Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
518/11.0TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
EXEQUENTE
CAUSA DEBENDI
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 1.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 458.º, 777.º/1 E 805.º/1 DO C. CIVIL
Sumário: 1 - Uma obrigação diz-se exigível quando se encontra vencida e/ou depende da mera interpelação do devedor (777.º/1 do C. Civil), o que – interpelação – ocorre (caso já não tenha ocorrido antes) quando o devedor é judicialmente citado para a acção/execução contra ele interposta (art. 805.º/1 do C. Civil).

2 - Sendo o título executivo um reconhecimento de dívida e consagrando o art. 458.º do C. Civil uma mera regra de inversão do ónus da prova (e não um negócio abstracto), não está o exequente dispensado do ónus de alegação da causa debendi; não podendo, no requerimento executivo, limitar-se a remeter para o reconhecimento de dívida, tendo que indicar, sob pena de ineptidão, a concreta causa debendi.

3 - É insuficiente como indicação da concreta causa debendi a mera invocação de “negociações” ou o dizer-se que a declaração recognitiva teve como causa “encontros de contas”.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., Lda., com sede na Rua (...), Figueira da Foz, B..., C... e D... , todos residentes na Rua (...), Tavarede, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes moveu E... , residente na Rua (...) Figueira da Foz, para haver deles a quantia de 98.092,05 € e juros vincendos, vieram deduzir oposição, alegando, em síntese:

Que o título – documento particular de “confissão de dívida” – dado à execução não reproduz as suas vontades nem reflecte a assunção de qualquer dívida, porquanto, por um lado, não corresponde ao que fora acordado entre as partes e, por outro lado, foram coagidos a assiná-la, sob ameaça de deixarem de poder exercer a actividade de restauração no local onde se encontra instalado o estabelecimento comercial.

Que tal título constitui apenas uma garantia do pagamento do contrato de cessão de quotas e do trespasse do estabelecimento comercial celebrado entre as partes, contra a garantia de compensação dos créditos dos valores despendidos no processo de legalização do restaurante, não fazendo sequer menção à origem da dívida. Com efeito – acrescentam – a co-executada D...celebrou, em 01/06/2005, com a A... um contrato de cessão de exploração do restaurante “G...”, tendo posteriormente manifestado, juntamente com o seu marido, a intenção de adquirir o referido estabelecimento, mediante a celebração do competente trespasse, o que não foi aceite pelos então sócios da A...; contudo, propuseram aos executados a cessão da totalidade do capital da sociedade A..., negócio que veio a concretizar-se, pelo valor de €140.000,00, mediante o cumprimento de várias obrigações, entre as quais se incluía a compensação neste valor de todas as despesas da responsabilidade da A... e da detentora do alvará de uso privativo da parcela do domínio público marítimo n.º 03/07, a sociedade F..., Lda., onde o restaurante funcionava; tendo sido assim que os executados durante cerca de 3 anos exerceram a actividade de restauração de forma provisória e ilegal até à obtenção do alvará n.º 015/10, de 11-02-2010, e obtiveram a licença de utilização n.º (...)/09, de 10-08, o que foi conseguido a suas próprias expensas, no montante total de €91.963,67, determinando ainda a celebração do contrato de cessão de quotas em 05/11/2009.

Que o contrato de arrendamento do prédio onde o restaurante se encontra instalado, existente entre a A... e a titular do alvará n.º 015/10, a sociedade F..., Lda., baseia-se num título precário, já que o prédio está edificado em solo do domínio público do Estado, sob jurisdição do Porto da Figueira da Foz, o que faz perigar a posição da co-executada A..., razão por que os pressupostos em que assentou a celebração do contrato de cessão de quotas e de trespasse entre os executados e os ex-sócios da A..., não foram por aqueles cumpridos.

Que à data da subscrição do título não existia qualquer dívida que os executados tivessem de assumir, reportando-se a um negócio simulado que, como tal, deverá ser anulado.

Que, ainda que assim não se entenda, não consta da declaração/confissão ora dada à execução qualquer data para pagamento do valor que a mesma titula, confessando o exequente que não foi conseguida a interpelação dos executados para pagamento, pelo que a mesma é inexigível.

Na contestação o exequente negou o exercício de qualquer coacção sobre os executados ou sequer que a confissão de dívida não corresponda à vontade manifestada pelas partes. Mais referiu que o valor constante do título dado à execução corresponde ao “encontro de contas” a que as partes chegaram após a celebração do contrato de cessão de quotas; que o prédio onde se encontra instalado o estabelecimento comercial restaurante “ G...” é pertença do H..., S.A, dado em locação financeira, em Agosto de 1999, à sociedade F..., Lda e que apenas desde Agosto de 2008 vem a I..., S.A. a alegar que o prédio em causa pertence ao domínio público do Estado e, como tal, exige o pagamento de uma taxa pela sua ocupação, razão porque, de modo a evitar o encerramento do restaurante, a A... assumiu o pagamento temporário e parcial das licenças que igualmente foram exigidas, mas que foram contestadas junto do TAF competente.

Acrescentou ainda que todas as quantias que os executados alegam ter despendido em virtude dos negócios celebrados entre as partes, dizem respeito a pagamentos anteriores a 16/06/2010, data em que teve lugar o já aludido “encontro de contas”, cujo resultado final se reflectiu na declaração de dívida; e que os executados foram interpelados para cumprimento, mediante carta que o exequente lhes remeteu e que pelos mesmos foi recebida.

Concluiu pela improcedência da oposição à execução.

Proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, foi designado dia para a realização da audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que julgou a oposição totalmente improcedente, determinando o prosseguimento da acção executiva.

Inconformados com tal decisão, interpuseram os executados/oponentes recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a oposição procedente, “concluindo pela não exigibilidade do título executivo”

Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões”:

1. Na Douta Sentença decidiu o Tribunal a quo julgar a presente oposição à execução totalmente improcedente determinando o prosseguimento da execução para cobrança da quantia exequenda.

2. Os Apelantes não se podem conformar com essa decisão, porque não resultou da prova produzida factos que permitam concluir que o título ora dado á execução é exigível, porquanto a obrigação não se encontra vencida e o seu vencimento depende da simples interpelação ao devedor.

3. O Tribunal a quo comete um erro de julgamento, isto porque, o exequente juntou aos autos no requerimento executivo como doc. 2 e 2 A, carta de interpelação para pagamento enviada através de registo postal, referindo no artigo 8.º desse petitório que enviou a mesma missiva, exactamente a mesma, aos executados através de correio azul/normal.

4. Ou seja, a carta alegadamente enviada através de registo postal era exactamente a mesma que foi enviada por correio azul e foi junta aos autos com o requerimento executivo.

5. Nessas condições, o Tribunal a quo não poderia desconhecer que o conteúdo era coincidente porque tal decorre do teor do artigo 8.º do requerimento executivo, e dos documentos com ele juntos.

6. Partindo das premissas erradas de que os executados e exequente fizeram um encontro de contas aquando da emissão da declaração/confissão de dívida, e que tal não foi posto em causa por aqueles nos presentes autos aceitando o acertamento da dívida, a sentença parte para uma dissertação sobre obrigações puras e obrigações a prazo ou a termo.

7. Mais referindo essa mesma sentença que estamos perante uma destas últimas (obrigação a prazo) e que de acordo com o critério do artigo 236.º n.º 1 do Código Civil vale o sentido que o declarante lhe quis dar, tudo para concluir que a declaração/confissão, na medida em que estabelece pagamento de juros, já tinha já um prazo certo, reportado até a momento anterior à subscrição da declaração/confissão, e como tal era exigível.

8. Na verdade, o que a sentença profere a este respeito é uma explicação que não tem qualquer suporte na matéria alegada pelas partes nem na prova produzida.

9. Explicação essa que mais não é do que uma construção lógico-jurídica sem qualquer suporte na realidade trazida e este processo pelas partes, traduzindo-se numa ostensiva violação do Princípio do Dispositivo previsto no artigo 264.º n.º 2 do Código do Processo Civil.

10. Nessa medida, o Tribunal a quo ao decidir desta forma sobre esta matéria, proferiu uma sentença nula pois apreciou questões de que não podia tomar conhecimento - Artigo 668.º n.º 1 al. d) 2.ª parte do Código do Processo Civil.

11. Violou também a decisão de que se recorre, a regra prevista no artigo 664.º do mesmo código, porquanto o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes para a elaboração da sentença.

12. Os Apelantes requerem ao Tribunal ad quem, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 670.º do Código do Processo Civil, a reforma da sentença concluindo pela procedência dos embargos.

Respondeu o exequente/recorrido, defendendo e concluindo que a sentença deve ser mantida na íntegra.

Sendo susceptível de ser entendido que há questões, não expressamente suscitadas, que poderão ter que ser conhecidas e apreciadas, por serem de conhecimento oficioso, foram as partes, em obediência ao disposto no art. 3.º/3 do CPC, notificadas para o efeito; tendo ambas “respondido” a tal notificação.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

1) Nos autos de execução comum n.º 518/11.0TBFIG que deram entrada neste Tribunal a 27 de Fevereiro de 2011, e em que é exequente o E...e executados A..., Lda., B..., C... e D..., foi apresentado como título executivo um documento denominado “declaração/confissão”, datado de 16 de Junho de 2010, no qual se encontram apostas as assinaturas do exequente e dos executados, estas reconhecidas pelo mandatário do exequente, do qual consta que:

“A sociedade comercial A..., Lda., com sede na (...), concelho da Figueira da Foz, (…), aqui representada pelo seu único sócio gerente Sr. B..., (…), declara e confessa o seguinte:

Que na presente data, ou seja, em 16/06/2010, a sociedade comercial A..., Lda., é devedora ao Sr. E..., devidamente identificado na Escritura de Cessão Pública de Cessão de Quotas e Unificação das mesmas com transformação em Sociedade Unipessoal por Quotas e outras alterações, efectuada no Cartório Notarial do Centro de Formalidades das Empresas em Coimbra, no dia 05/11/2009 (…) da quantia total de € 95.000,00, quantia essa que vencerá juros à taxa legal em vigor desde a data de 05/05/2010.

Mais se declara que por esta declaração/confissão se atribui o carácter de título executivo à mesma, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 46º, n.º 1, alínea c) do CPC, sendo que a mesma é assinada no dia de hoje, dia 16/06/2010, pelo declarante B..., seu pai C..., e mãe D..., que tomaram conhecimento e se constituem por este acto e assinatura dos mesmos como avalistas daquele, bem como pelos declaratários desta declaração/confissão” – cfr. documento de fls. 7 e 8 do processo principal, que se reproduz (A) .

2) No dia 01 de Junho de 2005, a executada A..., representada por J..., D..., executada, e E..., exequente, assinaram um acordo denominado “contrato de cessão de exploração” – cfr. documento de fls. 22 a 28, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (B) .

3) No dia 05 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial do Centro de Formalidades das Empresas de Coimbra, perante a licenciada P..., por documento denominado “Cessões e Unificação de Quotas com Transformação em Sociedade Unipessoal por Quotas e Outras Alterações ao Contrato”, L... , na qualidade de procurador de J... e mulher M..., e de N...e O..., na qualidade de primeiro outorgante, o exequente, E..., na qualidade de segundo outorgante, declararam ceder, respectivamente, as respectivas quotas na sociedade comercial por quotas A... Lda., (…), com todos os direitos e obrigações a elas inerentes, ao executado B..., que este aceitou, pelos valores de € 2.000,00, a quota de J... e mulher M..., e de €4.000,00 cada uma das quotas de N...e O..., e do exequente E..., os quais foram recebidos pelo primeiro e segundo outorgantes – cfr. documento de fls. 48 a 54, que se dá por reproduzido para todos os legais efeitos (C) .

4) Em 01 de Janeiro de 2010, a executada A..., Lda., representada pelo executado B..., e a sociedade F..., Lda., assinaram um acordo denominado “contrato de arrendamento”, nos termos do qual esta sociedade se obrigou a proporcionar àquela, temporariamente e mediante a contrapartida pecuniária de € 5.400,00, a pagar mensalmente em duodécimos de €450,00, o gozo da fracção “C”, composta de R/C e cave, sita no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º (...) e inscrito na matriz urbana sob o artigo (...)º -cfr. documento de fls. 62 a 64 dos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (D) .

5) Os executados despenderam, com o processo de legalização do estabelecimento comercial denominado “Restaurante G...”, as seguintes quantias: €4.919,67 e €4.256,50 pela emissão de Alvarás pelo Conselho de Administração da I..., em 16/10/2008 e 09/12/2008; €2.058,00 pagos à sociedade Q..., Lda.; €694,52 à Segurança Social; €7.778,53 às Finanças; €13.413,45 a título de dívidas a J... e €40.000,00 a título de adiantamento prestado ao exequente em 05/05/2010 (E) .

6) Está registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob a ficha n.º (...)/19990819, da freguesia de (...), a favor do H..., S.A., a aquisição, por fusão decorrente de transmissão por transferência do património, mediante a Ap. 31, de 29/08/2005, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (...)º, composto de um edifício fabril com dois pisos, armazém, oficina, grupos geradores, escritório, serviços sociais, arrecadação, portaria, posto médico e posto de transformação (F) .

7) Está registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob a ficha n.º (...)/19990819, da freguesia de (...), mediante a Ap. (...), de 31/03/2011, a locação financeira do prédio descrito em 6) a favor da sociedade F..., Lda., pelo prazo de 180 meses, com início em 03/08/1999 (G) .

8) O estabelecimento comercial denominado “Restaurante G...”, objecto dos acordos mencionados em 2) e 4), funciona no prédio descrito em 6) (H) .

9) Em 10 de Agosto de 2009, foi emitido, pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, o Alvará de Utilização n.º (...)/2009, em nome da sociedade F..., Lda., que titula a utilização do prédio descrito em 6) como estabelecimento de restauração e bebidas – cfr. documento de fls. 37, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (I) .

10) Em 11 de Fevereiro de 2010, foi emitido, pelo Conselho de Administração da I..., o Alvará de Licença n.º 15/10, em nome da sociedade F..., Lda., que titula a licença para ocupação, durante o prazo de 5 anos, de uma parcela do DPM sito na Zona Industrial da Morraceira com a instalação de Estaleiros Navais – cfr. documento de fls. 29 a 31 dos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (J) .

11) O H..., S.A. propôs contra a sociedade F..., Lda. uma providência cautelar de entrega judicial do bem descrito em 6), pedindo a declaração de resolução do contrato de locação financeira mencionado em 7) e a entrega do referido bem, cuja instância foi declarada extinta, mediante sentença homologatória da desistência formulada pelo H..., S.A. e aceite pela sociedade aí requerida – cfr. documento de fls. 129 a 141, cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais efeitos (K)

12) O H..., S.A., emitiu a declaração de 14 de Março de 2011, com o seguinte teor: “A pedido e no interesse da sociedade comercial F...., Lda. (…) o H..., S.A., sociedade aberta, (…), declara que, na presente data, nenhuma das operações de crédito da referida empresa para com o Banco se encontra em incumprimento, nomeadamente o contrato de locação financeira imobiliário n.º 70500411” – cfr. documento de fls. 143, cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais efeitos (L) .

13) Os executados e o exequente acordaram entre si que a quantia exequenda e expressa no documento referido em 1), correspondia ao valor em dívida pelos executados, em 16 de Junho de 2010, decorrente do encontro de contas por eles elaborado (8.º) .

14) No dia 30 de Setembro de 2010, o exequente enviou ao executado B..., na qualidade de gerente da executada A.., Lda., a carta, por correio registado com aviso de recepção de fls. 11 dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (9.º) .

15) A carta referida em 14) foi devolvida com a indicação de não reclamada (10.º) .

16) Em data não concretamente apurada, mas antes de 2008, o H..., S.A. foi, pela primeira vez, confrontado com a necessidade imposta pela I..., S.A., de a sociedade F..., Lda. estar obrigada a pagar uma taxa pela ocupação do prédio urbano descrito em 6) (13.º) .

17) Em consequência do referido em 16), a I..., S.A. anunciou que iria encerrar o estabelecimento comercial denominado “Restaurante G...” e as demais empresas em funcionamento no prédio urbano descrito em 6) (14.º)


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III – Fundamentação de Direito

Importa começar por referir, delimitando as questões suscitadas pelos recorrentes, que apenas vem por eles colocada, de todas as “questões” postas na PI de oposição, a última das mesmas, ou seja, a questão da inexigibilidade da obrigação.

Tudo o mais que se registou no relatório inicial – a respeito das mais diversas faltas e vícios de vontade, desde a coacção moral, passando pelo erro e acabando na simulação – ficou, como a própria contradição factual entre tais invocações o deixava antever, não provado e, em função disso, os recorrentes “deixaram cair” tais questões – conformaram-se com a decisão desfavorável da sentença recorrida sobre tais questões – circunscrevendo a sua peça recursiva, repete-se, à questão da inexigibilidade da obrigação exequenda.

Questão esta de solução bem simples.

É que, quer se considere, como fez a sentença recorrida, que a declaração/confissão (que constitui o título executivo) deve ser interpretada como constitutiva duma obrigação com prazo certo (por mandar retroagir o vencimento dos juros a 05/05/2010), ocorrido em data anterior à data da instauração da execução, quer se considere que estamos perante uma obrigação sem prazo (pura), sempre a presente condição processual de exequibilidade intrínseca da pretensão[1], em que a exigibilidade se traduz, se verifica.

Efectivamente, sendo a exigibilidade a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor[2], uma obrigação diz-se exigível quando se encontra vencida e/ou depende da mera interpelação do devedor (777.º/1 do C. Civil), o que – interpelação – ocorre, designadamente, quando o devedor é judicialmente citado para a acção/execução contra ele interposta (art. 805.º/1 do C. Civil).

Aliás, antes da Reforma Processual de 2003, o n.º 3 do art. 804.º do CPC dizia exactamente isto – quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a obrigação considera-se vencida com a citação do executado – e terá sido suprimido por tal solução decorrer já quer do referido art. 805.º/1 do C. Civil quer do art. 662.º/2/b) do CPC.

É pois completamente despiciendo e irrelevante apurar o que quer que seja sobre as missivas enviadas pelo exequente – interpelações extrajudiciais – referidas nos autos e no recurso.

Tal apuramento (sobre tais cartas) poderia ter interesse se os executados/oponentes tivessem pago voluntariamente no prazo da oposição à execução, uma vez que, no caso de não ter havido uma interpelação prévia à interpelação judicial (citação), tinha sido o exequente a dar causa à execução, sendo as custas a pagar por ele (cf. art. 662.º/3 do CPC).

Como é evidente, não é este o caso.

Uma outra situação – mais comum – em que tal apuramento (sobre interpelações prévias à citação) poderá ter interesse tem a ver com o início da mora e da contagem dos respectivos juros, designadamente, se e quando o exequente pede juros a partir duma data anterior à da interpelação/citação judicial (hipótese, em que o exequente, naturalmente tem que alegar/demonstrar a interpelação prévia).

Mas também não é o caso, uma vez que é a própria a declaração/confissão (que constitui o título executivo) que, na determinação da obrigação, diz que a mesma é na “quantia total de € 95.000,00, quantia essa que vencerá juros à taxa legal em vigor desde a data de 05/05/2010”, ou seja, traz logo acoplada, fazendo parte da confissão/reconhecimento, uma obrigação acessória de juros (que foi peticionada).


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Sendo esta a única questão verdadeiramente[3] colocada pelos recorrentes, não é, todavia, a única que importa abordar; como sempre, além das questões suscitadas pelas partes, cumpre ao tribunal conhecer das que forem de conhecimento oficioso.

Daí que, colocando os autos questões neste sede passíveis de ser enquadrados e não sendo as mesmas suscitadas no recurso, tenham sido as partes notificadas, em obediência ao disposto no art. 3.º/3 do CPC, para, querendo, se pronunciar sobre:

A existência ou não de título executivo em relação ao executado B...; uma vez que do conteúdo título – documento intitulado “declaração/confissão”, que constitui fls. 6 e 7 da execução – não consta qualquer confissão do executado B... (que apenas ali intervém a representar a sociedade).

A existência ou não de título executivo em relação aos executados D... e J...; uma vez que do conteúdo título se diz que “se constituem (…) como avalistas daquele”, parecendo até que se referem ao executado B....

A alegação ou não, no requerimento executivo, da causa jurídica da obrigação exequenda (constante ou não do título) em relação a cada um dos 4 executados.

Vejamos, então:

A acção executiva – como se começou por referir na sentença recorrida – tem por base um título onde consta a delimitação objectiva e subjectiva da obrigação exequenda; daí que se diga que o título constitui a base da execução, sendo por ele/título que se determina o “fim e os limites da acção executiva” – 45.º/1 do CPC.

Título que, na presente execução, assume carácter extrajudicial, sendo o documento particular transcrito no ponto 1 dos factos provados; documento que preenche os requisitos previstos no art. 46.º/1/c) do CPC, isto é, consta do mesmo a obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por cálculo aritmético, contém a assinatura do devedor e importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação.

Porém, é a 1.ª questão, do conteúdo título – documento intitulado “declaração/confissão”, que constitui fls. 6 e 7 da execução – não consta qualquer confissão do executado B... (que apenas ali intervém a representar a sociedade).

Efectivamente, de tal “declaração/confissão” consta, isso sim, que a sociedade comercial A..., Lda., representada pelo seu único sócio gerente Sr. B..., se declara e confessa devedora ao Sr. E...da quantia total de € 95.000,00 (que vencerá juros à taxa legal em vigor desde a data de 05/05/2010); acrescentando-se, ainda, que esta declaração/confissão é assinada pelo declarante B..., seu pai C... e mãe D..., que tomaram conhecimento e se constituem por este acto e assinatura dos mesmos como avalistas daquele.

Ou seja, quem se obriga, quem reconhece a obrigação, quem está contido na delimitação subjectiva do título, é a A..., Lda. (e não o executado B...); e de tal modo é/foi assim que no art. 10.º do requerimento executivo se escreveu que “o documento particular, assinado pelo legal representante da A..., Lda. é avalizado/afiançado pelos pais daquele”.

Concluindo pois, nesta 1.ª questão, o executado B... está fora do perímetro da delimitação subjectiva do título, o que significa que o exequente não tem qualquer título executivo contra ele e que, com tal fundamento, de conhecimento oficioso (ex vi art. 812.º/2 e 820.º do CPC)[4], a execução não poderá prosseguir contra o executado B....

Passemos pois à 2.ª questão, respeitante à existência ou não de título executivo em relação aos executados D... e J...; uma vez que do conteúdo do título se diz que “se constituem (…) como avalistas daquele”, parecendo até que se referem ao B....

Pese embora a “declaração/confissão”, que constitui fls. 6 e 7 da execução, dê lugar a uma pertinente dúvida interpretativa, uma vez que se devia na mesma dizer que se constituem como avalistas daquela e não daquele, consideramos – para além da hesitação interpretativa se dever ter como ultrapassada com o referido art. 10.º do requerimento executivo (em que se diz que “o documento particular, assinado pelo legal representante da A..., Lda. é avalizado/afiançado pelos pais daquele”) – que o que conta, para efeitos de título executivo, é que assinam e que reconhecem uma obrigação pecuniária, pelo que, com ou sem lapsos de redacção, existe título executivo contra eles.

O que nos permite passar à 3.ª e mais dificultosa questão, que se traduz em saber se foi alegada ou não, no requerimento executivo, a causa jurídica das obrigações exequendas dos 3 executados – sociedade A..., D... e J... – incluídos na delimitação subjectiva do título executivo.

A tal respeito, escreveu-se, com inteiro a propósito, na sentença recorrida:

(…) de acordo com o disposto no artigo 458º/1 do Código Civil, se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. (…)

Desta norma resulta que um documento particular, assinado pelo devedor, constitui título executivo desde que da declaração dele constante decorra claramente que ele quis reconhecer-se ou confessar-se devedor. (…)

Mas a causa de pedir (relação jurídica subjacente à declaração de dívida) não consta da declaração de dívida, o que implica aferir da suficiência do título dado à execução.

A questão colocada tem merecido respostas diametralmente opostas na doutrina e na jurisprudência.

Para uns, em face do disposto no artigo 458º, do Código Civil, e a presunção que o mesmo consagra (presunção de que a relação fundamental que subjaz à declaração unilateral de dívida existe e é válida), o credor/exequente encontra-se dispensado de alegar no requerimento executivo a causa de pedir ou a causa da obrigação (…).

Pelo contrário, consideram outros, que o referido normativo consagra apenas uma regra de inversão do ónus da prova (competindo ao devedor ilidir a presunção que o mesmo consagra), que não exime o credor do ónus de alegação da causa debendi (…).

É a esta última tese que aderimos, essencialmente por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, por entendermos que nas acções executivas a causa de pedir não é constituída pelo título executivo, mas pelo “facto jurídico nuclear de determinada obrigação”; é a factualidade obrigacional e não o título executivo, “embora reflectida indispensavelmente neste”, que constitui a causa de pedir neste tipo de acções (…).

Ademais, não consagrando o artigo 458º, do Código Civil, “um desvio ao princípio do contrato (…), nenhum dos actos a que nele se alude (promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma dívida) constitui, com efeito, fonte autónoma de uma obrigação (…). Criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial (a relação fundamental a que aquele preceito se refere), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação” (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, Coimbra Editora, 1987, p. 440).

Este normativo é o afloramento de um princípio geral do ordenamento jurídico que se traduz em que, por regra, os negócios jurídicos são causais, isto é, devem prosseguir um interesse atendível dos seus agentes (…).

Os interesses a prosseguir com a celebração dos negócios jurídicos depreendem-se, normalmente, do seu facto constitutivo. Daí que, nos escritos unilaterais, onde conste a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida, porque neles não existe referência ao facto determinante dessa obrigação, se exija a alegação do mesmo por parte do credor.

Por outro lado, cabendo o ónus da prova da inexistência ou da invalidade da relação jurídica subjacente ao devedor e competindo à causa de pedir, na acção executiva, a individualização da obrigação, não se mostrando esta alegada, impossível se torna ao devedor cumprir tal ónus adequadamente.

É que, nos termos do artigo 458º, do Código Civil, “presume-se, simplesmente, que houve um facto jurídico idóneo” (…) que originou a emissão da declaração recognitiva da dívida (“ninguém se obriga por nada e sem causa”). Todavia, não estando esse facto jurídico concretizado, impedido fica o devedor de alegar e provar a sua inexistência ou a sua invalidade.

A não se entender assim, impondo-se ao devedor/executado o ónus de alegação e prova da inexistência de uma qualquer causa geradora de obrigações e da ocorrência de quaisquer vícios que a afectassem, prejudicado ficaria o exercício cabal do seu direito ao contraditório.

Transcrição, desde já se antecipa, cujo conteúdo substantivo colhe a nossa concordância.

Decorre do preceito que prevê o reconhecimento de dívida (art. 458.º/1 do C. Civil) – que é o que o título dado à execução é em termos substantivos – que o credor fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, porém, não se está perante um negócio abstracto, mas apenas perante uma inversão do ónus da prova, o que significa que cabe ao devedor provar a falta de causa para tal reconhecimento de dívida.

Mas – é o ponto – “ terá a causa essa estrita relevância negativa, enquanto objecto de fundamento de oposição, ou deve, antes de mais, ser sempre alegada pelo exequente no requerimento executivo, tendo uma relevância positiva?

Parece-nos que a imposição feita pelo art. 810.º/1/e) (…) de indicação de causa de pedir – mas não a sua prova – quando não conste do título vale mesmo para o reconhecimento de dívida. Neste sentido, Castro Mendes defendia precisamente que o credor que disponha de uma confissão de dívida não pode remeter apenas para esse título, no requerimento executivo, mas deve indicar a causa concreta[5]

Efectivamente, sendo a causa de pedir do pedido executivo o facto aquisitivo do respectivo direito à prestação[6] – não se confundindo com o título que só o incorpora e demonstra – faz todo o sentido que a sua causa ou fundamento, não constando do título, sejam alegados no requerimento executivo[7]

Mas, sendo assim e justamente por ser assim, entendemos, diversamente da decisão recorrida, que a causa jurídica das obrigações exequendas, admitindo que a mesma foi indicada/alegada no requerimento executivo, ficou depois completamente infirmada.

De facto, com virtualidade para poder integrar tal alegação, o exequente disse tão só (art. 3.º) que “no decurso das negociações (…) veio aquela sociedade A... (…) a confessar-se devedora do exequente, reconhecendo a existência de uma dívida, no seguimento da cessão e unificação de quotas assumindo os executados a responsabilidade pelo seu pagamento”; e que (art. 10.º) “o documento particular, assinado pelo legal representante da A..., Ldª [foi] avalizado / afiançado pelos pais daquele e importe constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária (…)”.

Temos pois, que possam ser configurados como “causa”, o negócio da cessão e de unificação de quotas em relação à A... e o afiançamento da A... em relação aos executados C... e D....

Efectivamente, cumpre esclarecer, invocar “negociações” não corresponde ou configura a alegação duma qualquer causa jurídica.

Quando se fala em “causa jurídica”, fala-se e alude-se à relação fundamental, ao concreto contrato (ou outra qualquer fonte obrigacional, como é o caso da responsabilidade civil), donde procede o reconhecimento da dívida, pelo que invocar “negociações” como causa dum reconhecimento de dívida é o mesmo que nada.

Como é mais ou menos o mesmo que nada, com o devido respeito, ter-se dado como provado (resposta ao quesito 8.º) que a quantia exequenda decorre dum “encontro de contas”.

Um “encontro de contas” não vale juridicamente só por si; para ter relevo jurídico, para valer como relação causal e subjacente à emissão da declaração/confissão, tem que estar reportado a concretos negócios e contratos[8].

E, é a questão, o único negócio a que tal “encontro de contas” pode ser reportado – até por ter sido o “alegado” em termos de causa jurídica – é a cessão e unificação de quotas referida no facto 3, mas, é o ponto, de tal negócio não pode resultar qualquer “encontro de contas” com a sociedade A... (que não é parte nem entra em tal negócio); quem, em função de tal negócio, poderá ter que fazer (ter feito) um “encontro de contas” são os ali cessionário (o executado B...) e o cedente (exequente)[9].

E é isto, francamente, que “bate certo” com o que ressuma dos autos; que o preço global de € 10.000,00, declarado na cessão e unificação de quotas, foi simulado e daí a necessidade dum posterior “encontro de contas”[10].

Claro está que esta forma de resolver juridicamente as coisas não é idónea nem segura; e não o é por um documento de reconhecimento de dívida (que contenha a parte “escondida” dum preço simulado) obrigar a revelar a sua causa jurídica e a discuti-la, não se podendo a discussão ficar por abstracções como “negociações” e ou “encontros de contas”.

Assim, admitindo que foram indicados/alegados no requerimento executivo, como “causa”, o negócio da cessão e de unificação de quotas em relação à A... e o afiançamento da A... em relação aos executados C... e D..., impõe-se concluir que tais causas ficaram “desfeitas”, uma vez que, como resulta dos autos, a cessação e unificação de quotas não pode ser nem é a causa jurídica da confissão de dívida da e para a A... e, em consequência, ficando a confissão de dívida da A... sem causa/subsistência, fica a causa jurídica da confissão de dívida dos executados C... e D... sem obrigação principal.

Em síntese, em relação à sociedade executada ficou demonstrada a não existência da única relação causal pretensamente invocada e, em consequência, os executados C... e D..., que afiançavam a obrigação (confessada) decorrente de tal relação causal (que não existe) ficam sem o que (obrigação) garantir.

Por tais razões, existe(ia) motivo, a nossa ver e como o devido respeito, para a execução também não prosseguir contra a sociedade executada e os executados C... e D....

Sucede, porém, que existe, de ordem processual, motivo mais forte a opor-se, neste momento, a tal desfecho.

No seguimento da transcrição da decisão recorrida, supra efectuada, sustentou-se na decisão recorrida “ (…) que a relação subjacente à emissão da declaração/confissão foi alegada no requerimento executivo e demonstrada pelo exequente (vide o ponto 13 dos factos provados), na medida em que se reporta ao saldo final, em desfavor dos executados, do “encontro de contas” a que o exequente e os executados chegaram”, com o que claramente se quis dizer e decidir que nada havia a censurar ao exequente em termos de alegação e prova das relações causais subjacentes às confissões de dívida.

E – é o ponto – directamente em relação a isto, a propósito do que neste ponto se expendeu e decidiu, não manifestaram os recorrentes qualquer divergência recursiva, pelo que, é a conclusão final e definitiva, tendo a questão sido exposta e solucionada em certo sentido sem qualquer censura – não fazendo parte do objecto do recurso – já não pode aqui e agora ser considerada e decidida noutro sentido; fez caso julgado formal.


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Procede pois apenas parcialmente, por razão totalmente diversa da invocada na alegação recursiva, o presente recurso; determinando-se assim o não prosseguimento da execução apenas em relação ao executado B... e confirmando-se em tudo o mais o sentenciado na 1ª instância.

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IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por decisão a julgar extinta a execução em relação ao executado B... (contra o qual, por conseguinte, a execução não prosseguirá), determinando-se, como na sentença recorrida, o prosseguimento da execução em relação aos 3 restantes executados.

Custas, em ambas as instâncias, por exequente e pelos 3 executados porque prossegue, na proporção de 1/4 e 3/4.


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Coimbra, 22/10/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Ou “condição material da realização coactiva da prestação”, na terminologia de Rui Pinto, in Manual da Execução, pág. 226.
[2] Rui Pinto, in Manual da Execução, pág. 227.

[3] O que se diz nas conclusões 9, 10 e 11 é, juridicamente, algo despropositado, que nem deve ser reputado como uma verdadeira questão.

Dizem os apelantes que a sentença é nula por violação da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

É de todo evidente que não têm qualquer razão.

Segundo a referida alínea d), constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 660.º do CPC.

Explicado o sentido de tal causa de nulidade de sentença, é de todo evidente que só por manifesto lapso se pode invocar o vício de nulidade em relação ao ponto em que a sentença conhece exactamente da questão sob censura recursiva: inexigibilidade da obrigação exequenda.

E, naturalmente, para conhecer de tal questão, o tribunal pode e deve proceder à interpretação (segundo a impressão do destinatário – 236.º/1 do CC) das declarações negociais constantes do título executivo e, ao fazê-lo, nem viola o princípio do dispositivo, nem se serve de qualquer facto não articulado pelas partes.

[4] A convicção do exequente e o facto dos executados nunca terem levantado tal questão não são, ao contrário do que sustenta o exequente (no seguimento da notificação que lhe foi feita), circunstâncias relevantes. Um título executivo não se forma a partir do silêncio dos executados; em face da sua “função de certificação” e da sua “função de delimitação” tem que estar já formado quando a execução é instaurada. Por outro lado, se o silêncio dos executados fosse uma fonte “constitutiva” de títulos executivos, então, a previsão constante do art. 820.º/1 do CPC configuraria uma espécie de “tolice” legislativa – o que não é o caso.
[5] Rui Pinto, in Manual da Execução, pág. 196/7.
[6] Rui Pinto, in Manual da Execução, pág. 62.
[7] Neste sentido, Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 69, e Lebre de Freitas, Acção Executiva, pág. 62 e 156, que sancionam com o vício da ineptidão a falta da alegação da causa no requerimento executivo.
[8] Como consta, pertinentemente, da transcrição supra efectuada, “não consagrando o artigo 458º, do Código Civil, um desvio ao princípio do contrato (…), nenhum dos actos a que nele se alude (promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma dívida) constitui, com efeito, fonte autónoma de uma obrigação (…). Criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial (a relação fundamental a que aquele preceito se refere), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação”
[9] Aliás, é mais ou menos isto que o exequente diz/admite nos art. 23.º e 26.º da sua contestação.
[10] Veja-se, v. g., o que se diz no art. 22.º da PI de oposição, em que se fala dum preço inicial de € 140.000,00.