mesmos na sua ausência (196.º, n.º 3, al. d) do C.P.P.).

O Tribunal da Relação não reconhece, consequentemente, qualquer irregularidade no despacho do Ministério Público de 9 de novembro de 2016, que considerou a arguida notificada da acusação contra ela deduzida e determinou a remessa dos autos à distribuição.

Aliás, para além de considerarmos que a irregularidade a que alude o art.123.º, n.º2 do Código de Processo Penal não seria de conhecimento oficioso, mas dependente de arguição por parte da interessada - a sociedade arguida “ A... , Lda”, por si ou através do seu Defensor, que nada arguiu -, entendemos que não pode o Ex.mo Juiz anular o despacho do Ministério Público que considerou feita a notificação e ordenou a remessa dos autos de inquérito à distribuição, nem devolvê-los aos Serviços do Ministério Público para o respetivo Magistrado reparar a alegada irregularidade processual.

Se o Ex.mo Juiz entendia que a irregularidade era de conhecimento oficioso, então reparava ele próprio essa irregularidade por si declarada, mandando notificar a sociedade arguida através de outro meio da acusação contra ela deduzida – nomeadamente na pessoa do legal representante, que também é arguido/acusado, e que parece ser a solução por si preconizada.

Como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-3-2009 - embora a propósito de uma notificação feita por via postal simples, quando o arguido não tinha prestado TIR -, uma atitude como a tomada pelo Juiz de 1.ª instância de declarar a irregularidade da notificação e devolução do processo aos Serviços do Ministério Público  «…viola o princípio do acusatório subjacente à estrutura acusatória do processo penal português. De resto, sendo independente e autónoma a atuação de cada uma das Autoridades Judiciárias que dirige respetivamente a fase de inquérito e a fase de julgamento, não tem fundamento legal a decisão do juiz de julgamento no sentido de ser o Ministério Público a reparar o vício que ele próprio (juiz) declarara.»[9]  

Perante o exposto entende o Tribunal da Relação que o despacho recorrido, determinando a devolução dos autos ao Ministério Público para os efeitos ali tidos por convenientes, designadamente, para que ali seja eventualmente reparada a aludida irregularidade, não pode subsistir.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revogando o douto despacho recorrido, ordena-se que seja substituído por um outro que, apreciando a acusação pública, determine, se for caso disso, a data do julgamento.

Sem tributação.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                      
   *

Coimbra, 5 de Julho de 2017

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro – adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Cfr. “Comentário do Código de Processo Penal”, edição UCE, 2007, pág. 296),

[5] In Proc. n.º 239/06, Relator: Elisa Sales, www.dgsi.pt
[6] In CJ, ano XL, n.º 263, pág. 275.

[7] Proc. n.º 346/10.0GBLSA.C1, relator: Jorge Dias Adjunto, in www.dgsi.pt

[8] Proc. n.º 3/03.3IELSB.L1, relator: Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, ainda o acórdão da Relação de Coimbra, de 08-03-2017, proc. n.º 1110/14.2PCCBR.C1, relatora: Alice Santos, in www.dgsi.pt: Tendo o Tribunal enviado carta ao arguido para a morada indicada no TIR prestado, temos que o arguido se encontrava devidamente notificado se a carta foi devolvida ao Tribunal, com a indicação de “desconhecido”.
[9] Cf. CJ, ano XXXIV, n.º 213, pág. 235, relatora: Maria do Carmo Silva Dias, onde é referido ainda, no mesmo sentido o acórdão do STJ de 27/4/2006, proc. n.º 06P10403, relatado pelo Cons. Pereira Madeira.