Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
272/08.2GCTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DANO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 212º,40º,47º,70º,71º DO CP E 410º, 412º,428 DO CPP
Sumário: 1.De acordo com o disposto no nº3 do artigo 58º do CP, para o efeito da determinação do trabalho prestado em cumprimento de pena de multa, a cada dia da sanção corresponde uma hora de trabalho.
2. Esse é o critério normativo escolhido e entendido político-criminalmente fundado pelo que deve ser aplicado, não podendo o julgador escolher outro, como seja o da menor gravidade da pena de multa relativamente à pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral: 13

I – Relatório.
1.1. O arguido P, já com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento porquanto alegadamente incurso, segundo acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática de um crime de ameaça, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.
Findo o contraditório, acabou ele condenado enquanto agente material, sob a forma consumada, desse tipo de ilícito, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, logo substituída por trabalho a favor da comunidade, durante o período de 90 horas.
1.2. Desavindo tão-somente com o segmento da decisão que fixou tal número de horas de trabalho, recorre o Ministério Público, formulando a partir da pertinente motivação as conclusões seguintes:
1.2.1. De harmonia com o artigo 58.º, n.º 3, do Código Penal, aplicável ex vi do seu artigo 48.º, n.º 2 [redacção conferida através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro], “cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.”
1.2.2. Aquando da revisão de 2007, o legislador pretendeu clarificar o regime e remover obstáculos que existiam na sua aplicação e, para o efeito, optou por um critério aritmético, a saber:
1.2.3. Quando o artigo 48.º, n.º 2 menciona ser “correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3”, visa fazer equivaler uma hora de trabalho a cada dia de multa.
1.2.4. Ora, em virtude desta imposição, o Tribunal a quo deveria ter ordenado o cumprimento pelo arguido, não de 90 horas de trabalho, mas antes, de 120 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
1.2.5. Não o tendo feito, violou o aludido artigo 48.º, n.º 2.
Terminou pedindo que, no provimento do recurso, se decrete a revogação do sentenciado nesse circunspecto, impondo-se ao arguido a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (vulgo, doravante, PTFC) durante o período de 120 horas.
1.3. Pese embora notificado ao efeito, o arguido não respondeu a tal peça recorsória.
Admitida a impugnação, foram os autos remetidos a esta instância.
1.4. Aqui, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente ao provimento do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.
Por via disso, determinou-se o prosseguimento do recurso, com recolha dos vistos devidos, o que aconteceu, e submissão à presente conferência.
Urge agora ponderar e decidir.
*
II – Fundamentação de facto.
2.1. Na decisão recorrida teve-se por provada a seguinte factualidade:
1. No dia 8 de … de 200S, pelas 02.30 horas, no interior do Hospital …., na Cidade,… comarca de Tondela, o arguido proferiu, em voz alta, as seguintes expressões, dirigidas a J.: “Eu conheço-te bem, sei bem onde tu moras”; “Eu hei-de matar-te, e sei onde moras.”
2. Na altura, o visado encontrava-se ao serviço da referida unidade hospitalar, na qualidade de funcionário administrativo, próximo do local onde se encontrava o arguido.
3. O arguido encontrava-se no interior da referida unidade enquanto a sua mãe se encontrava a ser tratada devido a uma queda que sofreu.
4. O arguido recusou-se a abandonar o hospital só o tendo feito depois da chegada dos elementos da GNR.
5. O arguido repetiu ainda as expressões: “Eu hei-de matar-te, e sei onde moras”, ao abandonar o referido Hospital e no trajecto entre essa unidade e a residência de sua mãe, o que fez na presença dos elementos da GNR que o levaram a casa.
6. J. teve posteriormente conhecimento da prolação das referidas expressões, o que o fez recear pela sua vida e integridade física.
7. O arguido sabia que J. é funcionário do hospital, que se encontrava no seu local de trabalho.
8. O arguido sabia que as expressões por si proferidas eram susceptíveis de provocar medo e inquietação a qualquer pessoa e em especial a J. como provocaram.
9. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que aquela sua conduta era proibida e punível por lei corno crime,
Além da acusação provou-se que:
10. O arguido foi condenado por sentença de …-2003, pela prática de um crime de receptação, numa pena de 300 dias de multa, por facto de 24-01-2001, a qual se encontra extinta por pagamento.
11. O arguido possui como habilitações académicas o 6.º ano de escolaridade, encontrando-se desempregado.
12. Vive na companhia da namorada, que se encontra grávida e não possui qualquer rendimento, vivendo em casa da mãe do arguido e a suas expensas.
13. Tem três filhos que foram encaminhados para a adopção.
14. O ofendido sentiu medo que o arguido efectuasse represálias, razão pela qual não apresentou queixa pelo facto de o arguido antes de ter proferido as expressões supra citadas o ter agarrado e batido com murros.
15. A mãe do arguido encontrava-se a ser tratada de uma queda que sofreu, encontrando-se alcoolizada.
16. No dia em causa o arguido exalava hálito a álcool.
2.2. Já no que respeita a factos não provados, se consignou na dita sentença que:
Não se provou que o arguido tivesse feito qualquer referência aos filhos de J.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.”
2.3. Por fim, tem o teor que segue a respectiva motivação probatória:
A convicção do tribunal sobre a factualidade dada como provada, resultou do conjunto das provas produzidas em audiências, conjugadas com as regras da experiência comum, a saber:
Nas declarações do arguido que durante o seu interrogatório admitiu a presença no Hospital, bem como de se encontrar muito nervoso por ter visto a mãe com sangue.
Nas declarações do ofendido J., conjugadas com as declarações das testemunhas AA e JA, ambos militares da GNR a prestar serviço no posto de Tondela, que no dia em causa se deslocaram ao Hospital por terem sido chamados via rádio e que relataram as expressões que ouviram da boca do arguido, sendo que, nesse momento o ofendido se encontrava fechado no seu gabinete de trabalho para evitar ser agredido pelo arguido que se encontrava muito exaltado e sem qualquer controle sobre si.
Estas testemunhas relataram que o arguido tinha hálito a álcool.
Os factos relatados por estas testemunhas foram presenciados por elas, tendo prestado depoimento de forma espontânea e sincera, logrando convencer o tribunal quanto à veracidade dos mesmos.
Tal depoimento foi complementado pelas testemunhas S. e B., ambos enfermeiros que no dia em causa se encontravam de serviço no hospital e relataram a forma como o arguido se comportou dentro do hospital tendo estado na zona de tratamentos sempre a reclamar e a perturbar o funcionamento do hospital, falava alto para todos os que ali se encontravam e que tanto a mãe, paciente que tratavam como o arguido exalavam hálito a álcool.
Os factos relatados por estas testemunhas foram presenciados por elas, tendo prestado depoimento de forma espontânea e sincera, logrando convencer o tribunal quanto à veracidade dos mesmos.
Estes dois grupos de depoimentos são compatíveis entre si, revelando uma postura de agressividade do arguido para com algo e que o surgimento do ofendido foi o ponto de ignição para passar ao ataque, descarregando a sua incapacidade de lidar com as frustrações.
Quanto à questão do medo sentido pelo ofendido, o tribunal teve em conta que o ofendido o referiu, o que também foi sentido pelos restantes elementos da equipa hospitalar, sendo que a agressão física ocorrida dentro das instalações do hospital e a repetição das expressões mesmo na presença da GNR, criam um conjunto de circunstâncias que para qualquer cidadão normal faz crer a forte possibilidade de ocorrência de uma acção futura anunciada.
Quanto aos antecedentes criminais o CRC junto aos autos.
Quanto às condições económicas e sociais do arguido nas declarações do mesmo, as quais forma credíveis e compatíveis com os conhecimentos que o tribunal tem pelo desempenho das funções, e dos diversos processos, incluindo os processo de promoção e protecção que foram alvo os filhos do arguido e que correm termos neste juízo.
Quanto aos factos não provados por as testemunhas supra indicadas em especial os elementos da GNR negaram que o arguido tivesse feito qualquer referência aos filhos do ofendido.”
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III – Fundamentação de Direito.
3.1. É pacífica a doutrina e jurisprudência Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, Tomo 1, pág. 247.
no sentido de que a delimitação do âmbito do recurso decorre das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação (também artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), isto sem prejuízo do conhecimento, inclusive oficioso, dos vícios elencados nas diversas alíneas do artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma adjectivo, bem como das nulidades taxadas como insanáveis, conforme subsequente n.º 3 Ac. n.º 7/95, do STJ, em interpretação obrigatória..
Assim sendo, não se nos vislumbrando existir fundamento que imponha este conhecimento oficioso, e sendo ademais admissível a restrição do objecto do recurso por virtude do carácter disponível que ele assume (artigo 403.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), temos que o thema decidendum se limita apenas a indagarmos sobre a correspondência entre dias de multa e de trabalho, quando se admitir essa forma de cumprimento da pena pecuniária.
3.2. Esta instância já teve ensejo de se pronunciar a propósito Ac. da Relação de Coimbra, de 28.05.08, in recurso n.º 49/07.2 PTCBR-A.C1, sendo Relator o Ex.mo Desembargador F. Ventura. sobre o tema. Fê-lo em moldes a que aderimos e daí que, também porque não descortinamos algo que importe adjuvar ao que então se exarou, sigamos o expendido na íntegra.
A decisão recorrida indo de encontro a anuência formulada pelo arguido no decurso da audiência (fls. 99), facultou-lhe satisfazer a pena de multa em que foi condenado através da prestação de dias de trabalho.
Essa possibilidade é conferida pelo art.º 48.º do Código Penal, contemplando um «sucedâneo da multa» Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Ed. de Notícias, 1993, p. 139. e não se confunde com o instituto da prestação de trabalho a favor da comunidade, este verdadeira pena de substituição da prisão, mesmo que os fundamentos que lhes subjazem sejam idênticos. Como refere Figueiredo Dias Ob. cit., 139-140, embora num contexto legislativo diverso, como adiante se explicitará.

, «o conteúdo desta sanção sucedânea da multa é inteiramente análogo ao daquela pena; e o próprio sentido político-criminal de uma e outra é idêntico: porque também a sanção de dias de trabalho (apesar de não ser, de um ponto de vista dogmático, uma pena de substituição, como sucede com a pena de PTFC) se justifica como última forma de evitar que ao condenado, que não pagou a multa nem voluntária, nem coercivamente, seja aplicada uma pena privativa da liberdade. Uma e outra razão justificam que a generalidade dos problemas de aplicação e de execução da sanção de dias de trabalho seja solucionada da mesma forma e no mesmo sentido em que o são os problemas postos pela pena de PTFC».
A evolução do referido «sucedâneo da multa» tem acentuado essa fundamental identidade de regimes, sem postergar a diferente natureza dos institutos.
Vejamos, brevemente, as alterações sofridas, pois ajudam à solução do problema sub judice.
No regime original do CP de 1982, fixada a pena de multa e não acontecendo o pagamento voluntário, seguia-se a execução dos bens do condenado. Mas, se a multa não fosse paga de forma voluntária ou coerciva, podia ser substituída por dias de trabalho. O texto do art.º 47.º, n.º 2, do CP82 era o seguinte:
«2. Se, porém, a multa não for paga voluntária ou coercivamente, mas o condenado estiver em condições de trabalhar, será total ou parcialmente substituída por dias de trabalho, nos termos dos números anteriores, será cumprida a pena de prisão aplicada em alternativa na sentença
Relativamente a este normativo, cedo se levantaram dúvidas interpretativas e perplexidades:
A primeira prendeu-se com a circunstância de o legislador não condicionar a imposição do trabalho a requerimento ou sequer consentimento do condenado, o que corresponderia a trabalho forçado, vedado pelo direito convencional a que Portugal se vinculara. A doutrina e jurisprudência convergiram no sentido da exigência de tal requisito Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 140-141. Leal Henriques e Simas Santos, O Código Penal de 1982, vol. 1, 1986, Rei dos Livros, pág. 285 e Ac. da Relação de 24/01/84, CJ, ano IX, Tº1, pág. 299.
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A segunda, e principal, radicou na sua aplicação prática. Não vindo definido qual o tipo de trabalho a prestar, houve quem concluísse que devia ser o trabalho para que estava habilitado o condenado Leal Henriques e Simas Santos, ob. cit., págs. 285-286., o que gerava profunda desigualdade e injustiça entre os condenados, levando a que aqueles com trabalho menos qualificado tivessem que cumprir a pena de multa por período mais prolongado.
Essa orientação foi justamente criticada, defendendo-se que não existia correspondência aritmética entre o valor económico da multa e os dias de trabalho, encontrando, com a publicação do CPP de 1987, suporte adicional no disposto no art.º 489.º, n.º 2, desse código Figueiredo Dias, ob. cit., 142-143..
Por ocasião dos trabalhos preparatórios da revisão de 1995 do Código Penal Publicados em Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, 1993, Rei dos Livros (ed. para o Ministério da Justiça), 1993. Espera-se que esse exemplo seja seguido pelo legislador da recente revisão de 2007., tais problemas mereceram discussão, tendo o Prof. Figueiredo Dias apresentado proposta que, sublinhou, «passa agora a ser encarada como alternativa à própria multa» Cfr. Acta n.º 4.
e indicou as linhas de força que presidiram à concepção da norma, nos seguintes termos:
Num primeiro momento, o juiz informa o condenado que vai ser condenado em multa;
De seguida, o condenado (como que dando um passo em frente) requer a substituição;
Num momento final, o juiz, ou conclui pela não satisfação das finalidades da pena, indeferindo o requerimento, ou adia a sentença de forma a ponderar as possibilidades existentes para a concretização da substituição requerida (em termos paralelos ao que sucede na tramitação processual para a execução da prestação de trabalho a favor da comunidade, art.º 498.º do Código de Processo Penal).
Essa solução foi aprovada, acompanhada com consenso no sentido de que a substituição deveria acontecer em incidente processual posterior à sentença.
Assim, com o D.L. 48/95, de 23/9, passou o ordenamento penal a apresentar a conformação do art.º 48.º hoje vigente, constituindo peça importante no equilíbrio que o legislador procurou conferir à sanção pecuniária, enquanto reacção privilegiada para confrontar a pequena e média criminalidade. Lê-se na exposição de motivos desse diploma:
«Finalmente, e sem prejuízo de o condenado poder solicitar a sua substituição da multa por dias de trabalho em caso de impossibilidade não culposa do pagamento, a execução da pena de multa, deixa de poder ser objecto de suspensão, reforçando-se assim a sua credibilidade e eficácia.
A elasticidade agora conferida à pena de multa não permite configurá-la como verdadeira alternativa as casos em que a pena de prisão se apresenta desproporcionada, designadamente pelos efeitos colaterais que pode desencadear, comportando, porém, um sacrifício mesmo para os economicamente mais favorecidos, com efeitos suficientemente dissuasores
No desenvolvimento desse propósito, a norma do art.º 48.º do CP, estabelece:
Art.º 48.º
(substituição da multa por trabalho)
1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do art.º 59.º.
Emerge, com nitidez, sobretudo com auxílio da evolução do instituto, a consagração de uma forma de cumprimento da pena de multa e ainda a vontade de equiparação de regimes com a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, o que encontrou expressão no segmento «correspondentemente aplicável». Trata-se de aplicar as mesmas regras, em tudo o que não contrariar a natureza distinta dos institutos Uma das diferenças encontra-se no leque de entidades beneficiárias do trabalho. Dada a sua natureza de sucedâneo de prestação pecuniária que ingressaria na esfera patrimonial do Estado, o regime do art.º 48.º apenas comporta as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), ou seja, aquelas como tal declaradas, e não, como acontece com a PTFC também outras entidades privadas com interesse comunitário. , como preconizado pelo Professor Figueiredo Dias Ob.. cit., pág. 374, onde refere «deve reconhecer-se que, de um ponto de vista político-criminal, seria preferível equiparar os critérios de correspondência na pena de PTFC e nos dias de trabalho»..
Porém, ausente do ordenamento penal qualquer regra que fornecesse critério normativo preciso, político-criminalmente fundado, para a definição da duração do trabalho a prestar, via-se o juiz reenviado, em incidente posterior à sentença, para nova tarefa de determinação das consequências jurídicas do crime, o que, juntando-se ao esforço e complexidade suplementar exigido pelo regime do art.º 490.º do CPP e D.L. 375/97, de 24/12, explica, em parte, a reduzida aplicação entre nós da prestação de trabalho a favor da comunidade.
Ora, neste panorama legislativo e judicial, a opção do legislador aquando da revisão de 2007 foi seguramente a de contribuir para a clarificação deste ponto do regime e, assim, remover obstáculos à sua aplicação. Escolheu a via da correspondência aritmética, através da estatuição no art.º 58.º, n.º 3, do CP, de que cada dia de prisão corresponde a uma hora de trabalho Um exemplo de conversão que permanece inalterada, suscitando diferenças de critério, acontece no art.º 80.º, n.º 2, do CP, onde se estipula que a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação são descontada à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa.
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Correspondentemente, e perante a identidade de regimes iniciada em 1995, o mesmo deve acontecer quando a pena substituída for a de multa.
Importa sublinhar que esse critério aritmético foi seguido no momento da imposição dos dias de trabalho como relativamente ao desconto a proceder quando ocorra revogação da substituição.
Com efeito, flui do disposto art.º 49.º do CP, que a ponderação da prisão subsidiária de multa apenas acontece depois de esgotado o recurso ao cumprimento voluntário, coercivo ou através da prestação de trabalho, seja porque não é deferida a substituição requerida, seja por revogação desse sucedâneo da multa. Acresce que o art.º 59.º, n.º 4, do CP, estabelece que o desconto do trabalho prestado na pena de prisão a cumprir respeita a mesma regra de uma hora de trabalho por dia de prisão, ou seja, tomando a aplicação correspondente ao trabalho prestado em cumprimento da multa estabelecida pelo art.º 48.º, n.º 2, do CP, cada hora de trabalho desconta – paga/cumpre – um dia de multa. Então, face ao disposto no art.º 49.º, n.º 1, do CP, na operação de conversão da multa não paga em prisão subsidiária, o cálculo desta tem como ponto de partida o número remanescente de dias de multa ainda por pagar, descontados aqueles pagos voluntária e coercivamente ou ainda através da prestação de trabalho, sendo cumprida prisão subsidiária correspondente a dois terços desse remanescente.
Feito este percurso, encontramo-nos em condições de responder à questão colocada no presente recurso e no sentido propugnado pelo recorrente, pois nada obsta à aplicação do n.º 3 do art.º 58.º do CP, ou seja, que para o efeito da determinação do trabalho prestado em cumprimento de pena de multa, a cada dia da sanção corresponde uma hora de trabalho. Esse é o critério normativo escolhido e entendido político-criminalmente fundado pelo que deve ser aplicado, não podendo o julgador escolher outro, como seja o da menor gravidade da pena de multa relativamente à pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
Procede, pelo exposto, o recurso.
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IV – Decisão.
Termos em que acordam os Juízes da secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em:
Conceder provimento ao recurso e fixar as horas de trabalho a cumprir pelo arguido P…, em substituição da pena de multa de cento e vinte dias, à taxa diária de € 5,00, em 120 (cento e vinte) horas.
Sem tributação.
Notifique.
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Coimbra, 13 de Janeiro de 2010