Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4424/15.0T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: FGADM – FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES: JOVENS ATÉ AOS 25 ANOS
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 1º, Nº2 DA LEI Nº 75/98, DE 19/11; LEI Nº 24/2017, DE 24/5; ARTºS 1879º, 1880º E 1905º, Nº2, DO C. CIVIL.
Sumário: A versão que foi dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, ao nº 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, conjugada, com o disposto nos artigos 1905º, nº 2, 1879º e 1880º, todos do Código Civil, alargou o âmbito subjectivo da obrigação de prestação de alimentos, que, em substituição do devedor, fica a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, abarcando os jovens que ainda não tenham completado os 25 anos de idade, ainda que à data da entrada em vigor dessa Lei n.º 24/2017 já tivessem atingido a maioridade e que a intervenção do Fundo não haja sido determinada ou suscitada no processo durante a menoridade do carenciado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.:
I - A) - 1) - Por apenso aos autos onde, por sentença proferida em 5/7/2002, se homologou o acordo a que aí se chegou quanto às responsabilidades parentais respeitantes à menor M…, nascida a 10 de Janeiro de 1999, filha de S… e de J… Que litiga com o benefício do apoio judiciário., veio o Ministério Público, suscitar contra este último, em 09/11/2015, o incidente de incumprimento da obrigação de alimentos e o incidente pré-executivo previsto no art. 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível Aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro. (RGPTC), pedindo que se condenasse o Requerido na multa de 100€, caso o incumprimento lhe fosse imputável e que se ordenasse o procedimento pré-executivo referido quanto ao ISS- IP, ordenando o desconto mensal naquela prestação social da quantia de 100€ quanto aos alimentos vincendos e ainda da quantia de 50€ para amortização dos vencidos, até atingir o valor ora reclamado, acrescido dos juros vencidos e vincendos.
2) - Tendo o processo seguido os respectivos trâmites, veio, em 22/01/2016, a 2ª Secção de Família e Menores (J2), do Tribunal da Comarca de Leiria (Pombal), a proferir sentença, consignando-se, na respectiva parte dispositiva, o seguinte: «[…] julgando o presente incidente procedente, por provado, este Tribunal decide declarar verificado o incumprimento do requerido J…, no que tange ao pagamento da pensão de alimentos devida à sua filha menor M…, fixando-se a dívida na quantia de €: 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros), por referência a 8 de janeiro de 2016 (data do vencimento da última pensão).
Mais, estando verificado nos autos que o requerido J… não procedeu ao pagamento regular, no prazo legal, dos alimentos devidos à filha menor M…, ao abrigo do disposto no artigo 48º, número 1, alínea c), do regime Geral do Processo Tutelar Cível, determino que se notifique a entidade processadora do respetivo subsídio de desemprego, nos autos identificada, para doravante e até indicação em contrário, proceder mensalmente à dedução nesse subsídio da quantia de €: 150,00 (cento e cinquenta euros), sendo €: 50,00 (cinquenta euros) relativos aos alimentos vencidos e não pagos e até se completar a quantia de €: 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros) e €: 100,00 (cem euros) relativos à pensão de alimentos fixada a favor da menor M...
Informe a entidade referida de que ficará constituída fiel depositária das quantias retidas e com a obrigação de a entregar à progenitora guardiã, S…, por depósito ou transferência para a conta cujo NIB lhe será indicado, devendo comprovar nos autos a retenção da primeira prestação. Custas pelo requerido. […]».
3) – A referida S…, em 24/07/2017, na qualidade de progenitora de M…, veio aos autos:
a) - Informar que, continuando, essa sua filha, a integrar o seu agregado familiar e estando a frequentar o ensino secundário, deixara, desde o mês de Maio que passara, inclusive, de receber a pensão de alimentos a que se encontrava obrigado o seu progenitor, J…;
b) - Requerer “...a realização das diligências adequadas com vista ao cumprimento coercivo do pagamento das prestações vincendas e já vencidas a que o progenitor se encontra obrigado. Todavia, mostrando-se inviável o cumprimento coercivo do pagamento da prestação de alimentos por desconto no vencimento do obrigado e/ou subsidio de desemprego, requer-se a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, atenta alteração legislativa do art.º1.º da Lei 75/98 de 19.11, operada pela Lei 24/2017, por se verificarem os pressupostos para a intervenção e a sua descendente se encontrar em formação académica (...)”.
B) – Sobre tal requerimento, de 24/07/2017, veio a recair o despacho de 20/10/2017, que, indeferindo o requerido “...sem necessidade de outras diligências...”, determinou o arquivamento dos autos.
C) – 1) – Notificada dessa decisão, veio dela interpor recurso a Requerente S…, que, no final da respectiva alegação, ofereceu as seguintes “conclusões”:
...
Terminou requerendo que se revogasse o despacho recorrido e se o mandasse substituir por um outro, que admitisse a pretensão da requerente em vista da intervenção do FGADM em benefício da referida filha maior M… e que “...demande o ISS-IP para aferir se o respetivo agregado familiar preenche a condição de recursos e se ocorrem os demais requisitos legais para jovens maiores em vista de tal intervenção, sem prejuízo de outras diligências que o Tribunal tenha por pertinentes...”.
2) - Notificado para o efeito, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS, I.P.), na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), veio responder à alegação de recurso, apresentando as seguintes conclusões:

Pelo que
XIV. Se entende, que a douta decisão judicial em apreço, não merece qualquer censura, devendo manter-se (...)».
II - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho Código que se referirá como NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se identificará como CPC., o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes” Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, v.g., no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”. e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a apreciar.
Assim, a questão essencial que cumpre solucionar no presente recurso consiste em saber se está correcto o decidido indeferimento e o consequente arquivamento dos autos. A resposta negativa a esta questão, que implique a revogação do despacho recorrido, prejudicará, evidentemente, o conhecimento do mais invocado pela Apelante, v.g., a questão da nulidade da sentença.
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III - Fundamentação:
1) – Na sentença de 22/01/2016 o Tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos:
A) M… nasceu a 10 de janeiro de 1999, na freguesia de Sé Nova, concelho de Coimbra, sendo filha de J… e de S..
B) Por sentença de 5 de julho de 2002, transitada em julgado, a menor foi confiada à guarda e cuidados da mãe e o seu pai, o ora requerido J…, obrigado ao pagamento da quantia mensal de €:100,00 (cem euros), a entregar à mãe da menor até ao dia 8 de cada mês.
C) Presentemente, o requerido encontra-se desempregado, recebendo mensalmente, a título de subsídio de desemprego, a quantia de €: 449,70 (quatrocentos e quarenta e nove euros e setenta cêntimos).
2) - Na decisão ora sob recurso, embora sem assim o destacar, o Tribunal “a quo” considerou como assente que:
“Tendo a prestação de desemprego cessado em Abril de 2017 e não sendo conhecidos outros rendimentos ao requerido de valor superior ao da pensão social de regime não contributivo, que se cifra em € 203,35 (cfr. ref.ª 4205119), não é viável o cumprimento coercivo da obrigação de alimentos.”.
3) – A factualidade a considerar e o circunstancialismo processual a ter em conta são os que consignaram antecedentemente.
4) – Na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 122/2015, de 01/09 - que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2015 -, preceituava o artº 1905º do Código Civil (CC): “Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.”.
Por sua vez, o artº 1880º do mesmo CC, estabelece:” Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”.
A Lei nº 75/98, de 19/11, na versão resultante da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, preceitua no nº 1 do seu artº 1º: «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.».
Por sua vez, o nº 2, deste artº 1º, preceituava, na versão da citada Lei n.º 66-B/2012: “O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos.”.
O DL 164/99, de 13/05, alterado pelo DL n.º 70/2010, de 16/06 e pela Lei n.º 64/2012, de 20/12, estabelece no artº 2º:
«1 - É constituído, no âmbito do ministério responsável pela área da solidariedade e da segurança social, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.).
2 - Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
3 - O pagamento das prestações referidas no número anterior é efetuado pelo IGFSS, I. P., na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente.».
Por outro lado, preceitua o art. 3º desse DL 164/99:
«1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - (…).
3 - (…).
4 - (…).
5 - (…).
6 - (…).».
Sucede que, por força da alteração introduzida pela Lei n.º 24/2017, de 24/05 Diário da República n.º 100/2017, Série I de 2017-05-24. - que entrou em vigor em 24 de Junho de 2017 (artº 8º) - a disposição do nº 2 do artº 1 da Lei nº 75/98, de 19/11, que acima se transcreveu, passou a ser a seguinte: “O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil.”.
O artº 1905º do CC, com a alteração introduzida pela Lei nº 122/2015, de 01/09, passou a ter a seguinte redacção:
“1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”.
Na decisão recorrida, para se alicerçar o indeferimento da pretensão da intervenção do FGADM, em substituição do progenitor obrigado à prestação de alimentos, considerou-se, essencialmente:
«[…] É certo que, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 24/2017, de 24.05, ao artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19.11, a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, excepto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, isto é, pode manter-se para depois da maioridade e até que o filho complete 25 anos de idade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. Porém, não é menos verdade que, a nosso ver, esta alteração apenas vigora nos casos em que tenha sido ordenada a intervenção do Fundo durante a menoridade, porquanto apenas pode cessar (ou manter-se) uma intervenção que já existia, o que não sucede in casu. Em consequência, sem necessidade de outras diligências ou considerações, indefere-se o requerido.[…]».
Por sua vez, o Recorrido, lembrando que nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil, a Lei só dispõe para o futuro, sustenta na resposta à alegação de recurso, que:
- “...a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que alterou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, apenas entrou em vigor a 24 de junho de 2017, ou seja, em data posterior à data em que a jovem atingiu a maioridade (10.01.2017)...”;
- “...não existiu qualquer obrigação do FGADM, durante a menoridade da jovem...”.
Vejamos. Defender que a nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, pela Lei n.º 24/2017, só se aplica a quem, à data da entrada em vigor desta Lei, não tenha atingido a maioridade, é entendimento que não tem, salvo o devido respeito, a nossa concordância, já que é a própria norma que, por remissão para o disposto no nº 2 do artigo 1905.º do CC, estende a intervenção do FGADM a todos aqueles que, não tendo atingido os 25 anos de idade, não sejam excluídos pelos circunstancialismos previstos nesse artigo do CC.
Assim, o preceito, em termos etários, aplica-se, sem que haja qualquer retroactividade, a quem – como é o caso da Maria de Carvalho Lopes Simões Silva -, à data da sua entrada em vigor, embora tenha já atingido os 18 anos de idade, não completou os 25 anos de idade.
Conclui-se, assim, como no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/02/2018 (Apelação nº 3174/16.5T8VCT.G1) Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase., que “A Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, é aplicável a quem atingiu a maioridade depois da sua entrada em vigor, pois o que se pretende salvaguardar é que, nas situações dos jovens até aos 25 anos, o FGADM assegure uma prestação, no lugar do progenitor, impossibilitado de pagar, desde que o jovem ainda não tenha autonomia económica e esteja em formação.”.
Confortando-se na 2ª parte do nº 2 do artº 12º do CC, entendeu-se nesse Acórdão, que aqui se perfilha: «[…] A este propósito, refere Baptista Machado (in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Almedina, páginas 29 e 18 e 19): “no n.º 2 do art.º 12º do nosso Código estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova, ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos, e neste caso só se aplica a factos novos, ou define o conteúdo (os efeitos) de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação jurídica deram origem, e então é de aplicação imediata (quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas anteriormente constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor)».
Por outro lado, segundo Oliveira Ascensão (in O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira”, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 489), “…pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado…” e, nesse caso, “[a]plica-se, então, imediatamente a lei nova.”
Posto isto, entendemos que a mencionada Lei dispõe directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, pelo que sempre seria de aplicar ao caso dos autos, dado que o que se pretende salvaguardar é que, nas situações dos jovens até aos 25 anos, o FGADM assegure no lugar do progenitor impossibilitado uma prestação, desde que o jovem ainda não tenha autonomia económica e esteja em formação.
E isso é independente do momento em que atinge a maioridade (se antes ou depois da entrada em vigor da lei), o que interessa é que, a partir do momento em que esta entrou em vigor, os jovens naquela situação podem socorrer-se da mesma.
Logo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o factor que fundamenta o direito ao benefício de recebimento das pensões em causa não é o momento da maioridade mas sim o facto de beneficiar, após a vigência da lei, desses pressupostos de aplicação, tal como foi também já decidido no Ac. RE de 25-01-2018, no processo 161/07.8TBBJA-F.E1, publicado no site da dgsi. […]».
O Tribunal “a quo” entendeu, face à redacção do nº 2 do artº 1 da Lei nº 75/98, de 19/11, na versão que a esta foi dada pela Lei n.º 24/2017, de 24/05, que a norma, prevendo a cessação do pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, quanto o menor atinja os 18 anos de idade, as excepções a essa regra, também aí previstas, por reporte às circunstâncias consignadas no n.º 2 do artigo 1905º do CC, só poderiam ser consideradas para obstar a essa cessação, o que pressupunha que a intervenção do Fundo já tivesse sido ordenada durante a menoridade da Maria de Carvalho Lopes Simões Silva, o que não havia sucedido.
Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com o entendimento do Tribunal ”a quo”, antes acompanhando aquele em que se alicerçou o Acórdão desta Relação de Coimbra, de 30/03/2018 (Apelação nº 1516/09.9TBMGR-A.C1) Ao que se julga, não publicado., relatado pelo Exmo. Desembargador Freitas Neto, que versou, precisamente a questão, aí também suscitada pelo IGSS,IP, como gestor do FGADM, “...de que não lhe seria aplicável o disposto no nº 2 do art.º 1º da Lei nº 75/98 de 19 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei nº 24/2017 de 24/05, uma vez que nunca teria sido chamado a intervir durante a menoridade do jovem.”.
Com a devida vénia, subscrevemos o que, quanto a essa questão se explanou nesse Acórdão de 30/03/2018, que, na parte que a isso respeita, ora se transcreve:
«[…] Da evolução da lei no tempo pode retirar-se com suficiente segurança que com a nova redacção do art.º 1º da Lei nº 75/98 de 29.11, introduzida pela Lei nº 24/2017 de 24 de Maio, imediatamente aplicável aos autos (o que nem sequer é controvertido no recurso), houve o propósito de alargar o âmbito da protecção do Estado através do Fundo, após a maioridade e até aos 25 anos, por força da impossibilidade de prestação de alimentos por parte da pessoa judicialmente obrigada.
Para esse fim, sem prejuízo da natureza subsidiária da obrigação do Estado/FGADM, afigura-se-nos que o legislador teve em mente o estabelecimento de um total paralelismo entre a respectiva obrigação e a obrigação de alimentos a cargo dos pais, nos precisos termos dos art.ºs 1905, nº 2, e 1880 do C. Civil.
Na verdade, e em relação aos pais, o art.º 1880 do CC erigiu um princípio segundo o qual “Se no momento em que atingir a maioridade, ou for emancipado, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
Obrigação a que o art.º 1879 se reporta nos seguintes termos: “Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos”.
Com a nova redacção do art.º 1905 e a introdução do actual nº 2, operada pela Lei nº 122/2015 de 01/09, procedeu-se a uma interpretação precisa do art.º 1880, e, ao mesmo tempo, colocou-se uma maior exigência aos pais, com a criação de um limite mais apertado à “desobrigação” do art.º 1879.
Com efeito, passou a dizer-se naquele nº 2:
“Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
A expressão “entende-se que se mantém (…) a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade” não terá sido a mais clarificadora uma vez que o art.º 1880 não se refere à “pensão fixada” mas antes à “obrigação a que se refere o artigo anterior”, ou seja, à obrigação dos pais de “prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação”.
Em todo o caso, a formulação adoptada não exclui – segundo cremos, até pressupõe – o postulado de que é a própria obrigação de alimentos que persiste para além dos 18 anos, sem prejuízo de, havendo uma pensão já fixada, a sua concreta determinação continuar a vincular o progenitor devedor.
De resto, não se perceberia que um filho que teve uma pensão fixada na menoridade visse a mesma prolongada até aos 25 anos enquanto aquele que, por qualquer circunstância, se viu carecido do sustento dos pais entre os 18 e os 25 anos não pudesse exigir os respectivos alimentos apenas por não ter beneficiado da fixação de uma pensão naquele período.
Pela mesma razão, o segmento do actual nº 2 do art.º 1º da Lei nº 75/98 que alude à cessação do “pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado” não significa um termo final de um pagamento já iniciado, mas apenas que a obrigação do Estado deixa de existir no dia em que o menor atinge 18 anos, a menos que se verifiquem as circunstâncias previstas no nº 2 do art.º 1905 do C. Civil.
Isto é, a partir da nova redacção daquele normativo, em vigor desde a Lei nº 24/2017 de 24 de Maio, a obrigação do Estado assegurar os alimentos do jovem maior de 18 anos e menor 25 anos veio somente acompanhar a obrigação que recai sobre os progenitores prescrita no art.º 1880, agora densificada pelo disposto no nº 2 do art.º 1905, na redacção da Lei nº 122/2015 de 01/09.
E se acompanha a obrigação a cargo dos progenitores, assim como esta se pode estender para lá da maioridade do alimentando até aos 25 anos, nos moldes previstos no nº 2 do art.º 1905, também aquela pode surgir para o Estado/FGADM após o momento em que o menor complete 18 anos, sem embargo de este não ter intervindo durante a menoridade. […]».
De tudo o exposto resulta que o Tribunal “a quo” não tinha fundamento válido para indeferir, nos termos em que o fez, a requerida intervenção do Estado/FGADM e para, por isso, determinar o arquivamento dos autos, pelo que importa revogar o despacho recorrido e ordenar o prosseguimento do processo, o que ora se decide.
IV - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra, em, julgando a apelação procedente, revogar o despacho recorrido e determinar o prosseguimento dos autos para decisão do incidente suscitado no aludido requerimento de 24/07/2017.

Sem custas, atenta a isenção do Apelado (artº 4º, nº 1, v), do Regulamento das Custas Processuais).
Coimbra, 05/06/2018
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)