Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
253033/11.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
RETRIBUIÇÃO
TRABALHADOR
Data do Acordão: 07/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 172º, AL. C), E 177º, Nº 1, AL. E) DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Num contrato de utilização de trabalho temporário (no contrato definido no artigo 172º, alínea c) do Código do Trabalho) a obrigação de pagamento da retribuição ao trabalhador cedido incumbe à empresa de trabalho temporário (cedente) e não ao utilizador (cessionário).

II – A retribuição devida ao trabalhador cedido é, obrigatoriamente, a mesma que seja paga ao trabalhador originário do utilizador que exerça as mesmas funções, paralelamente ao trabalhador cedido (como resulta do artigo 177º, nº 1, alínea e) do Código do Trabalho), estando essa retribuição sujeita às incidências da regulamentação colectiva de trabalho aplicável aos trabalhadores do utilizador.

III – Assim, a retribuição devida pelo utilizador à empresa de trabalho temporário sofre as incidências legais da remuneração devida ao trabalhador original do utilizador (designadamente as decorrentes da contratação colectiva), actualizando-se automaticamente na exacta medida dessas incidências, refiram-se elas a valores que seriam já devidos ao tempo da celebração do contrato de utilização de trabalho temporário ou que só no futuro venham a ser estabelecidas.

IV – Esta incidência automática funciona em termos semelhantes à chamada “eficácia mediata das normas imperativas” num contrato.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Através do requerimento injuntivo de fls. 2/3, apresentado em 07/10/2011 no Balcão Nacional de Injunções[1], pretendeu a empresa de trabalho temporário, T…, Lda.[2] (Requerente e A. na acção declarativa sucedânea desta injunção, e Apelada neste recurso), pretendeu esta empresa, dizíamos, realizar o valor global de €10.177,15 (capital: €9.289,84; juros: €785,31), contra a sociedade K…, Lda. (Requerida e R. e aqui Apelante)[3].

            1.1. Tendo a Requerida deduzido oposição à referida injunção (v. fls. 6/16)[4], foi o requerimento injuntivo apresentado à distribuição no Tribunal da Marinha Grande, originando-se a presente acção conexa com essa injunção a qual veio a ser julgada procedente – e é disso que aqui tratamos – nos termos constantes da Sentença de fls. 151/159, constituindo esta, pois, a decisão objecto do presente recurso[5].

            1.2. Inconformada, reagiu a R. apelando a esta instância, formulando a rematar o respectivo recurso as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – transcrevemo-las no item 1.2. supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[6]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            Está em causa no recurso, com uma evidente expressão nas conclusões, a matéria de facto fixada na primeira instância, pretendendo a empresa Apelante obter um julgamento-outro da acção com base na eliminação do elenco dos factos provados dos itens 4, 5 e 9 (veja-se a conclusão 20) e com base na transferência para os factos provados dos itens 1, 2 e 3 do rol dos factos que o Tribunal julgou não provados (veja-se, neste caso, a conclusão 21). Alicerça-se esta pretensão da Apelante no accionar do dispositivo de acesso à matéria de facto pelo Tribunal da Relação, previsto no artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC (no caso ocorreu gravação da prova testemunhal[7]), sendo com base nesta recomposição fáctica que a Apelante pretende que a acção seja, depois, julgada improcedente.

            2.1. Os factos considerados (os factos positivamente fixados) na instância precedente foram os seguintes:
“[…]

            2.1.1. Adicionalmente, elenca a sentença os seguintes factos como não provados (e, como vimos, todos estes são postos em causa no presente recurso):
“[…]
1. O contrato celebrado entre a Requerida e a Requerente expressamente previa os valores de retribuição dos serviços prestados, não tendo nunca contratualizado com aquela o pagamento de valores a título de diferenças salariais devidas retroactivamente.
2. A requerente à data da celebração dos contratos com a requerida conhecia quais os valores constantes das tabelas salariais do IRCT aplicável ao sector.
3. A requerente celebrou contratos de prestação de serviços com conhecimento de que os montantes pagos aos trabalhadores se encontravam abaixo do montante mínimo.

            2.2. Na concretização do controlo dos factos que ora empreendemos convergem duas incidências respeitantes à dinâmica probatória: a reapreciação da prova produzida (da prova documental e da prova testemunhal) em si mesma; a aplicação das regras substantivas e adjectivas atinentes à prova. Quer isto dizer que o acesso deste Tribunal da Relação à prova produzida na primeira instância (no caso da prova testemunhal através do registo áudio desta), enfim, o controlo dos factos nesta instância, pressupõe tanto a apreciação dos factos face à prova, como a apreciação desses mesmos factos face às regras de prova, ou seja, face às regras de direito probatório material.

            2.2.1. Começando por esta última incidência – a respeitante à aplicação do direito probatório –, sublinharemos que “[o]s factos” (rectius, os factos provados) e os “[f]actos não provados” incluídos no trecho de fls. 152/155 da Sentença, correlacionados com a fundamentação que se lhes segue no texto da própria Sentença a fls. 155/156 (a análise crítica da prova prevista no nº 2 do artigo 653º do CPC, nesta espécie processual matizada pelo nº 7 do artigo 4º do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro), pressupõem, na Sentença, após o julgamento da matéria de facto previsto no indicado artigo 653º – e citamos José Lebre de Freitas anotando o artigo 659º do CPC –, “[…] o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas de normas processuais, sejam de normas de direito material. Na anterior decisão sobre matéria de facto […], foram dados como provados os factos cuja verificação estava sujeita à livre apreciação do julgador […]. Agora, na sentença, o juiz deve considerar, além desses, os factos cuja prova resulte da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante […], independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase de condensação[[8]] […]. Ao fazê-lo, o juiz examina criticamente as provas, mas de modo diferente de como fez o julgador da matéria de facto: não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova, mas de verificar atentamente se existiram os factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório. Nomeadamente, o documento, o objecto da declaração confessória e o articulado de resposta no seu conjunto hão-de ser interpretados para se determinar o âmbito concreto dos factos abrangidos pela sua força probatória. […]”[9].

            Interessam estas considerações em função da asserção que foi incluída pela Senhora Juíza a quo como item 1. dos factos não provados[10], quando existia no processo prova documental, anteriormente estabelecida e consolidada no seu valor [v. o artigo 376º, nº 1 do Código Civil (CC)], quanto ao exacto conteúdo dos contratos (não do contrato como se disse na Sentença) de utilização de trabalho temporário[11] celebrados entre a A., como empresa de trabalho temporário[12], e a R., como utilizadora deste[13].

            Ora, a existência dessa prova, previamente estabelecida, quanto ao conteúdo exacto do clausulado contratual operante entre as aqui Requerida e Requerente – entre as partes nesses contratos e aqui partes nesta acção –, tira sentido, mesmo enquanto asserção negativa – não provada –[14], a uma suposta estatuição contratual que, inteiramente à margem do texto, parece querer dizer, passe a redundância, o que “diz” o texto do contrato quando este, verdadeiramente, o não “diz”.

            Note-se que esta questão, aparentando pouca relevância prática, induziu na fundamentação jurídica do Tribunal a quo uma menor clareza, tributária de um certo enviesamento argumentativo referido à dedução da decisão final de uma suposta alocação do ónus da prova do conteúdo dos contratos à Requerida (v. o parágrafo do texto da Sentença iniciado no fim de fls. 158 e continuado a fls. 159 até à “decisão”)[15], quando o texto dos contratos à luz do regime legal dos contratos de utilização de trabalho temporário fornece – quer-nos parecer que fornece – a base factual suficiente, restando, apenas, a “questão de direito” da interpretação dos contratos. 

Com efeito, tenha-se presente que o conteúdo dos contratos juntos como documentos 1 a 7 pela A., os diversos contratos de fls. 49/67 (v. a acta de fls. 132), foi expressamente aceite pela R. ora Apelante no ponto 2 do requerimento de fls. 136, valendo quanto a esses documentos, em função desta particular incidência, o disposto no artigo 376º, nº 1 do CC. Reconhece(u) a R., pois – e reconhece a A. que apresentou esses documentos –, que esses contratos incluíram – incluíram todos eles – cláusulas com o exacto conteúdo, por exemplo, das cláusulas 4ª e 5ª do contrato de fls. 62/63 aqui indicado como mero modelo[16].

            Significa isto a imprestabilidade de uma asserção de facto como a indicada na Sentença no item 1 dos factos não provados (mesmo como facto não provado, no sentido em que essa localização pressupõe que se pudesse fazer prova positiva dele) e, consequentemente, o fracasso da pretensão da Apelante de passar tal asserção para o rol dos factos provados. Todavia, por razões de completude e de coerência lógica do elenco fáctico positivamente fixado pelo Tribunal, existindo o item 2 dos factos acima transcrito, deve a redacção deste ser aprimorada/completada (v. o artigo 712º, nº 2 e nº 4, este a contrario[17], do CPC) com a indicação de que os contratos celebrados entre a A. e a R. têm o conteúdo dos documentos de fls. 49/67.

            Vale, pois, o seguinte item 2 dos factos:
2. No âmbito da sua actividade, a Requerente celebrou com a Requerida vários contratos de utilização de trabalho temporário, entre os quais os de fls. 49/67.

            2.2.1.1. Também em benefício da clareza expositiva, com reflexo na coerência da fundamentação, coloca-se a questão do apuramento do valor não pago pela Requerente – adiante veremos se ele é devido –, no quadro, algo confuso, das diversas facturas e notas de débito indicadas pela Requerente no requerimento injuntivo e posteriormente transferidas, sem uma análise particularizada e qualquer fundamentação adicional, para o item 3 da matéria de facto.

            Sendo verdade que o valor peticionado e objecto da condenação (o feito constar do item 4 dos factos: €9.289,84) não tem uma correspondência exacta na soma das facturas com as notas de débito, descontados os pagamentos, não deixa de se perceber – reconhece-se que com algum esforço de análise – estar em causa, no valor de €9.289,84, a subtracção, à soma dos valores parcelares das facturas, dos valores que a Requerente indica (reconhece) terem sido pagos pela Requerida (€70.483,45 – €61.193,61). A confusão gera-se – e gerou-a a Requerente através de um requerimento injuntivo pouco claro – com a inclusão das notas de débito no texto expositivo do requerimento, sem que se perceba o porquê, induzindo em erro quanto ao que corresponde a estas notas, concretamente se se trataria de valores a somar às facturas[18]. É esta confusão que a Apelante pretende explorar no recurso – em rigor a Sentença induz essa confusão não clarificando ela a verdadeira origem do valor que assume como não pago –, mas que é possível aqui esclarecer através da análise dos elementos constantes do processo.

            Quer isto dizer que o valor devido pela Requerida, admitindo que ele seja devido com base nos contratos celebrados com a Requerente – questão que importa apreciar de seguida –, corresponderá (corresponde) aos €9.289,84 indicados na Sentença. É este o valor que a A. entende ser-lhe devido e que a R. assumidamente não lhe pagou.

            2.2.2. Resolvidas estas questões, afastado o pretendido efeito condicionador do recurso com que são trazidas à liça pela Apelante, subsiste a questão de fundo respeitante à base de formação da dívida reclamada pela A., em termos de saber se os valores respeitantes a acertos decorrentes da incidência nos salários dos trabalhadores cedidos à R. dos instrumentos de regulação colectiva de trabalho aplicáveis, saber se esta incidência, dizíamos, pode ser feita repercutir pela empresa de trabalho temporário (aqui a A.) nos valores facturados por esta ao utilizador (aqui à R.). Assim enunciamos o tema central desta acção e, consequentemente, deste recurso.

            Esta questão passa, antes de mais, no entender desta Relação, pela interpretação, no quadro da regulamentação legal do trabalho temporário, das cláusulas contratuais acima transcritas na nota 18 (particularmente da cláusula 5ª).

            2.2.2.1. Interessa aqui, à partida e independentemente da revisão da prova testemunhal nos termos indicados pela Apelante, caracterizar o elemento dinâmico, sugestivamente qualificado de triangular, da relação de trabalho temporário, concretamente na sua incidência, por via de um contrato específico (que não é, em rigor, o contrato de prestação de serviços genérico a que alude a Sentença[19]), no relacionamento estabelecido entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador. Como indica António Monteiro Fernandes, “[o] que particulariza este modelo perante a empreitada é que há uma cedência da disponibilidade de um ou mais trabalhadores por parte do seu empregador a outra empresa que efectivamente os utiliza em seu proveito: o pessoal cedido, embora seja remunerado pela entidade cedente, fica funcionalmente integrado na organização da empresa utilizadora – e, nomeadamente, enquadrado pela sua direcção ou chefia”, sendo que a atipicidade desta situação, no seio da relação laboral “normal”, “[deriva] da cisão, operada no estatuto do empregador, entre a obrigação de pagar o salário (que permanece na entidade cedente) e a utilização directa dos serviços do trabalhador (que cabe ao cessionário)”[20].

            Ora, correspondendo a uma realidade específica a retribuição pela cedência do trabalhador, formada no quadro das relações entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora, não deixa esta remuneração (que corresponde ao real interesse económico na angariação de trabalho temporário por um agente económico), não deixa esta remuneração, dizíamos, de estar intimamente relacionada com a prestação salarial da empresa de trabalho temporário ao (seu) trabalhador cedido. Com efeito, formando-se essa remuneração com base nesse salário (a empresa de trabalho temporário recebe do utilizador o valor do salário do trabalhador cedido mais um diferencial que remunerará a sua actividade da cedência de trabalho), repercute-se o valor efectivo desse salário (do salário devido ao trabalhador cedido), automaticamente, nessa remuneração devida pelo utilizador à empresa de trabalho temporário, enquanto custo transferido desta para aquele. Caso assim não fosse, ou seja, caso a empresa utilizadora capturasse (congelasse) o exacto valor do salário do trabalhador cedido no momento do contrato, “defendendo-se” de ulteriores aumentos legais, o contrato de utilização de trabalho temporário funcionaria como uma espécie de “contrato de swap” da utilizadora contra os hipotéticos aumentos salariais, designadamente os que decorressem da aplicação de instrumentos colectivos de regulação de trabalho.

            É com este sentido que a lei, no caso o Código do Trabalho (CT), em sede de regulamentação da utilização do trabalho temporário, obriga a que o contrato de utilização inclua a indicação da “[r]etribuição de trabalhador do utilizador que exerça as mesmas funções” (artigo 177º, nº 1, alínea e) do CT), como efectivamente ocorreu neste caso através das cláusulas 4ª dos diversos contratos aqui em causa, os constantes de fls. 49/67. A isto acresce – e estamos a caracterizar a teleologia da citada disposição do CT – a aplicação directa do princípio da igualdade entre trabalhadores (artigos 23º a 26º do CT), aqui com o sentido da proibição de discriminação salarial entre trabalhadores exercendo as mesmas funções dentro da mesma empresa, em função da sua origem na contratação directa ou na contratação indirecta através do recurso ao trabalho temporário (v. os artigos 23º, nº 1, alínea c) e 24º, nºs 1 e 2, alínea c) do CT). Daí que a alteração das condições de retribuição do trabalhador directo da empresa utilizadora[21], por via de instrumento de regulamentação colectiva, se repercuta no trabalhador cedido pela empresa de trabalho temporário, nos mesmos termos aplicáveis àqueles[22], num efeito com importantes pontos de contacto com aquilo que é usual chamar, em sede de interpretação do negócio jurídico, situações de “eficácia mediata de normas imperativas” (ou seja: a integração automática nos contratos de normas imperativas existentes ao tempo da celebração desse contrato, mas desprezadas no respectivo clausulado, ou de normas imperativas de formação posterior ao contrato)[23].

            Para além deste aspecto, até observamos que no caso vertente, no clausulado dos contratos entre a A. e a R. foi estabelecida a repercussão das alterações salariais decorrentes da lei e de instrumentos de regulamentação colectiva, na retribuição devida pelo utilizador à empresa de trabalho temporário (cláusula 5ª, nº 2, transcrita na nota 18 supra).

            Ora, se isso sucedeu – e sucedeu expressamente no texto do próprio contrato – relativamente a alterações futuras de tabelas salariais por instrumentos de regulamentação colectiva – e ninguém aqui contesta que tenha sucedido para o futuro –, por identidade de razão, não deixou de suceder relativamente a incidências anteriores ao contrato do mesmo tipo, mesmo que, por hipótese, estas não tenham sido referidas na fixação da remuneração da empresa de trabalho temporário pelo utilizador, logo no contrato de utilização, por esquecimento, desconhecimento ou qualquer outra razão, mesmo que derivada, como aqui aparentemente sucedeu, por errada informação prestada pelo utilizador[24]. Com efeito, é nestes termos que se opera a compatibilização do interesse económico no contrato por parte da empresa de trabalho temporário e a obrigação de tratamento igual dos trabalhadores temporários e dos que, exercendo (na empresa utilizadora) as mesmas funções dos temporários, foram contratados directamente e não através de um contrato de utilização de trabalho temporário.

            É esta a interpretação que reputamos de correcta dos contratos aqui em causa e foi com esta base, conforme emerge dos factos[25], que se formaram os valores cujo pagamento a Apelante recusou pagar à Apelada – cremos que sem fundamento relevante –, entendendo esta Relação que esses valores sempre seriam devidos pela utilizadora do trabalho temporário (pela Apelante), por projecção automática, ligada à essência do contrato de utilização de trabalho temporário, dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis – antes e depois da celebração desses contratos de utilização – aos “trabalhadores directos” da R., por projecção destas remunerações, dizíamos, nas remunerações dos trabalhadores da empresa de trabalho temporário cedidos. Consequentemente, num quadro de equilíbrio contratual entre a A. e a R. ligado a essa essência intuitiva do contrato de utilização de trabalho temporário, o aumento das remunerações devidas pela empresa de trabalho temporário aos seus trabalhadores cedidos, reflecte-se, directamente, na retribuição da utilizadora pela cedência desses trabalhadores, na retribuição estabelecida entre as duas empresas parte no contrato de utilização de trabalho temporário.

            É este o quadro em que surge a obrigação da aqui Apelante de satisfazer os montantes peticionados pela A.

            2.2.3. Seja como for, não obstante a pouca operatividade quanto a esta solução dos pontos da matéria de facto criticados pela Apelante (dos itens 4, 5 e 9 dos factos provados e dos itens 2 e 3 dos factos não provados[26]), não deixaremos de sublinhar que a Requerida reconhece e assume não ter liquidado os valores respeitantes às facturas aqui em causa, por entender não os dever (entendemos nós que “entendeu” mal), aceitando igualmente que recusou as facturas respeitantes à adaptação das remunerações à A., em função da incidência do CCT indicada no item 10 dos factos provados, resultando o valor indicado no item 4 dos factos provados da simples ponderação, de pendor conclusivo, destas incidências, fundamentalmente referidas a uma questão de interpretação dos contratos já equacionada no antecedente item e, de alguma forma, imune à prova testemunhal.

            Não obstante, debruçando-nos sobre a prova testemunhal produzida no julgamento, observamos, depois de procedermos à audição integral do registo áudio dessa prova, uma expressiva confirmação da circunstância de o valor indicado nos contratos de utilização como valor pago pela Requerida K… aos seus trabalhadores, fazer descaso dos valores actualizados em função do CCT do sector químico, com óbvia repercussão no valor pago pela Requerente T… ao seus trabalhadores cedidos, sendo que esta última foi expressivamente alertada para tal irregularidade (depois do protesto de alguns trabalhadores) através de uma visita da Autoridade para as Condições de Trabalho que teve lugar especificamente direccionada à análise dos contratos com a K…. A constatação desta circunstância, que levou a T… a corrigir os vencimentos dos seus trabalhadores cedidos à K… (como era indiscutivelmente obrigação legal da T…, naquela circunstância até directamente controlada pela ACT) levou à adaptação da retribuição prevista nos contratos de utilização[27].

            Vale este entendimento da prova testemunhal, não obstante a questão do não pagamento das “facturas de actualização” pela R. se configurar, fundamentalmente, como questão de direito emergente da simples ponderação do texto e regime legal dos contratos de utilização de trabalho temporário, vale tal controlo referido à prova testemunhal, dizíamos, como reafirmação dos factos (positivos e negativos) fixados na primeira instância. Não é correcto, pois, afirmar que a prova testemunhal afastaria a condenação da R.

            É também com este sentido que ora se confirma a Sentença apelada.

            2.3. Sumário do Acórdão:
I – Num contrato de utilização de trabalho temporário (no contrato definido no artigo 172º, alínea c) do Código do Trabalho) a obrigação de pagamento da retribuição ao trabalhador cedido incumbe à empresa de trabalho temporário (cedente) e não ao utilizador (cessionário);
II – A retribuição devida ao trabalhador cedido é, obrigatoriamente, a mesma que seja paga ao trabalhador originário do utilizador que exerça as mesmas funções, paralelamente ao trabalhador cedido (como resulta do artigo 177º, nº 1, alínea e) do Código do Trabalho), estando essa retribuição sujeita às incidências da regulamentação colectiva de trabalho aplicável aos trabalhadores do utilizador;
III – Assim, a retribuição devida pelo utilizador à empresa de trabalho temporário, sofre as incidências legais da remuneração devida ao trabalhador original do utilizador (designadamente as decorrentes da contratação colectiva), actualizando-se automaticamente na exacta medida dessas incidências, refiram-se elas a valores que seriam já devidos ao tempo da celebração do contrato de utilização de trabalho temporário ou que só no futuro venham a ser estabelecidas;
IV – esta incidência automática funciona em termos semelhantes à chamada “eficácia mediata das normas imperativas” num contrato.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, confirma-se, pelos específicos fundamentos desenvolvidos ao longo deste Acórdão, a decisão que culmina a Sentença de fls. 151/159.

            Custas da apelação a cargo da R./Apelante.


 (J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Data e incidência que marcam a aplicação à presente instância de recurso do regime decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1).
[2] Antes, ao tempo da celebração dos contratos aqui em causa (v., por exemplo, o de fls. 62/64), a Requerente era designada V…, Lda.
[3] No campo documental do requerimento injuntivo respeitante à “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão” inseriu a Requerente o seguinte:
“[…]

A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, bem como a desenvolver actividades de selecção, de orientação profissional e de formação profissional (cfr. Certidão Permanente cujo código de acesso - … - que aqui se indica para efeitos do disposto no artigo 75.º, n.º 1 do Código do Registo Comercial).

No âmbito da sua actividade, a Requerente celebrou com a Requerida vários contratos de utilização de trabalho temporário.

Na sequência dos contratos celebrados entre as partes, a Requerente emitiu as seguintes facturas e notas de débito:

Assim sendo, da confrontação das facturas e notas de débito emitidas pela Requerente e os pagamentos realizados pela Requerida, resta ainda liquidar o montante global de € 9.289, 84 (nove mil duzentos e oitenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos).

O montante global em dívida (€9.289, 84) não foi até à presente data liquidado pela Requerida, apesar de ter sido instada pela Requerente para efectuar o pagamento.

Em virtude do não pagamento tempestivo do valor em divida pela Requerida, ao montante acima mencionado (€9.289, 84) acrescem juros de mora às taxas legais sucessivamente em vigor desde a data de emissão da última Nota de Débito até à data de entrada do presente requerimento de injunção, os quais perfazem a quantia de €785, 31 (setecentos e oitenta e cinco euros e trinta e um cêntimos), cifrando-se o montante total da dívida no valor em €10.075, 15 (dez mil e setenta e cinco euros e quinze cêntimos).
[…]”.
[4] No que apresenta relevância para o tema deste recurso, disse nessa oposição a Requerida, agora R.:
“[…]

62. Em síntese a Requerida efectuou o pagamento de todas as facturas identificadas com

VE01, num total de €43.102,90,

63. E ainda das facturas que a seguir se identificam, num total de €18.090,71:

64. O que perfaz um total de 61.193,61€, efectivamente devido e pago.

65. No que respeita aos restantes valores peticionados, a Requerida nada deve a título da factura nº … de 25 de Fevereiro, que sequer lhe foi remetida,

66. Ou das Notas de Débito reclamadas,

67. Sendo que relativamente às restantes facturas enunciados no art.28º da presente Oposição, que perfazem o montante de € 6.978,32, a Requerida, pelos fundamentos já expostos, entende que os montantes por ela titulados não são devidos, pelo que procedeu à sua devolução.

68. Como acima se disse, a Requerida não alcança, do Requerimento de Injunção, como alcança a Requerente o valor ali reclamado,

[…]”.

Antecedentemente a este interessa à efectiva compreensão da oposição da Requerida o seguinte trecho expositivo:

“[…]

27. A Requerida sempre liquidou à Requerente a totalidade das facturas emitidas em resultado dos serviços prestados,

28. Com excepção de 5 (cinco) delas, que a seguir se identificam:

29. As referidas facturas, reclamadas em sede de Injunção, foram recepcionadas pela Requerida, que não aceitando o seu conteúdo ou a responsabilidade pelo seu pagamento, as devolveu não as tendo inserido na sua contabilidade.

30. Os documentos contabilísticos em causa reportavam a valores alegadamente pagos pela Requerente aos trabalhadores que a seguir se identificam, que respeitariam a actualizações da tabela salarial estabelecidas na Convenção Colectiva de Trabalho aplicável ao sector de actividade da Requerida:

31. De facto, a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a APEQ e a FETESE

(Publicada no Boletim de Trabalho e emprego nº16, de 29/04/2009), veio estipular, actualizações salariais para os trabalhadores por ela abrangidos.

32. Sabia a Requerente, à data em que celebrou os contratos respectivos com a Requerida, quais os montantes mínimos que deveriam ser devidos aos seus trabalhadores que se destinavam a ser cedidos à K…,

33. Tendo estipulado, em contexto negocial e nos termos do contrato celebrado entre a empresa Utilizadora e a Empresa de Trabalho Temporário, os montantes devidos pela cedência que se operaria, a título de retribuição pelo serviço prestado.

34. Nessa senda, a Requerida sempre liquidou o montante constante do contrato à Requerente, nunca se tendo negado ao pagamento dos montantes contratualizados.

35. Contudo, veio a ser interpelada pela Requerente, solicitando a liquidação dos valores devidos em sequência de reclamações operadas pelos trabalhadores e pela ACT, alegadamente respeitantes a diferenças salariais entre o montante efectivamente pago pela Requerente e os devidos de acordo com a tabela salarial do sector de actividade a que a que a Requerida de dedica no ano de 2009.

36. A Requerida veio a comunicar à Requerente, por carta datada de 17 de Março de 2009, que não reconhecia a existência de qualquer dívida no que respeita aos acertos salariais em causa (cfr. Doc. nº2 que nesta sede se tem por integralmente reproduzido),

37. Atendendo que o contrato celebrado com a Requerente expressamente previa os valores de retribuição dos serviços prestados, não tendo nunca contratualizado com aquela o pagamento de valores a título de diferenças salariais devidas retroactivamente.

38. A Requerente, à data da celebração dos contratos com a Requerida conhecia – e não pode alegar desconhecer! – quais os valores constantes das tabelas salariais do IRCT aplicável ao sector,

39. E celebrou contratos de prestação de serviços com conhecimento de que os montantes pagos aos trabalhadores se encontravam abaixo do montante mínimo,

40. Facto que apenas lhe pode ser imputado.

[…]”.
[5] Aqui transcrevemos, da decisão recorrida, o trecho expositivo central e o pronunciamento decisório culminante:
“[…]

No caso dos autos, a requerida alega que liquidou todos os valores que entende serem devidos na sequência de contratos de prestação de serviços celebrados entre as partes, pelo que nada deve á requerente e que sempre liquidou a totalidade das facturas emitidas em resultado dos serviços prestados, com excepção de cinco facturas que descrimina.

Por outro lado alega que as facturas reclamadas em sede de injunção, foram recepcionadas por si, que não aceitando o seu conteúdo ou a responsabilidade pelo seu pagamento, as devolveu não as tendo inserido na sua contabilidade.

Refere que veio a ser interpelada pela requerente solicitando a liquidação dos valores devidos em sequência das reclamações operadas pelos trabalhadores e pela ACT, alegadamente respeitantes a diferenças salariais entre o montante efectivamente pago pela requerente e os devidos de acordo com a tabela salarial do sector de actividade a que a requerida se dedica no ano de 2009.

Contudo, não logrou a requerida provar que o contrato celebrado com a requerente expressamente previa os valores de retribuição dos serviços prestados, não tendo nunca contratualizado com aquela o pagamento de valores a título de diferenças salariais devidas retroactivamente. Também não logrou provar que a requerente à data da celebração dos contratos com a requerida conhecia quais os valores constantes das tabelas salariais do IRCT aplicável ao sector.

Mais não se provou que a requerente, celebrou contratos de prestação de serviços com conhecimento de que os montantes pagos aos trabalhadores se encontravam abaixo do montante mínimo.

Assim, cabia ao devedor, neste caso à requerida, alegar e provar factos que, a mostrarem-se provados, consubstanciariam, por um lado, uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação que à autora incumbia e, por outro, consubstanciariam uma ausência da prestação de alguns dos serviços por aquela invocados, com a consequente ausência de obrigação de pagamento dos mesmos, o que a requerente logrou provar.

Atenta a factualidade provada nos autos, logrou a requerente demonstrar a celebração dos vários contratos de utilização de trabalho temporária e a falta de pagamento por parte da requerida.


III - DECISÃO

Pelo exposto, em conformidade com as supra referidas disposições legais e sem necessidade de mais considerações, julgo a acção procedente, e em consequência, condeno a ré ao pagamento á autora do montante peticionado.
[6] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[7] E é notório ter a Apelante cumprido os ónus estabelecidos nas duas alíneas do nº 1 do artigo 685º-B do CPC.
[8] Fase ausente na espécie processual aqui em causa (v. os artigos 3º e 4º do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98), valendo a asserção do texto transcrito para a fixação na sentença dos factos em função de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, designadamente aos objecto de prova testemunhal.
[9] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. 2º, 2ª ed., Coimbra, 2008, p. 677, v. também, na mesma localização, a anotação 2 ao artigo 655º a pp. 667/669.
[10] “[Não provado que o] contrato celebrado entre a requerida e a requerente expressamente previa os valores de retribuição dos serviços prestados, não tendo nunca contratualizado com aquela o pagamento de valores a título de diferenças salariais devidas retroactivamente”.
[11] Além do título específico dado pelas partes a esses contratos (v., por exemplo o documento 6 a fls. 62/64), interessa aqui a definição desta espécie contratual constante do artigo 172º, alínea c) do Código do Trabalho (Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro): “[…] o contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores temporários”.
[12] V. a definição de empresa de trabalho temporário, actualizadamente face à data da celebração dos contratos aqui em causa, no artigo 2º, alínea d) do Decreto-Lei nº 260/2009, de 25 de Setembro: “«[e]mpresa de trabalho temporário» a pessoa singular ou colectiva cuja actividade consiste na cedência temporária a utilizadores da actividade de trabalhadores que, para esse efeito, admite e retribui”.
[13] V., igualmente no quadro da regulação do trabalho temporário, o conceito/definição de utilizador na alínea h) do artigo 2º do Decreto-Lei nº 260/2009: “«[u]tilizador» a pessoa singular ou colectiva, com ou sem fins lucrativos, que ocupa, sob a sua autoridade e direcção, trabalhadores cedidos por uma empresa de trabalho temporário”.
[14] É que, como antes dissemos, o que se indica na Sentença, neste elemento, que está provado e não está provado é o que resulta de prova livremente valorável; neste caso seria o que resultasse da prova testemunhal.
[15] Se não existisse aqui – como efectivamente existe – prova do conteúdo dos contratos geradores das quantias pedidas pela Requerente/A., estando em causa tão-somente a interpretação dos contratos, não existissem estes em suporte escrito, dizíamos, a prova do conteúdo desses contratos, nos termos em que este conteúdo gera créditos em favor da A. que são peticionados nesta acção, incumbiria à A., nunca à R. Daí que consideremos pouco consistente – não obstante a decisão final deste recurso ir confirmar o julgamento da primeira instância – uma afirmação do tipo: “[…] não logrou a requerida provar que o contrato celebrado com a requerente expressamente previa os valores de retribuição dos serviços prestados, não tendo nunca contratualizado com aquela o pagamento de valores a título de diferenças salariais devidas retroactivamente” (fls. 158). 
[16] Aqui transcrevemos essas cláusulas repetidas em todos os contratos:
“[…]
Cláusula 4ª
1 – A retribuição mínima ilíquida devida, nos termos do nº 1 do artigo 37º da citada Lei nº 19/2007 a trabalhador(es) do Utilizador que ocupe(m) o(s) mesmo(s) posto(s) de trabalho é (são) a(s) seguinte(s) (em Euros) 426,00 Valor/Mês Vencimento Base.
2 – Além da retribuição das férias e dos subsídios de férias e de Natal são devidos aos trabalhadores do Utilizador por idêntica prestação de trabalho os seguintes subsídios regulares e periódicos (em Euros) 4,11 Valor/Dia Subsídio de Alimentação.
Cláusula 5ª
1 – A(s) retribuição(ões) devida(s) pelo Utilizador à Primeira Outorgante é (são) o(s ) seguinte(s)(em euros) 952,79 Valor/Mês Vencimento Base; 4,21 Valor/Dia Subsídio de Alimentação.
2 – O(s) valor(es) referido(s) no número anterior será(ão) actualizado(s) proporcionalmente quando as retribuições ou os subsídios mencionados na cláusula anterior sejam aumentado(s) por força da lei, de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (IRCT) aplicável ao Utilizador para a categoria profissional correspondente às funções desempenhadas ou de prática interna de do Utilizador, bem como quando valores mais elevados sejam consagrados em IRCT aplicável à Empresa de Trabalho Temporário, tudo nos termos previstos no nº 1 do artigo 37º.
3 – Verificando-se a prestação de trabalho suplementar e, ou, em período nocturno, o(s) valor(es) referidos no nº 1 será(ão) acrescido(s) das percentagens devidas pela aplicação dos processos de regulação mencionados no número  anterior, elegendo-se as para o efeito as percentagens mais elevadas, em obediência ao citado nº 1 do artigo 37º.
4 – A factura correspondente às importâncias devidas pelo Utilizador ao Primeiro Outorgante por força da aplicação do estipulado nos números anteriores será emitida até ao 5º dia útil do mês seguinte àquele a que se reporta, e será liquidada nos 30 Dias subsequentes ao seu recebimento pelo Utilizador.
[…]”.
[17] No sentido de aqui, constatada a insuficiência, constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº 1, permitem a este Tribunal reapreciar a matéria de facto, suprindo a incompletude detectada.
[18] Isto foi, aliás, explicado em julgamento pela testemunha da A. ...
[19] O contrato de utilização de trabalho temporário está sujeito a forma escrita e tem conteúdo vinculado em muitos dos seus elementos (v., actualmente mas com correspondência pretérita absolutamente idêntica, o artigo 177º do Código do Trabalho). É, pois, um contrato nominado, no quadro geral do Direito do Trabalho.
[20] Direito do Trabalho, 15ª ed., Coimbra, 2010, pp. 168 e 169; v. também Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2007, pp. 685/696 e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito do Trabalho, Coimbra, 2008, pp. 477/484.
[21] O que esta contratou directamente, sem ser por intermédio de uma empresa de trabalho temporário, e que, por isso remunera ela própria.
[22] Neste sentido, referindo-se expressamente ao regime do trabalho temporário, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito do Trabalho, cit., p. 484.
[23] Podemos ver um exemplo prático da actuação deste mecanismo (num caso de seguro obrigatório em que o regime contratado era “inferior” à obrigação legal, digamo-lo assim) no Acórdão desta Relação de 08/09/2009, proferido pelo ora relator no processo nº 165/06.8TBGVA.C1, disponível no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a3a54c079b467feb8025763b003cc9ee.
Interessa o seguinte trecho do sumário:
“[…]
V – Uma cláusula inserta num contrato de seguro desportivo que cubra a obrigação de segurar estabelecida na lei (e que, por isso, se traduz num “seguro obrigatório”) não pode excluir a indemnização de desvalorizações funcionais permanentes inferiores a 10%.
VI – A nulidade desta cláusula (artº 294º CC) resolve-se com a projecção directa no contrato da norma imperativa (no caso o artº 4º do DL 146/93) que manda indemnizar todas as incapacidades permanentes gerais, a qual passa a “integrar” o contrato, em substituição do trecho violador dessa disposição legal, aproveitando-se o restante da cláusula e do contrato.
VII – Corresponde esta substituição à primazia da ideia de conservação do negócio contendo cláusulas nulas, através da chamada “eficácia mediata das normas imperativas”, funcionando esta como “outra solução”, alternativa à nulidade (à supressão do negócio ou da cláusula nula), resultante da lei (trecho final do artº 294º CC).
[…]”.

[24] Foi o que afirmou a testemunha M...(v. nota 29, infra).
[25] Em trechos destes que a Apelante não contesta (referimo-nos ao item 10 dos factos).
[26] A imprestabilidade do item 1 dos factos não provados já foi referenciada neste Acórdão no item 2.2.1. supra.
[27] Remetemos nesta parte para a expressividade e objectividade factual do depoimento da testemunha …, “gestora de delegação” da A. T… e conhecedora directa dos factos aqui em causa e cujo relato aqui seguimos de perto: “na altura eu falei com o Administrador da K…, Sr. … e expliquei-lhe a situação, aceitando ele verbalmente a facturação do que estávamos a pagar a menos”; “teria sido obrigação da K… fornecer-nos os valores correctos e evitar que isto acontecesse e não dizer-nos que as pessoas deles ganhavam o salário mínimo”; “o cliente é que nos fornece essa indicação”; “a tabela fornecida pela K… estava desactualizada, nós [T…] não negociamos salários com os trabalhadores, pagamos o que o utilizador nos diz que paga aos seus trabalhadores”; “não tínhamos conhecimento da desactualização dos salários na K..”. Note-se que a expressão “risco partilhado” usada por esta testemunha tem um contexto distinto do indicado pela Apelante na motivação do recurso, refere-se ao “risco” decorrente de ter mantido contratos desactualizados entre 2008 (primeiras reclamações de trabalhadores que foram ao sindicato) e 2009, quando a Inspecção, a ACT, foi à T…, não à divisão entre a A. e R. da verba em dívida aos trabalhadores (minutos 24 a 26 da gravação do depoimento).
A esta facturação adicional – chamemos-lhe assim – se refere o Doc. 13 junto pela A. (fls. 95/100), que foi exibido a esta testemunha que o confirmou e explicou (destrinçando as actualizações de outros aspectos da “prestação de serviços normal”).
Note-se que esta questão foi esclarecida pela testemunha …, trabalhadora da A. na R., que indicou como se aperceberam, junto do sindicato, da desactualização do seu salário, comparativamente aos trabalhadores da K...
Aliás, as testemunhas funcionárias da R. … e … (Directora Financeira da K…), confirmaram a apresentação pela A. das facturas com as actualizações salariais, acrescentando ambas que a R. não pagou porque entendia não dever, em função dos montantes fixados inicialmente no contrato, o que expressou, em ambos os casos, uma asserção de direito..., nada mais, não sendo estas testemunhas a fonte adequada para interpretar um contrato que, aliás, até apresenta regime legal fundamentalmente vinculado (e, seja como for, a interpretação do sentido de um negócio jurídico constitui matéria de direito – cfr, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, vol. I, Parte Geral, tomo I, Coimbra, 1999, pp. 469/474 – asserção que aqui se sublinha para tornar clara a imprestabilidade do depoimento de uma testemunha que pretende, qual “perita” jurista, dizer qual o exacto significado do texto de um contrato).