Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9070/16.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ARRESTO
JUSTO RECEIO
PERDA DE GARANTIA PATRIMONIAL
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.368, 392 CPC, 601 CC
Sumário: 1 – No arresto, para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor (ou baseado em meras conjecturas), de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes há-de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá ele que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo uma avaliação dependente das regras de experiência comum.

2– Sendo que para o preenchimento da cláusula geral do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam, em geral, a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.

3 – A esta luz, se na situação ajuizada nenhuma prova se fez no sentido de qualquer comportamento que, complementarmente, levasse com segurança a dizer que a Requerida nos autos encetou uma atuação de venda, ocultação ou depauperação de bens, ao que acresce nem sequer ter sido alegada uma situação suficiente e bastante para atestar uma débil e deficitária actividade da Requerida, nada há que censurar à decisão recorrida que julgou o arresto que havia sido requerido como improcedente, por não considerar verificado o dito requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

 “CONDOMÍNIO (…)” requereu providência cautelar contra “CB (…), L.da” pedindo o arresto dos bens móveis que compõem o recheio do bar/restaurante instalado no prédio sito na Quinta (...) , Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 7783, da freguesia de (...) , para garantia do crédito que detém sobre a requerida no valor de 49.950 €, respeitante às rendas devidas pelo arrendamento que a requerente fez à requerida do “Clube do Condomínio da Quinta (...) ”, edificado naquele prédio, vencidas nos anos de 2011 a 2016 e não pagas pela requerida, justificando o receio de perda da garantia patrimonial desse seu crédito pelo facto da requerida não dispor de outros bens para além daqueles que, não sendo propriedade da requerente, compõem o recheio do bar/restaurante, sendo previsível que findo o processo especial de despejo que vai propor contra a requerida esta já não detenha património, seja por acção de outros credores, seja por a requerida se desfazer desse património.

*

Procedeu-se à inquirição das 2 testemunhas arroladas pelo Requerente, com observância do formalismo legal pertinente.

Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido de que sendo inquestionável a verificação do primeiro requisito necessário para o decretamento da providência (a probabilidade da existência do crédito), já o mesmo não se podia fazer no tocante ao segundo requisito, a saber, o justificado receio de perda da garantia patrimonial, termos em que se julgou o arresto que havia sido requerido como improcedente.

                                                           *

Inconformado com essa sentença, apresentou o Requerente recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«(…)

Não houve contra-alegações.

                                                           *

            A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

            Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são:

 - desacerto da decisão de improcedência do procedimento cautelar de arresto que havia sido requerido, enquanto fundamentada na não verificação do requisito do “justificado receio de perda da garantia patrimonial”?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso, é a que foi alinhada na decisão recorrida (e que não foi expressamente alvo de impugnação nas alegações recursivas), a saber:

«Mostram-se provados os seguintes factos:

1. Em 15.Abril.2011 a requerente “Condomínio (…)” e a requerida “CB (…) Ldª” celebraram um contrato denominado “Contrato de Arrendamento para fins não habitacionais (comerciais) de duração limitada” nos termos do qual a primeira declarou dar de arrendamento à segunda com vista ao exercício da actividade comercial de bar e restaurante o “(…)”, edificado no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 7783, da freguesia de (...) , e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 12.826, mediante contrapartida pecuniária mensal, arrendamento que a requerida declarou aceitar;

2. Acordaram requerente e requerida que o contrato teria a duração de 5 anos, com inicio em 1.Dezembro.2011 e termo em 30 Novembro.2016, podendo renovar-se por iguais períodos de cinco anos, podendo renovar-se por iguais períodos de cinco mediante acordo escrito entre as partes;

3. Mais acordaram que o valor de renda anual seria de 12.000 €, passando a 12.600 € a partir de 1.Dezembro.2013 e a 12.800 € a partir de 1.Dezembro.2015, a pagar em prestações mensais e no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse;

4. J (…) interveio no referido contrato na qualidade de fiador, renunciando ao benefício da excussão prévia;

5. A requerida, logo após a celebração do contrato, passou a utilizar o prédio identificado no ponto 1. no exercício da actividade comercial de bar e restaurante conforme contratado;

6. A requerente, desde o início do contrato até à data de instauração do presente procedimento cautelar, nunca procedeu ao pagamento regular e atempado das quantias devidas a título de renda, não tendo procedido ao pagamento das seguintes rendas:

- vencidas nos meses de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012, perfazendo 2.000 €;

- vencidas no ano de 2012, no valor de 10.500,00€ (mercê do pagamento da quantia de 1.500 €);

- vencidas no ano de 2013, no valor de 10.550 € (mercê do pagamento da quantia de 1.500 €);

- vencidas no ano de 2014, no valor de 12.650 € (mercê do pagamento da quantia de 1.000 €);

- vencidas no ano de 2015, no valor de 7.250 € (mercê do pagamento da quantia de 6.000 €);

- vencidas no ano de 2016, no valor de 8.000 € (mercê do pagamento da quantia de 3.500 €),

ascendendo o quantitativo em dívida a 49.950 €;

7. A requerida abordada na pessoa do seu socio gerente, A (…) pelos vários administradores do condomínio com vista ao pagamento das rendas em dívida, invoca dificuldades e contratempos, prometendo o pagamento das rendas em dívida;

8. É desconhecido o paradeiro do fiador, J (…), assim como é desconhecida a existência de bens da sua titularidade.

                                                                               ¨¨

Não se provaram outros factos.»     

                                                                           *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então proceder à apreciação da questão supra enunciada, directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, haver desacerto da decisão de improcedência do procedimento cautelar de arresto que havia sido requerido, enquanto fundamentada na não verificação do requisito do “justificado receio de perda da garantia patrimonial”.

Na sentença recorrida, depois de se discorrer, acertadamente, em tese jurídica, quanto aos fundamentos e finalidade da providência cautelar de arresto, concluiu-se pela presença do primeiro dos seus requisitos (a probabilidade da existência do crédito), mas já não assim no tocante ao segundo requisito, a saber, o justificado receio de perda da garantia patrimonial.

Sendo que para o efeito se louvou no seguinte discurso argumentativo:

«Para o preenchimento do pressuposto consistente no justificado receio de perda da garantia patrimonial bastará “que, com a expectativa da alienação de determinados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do seu crédito (...) ficando no seu património só com bens que, pela sua natureza, dificilmente encontrem comprador numa venda judicial. Basta igualmente (...) que exista acentuada desproporção entre o montante do crédito e o valor do património do devedor, desde que este património seja facilmente ocultável” (1).

Da factualidade dada como provada apenas resulta preenchido o pressuposto consistente na probabilidade da existência do crédito tanto quanto é certo que se mostra indiciariamente comprovado que a requerente dispõe de um crédito sobre o requerido, ascendendo o capital em divida ao montante de 49.950 €, correspondente às rendas não satisfeitas.

Não logrou a requerente demonstrar factos integrativos do outro pressuposto de que depende o decretamento do arresto consistente no justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito, o que determina a improcedência da providência cautelar requerida.

(1) Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 637»

Como fundamento para o recurso deduzido sustenta o Requerente da providência que resultaram provados factos integrativos desse dito outro pressuposto de que dependia o decretamento do arresto, ou seja, o justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito.

Para tanto, sustentou, no essencial, o seguinte:

«4 - Resulta provado que estamos perante uma dívida considerada elevada, que totalizava já a quantia de € 49 950 (facto provado em 6.);

5 – J (…) figura no contrato de arrendamento como fiador, com renúncia ao benefício da excussão prévia (facto provado em 4.).

6 - No entanto, esse mesmo fiador, tem neste momento paradeiro desconhecido e é desconhecida a existência de bens da sua titularidade.

7 - A recorrida, interpelada pelos vários administradores da recorrente, invoca dificuldades e contratempos (facto provado em 7.)

8 - Ora,

a) Se o recorrente alega que tem um crédito elevado,

b) Se o recorrente alega que corre sério risco de vir a perder a garantia do seu crédito,

c) Se o devedor não possui outros bens,

d) Se o fiador desapareceu,

e) Se o sócio gerente da recorrida invoca dificuldades e contratempos, resulta claramente que se quer eximir ao cumprimento da sua obrigação,

10 - É claro que resulta provado que o património da devedora é claramente insuficiente para satisfazer o crédito,

11 - Pelo que o pressuposto consistente no justo receio se encontra verificado.»

Que dizer?

Salvo o devido respeito, discordamos da adequação e acerto desta interpretação jurídica de per se, para além de que este raciocínio dedutivo assenta/invoca pressupostos de facto não verificados.

Na verdade, e começando por esta último aspeto da questão, não resultou provado/apurado que a devedora não possui outros bens para além dos que compõem o recheio do bar/restaurante que a mesma explora…

O que, quanto a nós, configura um ponto de facto nada despiciendo na circunstância, na medida em que o alegado no requerimento inicial já era, à partida,  bastante limitado (senão mesmo incontornavelmente insuficiente!), em ordem a substanciar o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito.

Senão vejamos, o que cremos dever ser feito pelo direto confronto com o que tem sido o entendimento prevalecente neste particular.

A garantia patrimonial do credor é constituída por todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios (cf. art. 601º do C. Civil).

O justo receio ou justificado receio de perda da garantia patrimonial, não se basta com dados subjectivos que induzam um tal receio no credor, requerendo antes elementos objectivos donde se possa inferir, de forma fundamentada, o receio de perda da garantia patrimonial.[2]

Isto porque, se assim não fosse, um credor mais desconfiado ou receoso teria base para requerer um arresto, enquanto um credor mais sereno, mais confiante, num igual quadro fáctico, não o teria.

E é por assim ser que o sucesso de um mecanismo de justiça cautelar não pode depender, sob pena de intolerável arbitrariedade, do estado de espírito que o requerente desse mecanismo tem em certo momento.

Dito de outra forma: é por isso que se requer a prova, ainda que em termos necessariamente perfunctórios – dada a ausência de contraditório e o juízo de probabilidade em regra inerente à justiça cautelar (cf. os art.os 368º, nº 1 e 392º, nº 1, ambos do n.C.P.Civil) – de factos que objectivamente façam recear pela perda da garantia patrimonial do crédito do requerente do arresto.

Mas que elementos objectivos (indiciadores do justo ou justificado receio) são esses?

A propósito do requisito do fundado receio nas providências cautelares não especificadas, mas que se aplica ao arresto, já foi doutamente sustentado o seguinte:

«Determina a lei que o receio deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.

Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões»[3].

Na mesma linha, vejamos o que já foi sustentado em douto aresto:  

«para o preenchimento da cláusula geral do “justificado receio de perda de garantia patrimonial”, relevam, designadamente, a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes»[4].

Assim como num outro:

«Perfilhamos o entendimento de que o arresto não visa proteger o credor temerário ou incauto, que concede crédito sem avaliar as possibilidades económicas de ser reembolsado pelo devedor; antes visa proteger o credor “surpreendido” por condutas ou intenções do devedor que pretende furtar-se ao cumprimento das suas obrigações (Ac. STJ de 5.3.96, in http://www.dgsi.ptJSTJ96A045, Ac. RL de 18.11.08, in http://www.dgsi.pt Proc. nº 5452/2008-1 e Ac. RP de 16.12.01, in http://www.dgsi.ptJTRP0131390).

Com efeito, cremos que a redacção do nº 1 do artigo 406º do Cód. Proc. Civ. implica uma comparação do património do devedor na altura da constituição da obrigação e no momento, posterior, em que se deduz o procedimento cautelar. E, embora se não exija a “perda” total do património – caso em que, aliás, nada haveria para arrestar – tem de se verificar uma diminuição com expressão suficiente – ou actos que indiciem essa possibilidade - para justificar o receio de dificuldades na cobrança do crédito.
É a conduta do devedor – que frustra, ou visa frustrar, as legítimas expectativas do credor através da alienação ou oneração do seu património – que justifica a tutela cautelar ao alcance do credor, tornando ineficazes perante este os actos daquele que diminuam a garantia patrimonial do seu crédito.
E é essa mesma intenção do devedor e o objectivo de evitar a sua concretização em prejuízo do credor que igualmente justifica a não audiência do requerido antes do decretamento do arresto»
[5].

Isto é, tem a jurisprudência vincado o entendimento de que é ou a conduta, ou a intenção subjacente às acções ou omissões do devedor, ou um estado de facto da sua situação ou actividade económica que há-de ser o critério determinante para se aferir sobre a verificação do requisito em apreciação, como o ilustram os seguintes sumários de arestos sobre esta temática:

- «Para o justo receio da perda da garantia patrimonial é suficiente a alegação e prova de um núcleo factual que demonstre ou indicie um perigoso decréscimo da solvabilidade do devedor, a dissipação ou extravio de bens, a desproporção entre o seu activo e passivo, a natureza ocultável do património, ou a ocorrência de qualquer outra situação que aponte no sentido de que o devedor não pode solver a dívida»[6];

- «Tem a jurisprudência convergido no entendimento de que se verifica o requisito aludido no art. 392º, nº 1 do C.P.C. (periculum in mora) sempre que dos factos dados como (indiciariamente) assentes se retira que o requerido praticou actos de alienação/oneração/ocultação/dissipação do seu património; que o requerido se furta aos contactos com a requerente, na tentativa de assim retardar e/ou impossibilitar o cumprimento da obrigação; que o requerido se encontra em situação económica deficitária, com uma evidente desproporção entre o activo e o passivo, sem réditos ou sem desenvolver qualquer actividade produtiva, e com inviabilidade de recurso ao crédito etc, etc…»[7];

- «Na fórmula genuína do «justo receio de perda da garantia patrimonial» cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e facilidade com que estes podem ser transaccionáveis»[8];

Aliás, o aresto invocado pelo Requerente ora recorrente em seu abono nas alegações recursivas[9], expressa este mesmo entendimento, como flui claramente do sentido integral do que dele consta, a saber:

«(…)

O justo receio de perda de garantia patrimonial ocorre sempre que o devedor tenha, ou se disponha a ter, comportamentos, indiciados por factos concretos, em relação ao seu património que façam recear pela possibilidade de satisfação do crédito do credor, nomeadamente a alienação, transferência ou ocultação de património, ou a sua oneração com dívidas, tornando difícil o pagamento aos credores ou a manutenção da sua solvabilidade, com superioridade do passivo em relação ao activo.

Como se escreveu no Ac. do STJ de 20.01.2000, P. 99B1201, in www. dgsi.pt, “Na fórmula genuína do "justo receio de perder a garantia patrimonial" cabe uma variedade de casos, tais como os de receiode fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspeições de tais situações”.

Na ponderação casuística da verificação (em termos objectivos) deste requisito para que se decrete o arresto, considerando justificado o receio do requerente, nunca se poderá deixar de ponderar a situação concreta do requerido, tendo em conta, nomeadamente, a actividade desenvolvida, e a sua natureza.

(…)»

Revertendo mais uma vez ao caso presente.

Nenhuma prova se fez de qualquer comportamento que, complementarmente, levasse com segurança a dizer que a Requerida encetou uma atuação de venda, ocultação ou depauperação de bens…

Acresce que o Requerente nem sequer alegou uma situação suficiente e bastante para atestar uma débil e deficitária actividade da Requerida.

Por outro lado, na motivação da sentença recorrida, a Exma. Juíza a quo aludiu expressamente, a propósito do (pouco) que havia sido afirmado pelas testemunhas, que «Nada mais souberam as testemunhas esclarecer, seja quanto à (in)existência de outros bens para além daqueles que compõem o recheio do bar/restaurante explorado pela requerida, seja quanto à probabilidade de abandono do estabelecimento arrendado e que a requerida continua a explorar, seja quanto à existência de outros credores da requerida …»  

Ora o que é certo é que o Requerente se conformou com a decisão sobre a matéria de facto (provada e não provada), e, não obstante, nas alegações recursivas pretendeu prevalecer-se de pelo menos um facto que havia alegado e não resultou provado (o referido atinente à circunstância de que a Requerida não possui outros bens para além dos que compõem o recheio do bar/restaurante que a mesma explora)!

Ademais, se consta da factualidade apurada que o sócio gerente da Requerida/recorrida invoca dificuldades e contratempos quando é contatado para pagar as rendas em dívida, mas “prometendo o pagamento das rendas em dívida”, não vislumbramos de todo como sancionar a conclusão – que consta do raciocínio dedutivo feito nas alegações recursivas – no sentido de que “resulta claramente que se quer eximir ao cumprimento da sua obrigação”…

O que tudo serve para dizer que não resultou provado in casu haver um comportamento por parte do devedor (Requerida) do qual se retire, com a mínima objetividade, que esta se quer furtar ao pagamento do crédito.

Assim como, por maioria de razão, não se pode de forma minimamente consistente e segura concluir – como igualmente consta do raciocínio dedutivo feito nas alegações recursivas – que “resulta provado que o património da devedora é claramente insuficiente para satisfazer o crédito”…

Sendo certo que importa não confundir o desconhecimento do paradeiro do fiador (e bem assim sobre a existência de bens da titularidade deste) com este requisito do justo receio ou justificado receio de perda da garantia patrimonial, sabido que é a obrigação do fiador ser acessória da que recai sobre o principal devedor (cf. art. 627º, nº2 do C.Civil), para além de que, decisivamente, desconhecimento do paradeiro é diferente de desaparecimento, assim como desconhecimento de existência de bens, é coisa distinta de inexistência de bens…  

Termos em que, brevitatis causa, improcede o recurso, por nada haver que censurar à decisão recorrida.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – No arresto, para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor (ou baseado em meras conjecturas), de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes há-de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá ele que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo uma avaliação dependente das regras de experiência comum.

II – Sendo que para o preenchimento da cláusula geral do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam, em geral, a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.

III – A esta luz, se na situação ajuizada nenhuma prova se fez no sentido de qualquer comportamento que, complementarmente, levasse com segurança a dizer que a Requerida nos autos encetou uma atuação de venda, ocultação ou depauperação de bens, ao que acresce nem sequer ter sido alegada uma situação suficiente e bastante para atestar uma débil e deficitária actividade da Requerida, nada há que censurar à decisão recorrida que julgou o arresto que havia sido requerido como improcedente, por não considerar verificado o dito requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial.

*

6 – DISPOSITIVO

            Pelo exposto, decide-se a final, pela improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.

            Custas do recurso pelo Requerente/recorrente.

                                                                       *

Coimbra, 28 de Junho de 2017   

                                  

Luís Filipe Cravo ( Relator)

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
   2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] Note-se que ABRANTES GERALDES, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Livª Almedina, IV vol., 3.ª edição revista e actualizada, a págs. 193., concretamente em relação ao arresto, afirma: «Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.»
[3] Assim por ABRANTES GERALDES, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III, 2ª ed., a págs. 87.
[4] Trata-se do acórdão do T.Rel. de Coimbra de 25.01.2005, no proc. nº 3722/04, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[5] Citámos agora o acórdão do T. Rel. de Lisboa de 30.04.2009, no proc. nº 7682/2007, acessível em www.dgsi.pt.jtrl.
[6] Assim no acórdão do T.Rel. de Coimbra de 06.10.2015, no proc. nº 17/14.0TBCBR-B.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[7] Assim no acórdão do T.Rel. de Lisboa de 09.07.2014, no proc. nº 606/13.8TCFUN.L1-1, acessível em
www.dgsi.pt/jtrl.
[8] Assim no acórdão do T.Rel. de Lisboa de 15.11.2011, no proc. nº 1707/10.0TVLSB-B.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[9] Trata-se do acórdão do T.Rel. de Lisboa de 15.09.2015, no proc. nº 16407/15.6T8LSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.