Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5832/17.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE LOCAÇÃO FINANCEIRA – PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ENTREGA JUDICIAL.
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JC CÍVEL DE VISEU – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 21º DEC. LEI Nº 149/95, DE 24/06
Sumário: O procedimento cautelar de entrega judicial regulado no art. 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (na redação do Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro) é aplicável ao contrato promessa de locação financeira, com antecipação dos efeitos do contrato prometido
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO
1.1.- A Requerente C... – Instituição Financeira de Crédito, S.A. instaurou (14/12/2017) procedimento cautelar de entrega judicial de bem imóvel contra a Requerida M..., Lda.
Alegou, em resumo
No dia 30 de Outubro de 2015 celebrou com a Requerida um contrato promessa bilateral de locação financeira imobiliária (com o n.º...), tendo por objecto o complexo industrial descrito na Conservatória de Registo Predial de Viseu sob o n.º ... , no qual convencionaram que a promitente locatária M..., Lda entrou na posse do mesmo e o pagamento das respetivas rendas mensais.
Perante a falta de regularização dos pagamentos constantes da promessa, a Requerente C..., S.A., por carta datada de 30 de Junho de 2017, considerou o contrato definitivamente incumprido e exigiu, para além do pagamento dos valores vencidos, a imediata restituição do bem imóvel cedido.
Com fundamento no art. 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro) pediu “ a) a entrega judicial à requerente do prédio urbano correspondente a um complexo industrial constituído por um barracão para serração de pedra, escritório e casa de habitação, zito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º... e inscrito na matriz predial sob o artigo ... b) Pronunciar-se pela resolução definitiva do presente caso, julgando-se definitivamente pela entrega à requerente do referido bem”.
1.2. A requerida deduziu oposição, dizendo, além do mais, que não se pode aplicar ao contrato promessa de locação financeira o regime jurídico do contrato de locação financeira previsto no Decreto-Lei nº 149/95, por lhe faltarem as características típicas da locação financeira, e, por isso, o procedimento cautelar de entrega judicial não é o meio processual adequado.
1.3.- Por sentença de 23/1/2018 decidiu-se julgar verificada a excepção dilatória de inapropriedade do meio processual e absolver da instância a Requerida.
1.4.- Inconformada, a Requerente recorreu de apelação, com as seguintes questões:
Por força do princípio da equiparação, ao contrato promessa é aplicável o regime jurídico do contrato definitivo de locação financeira, nomeadamente o Decreto Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
O tribunal deveria ter convolado para o procedimento cautelar adequado, e jamais absolver a Requerida da instância.

A Requerida contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O objecto do recurso
A questão colocada no recurso consiste em saber se, face à alegação da Requerente, é ou não processualmente adequado o procedimento cautelar de entrega judicial.
2.2.- O mérito do recurso
A adequação do meio processual não depende do mérito, mas da pretensão deduzida, tal como a configura a requerente.
A sentença considerou não ser aplicável o procedimento cautelar de entrega judicial regulado no art. 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (na redação do Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro), o que implica o erro insuprível na forma do processo, configurando excepção dilatória.
Depois de fazer o devido enquadramento legal, argumentou-se:
“ Com o devido respeito por opinião contrária deve considerar-se que todo este procedimento cautelar está centrado numa ideia de contrato de locação financeira, devidamente concretizado e formalizado, sem tibiezas, quedando no regular percurso até ao final do contrato por vicissitudes várias a mais frequente das quais a falta de pagamento de rendas. É que de facto seu pressuposto, como se disse, é a “existência – e subsistência - de um contrato de locação de locação financeira” sendo que a cessação do contrato ocorre por resolução ou decurso do prazo sem exercício do direito de compra. Como tal ali não se contempla qualquer situação aparentada com a promessa de outorga de um contrato de locação financeira, o que não significa que ele não possa ter lugar: o que sucede é que este não é subsumível a este tipo de procedimento cautelar, cujos contornos, razão de ser ou fundamento acima elencámos. Na medida do escrito dir-se-á que todo o texto legal alude sempre a contrato de locação financeira e nunca a contrato promessa de locação financeira, pelo que o presente procedimento não está acolhido pelo dito regime legal. Assim sendo a Requerente, para o efeito pretendido, lançou mão de processo inidóneo”.
Para concluir que “a presente excepção se assume como dilatória inominada, na medida em que com determinando quadro factual se pretende se deduz determinada pretensão, com o recurso a um determinado meio processual, cujo não comporta a realidade fáctica que lhe subjaz as qual, de resto, está concretizada em sede de contrato de locação financeira e nunca de contrato promessa de locação financeira. E este circunstancialismo basta para arredar a aplicação dos nºs 1 e 3 do artº 193º do CPC.”.
A Apelante sustenta, em contrapartida, a aplicação do procedimento cautelar de entrega judicial também ao contrato promessa de locação financeira, por força do princípio da equiparação (art.410 nº1 CC).
Sabe-se que o contrato promessa ( art.410 nº1 CC ) pressupõe o acordo das partes (bilateral ) ou apenas uma delas (unilateral ), pelo qual se obrigam a celebrar determinado contrato ( principal ou prometido ) e tem por objecto uma obrigação de contratar, ou seja, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido, reconduzindo-se a uma obrigação de prestação de facto positivo.
Por força do princípio da equiparação, ao contrato promessa são aplicáveis as normas relativas ao contrato prometido, com excepção das relativas à forma e as que, por razão de ser, não se devam considerar extensíveis.
Como a requerida ( promitente locatária ) entrou na posse do imóvel estamos perante, não de um contrato promessa puro, mas antes de um contrato promessa com antecipação dos efeitos do contrato prometido (cf., por ex., Ana Prata, O Contrato Promessa, pág.161 e segs. ).
A ratio do procedimento cautelar de entrega judicial na locação financeira:
A locação financeira é um contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, adquirida ou construída, por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável, mediante simples aplicação de critérios fixados ( cf. art. 1º do DL n.º 149/95 de 24/6).
A relação económica estabelece-se de forma triangular entre o vendedor, o locatário e o locador ( adquirente do bem ), funcionando o contrato de locação como uma forma de financiamento ou concessão de crédito, o que remete para a figura da união de contratos (cf., por ex., Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, pág.553), havendo quem defenda tratar-se mesmo de um tipo novo de contrato (cf., por ex., Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, vol. I, pág. 396). Na verdade, é o interessado na locação financeira quem escolhe o bem e se dirige ao fornecedor para o efeito, e não o comprador (locador financeiro) que não intervém na negociação, e por isso mesmo não responde pelos vícios ou inadequação da coisa, estabelecendo a lei uma relação directa entre o fornecedor e o locatário.
O art. 21º do DL nº 149/95, de 24/6, prevê (desde a sua versão primitiva) um procedimento cautelar especificado ( “ Providência cautelar de entrega judicial” ), com a finalidade de proteger o interesse patrimonial do locador.
A lei pressupõe os seguintes requisitos: a resolução do contrato pelo locador ou a caducidade do contrato pelo decurso do prazo, e a não restituição da coisa pelo locatário.
Esta específica acção cautelar justifica-se com a natureza e efeitos da locação financeira, como um verdadeiro instrumento de financiamento, visa prevenir as situações de “periculum in mora” atinentes ao incumprimento do locatário de obrigações emergentes do contrato de locação financeira, procurando reduzir os prejuízos económicos resultantes da situação de imobilização de bens. É que, comprovada a resolução com base no incumprimento pelo locatário, com a providência o locador acede rapidamente à disponibilidade do bem e evita a sua desvalorização e deterioração, possibilitando a recuperação do capital investido e a sua recomercialização.
Por isso, e conforme consensual entendimento, não se exige, como no procedimento cautelar comum, a comprovação do justificado receio, já que ele é presumido por lei ( presunção júris et de jure) independentemente do tipo de bem ( móvel ou imóvel ) em causa. As razões que fundamentam decorrem do uso continuado da coisa pelo locatário, o que determina pelo menos o seu desgaste, com o inerente prejuízo para o proprietário, in casu, o locado” (cf. , por ex., Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, pág. 315. No plano jurisprudencial, por ex., Ac STJ de 1/7/99 ( proc. nº 99B528), Ac RL de 6/11/2003 ( proc. nº 7353/2003), Ac RL de 5/3/2009 ( proc. nº 6240/2008 ), em www dgsi.pt ).
Porque ao contrato promessa são aplicáveis as normas específicas do contrato prometido, por força do princípio da equiparação, não se verificam aqui as duas excepções – relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
Na verdade, uma vez que estamos perante um contrato promessa com tradição da coisa e antecipação dos efeitos do contrato prometido, a razão de ser ( já mencionada ) do emprego da providência cautelar de entrega judicial tem aqui idêntica justificação, o que equivale a dizer que é processualmente adequada.
No sentido da aplicação ao contrato promessa de locação financeira do procedimento cautelar de entrega judicial, previsto no art.21 nº1 do DL nº 149/95, por força do princípio da equiparação, por exemplo, Ac RP de 12/11/2008 (proc. nº 0835105), Ac RP de18/10/2001 ( proc nº 0131246), disponíveis em www dgsi.pt.
Daqui se conclui que, em face da alegação, o procedimento especificado é processualmente adequado, o que nada tem a ver com o seu mérito.
2.3.- Síntese conclusiva
O procedimento cautelar de entrega judicial regulado no art. 21 do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (na redação do Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro) é aplicável ao contrato promessa de locação financeira, com antecipação dos efeitos do contrato prometido.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente a apelação e revogar a sentença.
2)
Condenar a Apelada nas custas.
Coimbra, 12 de Abril de 2018.
( Jorge Arcanjo )
( Isaías Pádua )
( Manuel Capelo )