Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
263/10.3TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
HONORÁRIOS
CONTRATO
MANDATO
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 269/98 DE 01/09
Sumário: A acção declarativa especial instituída pelo Dec. Lei nº 269/98 de 01/09 é adequada para exigir o pagamento de honorários por serviços prestados e de despesas efectuadas ao abrigo de um contrato de mandato celebrado com um advogado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.
A... , advogado com escritório na Rua (...), Castelo Branco, intentou a presente acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, ao abrigo do Dec. Lei nº 269/98 de 01/09, contra B... , C... e D..., Ldª, melhor identificados nos autos, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 6.490,00€, acrescida de juros de mora, referente a honorários de serviços prestados e despesas efectuadas ao abrigo de um contrato de mandato celebrado entre as partes.

Os Réus contestaram, invocando a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade da 2ª Ré (a qual – alegam – não celebrou qualquer contrato com o Autor e à qual este não prestou qualquer serviço). Mais alegam que os 1º e 3º Réus já pagaram os serviços que lhe foram prestados pelo Autor, invocando ainda a prescrição do crédito, ao abrigo do art. 317º, alínea c), do CC.

Após os articulados, foi proferido despacho que julgou improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade, relegando para final a apreciação das demais excepções invocadas.

Foi designada data para a audiência de discussão e julgamento e foi solicitado laudo à Ordem dos Advogados.

Entretanto, foi proferido despacho a ordenar a notificação das partes para que, ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 3, do CPC, se pronunciassem sobre a circunstância de a presente acção especial não ser a adequada ao pedido formulado, sendo que, na sequência desse facto, o Autor veio dizer que a forma de processo deveria ser, então, a comum de declaração, mais requerendo que todos os actos anteriormente praticados fossem aproveitados.

Na sequência desse facto, foi proferido despacho que, julgando verificada a existência de erro na forma de processo, absolveu os Réus da instância.

Discordando dessa decisão, o Autor veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1º - O Autor não instaurou a acção prevista no art.º 73.º do Cód. Proc. Civil, como sendo a acção de honorários, por no seu entender a causa de pedir e pedido, englobavam vários processos judiciais e administrativos em que o aqui Autor prestou serviços enquanto advogado para todos os Réus.
2º - É unânime e prática processual dos advogados para cobrarem as suas dividas, fazem-no, entre outras, utilizando a forma de processo da aqui utilizada - Acção Especial de Cumprimento de Obrigações Pecuniárias (AECOP)-.
3º - Pois, não sendo, no entender do Recorrente e salvo melhor entendimento, a forma de processo aplicada a prevista no Art.º 73º do Cód. Proc. Civil, a acção de honorários.
4º - E mesmo que fosse acção de honorários a prevista para o presente processo, ainda assim, o Tribunal “a quo" deveria oficiosamente ordenar que fosse a aplicada, remetendo-a para o competente processo por apenso.
5º - O Tribunal "'a quo" em despacho datado de 9 de Outubro de 2013, e notificado às partes em 17 de Outubro de 2013, veio convidar as partes para se pronunciarem-se quanto à forma de processo, porquanto, a acção especial não era a adequada ao pedido formulado na petição inicial.
6º - A forma de processo utilizada - Acção Especial de Cumprimento de Obrigações Pecuniárias (AECOP) -, é adequada, pois, o Autor que é simultaneamente advogado, já por inúmeras vezes e em casos análogos utilizou esta forma de processo, e nunca a nenhum Tribunal se colocou esta questão e nem se decidiu como o foi nos presentes Autos.
7º - O único argumento que o Tribunal de 1ª instância utiliza para decidir que a forma de processo pedida nos presentes Autos, não é a correcta é o facto de "não estando invocado na petição inicial que os honorários foram previamente acordados, a presente forma processual não é adequado ao pedido formulado" sic.
8º - Ora, também não pode colher este argumento, já que, qualquer que seja a forma de processo utilizada nunca os honorários são acordados previamente, em termos basilares e fixos, porque em cada processo muitas diligências e incidentes surgem, e porquanto, os honorários a serem combinados entre as partes podem ser alterados, como o são.
9º - Assim, a forma de processo requerida nos presentes Autos, é a adequada, correcta e legal.
Conclui pela revogação da decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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II.
Questão a apreciar:
Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a forma de processo aqui utilizada (processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato) é ou não a adequada para fazer valer a pretensão aqui solicitada referente a honorários de serviços prestados por advogado ao abrigo de um contrato de mandato.
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III.
A decisão recorrida, citando e reproduzindo parcialmente um Acórdão da Relação de Évora de 19/06/2008 (cujos argumentos acolheu), considerou que a forma de processo escolhida pelo Autor não era a adequada ao pedido formulado. Refere, para tanto, que o regime processual consagrado no Dec. Lei nº 269/98 não é aplicável a todo e qualquer contrato, estando pensado, essencialmente, para os contratos de crédito ao consumo e não se coadunando com o pedido de condenação no pagamento de honorários por serviços de patrocínio prestados por advogado, já que, nestes casos, ao contrário do crédito ao consumo e fora dos casos de ajuste directo ou de convenção prévia quanto ao montante dos honorários, o cliente do advogado não está, à partida, em condições de poder quantificar os honorários que lhe serão exigidos, competindo ao advogado fazer a respectiva quantificação em função de elementos concretos. Mais refere – continuando a citar o aludido Acórdão da Relação de Évora – que o disposto no art. 76º do CPC também aponta no mesmo sentido, já que, se os honorários, quando decorrentes de intervenção em processo judicial, devem ser exigidos por via de acção a instaurar no tribunal da causa na qual foi prestado o serviço e corre por apenso à mesma, mal se explicaria que para os restantes casos se pudesse recorrer ao procedimento de injunção.
Assim, conclui, não estando invocado na petição inicial que os honorários foram previamente acordados, a presente forma processual não é a adequada ao pedido formulado.

Em sentido semelhante àquele que foi adoptado na decisão recorrida, pronuncia-se Salvador da Costa A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed. Actualizada e ampliada, 2005, pág. 44., referindo o que passamos a citar: “Pensada essencialmente para os contratos de crédito ao consumo, esta acção não se coaduna com o pedido de condenação no pagamento de honorários por serviços de patrocínio prestados por advogados ou solicitadores no âmbito de contratos de mandato forense quando o seu montante tenha sido, como é a regra, fixado unilateralmente por aqueles causídicos”.
Mas, salvo o devido respeito, não podemos concordar com esse entendimento.
Com efeito, ainda que o regime processual instituído pelo Dec. Lei nº 269/98 de 01/09 tenha sido criado – como se refere no respectivo preâmbulo – para fazer face ao aumento explosivo da litigiosidade relacionada com a cobrança de créditos emergentes de contratos celebrados entre determinadas empresas (grandes utilizadores) com milhares de consumidores, a verdade é que o legislador, ao delimitar o âmbito dos procedimentos especiais ali previstos, entendeu estender esse regime a todo e qualquer contrato, dispondo, no art. 1º que “é aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000…”.
Parece claro, portanto, face ao disposto na norma citada, que aqueles procedimentos podem ser utilizados sempre que se pretenda exigir uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000,00€, independentemente do tipo e natureza do contrato e independentemente da circunstância de a obrigação pecuniária em causa estar ou não previamente determinada.
Com efeito, apelando às regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9º do CC, presumindo, como aí se determina, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e considerando, como também ali se determina, que o intérprete não pode considerar qualquer pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, não encontramos razões para considerar que apenas determinadas obrigações pecuniárias e apenas determinados contratos estão abrangidos na letra da lei, quando é certo que esta não faz qualquer distinção e não alude a qualquer restrição.
Se o legislador não distinguiu, também não caberá ao intérprete fazê-lo.
A lei determina apenas – como se referiu – que aqueles procedimentos são adequados para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€; a lei não faz qualquer restrição ao nível da natureza do contrato e também não exige que a obrigação pecuniária esteja previamente determinada e acordada entre as partes.
Ora, a obrigação de pagamento de serviços prestados e de despesas efectuadas ao abrigo de um contrato de mandato celebrado com um advogado (é essa a obrigação que está a ser exigida nos autos) é uma obrigação pecuniária, é uma obrigação emergente de um contrato e não tem valor superior a 15.000,00€, e, como tal, integra-se no âmbito de previsão do art. 1º do citado diploma legal.
Não poderá, por isso, considerar-se que a acção declarativa aprovada pelo aludido diploma não seja adequada para fazer valer a pretensão deduzida pelo Autor (pretensão que – reafirma-se – corresponde à exigência de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000,00€).
Neste sentido se tem pronunciado, aliás, a generalidade da jurisprudência (cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 02/10/2012, 27/03/2012 e 29/09/2009 e o Acórdão da Relação do Porto de 22/06/2006 Proferidos nos processos nºs 31205/09.8T2SNT-A.L1-7, 262406/09.5YIPRT.L1-7, 167945/08.9YIPRT.L1-7 e 0632709, respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt. ).
Por outro lado, e ao contrário do que parece depreender-se da decisão recorrida, o disposto no art. 76º do CPC não tem idoneidade para alterar a conclusão a que chegámos e para concluir pela existência de erro na forma de processo, na medida em que essa norma não dispõe sobre a forma de processo aplicável à acção de honorários; tal norma apenas dispõe sobre a competência territorial do tribunal e dela nada se retira de útil no que toca à forma de processo aplicável àquele tipo de acção.
A aludida norma permitiria, quando muito, que o Tribunal se declarasse territorialmente incompetente, importando notar, de qualquer forma, que, como resulta dos autos, os honorários aqui peticionados reportam-se a serviços prestados pelo Autor em diversos processos (alguns dos quais de natureza criminal) e a serviços prestados fora do âmbito de qualquer acção que tenha corrido termos em Tribunal.
Mas, com fundamento nessa norma, não será possível concluir pela existência de erro na forma de processo, na medida em que a mesma nada dispõe sobre a forma de processo aplicável àquele tipo de acção.

Procede, portanto, o recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida.
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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
A acção declarativa especial instituída pelo Dec. Lei nº 269/98 de 01/09 é adequada para exigir o pagamento de honorários por serviços prestados e de despesas efectuadas ao abrigo de um contrato de mandato celebrado com um advogado.
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IV.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, revogando-se a decisão recorrida, determina-se o normal prosseguimento dos autos.
Custas a cargo da parte vencida a final.
Notifique.


Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)
Maria Domingas Simões
Nunes Ribeiro