Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98695/18.3YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: COMPENSAÇÃO
INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 90, 128 CIRE, 853 CC, 607 Nº4, 640 CPC
Sumário: I – Se a parte em sede de impugnação da matéria de facto – artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – não coloca uma questão, argumentando para o efeito, ainda que a argumentação seja escassa, o tribunal não pode substituir-se à parte recorrente e suprir essa omissão, formulando ele mesmo a questão, isto é, indagando as premissas e pondo a conclusão, pelo que a impugnação improcederá.

II – Tal ocorre quando a parte recorrente, relativamente à prova testemunhal produzida, diz que não foi produzida qualquer prova e nada mais argumenta, e tal afirmação não corresponde à realidade processual, pelo que fica de pé a argumentação explanada pelo tribunal recorrido a esse respeito.

III – Os créditos compensados antes da declaração de insolvência extinguiram-se e, por isso, não são reclamáveis no processo de insolvência, nos termos do artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março.

Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação de Coimbra – 2.ª Secção

Recurso de Apelação – Processo n.º 98695/18.3YIPRT.C1


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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Sumário:

I – Se a parte em sede de impugnação da matéria de facto – artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – não coloca uma questão, argumentando para o efeito, ainda que a argumentação seja escassa, o tribunal não pode substituir-se à parte recorrente e suprir essa omissão, formulando ele mesmo a questão, isto é, indagando as premissas e pondo a conclusão, pelo que a impugnação improcederá.

II – Tal ocorre quando a parte recorrente, relativamente à prova testemunhal produzida, diz que não foi produzida qualquer prova e nada mais argumenta, e tal afirmação não corresponde à realidade processual, pelo que fica de pé a argumentação explanada pelo tribunal recorrido a esse respeito.

III – Os créditos compensados antes da declaração de insolvência extinguiram-se e, por isso, não são reclamáveis no processo de insolvência, nos termos do artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março).


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Recorrente/autora…………..Massa insolvente de J.E.S. Frutas, Lda.;

Recorrida/ré………….……… (...) , Unipessoal Lda.


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I. Relatório

(a) A massa insolvente de J (…), Lda., com sede em (...) , intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum,  contra T (…) Lda., com sede na mesma localidade, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €379.866,00 e juros, dos quais logo liquidou €57.069,92. Invoca, para o efeito – e em muito breve síntese – que vendeu à requerida vários produtos do seu comércio, que faturou, entregou e que a requerida não devolveu, mas que não pagou, pese embora várias vezes instada para o efeito, pedindo ainda o pagamento da taxa de justiça, no valor de 153,00 e 40,00 ao abrigo do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 62/2013 de 10 de Maio.

A Ré contestou alegando que não adquiriu os bens faturados, que se traduziram em benfeitorias realizadas em prédio pertencente ao seu sócio gerente, e que tiveram um custo inferior, correspondendo o valor constante das faturas a “um copy/pace (sic) do valor líquido do ativo da autora”. Concretizando, refere que a autora detinha sobre a ré um crédito de €183.283,56, correspondente aos bens e créditos que, efetivamente, foram transmitidos, que deverá ser compensado – como pede, em reconvenção – com o crédito de €192.321,52 da ré sobre a autora, por via de transferências que realizou para a mesma. Assim, invoca que a autora não vendeu à ré os produtos faturados, não refletindo as faturas a verdadeira negociação havida entre as empresas, e que a autora não detém qualquer crédito sobre a ré, nem o detinha a empresa inicial, à data da declaração de insolvência.

Na réplica a autora aceitou a confissão (parcial) e dívida, e contestou os demais factos apresentados pela ré, quer para os explicar quer para os fazer extinguir por via de compensação, que declara inadmissível sem estar o credor devidamente considerado como tal no processo de insolvência.

A seu tempo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Julgo a reconvenção provada e procedente, pelo que considero operada a compensação do crédito da autora perante a ré, no montante de €183.283,56, pelo crédito da ré, perante a mesma autora, no montante de €192.321,52.

Julgo assim a presente ação não provada e improcedente, pelo que absolvo a ré do pedido.

Custas pela autora».

(b) E desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, cujas conclusões são as seguintes:

«A. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Leiria, Juízo Central Cível de Leiria - Juiz 2, que julgou a acção não provada e improcedente e a reconvenção provada e procedente, considerando operada a compensação do crédito da Autora perante a Ré, no montante de €183.283,56, pelo crédito da Ré, perante a mesma Autora, no montante de €192.321,52.

B. A Autora é a Massa Insolvente da J (…) LDA.” e que esta sociedade foi declarada insolvente por decisão proferida a 29/07/2017, no âmbito do processo n.º 2279/17.0T8ACB, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Alcobaça – Juiz 1. – cfr. Facto Provado sob o n.º 1.

C. Entendeu o Mmo. Juiz do Tribunal a quo que foi provado que “A ré declarou à autora pretender compensar os seus créditos aquando das transferências e pagamentos para a conta da Requerente.” – cfr. Facto Provado sob o n.º 126.

D. Porém, não foi produzida qualquer prova sobre a alegada declaração da Ré de que pretendia compensar os seus créditos com o crédito da Autora. Aliás, caso tivesse havido alguma declaração de compensação por parte da Ré, a Autora teria espelhado na sua contabilidade os pretensos pagamentos feitos pela Ré e eliminado a dívida desta das suas contas.

E. A alegada compensação não está, sequer, reflectida nos documentos contabilísticos juntos aos autos e a alegada declaração de compensação não é verdadeira, de tal forma que foi julgada provada com imprecisão, sem, sequer, concretizar em que data e de que forma terá sido feita a alegada declaração de compensação.

F. Pelo que, esta matéria deve ser julgada não provada pois este facto não é verdadeiro e, nessa medida, deve ser considerado como NÃO PROVADO.

G. Ao contrário do que parece resultar da decisão recorrida, a declaração de compensação apenas foi efectuada no âmbito dos presentes autos, ou seja, já após a declaração de insolvência da “J (…) Lda.”.

H. Acresce que, tratando-se de um alegado direito de crédito sobre a insolvência, deveria ser exercido segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e no âmbito do processo de insolvência.

I. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por objectivo a satisfação dos credores, seja mediante a liquidação do património do devedor quer mediante a recuperação da empresa. O regime previsto no CIRE determina que a repartição do produto apurado com a liquidação/recuperação da empresa seja feita mediante determinadas regras, nomeadamente obedecendo ao princípio da igualdade de credores – arts. 604.º do Código Civil e 194.º do CIRE.

J. Uma consequência do princípio da par conditio creditorum é que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de insolvência – nos termos do disposto no artigo 90.º do CIRE e conforme o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2015 (cuja relatora foi a conselheira Ana Paula Boularot) e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/01/2010 (cujo relator é o Desembargador Gonçalves Ferreira) e de 25/02/2014 (sendo relator o Desembargador Carvalho Martins).

K. “Daqui resulta que os credores têm que reclamar os seus créditos no processo de insolvência, tal como estabelece o artigo 128.º, não podendo, sequer, exercer o direito de compensação, caso não tenham feito a reclamação do respectivo crédito – v. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de janeiro de 2010 (processo n.º 20463/09.8YIPRT.C1), relator Gonçalves Ferreira: “I – Os direitos de crédito sobre a insolvência têm de ser exercidos segundo os meios processuais regulados no CIRE. II – Não pode invocar a compensação de créditos quem não tenha visto o seu crédito reconhecido em conformidade com o disposto nos arts. 129 e segs. do CIRE”.8

L. A admissão da compensação sem que o credor tenha visto o seu crédito reconhecido no processo de insolvência – como resulta da sentença recorrida – consubstancia uma patente violação do princípio da par conditio creditorum e da ordem de pagamentos que resulta do disposto nos artigos 172.º e seguintes do CIRE.

M. O artigo 99.º, n.º 1, do CIRE é claro quando refere que são os titulares de créditos sobre a insolvência que podem compensá-los com dívidas à massa. Ou seja, os credores para poderem fazer operar a compensação têm de ser titulares de créditos sobre a insolvência, ou seja, têm de ver os seus créditos reconhecidos no processo de insolvência.

N. Como resulta do douto Acórdão deste Venerando Tribunal, datado de 12/01/2010, só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, condição sem a qual a compensação não opera (veja-se o corpo do n.º 1 do referido artigo 99.º), quem como tal tenha sido reconhecido no processo de insolvência, e é imperioso que o credor reclame o seu crédito, no prazo fixado na sentença declaratória de insolvência, ainda que ele se ache reconhecido por decisão definitiva (artigo 128.º do CIRE), ou o faça posteriormente, se verificado o condicionalismo do artigo 146.º do mesmo Código.

O. Ademais, a compensação no caso em apreço não deveria ser admitida por se verificar uma causa de exclusão legalmente prevista no artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil.

P. Nos termos do disposto no artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil, não é admitida a compensação se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, que “é o mesmo que dizer aos direitos dos credores concursais”. Logo, tendo os credores cujos créditos foram reclamados e reconhecidos no processo de insolvência da Autora, um direito sobre o crédito objecto desta acção, a extinção do dito crédito pela compensação prejudicaria, indubitavelmente, os respectivos direitos.

Q. Ao admitir a compensação do alegado crédito da Ré, não reclamado no processo de insolvência da Autora, a sentença recorrida fez uma errada aplicação e interpretação do Direito e viola o disposto no artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil, o princípio da igualdade de credores e o disposto nos artigos 604.º do Código Civil e 90.º, 194.º, 172.º e segs. do CIRE, assim como o artigo 99.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Nestes termos, esperando e confiando no douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, julgando procedente a acção e improcedente a reconvenção, assim se fazendo plena Justiça!».

(c) a recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão que se coloca respeita à impugnação da matéria de facto.

A recorrente pretende que seja declarado não provado o facto provado n.º 126 que respeita à ocorrência de declaração de compensação da dívida antes a recorrida ter sido declarada insolvente.

2 – Em segundo lugar, se obtida a alteração da matéria de facto, cumpre verificar se a Ré deve ser condenada a pagar à Autora a quantia peticionada.

3 – Caso não haja alteração da matéria de facto, cumpre ainda verificar:

a) Se o crédito invocado pela Ré sempre teria de ser invocado no processo de insolvência, como estabelece o artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março), por se tratar de uma execução universal onde impera a igualdade entre os credores.

b) E se estamos perante um caso de inadmissibilidade da compensação nos termos do artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

A recorrente pretende que seja declarado não provado o facto provado n.º 126 que respeita à ocorrência de declaração de compensação da dívida antes a recorrida ter sido declarada insolvente.

Argumenta que não foi produzida qualquer prova sobre a existência da compensação e, por isso, o facto não devia ter sido declarado provado.

A Recorrente contrapõe que a impugnação deve ser rejeitada porquanto, por um lado, não é verdade que não tenha sido produzida prova sobre o facto em questão, pois o mesmo resulta do depoimento da testemunha J (...) , e, por outro, a Autora recorrente não produziu argumentação no sentido de mostrar que apesar da prova produzida o facto devia ser declarado não provado.

Vejamos.

(I) A argumentação da recorrente com vista à alteração do facto em questão no sentido de que hão existiu declaração de compensação em data anterior á insolvência é a seguinte:

«Pelo que, considerou o Mmo. Juiz do Tribunal a quo que “facilmente se verifica, pelos factos provados que, a dado momento temporal, a ré estava em falta, para com a autora, enquanto que, por seu turno, a autora estava igualmente em dívida, para com a ré, por quantitativo ligeiramente superior. Assim, tendo a ré declarado operar a compensação entre ambas as dívidas cruzadas, obtém-se que o valor reclamado pela autora se encontra satisfeito pela ré, assim, se operando a mútua quitação” e o que a Ré “veio fazer foi não invocar um crédito sobre a massa insolvente, pedindo a compensação com o crédito cruzado da massa da autora – caso em que teria inteira razão a demandante – mas alegar, e provar, que esse mecanismo extintivo de obrigações se verificou em momento anterior à declaração de insolvência, pelo que, naturalmente, extinto o crédito que a então J (…) Lda. detinha sobre a T (…) Lda., aquando da declaração de insolvência, aquele referido crédito, por extinto, não transitou para a massa da aqui autora.”

Sucede, porém, que não foi produzida qualquer prova sobre a alegada declaração da Ré de que pretendia compensar os seus créditos com o crédito da Autora. Aliás, caso tivesse havido alguma declaração de compensação por parte da Ré, a Autora teria espelhado na sua contabilidade os pretensos pagamentos feitos pela Ré e eliminado a dívida desta das suas contas. Contudo, nada disto está reflectido nos documentos contabilísticos juntos aos autos e a alegada declaração de compensação não é verdadeira, de tal forma que foi julgada provada com imprecisão, sem, sequer, concretizar em que data e de que forma terá sido feita a alegada declaração de compensação.

Na verdade, ao contrário do que parece resultar da decisão recorrida, a declaração de compensação apenas foi efectuada no âmbito dos presentes autos, ou seja, já após a declaração de insolvência da “J (…) Lda.”. Por conseguinte, tratando-se de um alegado direito de crédito sobre a insolvência, deveria ser exercido segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e no âmbito do processo de insolvência.

O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por objectivo a satisfação dos credores, seja mediante a liquidação do património do devedor quer mediante a recuperação da empresa. O regime previsto no CIRE determina que a repartição do produto apurado com a liquidação/recuperação da empresa seja feita mediante determinadas regras, nomeadamente obedecendo ao princípio da igualdade de credores – arts. 604.º do Código Civil e 194.º do CIRE»

Por sua vez, a Ré (além de algumas considerações sobre a indivisibilidade da confissão), contrapõe o seguinte:

«25. E, ao indicar os concretos meio probatórios, a Recorrente deve “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” e “b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

26. Sucede, porém, que a Recorrente se limitou a tecer considerações sobre a documentação contabilística junta aos autos, sem indicar o documento que infirma a sua conclusão, e a afirmar que a declaração de compensação não é verdadeira.

27. Dito de outro modo, a Recorrente sugere que o anterior representante legal da Recorrente, o Senhor J (…), mentiu em tribunal.

28. Sem, no entanto, indicar que prova ou outro elemento do processo prove que tal afirmação não é verdadeira.

29. Note-se, de resto, que a documentação contabilística junta aos autos também não espelhava, igualmente, a existência do crédito da Recorrida sobre a Recorrente.

30. Não obstante, a verdade é que esse crédito resulta provado (cfr. pontos 114 a 120 dos factos provados).

31. Em particular, por força da documentação junta aos autos, a qual, como se viu, contradiz a documentação contabilística da Recorrente, igualmente, junta aos autos, e que não espelhava a existência do referido crédito.

32. Adicionalmente, afirma a Recorrente que aquele facto foi julgado com imprecisão ao não ter concretizado “em que data e de que forma terá sido feita a alegada declaração de compensação”.

33. Posto isto, importa analisar a sentença recorrida e apurar se as considerações e conclusões da Recorrente correspondem à verdade.

34. Com efeito, em primeiro lugar, importa voltar a referir que a Recorrente afirma que “não foi produzida qualquer prova sobre a alegada declaração da Ré de que pretendia compensar os seus créditos com o crédito da Autora” (cfr. conclusão «D»).

35. Contudo, tal afirmação não corresponde à verdade, estando, aliás, muito longe da verdade.

36. Antes de mais, recorde-se que o tribunal a quo deu como provado que “[a] ré declarou à autora pretender compensar os seus créditos aquando das transferências e pagamentos para a conta da [Recorrente]” (facto provado n.º 126).

37. Ora, decorre expressamente da fundamentação da sentença quanto à matéria de facto o seguinte:

“Os factos provados derivam, fundamentalmente ou, mesmo, quase que exclusivamente, de três elementos probatórios: confissão, documentos e depoimento prestado pela testemunha J (…), nos termos que, de seguida, separadamente melhor se explicam, um por um.” (cfr. Sentença recorrida).

38. Resultando, igualmente da sentença e de forma expressa, o seguinte: “Por fim, a testemunha J (…), sem entrar em grandes considerações sobre os seus desígnios pessoais, declarou que entre as empresas ficou estabelecido, antes da declaração de insolvência da J (…), que os pagamentos e transferências ocorridas se destinavam a compensar o crédito proveniente da assunção de responsabilidades por via da hipoteca que, assim, logrou ser expurgada” (cfr. sentença recorrida).

39. Posto isto, resulta evidente que o tribunal a quo deu como provado o facto provado n.º 126 tendo por base o depoimento prestado pela testemunha J (...) .

40. Ou seja, o tribunal a quo indicou, de forma expressa e inequívoca, na fundamentação da sentença, o meio probatório que conduziu à sua decisão de dar como provado aquele facto.

41. Sendo esse, de resto, o único meio de prova bastante para a prova de tal facto, na medida em que, “[a] compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.” (cfr. artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil)».

(II) Face ao que fica exposto afigura-se que a pretensão da recorrente não pode proceder pelas seguintes razões:

Como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 3785/11.5TBVFR (consultável em www.dgsi.pt), quando a parte impugna a matéria de facto o que é que a lei processual pretende que a parte faça?

«Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar.

A razão pela qual se afirma que o advogado deve produzir uma análise crítica mínima é esta: indicar apenas os meios probatórios, isto é, o depoimento da testemunha A ou B, ou o documento C ou D, é reproduzir apenas o que consta do processo, pelo que nada se acrescenta ao que já existe nos autos, nem se mostra a razão por que a resposta a uma dada matéria de facto deve ser diversa da que foi dada pelo juiz.

Para desencadear a reapreciação pelo Tribunal da Relação, o advogado tem de colocar uma questão a este tribunal.

Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver.

Não basta, pois, identificar meios de prova.

O advogado terá de elaborar e expor uma análise crítica da prova formalmente análoga à realizada pelo juiz e concluir no sentido que pretende.

O recorrente afirmará, por exemplo, «O artigo 23º da petição inicial tem a seguinte redação “O Autor conduzia o seu veículo à velocidade de 75 a 80 Km/hora” e mereceu a resposta “não provado”.

Porém, a resposta deve ser “provado”, pelas seguintes razões:

  1.º - É o que resulta do depoimento da testemunha B, a qual ao minuto 05:05 do seu depoimento, à pergunta “x”, respondeu “que …”; bem como do depoimento da testemunha C, a qual ao minuto 25:35, afirmou que “…”.

O depoimento destas testemunhas merece credibilidade pelas seguintes razões: “…”.

2.º - Resulta também que o veículo, após o primeiro embate, se imobilizou num espaço de “x” metros, facto este que resulta do teor do croquis junto a fls., elaborado pela testemunha D que confirmou os seus dados em audiência.

Esta distância implica que o veículo não podia circular a mais que…

3.º (…), etc.

Ora, conjugando os depoimentos com a conclusão a que se chegou no ponto 2 e no ponto “…”, resulta a convicção de que a velocidade tinha de ser (…), pelo que a resposta ao quesito, deve ser alterada para “provado”».

Ou seja, o recorrente começará por indicar os elementos probatórios e justificará por que razão o são (documento não impugnado, credibilidade da testemunha, etc.) ([1]) e depois deve fazer uma análise crítica dos elementos probatórios que apresenta, por forma a que essa análise desemboque, logicamente, na resposta que pretende ver alterada e declarada em sede de recurso à matéria impugnada.

Afigura-se que o procedimento que fica indicado não é complexo e permite ao recorrente, com facilidade, expor as suas razões e permite à outra parte e ao tribunal de recurso compreendê-las com rapidez e clareza».

Continuando.

No presente caso, a argumentação da recorrente limita-se à afirmação de que não foi produzida prova no sentido de ter existido a declaração de compensação, indicando que se porventura essa declaração tivesse existido constaria dos documentos contabilísticos da Autora e não consta.

Esta argumentação é insuficiente para o efeito pretendido, pelas razões que vão ser referidas.

(a) Com efeito, verifica-se que a afirmação de que não foi produzida prova sobre a existência da declaração de compensação não corresponde à realidade processual, pois a testemunha J (…) referiu ter existido tal declaração.

Porém, a recorrente nada diz sobre este depoimento no que respeita à sua capacidade ou à sua incapacidade para determinar a formação da convicção do juiz, no sentido das respetivas afirmações sobre a declaração de compensação corresponderem ou não corresponderem a factos históricos, sendo estes aqueles que existiram de facto, em certo tempo e em certo espaço geográfico.

Isto não significa que o tribunal não possa ir mais além da argumentação da parte, mas tem de o fazer a partir de uma questão colocada suportada numa argumentação.

No caso dos autos isso não ocorre em relação à prova testemunhal produzida e esta prova influiu na formação da convicção do juiz do tribunal recorrido, como consta da sentença sob recurso, onde se referiu:

«Os factos provados derivam, fundamentalmente ou, mesmo, quase que exclusivamente, de três elementos probatórios: confissão, documentos e depoimento prestado pela testemunha J (...) , nos termos que, de seguida, separadamente melhor se explicitam, um por um.

(…)

Por fim, a testemunha J (…), sem entrar em grandes explicações sobre os seus desígnios pessoais, declarou que entre as empresas ficou estabelecido, antes da declaração de insolvência da J (…), que os pagamentos e transferências ocorridas se destinavam a compensar o crédito proveniente da assunção de responsabilidades por via da hipoteca que, assim, logrou ser expurgada».

Por conseguinte, este tribunal de recurso não poderá verificar se o depoimento da testemunha J (…) é credível ou não é e se conjugado com a pano de fundo factual que se encontra provado tem capacidade para formar a convicção do juiz no sentido de ter existido ou não a apontada declaração de compensação na altura em que foram feitas as mencionadas transferências de dinheiro da Ré para a Autora, com vista a solver a dívida da primeira para com a C (…).

(b) E quanto ao facto da declaração de compensação não se encontrar refletiva nos documentos contabilísticos da Autora na parte em que se referem à dívida da Ré, a Ré argumentou, com pertinência, que essa omissão não tem relevância porque também foram declaradas provadas as quantias transferidas da recorrente para a recorrida, que a primeira reclama e que a segunda compensou, as quais também não estão refletidas na contabilidade.

Sintetizando.

A argumentação produzida pela Autora na parte em que se mostra suficientemente articulada em termos argumentativos, isto é, na parte relativa à contabilidade da Autora, não procede;

E na parte relativa à prova testemunhal produzida, a Autora recorrente nada de concreto argumentou, para além de dizer que não foi produzida qualquer prova, afirmação esta que não corresponde à realidade processual, pelo que fica de pé a argumentação do tribunal recorrido quanto a esta modalidade da prova produzida.

(c) Concluindo.

Se a parte em sede de impugnação da matéria de facto não coloca uma questão, argumentando para o efeito, ainda que a argumentação seja escassa, o tribunal não pode substituir-se à parte recorrente e suprir essa omissão, formulando ele mesmo a questão, isto é, indagando ele mesmo as premissas e colocando a conclusão, pelo que a impugnação improcederá.

Tal ocorre quando a parte recorrente, relativamente à prova testemunhal produzida, diz que não foi produzida qualquer prova e nada mais argumenta, e tal afirmação não corresponde à realidade processual, pelo que fica de pé a argumentação explanada pelo tribunal recorrido a esse respeito.

O que se compreende melhor se se tiver em consideração que o tribunal tem um estatuto de imparcialidade.

Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

Factos da petição

1- A ora Requerente, por decisão proferida a 29/09/2017, no âmbito do processo n.º 2279/17.0T8ACB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Alcobaça – Juiz, 1, foi declarada insolvente.

2- Até essa data, a ora Requerente dedicava-se à produção e comércio de fruta e produtos hortícolas, importação e exportação.

4 - A ora Requerente emitiu as faturas n.º 003857/20016 e 003858/2016, nos valores de €3.200,00 e de €376.666,00, respetivamente, ambas com vencimento em 20/10/2016.

6- A Requerida não procedeu ao pagamento do montante faturado no prazo do seu vencimento, nem até à presente data.

Factos da Contestação

30- No dia 4 de Dezembro de 2011, a Autora foi constituída como sociedade comercial por quotas, com a firma J (…), Lda., com o capital social inicial de €10.000,00, com sede a (…) – (...) , tendo sido registada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva (…)

31- Como sócios, figuravam o Senhor J (…), com uma quota de €4.000,00, e o Senhor E (…), com uma quota de €6.000,00, pais e filho, respetivamente.

32- Tendo ambos determinado que o objeto social da Ré seria a “produção e comércio de frutas e produtos hortícolas, importação e exportação”.

33- A Autora iniciou a sua atividade de comércio no prédio misto denominado «Bom Vento», situado (…) (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial do (...) sob o número 292 da freguesia do Carvalhal e inscrito na respetiva matriz urbana com o número 2623 e na respetiva matriz rural com o número 81, secção Q.

34 - O Prédio é, atualmente, propriedade do Senhor E (…)

35 - Aquando da constituição da Autora e até 7 de junho de 2017, o Prédio era propriedade do Senhor J (…).

36 - Prédio no qual, até 4 de dezembro de 2011, o Senhor J (…)desenvolvia a atividade de comércio de frutas e produtos hortícolas, primeiro enquanto empresário em nome individual, depois através da sociedade J (…) Lda.

37 - Aquando da constituição da Autora, o Prédio era inscrito na matriz como constituído por cultura arvense, macieiras, pereiras e armazém com seis câmaras frigoríficas, com área total de 3.053 m2, cabendo à parte urbana a área de 672 m2.

39 - Cujas obras de ampliação e requalificação foram realizadas entre 2013 e 2014, na sequência da apresentação de uma candidatura junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (“IFAP”), em 16.01.2012, realizada ao abrigo do programa PRODER – Instalação de Jovens Agricultores e cujo promotor foi a Autora.

40 - Nos termos daquela candidatura, o projeto/operação subjacente ao pedido apoio implicava a “construir um armazém com 750m2, aquisição de câmaras frigoríficas para a volta de 550ton. assim como uma linha de confeção para fruta que inclui um imersor, um transportador de rolos, uma plataforma, uma secadora, pré-alinhador, um calibrador eletrónico e mesas de confeção” e “adquirir 2.000 contentores paletes”.

41 - Nos termos da candidatura, o projeto seria financiado em €250.000,00 pelo IFAP e em €356.700,00 através de capitais próprios.

42 - Montantes de investimento que seriam repartidos pelas rúbricas seguintes:

Descrição Quantidade Investimento Total Armazém 1 €185.000,00 Câmaras frigoríficas 1 €215.000,00 Linha de Confeção 1 € 69.000,00 Paletes 2.000 €137.700,00 Total €606.700,00.

43- Após aprovação do projeto pelo IFAP, foi celebrado o contrato de financiamento n.º 02019796/0, em 15.03.2012, entre a Autora e o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., no montante de €250.000,00.

44- Foi celebrado o contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, em 13.08.2013, entre a Autora e a C (…), S.A. (a “ C (...) ”), no montante de €200.000,00 (duzentos mil euros).

45- Para garantia do pagamento daquela quantia de €200.000,00 pela Autora à C (...) , o Senhor J (…) e a sua mulher, a Senhora A (…) constituíram a favor da C (...) uma hipoteca sobre o Prédio.

46-O Senhor J (…) iniciou obras no armazém implementado no Prédio.

47- Assumindo a empresa autora, perante a C (...) , a obrigação do pagamento da quantia de €200.000,00.

48- Em 30 de Setembro de 2012, a Autora adquiriu as duas mil paletes (também conhecidas como «palotes»), pelo preço de €127.992,60 (cinto e vinte e sete mil, novecentos e noventa e dois euros e sessenta cêntimos).

49- A aquisição foi inscrita na contabilidade da Autora na conta 43 (ativos fixos tangíveis), em particular na conta 43.31101 (equipamento básico 23%).

50- Despesas relacionadas com a requalificação e ampliação do armazém edificado no Prédio, aquisição e instalação das câmaras frigoríficas e aquisição e instalação da linha de confeção foram inscritas na contabilidade da Autora na conta 45 (investimentos em curso), em particular na conta 453101 (projeto edifícios).

51- Inscrição cujo valor global ascendeu a um montante de €394.394,49 (trezentos e noventa e quatro mil, trezentos e noventa e quatro euros e quarenta e nove cêntimos).

61- Em 2015 e ainda antes de finalizado o Projeto, foi alterada a inscrição contabilística dos bens até aí inscritos sobre a rúbrica de investimentos em curso (conta 45).

62- Na conta 45 foi creditado um montante de € 394.394,49 e na conta 43

foi debitado igual montante.

70- As obras tiveram um custo que não foi possível apurar.

75- As faturas n.ºs 003857/2016 e 003857/2016 foram ambas emitidas com ta do dia 20.10.2016.

91- O veículo de marca Peugeot, matrícula ED (...) foi alienado pela Autora em 17.11.2015.

93- Após a emissão das faturas, a Autora alienou o veículo de marca Isuzo, de matrícula GM (...) , ao Senhor F (…), em 18.01.2017.

94- E alienou o veículo de marca BMW, de matrícula HG (...) , ao Senhor P (….

97 - A Autora vendeu, entregou e a Ré recebeu os seguintes bens:

Descrição Quantidade Valor Unitário Total Sistema de Frio Atmosfera Controlada 1 €10.000 €10.000 Calibrador 1 €6.000 €6.000 Empilhador Toyota 1 €250,00 €250,00 Empilhador Linde 1 €166,00 €166,00 Empilhador Dayau, Elétrico 1 €250,00 €250,00 Portapaletes Elétrico Linde 1 €2.480,00 €2.480,00 Equipamentos especializados de rega por 1 €519,00 € 519,00 aspersão/Res. Equip. … Sistema Palotes 2000 €5,00 €10.000,00 Contentor Patette c/ 4 pés 1 €50,00 €50,00 Barra Herbicida 5 Pistons 1 €50,00 €50,00 Reservatório de Água – Charca 1 €50,00 € 50,00 Scania 97-43-HX 1 €300,00 €300,00 New Holland 1 €125,00 €125,00 Camião Iveco 64-NH-33 1 €1.250,00 € 1.250,00 Total €31.490,00

98- A Ré adquiriu ainda o crédito que a Autora detinha sobre o proprietário do Prédio.

99- No montante de €151.793,56

109- Para garantia do pagamento da quantia de €200.000,00 pela Autora à C (...) , o Senhor J (…)e a sua mulher, a Senhora A (…) constituíram a favor da C (...) uma hipoteca sobre o Prédio.

110- No dia 10 de dezembro de 2013, a Autora celebrou com a C (...) um novo contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros) (o “Contrato II”), tendo constituído nova hipoteca sobre o Prédio para garantia do pagamento do valor mutuado.

111- No dia 4 de junho de 2015, a Autora celebrou com a C (...) um contrato de abertura de crédito, no montante de € 100.000,00 (cem mil euros) (o “Contrato III”).

112- A Autora deixou de cumprir pontualmente as suas obrigações perante a C (...) e perante outros credores.

114- A Ré transferiu verbas para as contas da Autora, para que esta pudesse fazer face aos seus compromissos.

115 - A 9 de Agosto de 2016, a Ré transferiu para a Autora o montante de € 12.000,00, para que esta pudesse liquidar as prestações bancárias vencidas e vincendas àquela data.

116- Em 28 de Março de 2017, a Ré passou um cheque à ordem da Autora no montante de € 4.000,00, o qual foi pago, para que esta pudesse liquidar as prestações bancárias vencidas e vincendas àquela data.

117- Em 31 de Março de 2017, a Ré passou um cheque à ordem da Autora no montante de € 4.000,00, o qual foi pago, para que esta pudesse liquidar as prestações bancárias vencidas e vincendas àquela data.

118- Em 29 de Abril de 2017, a Ré passou um cheque à ordem da Autora no montante de € 4.100,00, o qual foi pago, para que esta pudesse liquidar as prestações bancárias vencidas e vincendas àquela data.

119- Em 28 de Maio de 2017, a Ré passou um cheque à ordem da Autora no montante de € 4.268,60, o qual foi pago, para que esta pudesse liquidar as prestações bancárias vencidas e vincendas àquela data.

120- A 27 de Junho de 2017, a Ré transferiu para a Autora o montante de € 163.952,92, destinado a liquidar todas as responsabilidades da Requerida junto da C (...) .

121- A C (...) renunciou às hipotecas constituídas sobre o Prédio, cujo registo de cancelamento foi realizado em 03.07.2017.

126- A ré declarou à autora pretender compensar os seus créditos aquando das transferências e pagamentos para a conta da Requerente.

2. Matéria de facto – Factos não provados

Da petição

3- No exercício da sua atividade comercial, a ora Requerente vendeu à ora Requerida vários produtos do seu comércio, que lhe entregou e esta recebeu, não devolveu, nem reclamou.

4- A ora Requerente inscreveu na sua contabilidade comercial regularmente organizada e enviou à Requerida as faturas n.º 003857/20016 e 003858/2016.

5- A Requerida não devolveu as faturas em causa, nem delas reclamou.

6 - A ré foi instada, por diversas vezes, para o pagamento das faturas.

Da Contestação

21- Parte dos bens acima descritos não foi vendida pela Autora à Ré.

22- A Autora não os entregou à Ré, nem esta os recebeu.

25- As construções/armazém (edificado em prédio de terceiro) não têm (como não tinham) um valor de € 343.885,00 (trezentos e quarenta e três mil, oitocentos e oitenta e cinco euros).

38- Atualmente, o Prédio tem uma área coberta de 1.050 m2.

70- As obras tiveram um custo de apenas € 166.814,49.

79- No segundo semestre de 2016, o Senhor J (…) decidiu, por razões de saúde, encerrar a sua atividade e transmitir todo o negócio desenvolvido pela Autora para o seu filho, o Senhor E (…)

80- Para o efeito, pediu aos seus contabilistas que operassem a referida transmissão do estabelecimento comercial da Autora para a Ré.

81- Foi nessa sequência que foram emitidas as faturas n.os 003857/2016 e 003857/2016.

84- A operação contabilística que deu origem à emissão das faturas mais não foi do que um copy/pace do valor líquido do ativo da Autora em 20.10.2016.

86- A Ré não adquiriu quaisquer «Construções de tijola, pedra ou betão – Edifício/Projeto armazém», porque, simplesmente, a Autora também não tinha esse ativo para vender.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

(I) Improcede a reanálise do aspeto jurídico da sentença que estava dependente da procedência do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, porquanto a matéria de facto não sofreu alteração.

Cumpre passar, por isso, às restantes questões.

(II) Vejamos então se o crédito invocado pela Ré teria de ser invocado no processo de insolvência, como estabelece o artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março), por se tratar de uma execução universal onde impera a igualdade entre os credores.

A resposta a esta questão é negativa porquanto a compensação no presente caso operou em data anterior à declaração de insolvência.

Como é sabido e indicado no Capítulo VIII (Causa de Extinção das Obrigações Além do Cumprimento), do Título I (Das Obrigações em Geral), do Livro II (Direito das Obrigações), do Código Civil, a compensação consiste num meio de extinguir obrigações.

Nas palavras de Antunes Varela, a compensação é «o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor» - Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição. Almedina, 2010, pág. 197.

É certo que artigo 90.º do CIRE determina que «Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência» e o n.º 1 do artigo 128.º do mesmo código impõe que «Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:….».

Porém, como se diz na sentença, estas normas referem-se a créditos existentes à data da declaração de insolvência e não a créditos extintos por compensação operada antes da data da declaração da insolvência, como é o caso dos autos.

Improcede, pelo exposto, este argumento recursivo.

 (III) Se estamos perante um caso de inadmissibilidade da compensação nos termos do artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil.

O artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil dispõe que «Também não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado».

Relativamente a esta questão cumpre referir que face aos factos provados não é possível concluir que a declaração de compensação constante dos factos provados acarreta prejuízos para direitos de terceiro constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, porquanto não há notícia na matéria de facto de tais créditos de terceiros.

Improcede, pelo exposto, este argumento.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente.

Custas pela Recorrente.


*

Coimbra, 11 de fevereiro de 2020

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo



[1] Esta apreciação também pode ser feita na parte em que se analisam criticamente as provas.