Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5781/16.7T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
NEGOCIAÇÕES
PRAZO
CADUCIDADE
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.17-A, 17-F, 17-D, 17-G, 215 CIRE
Sumário: 1. No âmbito do processo especial de revitalização ( PER), o plano de recuperação da devedora deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art.º 17º-F, n.º 1, do CIRE, que é um prazo de caducidade.
2.Não há um prazo para a conclusão das negociações e um prazo posterior para aprovação e apresentação do plano de revitalização, pois existe um prazo único (art.º 17º-G, n.º 2, do CIRE), extinguindo-se o procedimento se, até ao respectivo termo, o plano aprovado nas negociações não tiver sido remetido para apreciação do Tribunal.

3. Ultrapassado tal prazo não deve ser homologado o plano, nos termos do art.º 215º do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa.

4. O juiz não poderá/deverá homologar acordo de recuperação firmado no âmbito do PER quando os elementos factuais constantes do processo revelem inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência actual, situação em que, naturalmente, o plano de recuperação/revitalização não é viável/exequível.

Decisão Texto Integral:




            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Em 23.5.2016, T (…), LDA., instaurou, no Tribunal da Comarca de Viseu (Instância Central/Secção Comércio), o presente Processo Especial de Revitalização (PER), alegando encontrar-se em situação económica difícil e verificarem-se os demais requisitos previstos nos art.ºs 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, e na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4 e o DL n.º 26/2015, de 06.02).

            Nomeado o administrador judicial provisório, iniciadas as negociações e apresentada a lista provisória de créditos (em 17.6.2016)[2], em 22.8.2016, a requerente/devedora juntou aos autos “acordo de prorrogação do prazo das negociações”, nos termos do qual, no dia 17.8.2016, a devedora reuniu com o administrador judicial provisório e este “deu conta à devedora que, atenta a publicação da Lista Provisória de Credores em 17.6.2016, o prazo para as negociações termina em 24.8.2016”, ficando acordado “proceder à prorrogação do prazo para conclusão das negociações por um mês, até 24.9.2016[3], bem como (…) proceder até ao dia 16.9.2016 (…) à notificação de todos os credores que aderiram às negociações para procederem à votação do Plano de Recuperação até ao dia 23.9.2016” (fls. 115 verso).

              Em 28.9.2016, a devedora e o administrador judicial provisório comunicaram que “o Plano [de recuperação] recolheu o voto favorável de 56,144 % dos votos emitidos”, conforme resultado da votação de fls. 137, votos recebidos pelo administrador provisório através das comunicações reproduzidas a fls. 141, 142, 145, 147, 149, 152, 154 e 156 (de 20.9.2016, 22.9.2016, 19.9.2016, 22.9.2016, 15.9.2016, 15.9.2016, 21.9.2016 e 23.9.2016, respectivamente), juntas aos autos em 29.9.2016 (fls. 140)[4].
Após, foi proferido o seguinte despacho (em 03.10.2016):
«Nos presentes autos foi publicada a lista provisória de credores em 17/6/2016, tendo assim o prazo para a impugnar decorrido até 24/6/2016.
Consequentemente, no dia 26/9/2016 (…) terminou o prazo (já prorrogado) para as negociações.
Nessa data foi proferido despacho a dar oportunidade à devedora e ao AJP de se pronunciarem quanto à não junção do plano nem do documento relativo à votação.[5]
Deu entrada nos autos, em 28/9/2016 o documento a que alude o n.º 4 do artigo 17º-F do CIRE.
O plano não deu, até ao presente, entrada nos autos.
Quando notificada para se pronunciar relativamente à não junção do plano e do documento a que alude o n.º 4 do art.º 17º-F até ao final do prazo já prorrogado para concluir as negociações, [a] devedora pronunciou-se nos termos constantes do requerimento a fls. 128 e ss., donde parece decorrer (…) que esta entende que a junção aos autos do plano aprovado e, em caso de aprovação por maioria (não unanimidade) do documento relativo à votação, pode ocorrer após o fim do prazo para as negociações.
Cumpre apreciar.
            Dispõe o art.º 17º-F, do CIRE, na parte que ora interessa, que:
            “1 - Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
            2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal.
(…)
            4 - A votação efectua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação.
            5 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º (…).”
A questão suscitada é a de saber se o prazo para as negociações envolve todo o processo negocial entre o devedor e os credores com superintendência do AJP, em que está implícito o processo de votação ou se, ao invés, terminado o prazo de negociações, se inicia um novo prazo, para o processo de votação e junção do plano aprovado aos autos.
Em nosso modesto ver, e salvo o devido respeito por posição diversa, a lei não estipula nenhum prazo para a junção aos autos do plano aprovado que acresça ao prazo disposto no art.º 17º-D, n.º 5, do CIRE.
O processo especial de revitalização é um processo excecionalíssimo, no qual apenas se estipulam prazos muito curtos, justificados pelas nefastas consequências que para os credores advêm da respetiva pendência, posto que não podem exercer os seus direitos contra o devedor.
Assim, todas estas normas procedimentais têm natureza imperativa, vinculando as partes e o tribunal no momento da sua fiscalização.
A violação das mesmas não pode, por isso, ser considerada não negligenciável, para os termos e efeitos do disposto no artigo 215º do CIRE, posto que a premência de ver o processo concluído leva a que toda a delonga seja considerada gravosa.
Acresce que, nos autos, mesmo após lhe ser dada a oportunidade de se pronunciar, a devedora não juntou o plano nem alegou qualquer motivo impeditivo da junção, ou seja, 7 dias após o fim do prazo para as negociações, não há sequer nos autos um plano que possa apreciar-se.
Excedido, assim, que se encontra o prazo perentório para a finalização das negociações sem junção aos autos do plano de recuperação devidamente aprovado, cumpre declarar encerrados os autos sem aprovação de plano de recuperação.
Em consequência, ao abrigo do artigo 17º-G, n.º 1, do CIRE, declaro encerrado o processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação.
Notifique.
Notifique o AJP para em 2 dias úteis declarar o que tiver por conveniente nos termos do artigo 17º-G, n.º 3, do CIRE
Por requerimento de 06.10.2016, a devedora juntou aos autos o “Pano de Recuperação” de fls. 163 a 186 e pediu a reforma do despacho de 03.10.2016, tendo sido proferido o despacho de fls. 188 que desatendeu o pedido de reforma.[6]

            Inconformada com a decisão de 03.10.2016, a devedora interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:  

            1ª - Ao ter determinado o encerramento do processo negocial sem a aprovação do plano de recuperação, pela não junção aos autos, à data, deste último, a decisão violou o disposto no artigo 17º-F, 17º-G e 215º do CIRE.

            2ª - Tanto mais que, tal decisão não só estava legalmente vedada ao Mm.º Juiz a quo, pois que não respeitado o disposto no art.º 17º-F, n.º 5 do CIRE - “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores (…)”,

            3ª - O administrador judicial provisório não comunicou aos autos a impossibilidade de ser alcançado acordo nos termos do n.º 1 do art.º 17º-G do CIRE, nem havia a devedora/recorrente excedido o prazo de que dispunha para remeter aos autos tal documento.

            4ª - Pois que, por referência aos critérios ínsitos no art.º 9º do Código Civil, a interpretação do n.º 2 do art.º 17º- F que se perspectiva a mais conforme à vontade do legislador será aquela que aponta no sentido de que a remessa aos autos do plano de recuperação aprovado deverá ser efectuada após o fim do prazo para as negociações, pois que, até lá, não só as negociações podem ainda persistir como o prazo para a votação do plano pode ainda não se encontrar esgotado,

            5ª - Sendo certo que, na falta de prazo específico previsto para o efeito, deve aplicar-se o prazo supletivo geral de 10 dias previsto no art.º 149º do CPC, aplicável ex vi do art.º 17º do CIRE,

            6ª - O qual, a contar do prazo de que a devedora dispunha para concluir as negociações - 26.9.2016 -, apenas terminava no dia 06.10.2016, data em que foi remetido aos autos o plano de recuperação aprovado.

            7ª - De resto, e caso se entenda que o prazo para junção aos autos do plano de recuperação aprovado foi ultrapassado, sempre terá que concluir-se que, tal irregularidade não tem, nos presentes autos, carácter não negligenciável, na medida em que não teve qualquer influência determinante no resultado da votação.

            8ª - Resultado esse que, aliado à inexistência, nos autos, de qualquer demonstração de insatisfação por parte dos credores, nada mais demonstra que a satisfação da totalidade dos interesses em causa, a saber, os da devedora, os dos credores e os da comunidade em geral.

            9ª - Pelo que, ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 17º-F, 17º-G e 215º do CIRE.

            10ª - Razão pela qual deve ser substituída por outra que determine quer a tempestividade da junção aos autos do plano de recuperação aprovado, que ocorreu em 06.10.2016, quer a homologação do mesmo, anulando-se, em consequência, tudo o demais processado contrário a tal decisão.

            Não houve resposta à alegação de recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir se ocorre situação impeditiva da pretendida homologação, designadamente, em razão da aprovação (não unânime) do plano de recuperação e sua comunicação aos autos em data posterior ao fim do prazo das negociações.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente “relatório” e, ainda, o seguinte:[7]

            a) A requerente/devedora indicou ter um trabalhador ao seu serviço.[8]  

            b) Pronunciando-se nos termos e para os efeitos do art.º 17º-G, n.º 3, do CIRE, o administrador judicial provisório referiu:

            - Analisada a informação contabilística constata-se: o valor do activo era, em 2013, de € 668 018,67 e, em 2015, de € 623 308,27; no mesmo período, o passivo subiu de € 572 467,75 para € 752 715,43 e o resultado líquido de exercício de € 11 100,78 para € - 155 422,85; o capital social, de € 125 000, foi totalmente absorvido pelo capital próprio negativo, de € 129 407,16 (reportado ao exercício de 2015), o que conduz à constatação de uma situação de insolvência técnica; a devedora encontra-se incapacitada de efectuar, por falta de meios líquidos, o pagamento aos seus credores.

            - A requerida encontra-se em situação de insolvência, que deverá ser declarada, nos termos conjugados do n.º 4 do art.º 17-G e art.º 28º do CIRE.

            c) Foi instaurado contra a devedora o processo de insolvência n.º 2482/16.0T8VIS.

            d) Por despacho de 16.11.2016 foi determinada a extracção de certidão do “parecer” dito em II. 1. b) e do requerimento inicial, a remeter à distribuição como processo de insolvência, “ao qual deverão ser apensos os presentes autos cuja tramitação, sem prejuízo do que vier a ser superiormente decidido em sede de apreciação do recurso pendente, se encontra esgotada – art.º 17º-G, n.º 6, 1ª parte, do CIRE (…)”.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Nos termos do n.º 1 do art.º 17º-A, o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir (com estes) acordo conducente à sua revitalização.

            Logo que notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art.º 17º-C, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do art.º 24º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta (art.º 17º-D, n.º 1). Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art.º 17º-D para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos (n.º 2). A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas (n.º 3). Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius (n.º 5).

                Preceitua o art.º 17º-F (sob a epígrafe conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor”) que concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos (n.º 1); concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal (n.º 2); sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções
(n.º 3); a votação efectua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no art.º 211º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação (n.º 4); o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º (n.º 5).

              E prevê o art.º 17º-G (sob a epígrafe “conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”) que caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius (n.º 1); nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos (n.º 2); estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1 (n.º 3); compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência (n.º 4).

            O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação (art.º 215º).

            3. Com o processo especial de revitalização pretendeu-se instituir um mecanismo gerador de consenso entre o devedor e os principais credores com vista ao estabelecimento de um plano de recuperação; a intervenção do juiz é reservada, por regra, apenas a três momentos essenciais: ao início do processo [art.º 17º-C, n.º 3, al. a)], à decisão das impugnações à lista provisória de créditos [art.º 17º-D, n.º 3] e, no final, à homologação, ou não, do acordo obtido, se for caso disso, ou à determinação dos efeitos derivados da falta desse mesmo acordo [art.ºs 17º-F, n.º 5 e 17º-G, n.ºs 1 a 3].

            Estamos perante um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, dirigido à obtenção de um acordo para a revitalização da empresa (ou, em geral, do devedor), permitindo que esta regularize os seus compromissos para com os seus credores de forma preventiva, isto é, antes de entrar numa situação irreversível de insolvência.

            O consenso negociado entre credores e devedor é a ferramenta privilegiada para o estabelecimento do plano de recuperação, mas não se trata de um consenso a qualquer custo - os intervenientes estão adstritos ao princípio da boa-fé, da cooperação e da confidencialidade, recaindo ainda sobre o devedor a obrigação de manter uma conduta transparente e de defender os seus credores [cf. o art.º 17º-D, n.ºs 6 a 11 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25.10], visando-se, com a observância da tramitação e das demais exigências legalmente previstas, a obtenção de um consenso válido, entre credores e devedor, sobre a recuperação económica deste e, reflexamente, a optimização da defesa de todos os interesses envolvidos.[9]

            4. O prazo para a conclusão das negociações apenas depende da publicação da lista provisória de créditos no portal ´Citius`, iniciando-se nesse momento o prazo para a respectiva impugnação; findo este prazo, logo se ini­cia aquele.[10]

            Decorre do mesmo regime jurídico que a aprovação do plano tem de ser efectuada dentro do prazo da fase das negociações.[11]

            E comungando a fase negocial do carácter de urgência genericamente atribuído ao processo de revitalização (art.º 17º-A, n.º 3), o prazo previsto no art.º 17º-D, n.º 5, nos termos em que está concebido, é um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei (art.º 215º, ex vi do art.º 17º-F, n.º 5), sendo que, segundo a disposição expressa (imperativa) do art.º 17º-G, n.º 1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aí estabelecido.[12]

            5. Também se entende que o plano de recuperação/vitalização deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art.º 17º-F, n.º 1 (prazo de caducidade) - não para além delas, como decorre do espírito da Lei, sobretudo, da celeridade e da improrrogabilidade do prazo negocial senão por uma única vez e de forma consensual solenizada -, e que, ultrapassado que seja tal prazo, não pode ser homologado, conforme impõe o art.º 215º, por se registar uma violação não negligenciável de norma imperativa.

Não há um prazo para a conclusão das negociações, no máximo de três meses e um prazo posterior para apresentação do Plano de revitalização, que nem sequer está previsto (art.º 17º -F, n.º 1); ademais, do n.º 2 do art.º 17º-F resulta que as negociações e a aprovação do plano se devem conter num prazo único - Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal, extinguindo-se o procedimento se, até ao respectivo termo, o plano aprovado nas negociações não tiver sido remetido para apreciação do Tribunal.[13]

            6. Como decorre da factualidade provada dita em I. e II. 1., supra, em conjugação com o preceituado no art.º 17º-D, n.ºs 1 a 5, o 8prazo para a conclusão das negociações terminou a 26.9.2016 (2ª feira/art.º 279º, alínea e), do Código Civil).

            Por requerimento entregue em 28.9.2016 o administrador judicial provisório informou que havia sido alcançado um acordo conducente à revitalização da devedora e deu conta do resultado da votação do plano de revitalização.

            Em 06.10.2016 foi apresentada (nos autos) a Proposta do Plano de Revitalização da sociedade requerente.

            7. À data da prolação da decisão sob censura (03.10.2016) - concluídas as negociações e ultimado o procedimento de votação, com a aprovação de plano de recuperação -, o Tribunal a quo conhecia o resultado da votação (desde 28.9.2016) mas não o teor do dito plano, o que, de per si, e na perspectiva mencionada em II. 5., supra, arredava a possibilidade de homologação do plano de revitalização e determinava o encerramento do PER.

            Não tendo o plano sido remetido ao processo dentro do prazo das negociações, nem sequer no período compreendido entre 26.9.2016 e 03.10.2016, naturalmente, não poderia ser homologado, em razão de violação não negligenciável de regras procedimentais de natureza preclusiva, que incumbe ao juiz sindicar (art.ºs 17º-F, n.º 5, 215º e 216º).[14]

            Assim, ante o quadro traçado no art.º 17º-G, impunha-se encerrar o presente processo de revitalização.

            8. De resto, perante a factualidade descrita em II. 1. b), supra, da qual decorre que a requerida se encontra em situação de insolvência - que deverá ser declarada, nos termos conjugados do n.º 4 do art.º 17-G e art.º 28º[15] -, também por aqui falece a possibilidade de prosseguimento dos autos como PER, porquanto o juiz não poderá/deverá homologar acordo de recuperação firmado no âmbito do PER quando os elementos factuais constantes do processo revelem inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência actual, situação em que, naturalmente, o plano de recuperação/revitalização não é viável/exequível, sendo inconsequente e inútil para a realização do fim para o qual foi gizado.[16]

            9. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pela requerente/apelante.


*

16.02.2017


Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias ( com a declaração de voto anexa )

Vítor Amaral

Declaração de voto:

Na qualidade de relatora do acórdão proferido no proc. 1202/15.0T8ACB.C1, assumi posição contrária à defendida no presente acórdão.

Em meu entender, tendo o plano sido aprovado dentro do prazo das negociações, o facto de vir a ser junto aos autos decorrido tal prazo poderá não constituir uma violação não negligenciável de regras procedimentais de natureza preclusiva.

De qualquer modo, no caso em apreço, subscreveria a solução final adotada no acórdão porquanto, apesar de notificada para se pronunciar, a devedora não juntou o plano nem alegou qualquer motivo impeditivo para a sua não junção e oito dias após o termo do prazo das negociações o plano não se encontrava ainda junto aos autos.

                                                                             

Maria João Areias




[1] Diploma a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.
[2] Rectificada na sequência do requerimento de fls. 122 (cf. fls. 123 e seguintes).
[3] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[4] Requerimento do administrador judicial provisório datado e remetido a 28.9.2016.
[5] Despacho (de 26.9.2016) com o seguinte teor: “Notifique a devedora e o AJP para se pronunciarem, em 5 dias, relativamente ao encerramento do processo por não ter sido apresentado acordo e estar já excedido o prazo prorrogado (…)”.
[6] E rematou assim: “(…) aguardem os autos o decurso do prazo de recurso ou a interposição do mesmo”.
[7] Cf. os documentos e elementos de fls. 23, 198 e 203.
[8] Que foi um dos seus primeiros sócios e gerentes e será familiar dos actuais sócios e do actual (e primitivo) gerente (cf., v. g., a certidão permanente de fls. 7 verso e seguintes e os documentos de fls. 12 e 125).
[9] Cf., de entre vários, o acórdão da RP de 17.6.2014-processo 148/12.9TBCDR.P2, publicado no “site” da dgsi.
[10] Cf., designadamente, os acórdãos da RL de 13.3.2014-processo 1904/12.3TYLSB.L1-2 e da RC de 21.10.2014-processo 2081/13.8TBPBL-A.C1, publicados no “site” da dgsi.

[11] Cf. o acórdão da RP de 09.10.2014-processo 974/13.1TBPFR.P1, publicado no “site” da dgsi.
[12] Vide, neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2ª edição, Quid Juris-Sociedade Editora, págs. 161 e 177.
   Cf. ainda, com idêntico entendimento, largamente maioritário nas Relações e unânime na 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, os acórdãos da RC de 21.10.2014-processo 2081/13.8TBPBL-A.C1 e 21.4.2015-processo 2460/14.3TBLRA-A.C1, da RL de 02.7.2015-processo 168/14.9T8BRR.L1-6 [subscrito pelo aqui 2º adjunto] e do STJ de 08.9.2015-processo 570/13.3TBSRT.C1.S1, 17.11.2015-processo 1557/14.4TBMTJ.L1.S1 [«II. Se o processo revelar inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência atual, o juiz deve recusar oficiosamente a homologação do plano que, ainda assim, foi aprovado. III. Em tal situação estamos perante uma violação não negligenciável das regras procedimentais e da norma legal basilar (a que define em que situações é admitido o processo de revitalização) que permite a realização ou preenchimento do seu conteúdo.»], 19.4.2016-processo 7543/14.7T8SNT.L1.S1 e 21.6.2016-processo 3245/14.2T8GMR.G1.S1 [referindo-se, neste último, que, no STJ, existe «total e convincente unanimidade (…) quanto ao entendimento de que o prazo mencionado no n.º 5 do art.º 17º-D abrange ou inclui no respetivo âmbito a votação e aprovação de eventual plano de recuperação, sendo um prazo de caducidade, dotado de natureza perentória/preclusiva e improrrogável (para além do que se mostra estatuído naquele n.º 5). E, igualmente, está sedimentado o entendimento de que, no caso de tal prazo ser ultrapassado, não pode, nos termos do disposto no art.º 215º do CIRE, ser homologado o correspondente plano de recuperação, uma vez que uma tal homologação consagraria e ratificaria uma violação não negligenciável de normas procedimentais (art.ºs 17º-D, n.º 5 e 17º-G, n.º 1, do CIRE), atenta a imperatividade do estatuído neste último art., quando dispõe que, ´caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do art.º 17º-D, o processo negocial é encerrado`.»], publicados no “site” da dgsi.

[13] Cf., de entre vários, os citados acórdãos do STJ de 08.9.2015-processo 570/13.3TBSRT.C1.S1 [que considera ainda que “O prazo em causa é peremptório. O regime legal do art.º 139º, n.º 5, do Código de Processo Civil, não deve ser aplicado oficiosamente carecendo da invocação da parte que pretende a prática do acto decorrido o prazo.”] e 17.11.2015-processo 1557/14.4TBMTJ.L1.S1 e, nomeadamente, os acórdãos da RP de 29.02.2016-processo 2463/14.8T8VNG.P1 [“(…) o n.º 5 do artigo 17º-D do CIRE tem efectivamente natureza peremptória, é um prazo de caducidade, pelo que sendo o Plano aprovado apresentado para além dele, o mesmo não pode ser homologado por violação não negligenciável da lei – cf. n.º 5 do artigo 17º-F e 215.º, ambos do CIRE.”] e da RE de 08.9.2016-processo 1839/15.8T8STR.E1 [Referenciando os mencionados acórdãos do STJ e desenvolvendo o mesmo entendimento, expende-se: «Efectivamente, desde logo, pela razão aduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça de que a lei não estabelece qualquer outro prazo posterior às negociações para a apresentação do plano; depois, pelos lugares paralelos que podemos surpreender quer no referido n.º 1 do artigo 17º-F do CIRE, quer nos artigos 15º e 16º do SIREVE, previsto no DL n.º 178/2012, de 03 de Agosto, na redacção do DL 26/2015, de 06.02.//Na verdade, estabelece-se no primeiro dos indicados preceitos que concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo.//Por seu turno, no âmbito do SIREVE, refere-se expressamente no artigo 15º do indicado diploma um prazo de conclusão do procedimento, de três meses, prorrogável por mais um mês, devendo, sem dúvidas interpretativas, o acordo ser obrigatoriamente reduzido a escrito, assinado pela empresa, pelo IAPMEI, e pelos credores que votem a sua aprovação, dentro do referido prazo, findo o qual, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 16º, o procedimento extingue-se automaticamente.»], publicados no “site” da dgsi.
[14] Cf. a jurisprudência referida na nota anterior, em particular, o citado acórdão da RE de 08.9.2016-processo 1839/15.8T8STR.E1.
[15] Sendo, pois, decretada sem necessidade de apresentação ou de requerimento de algum dos interessados, para esse efeito - vide, neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 178.

[16] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 03.11.2015-processo 1690/14.2TJCBR.C1.S1 [aí se refere, designadamente: “(…) o juízo acerca da verificação ou não da situação de insolvência meramente iminente ou da situação económica difícil não pode deixar de ser visto, para os fins em causa (homologação ou não homologação”), como um juízo jurídico-conclusivo em definitivo da competência do tribunal”], 17.11.2015-processo 1557/14.4TBMTJ.L1.S1 e 27.10.2016-processo 741/16.0T8LRA-A.C1.S1, bem como o acórdão da RG de 17.12.2015-processo 3245/14.2T8GMR.G1, publicados no “site” da dgsi.