Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2424/16.2T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGUES PIRES ROBALO
Descritores: VALOR PARA EFEITO DE CUSTAS
RECURSO
VALOR DE SUCUMBÊNCIA
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J.C. CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 12º, Nº 2 DO RCP (REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS), APROVADO PELO DL Nº 34/2008, DE 26 DE FEVEREIRO; ARTº 304º NCPC.
Sumário: I – Ninguém melhor que o recorrente sabe qual a utilidade económica que pretende retirar do recurso, não impondo o n.º 2 do art.º 12.º do RCP nem o sentido do mesmo implica deferir ao tribunal o cálculo dessa efectiva utilidade económica, antes cumprindo aos interessados, máxime ao recorrente, indicar o valor para efeitos de recurso.

II - A lei estabelece no referido nº 2 do art. 12º do R.C.J., à semelhança do que sucedia com o anterior art. 11º do C.C.J., que a indicação do valor da sucumbência – desde que determinável, como é intuitivo – caberá ao recorrente, sob pena de ser considerado o valor da ação.

III - No recurso por si interposto em 5/12/2017, a aqui recorrente indicou que o mesmo visava a dispensa ou a redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

IV - Deste modo, muito embora a recorrente não tenha indicado expressamente o valor atribuído ao recurso, indicou a decisão de que pretendia recorrer tendo esta um valor preciso e autónomo do valor da causa que dúvidas não poderia suscitar à secretaria quanto ao valor do recurso para fins tributários.

V – Estando-se perante uma questão incidental da lide, cumpre atender ao disposto no art. 304º do C.P.C. no valor a considerar, pois o incidente terá um valor diverso do da causa se a utilidade económica que visa realizar não coincidir com a da ação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção)0 do Tribunal da Relação de Coimbra.

                                               1. Relatório

1.1.- A C... – Instituição Financeira de Crédito, S.A., autora, veio reclamar da conta, referindo que o valor em causa é o referente ao remanescente da taxa de justiça, na medida em que em 30/10/2017 requereu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, subsidiariamente, se assim não fosse entendido, que fosse reduzido parcialmente o remanescente da taxa de justiça que se mostra devido em percentagem não inferior a 90%.

                                               *

1.2. - Após audição do oficial de justiça que elaborou a conta foi proferida decisão a indeferir reclamação apresentada, com custas do incidente pela reclamante, com 1 UC de taxa de justiça, atenta a simplicidade de que se revestiu o incidente, do teor que se transcreve”  Notificado da conta de custas que, na versão impressa, faz as folhas 671 e 672 do processo, veio a C..., aqui autora e condenada ao pagamento de € 150.207,75, reclamar da conta. Invoca, e muito sucintamente, que a secretaria atribuiu ao recurso interposto o valor da acção e não o que decorre da utilidade económica do mesmo recurso, assim devendo pagar quantia superior à que liquidaria se não tivesse beneficiado da decisão do recurso.

Pronunciou-se o oficial de justiça que elaborou a conta no sentido do indeferimento do requerido, argumentando que o recorrente não indicou o valor do recurso, prevalecendo, assim, o valor da acção. O Magistrado do Ministério Público subscreveu igual entendimento, avançando não ser aso caso aplicável o disposto no n.º 2 do art.º 12º do regulamento tributário.

II

Nada impede seja proferida decisão.

III

Importa considerar duas ordens de factos: o recorrente suscitou, ao Tribunal superior, a questão da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente; ele não indicou o valor do recurso.

IV

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 12.º do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro - Regulamento das Custas Processuais -, “nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção”. À face dos factos a atender, importa decidir, na fixação do sentido e alcance da norma, se prevalece o valor da acção nos casos em que o recorrente não indique o valor do recurso e a sucumbência não seja determinável, ou nos casos em que ocorra unicamente uma destas circunstâncias. A este respeito pronunciou-se a Relação de Lisboa em termos que não deixam dúvidas: “o valor a atender para efeitos de custas é o da sucumbência se esta for determinável, e o recorrente tem de o indicar no requerimento de interposição do recurso; caso não seja determinável ou não esteja indicado no requerimento de interposição de recurso, prevalece o valor da acção” (Acórdão de 6 de Julho de 2017, relatado pela Desembargadora Paula Santos, no processo 1582/07.1TTLSB).

 Prevaleceu, assim, o entendimento de que, mesmo sendo o valor da sucumbência determinável, a não indicação desse montante no requerimento de interposição de recurso obstaria à sua consideração na conta de custas.

Algo diferentemente, num dos dois arestos invocados pelo reclamante pugna-se por distinta solução. No segundo deles – da mesma Relação de Lisboa, de 13 de Setembro de 2016 – o relator admitiu como relevante para o efeito o comportamento do recorrente “formulando uma indicação, ainda que mínima mas que seja apreensível, da medida da utilidade económica do pedido recursório”. No primeiro, e consultando o seu texto integral, verifica-se que o aresto decide em sentido exactamente contrário ao que aqui pugnam os recorrentes. Efectivamente,

aí se justifica, ao analisar a alteração da redacção do preceito, que “a diferente redacção não é mais do que diferente forma de dizer a mesma coisa: embora a fórmula anterior fosse bem mais directa ao indicar expressamente as duas condições em que o valor do recurso seria o da sucumbência e não o da causa, (...) a fórmula actual manda aplicar a mesma regra ‘nos restantes casos’ (...) e que são todos aqueles em que a sucumbência não é determinável ou sendo-o não foi cumprido o dever de indicação do respectivo valor” (cfr. Acórdão de 13 de Setembro de 2016, relatado pelo Desembargador Rijo Ferreira, no processo 3136/12.1TBVFX).

Concluindo, afigura-se-me dever prevalecer o entendimento – ainda que não absolutamente unânime – no sentido da necessidade de preenchimento dos dois requisitos em simultaneidade, a saber, ser o valor das sucumbência determinável e ter o recorrente procedido, atempadamente, à sua correcta indicação.

V

Nos termos expostos, tenho por correctamente elaborada a conta de custas, pelo que indefiro a reclamação apresentada.

Custas do incidente pela reclamante, com 1 UC de taxa de justiça, atenta a simplicidade de que se revestiu o incidente.

                                                           *

1.2. – Inconformada com tal decisão dela recorreu a A. terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem :

A) O despacho sob recurso indeferiu a reclamação da conta apresentada pela recorrente nos termos do artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais;

B) Transitada e julgado a sentença que pôs termo ao procedimento cautelar, a recorrente, e a requerida, foram notificadas para pagarem o remanescente da taxa de justiça nos termos do disposto no nº 9 do artigo 14º do RCP, no valor global de € 279.174,00 (duzentos e setenta e nove mil cento e setenta e quatro euros), sendo que € 139.587,00, por parte da requerida, e de € 137.139,00, por parte da aqui recorrente;

C) Por ter sido indeferido o requerimento apresentado pela recorrente que visava a dispensa ou a redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a recorrente interpôs recurso de tal despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra que veio a conceder parcial provimento ao recurso e dispensar a aqui recorrente do pagamento da taxa de justiça na proporção de 1⁄4 do que fosse devido;

D) Elaborada a conta, foi a recorrente notificada para pagar a quantia de € 150.207,75, ou seja, apesar de o Tribunal da Relação de Coimbra ter determinado uma redução de 25%, o valor a pagar foi incrementado em 11% em razão de a secretaria ter atribuído ao recurso o valor da acção - € 11.445.513,30 - e não o valor que decorre da utilidade económica do recurso;

E) A reclamação apresentada pela recorrente, na qual sustentou que o valor da taxa de justiça deveria ser fixado em € 2.907,00 e não em € 52.517,25, foi indeferida;

F) Reconhece a recorrente que não indicou no requerimento de interposição de recurso, de forma expressa e autónoma, o valor da sucumbência apesar de em diversas passagens das suas alegações ter feito menção expressa a esse valor o qual, aliás, é facilmente apreensível e absolutamente determinável porquanto no caso que nos ocupa está em causa um valor muito específico - o valor da taxa de justiça - o que significa que o valor da sucumbência está delimitado por natureza;

G) Consta do sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Julho de 2017, relatado pelo Exma. Senhora Juiz Desembargadora Paula Santos, no processo 1582/07.1TTLSB-4, no qual se louva a decisão recorrida, que “o valor a atender para efeitos de custas é o da sucumbência se esta for determinável, e o recorrente tem de o indicar no requerimento de interposição do recurso; caso não seja determinável ou não esteja indicado no requerimento de interposição de recurso, prevalece o valor da acção.”

H) Daqui resulta que, ao contrário do que é dito na decisão recorrida, a conclusão a extrair é a de que apenas prevalece o valor da acção caso o valor da sucumbência não seja determinável - e é - ou caso não tenha sido indicado no requerimento de interposição do recurso - e foi nas alegações embora, repete-se, sem respeitar a melhor técnica processual;

I) Apesar de se sustentar no despacho sob recurso a necessidade de preenchimento dos dois requisitos em simultaneidade - o valor da sucumbência ser determinável e ter o recorrente procedido à sua indicação - em estrito rigor o tribunal, ainda que inadvertidamente, só dá relevo ao segundo requisito uma vez que, sendo indicado pelo recorrente, o ónus fica cumprido e a determinação da efectiva sucumbência apenas serve para, eventualmente, corrigir o valor que tiver sido indicado;

J) Nas alegações de recurso o recorrente afirmou que “Para além da errónea fundamentação da decisão, a cobrança de uma taxa de justiça global de € 279.174,00 (duzentos e setenta e nove mil cento e setenta e quatro euros), repartida por ambas as partes, afigura-se totalmente desproporcionada” e, bem assim, que “Não pode ser só, nem sequer predominantemente, o valor do imóvel objecto de um contrato de locação financeira a determinar se o valor da taxa de justiça é de cerca de € 1.500,00, se o imóvel valer € 200.000,00, ou de € 279.174,00, como acontece no caso em apreço, apenas porque o imóvel em causa é de valor muito mais elevado” o que, ainda que de forma menos académica, permite perceber com toda a clareza qual o valor que estava a ser posto em crise;

K) Por outro lado, também se extrai do douto acórdão de 13 de Setembro de 2016, que “para que essa obrigação se considere cumprida não é necessária a indicação de um valor determinado bastando a indicação, em termos facilmente apreensíveis, da medida da utilidade económica do pedido recursório”;

L) A medida da utilidade económica do pedido recursório é facilmente apreensível razão pela qual deve a decisão recorrida ser revogada por outra que determine a reforma da conta ou a elaboração de nova conta que considere como valor do recurso o montante de € 279.174,00 (duzentos e setenta e nove mil cento e setenta e quatro euros) e não o valor de € 11.445.513,30 que foi considerado e, em consequência, ser o valor da taxa de justiça do recurso fixado em € 2.907,00 e não em € 52.517,25, sendo o valor a pagar a final ser reduzido em € 49.610,25 e definitivamente fixado em € 100.597,50;

M) A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação do disposto no artigo 12.o do Regulamento das Custas Processuais;

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra tudo nos termos acima preconizados, assim se fazendo

JUSTIÇA.

                                                           *

1.3. Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º do C.P.C. (cfr. fls. 686), não houve resposta.

                                   2. Motivação

2.1. Os factos provados são os constantes no relatório.

                                   3. Apreciação

  3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

A questão a decidir consiste em apreciar da fixação do valor no recurso interposto pela aqui recorrente e da interpretação do art.º 12º, nº 2, do R.C.P.

Segundo o recorrente a interpretação do n.º 2 do art.º 12º do R.C.P. é no sentido de mesmo no caso de não ser indicado o valor do recurso deve atender-se ao valo da económica do mesmo recurso.

E nessa medida da utilidade económica do pedido recursório é facilmente apreensível razão pela qual deve a decisão recorrida ser revogada por outra que determine a reforma da conta ou a elaboração de nova conta que considere como valor do recurso o montante de € 279.174,00 (duzentos e setenta e nove mil cento e setenta e quatro euros) e não o valor de € 11.445.513,30 que foi considerado e, em consequência, ser o valor da taxa de justiça do recurso fixado em € 2.907,00 e não em € 52.517,25, sendo o valor a pagar a final ser reduzido em € 49.610,25 e definitivamente fixado em € 100.597,50, tanto mais que o recurso assentava na dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, subsidiariamente, se assim não fosse entendido, que fosse reduzido parcialmente o remanescente da taxa de justiça que se mostrava devido em percentagem não inferior a 90%, pelo que o valor do recurso esta apreensível. 

Tendo a requerente interposto recurso da decisão que indeferiu a dispensa ou a redução do pagamento da taxa de justiça - no valor global de € 279.174,00 e que quanto à requerente se cifrava em € 137.139,00 – o valor aceite na elaboração da conta não pode ser o valor da acção 11.445.513,30. Aliás, afirma ainda a recorrente que o valor é absolutamente determinável porquanto no caso que nos ocupa está em causa um valor muito específico - o valor da taxa de justiça - o que significa que o valor da sucumbência está delimitado por natureza;

Vejamos.

A questão em apreço não é nova. Já na vigência do art.º 11.º do C.C.Judiciais, na redação do Dec-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, se colocava a questão de saber se o recorrente deveria indicar o valor do recurso apenas nos casos em que o valor da sucumbência não era determinável ou se o deveria também indicar nos casos em que fosse determinável, ou seja, no fundo colocava-se a questão da interpretação do citado artigo, hoje n.º 2 do art.º 12º do R.C.P., aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro - saber se deve ser interpretado no sentido de que só quando o valor da sucumbência não é determinável, isto é, nos casos duvidosos, o valor do recurso será o da causa, caso o recorrente não invoque o valor do recurso.

Há quem advogue, como o recorrente, que no caso de o valor ser determinável não é necessário indicar o valor; neste sentido o Ac. da Rel. de Guimarães, de 26.03.2015, proc.º n.º 1269/06.2TBBCL-B.G1, relatado por Maria Luísa Duarte, onde se refere “ (…) enquanto no anterior art.º 11º nº 2 do CCJ se estabelecia, claramente, que na falta de indicação do valor da sucumbência o valor do recurso seria igual ao valor da acção, na redacção actual não se diz isso, podendo concluir-se, consequentemente, ser clara a intenção do legislador de excluir tal sanção cominatória da falta de indicação pelo recorrente do valor da sucumbência determinável.

E, assim, ocorrendo tal falta de indicação, não deixa o valor do recurso de ser correspondente ao do valor da sucumbência, se determinável, devendo o Tribunal ordenar a notificação do recorrente para que corrija tal omissão, nos termos gerais do artº 6º do CPC, sendo que nos termos da actual redacção da norma do artº 12º-nº2 do RCJ, e em confronto com a anterior redacção do artº 11º-nº2 do CCJ, resulta que a indicação pelo recorrente do valor do recurso deixou de constituir um “ónus de impulso”, no sentido de imposição de “comportamento necessário para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio, de cuja realização depende a obtenção de uma vantagem, figura distinta do dever...” – cfr. noção dada em “Dicionário Jurídico”, Vol I, Ana Prata, 5ª edição, Almedina, carecendo de efeito cominatório ou sancionatório a omissão do dever de indicação que se impõe ao recorrente (…)”. No mesmo sentido Ac. da Relação de Lisboa de 17.1.2013, proc.º n.º  3824/10.7TBVFX.L1-6, relatado por Maria de Deus Correia, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, escrevendo-se neste “ (…) Nos casos em que o valor da sucumbência não é determinável, como é lógico, o valor do recurso só poderá ser o da acção. E então qual o sentido de a lei atribuir ao recorrente o dever de indicar no requerimento de interposição do recurso o valor da sucumbência? E qual a consequência, caso o não indique?

Antes de tentar encontrar uma resposta para estas questões vejamos a redacção do art.º 11.º do Código das Custas Judiciais que viria ser revogado pelo actual Regulamento das Custas Judiciais aprovado pelo D. L. n.º 34/2008 de 26-02:

Estabelecia assim:

“1-Nos recursos, o valor da causa é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso.

2-Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção”.

Como se verifica, é patente a diferença de redacção. Enquanto no anterior art.º 11.º n.º2 do CCJ, se estabelecia, claramente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção, na redacção actual não se diz isso. Mantendo embora a obrigação de indicação por parte do Recorrente do valor do recurso, não estabelece qualquer sanção para a respectiva falta. Tendo em conta a clareza do preceito anterior, a alteração nos termos descritos só pode querer significar que o legislador entendeu retirar à falta de indicação do valor da sucumbência, a consequência que tinha, na legislação anterior. Assim, da redacção actual do preceito, impõe-se concluir que se mantém a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza, mas caso falte essa indicação, uma vez que o valor da sucumbência está determinado ou determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter em conta para efeitos de cálculo da taxa de justiça. Pela simples leitura do requerimento de interposição de recurso fica claro que a utilidade económica do pedido recursório é circunscrita e limitada, pelo que é ajustado que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva proporção. Com a disposição em análise pretendeu o legislador evitar que a parte recorrente tenha de pagar custas determinadas pelo valor inicial do processo, quando apenas discorda parcialmente da decisão, ou quando está em causa apenas uma parte do valor total do processo(…).
             E quem advogue o contrário, ou seja, que mesmo quando o valor seja determinável o recorrente deve indicar o valor no recurso.

Neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa de 13 de setembro de 2016, proc.º n.º 3136/12.1TBVFX-A.L1-1, relatado por Rijo Ferreira, onde se escreve “ (…) Desde logo porque entendo que a diferente redacção mais não é que uma diferente forma de dizer a mesma coisa: embora a fórmula anterior fosse bem mais directa ao indicar expressamente as duas condições em que o valor do recurso seria o da sucumbência e não o da causa (ser a sucumbência determinável e, mesmo neste caso, tendo tal valor sido indicado no requerimento de interposição do recurso) a fórmula actual manda aplicar a mesma regra ´nos restantes casos’ (ou seja naqueles casos não referidos na primeira parte do preceito e que são a determinabilidade da sucumbência e o dever de indicação do respectivo valor) e que são todos aqueles em que a sucumbência não é determinável ou sendo-o não foi cumprido o dever de indicação do respectivo valor.

Por outro lado não se me afigura respeitador dos cânones do art.º 9º do CCiv, em particular a disposição constante do seu nº 2 segundo a qual não é lícita uma interpretação que “não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal”, o desconsiderar completamente o incumprimento de um dever claramente estabelecido na lei; não faz sentido afirmar-se que existe a obrigação de indicação do valor mas que o incumprimento dessa obrigação é absolutamente irrelevante, como se, afinal, tal obrigação não existisse (…)

No mesmo sentido Ac. da mesma relação de 26.1.2016, proc.º n.º 2179/10.4TCLRS-D.L1-7, relatado por Maria da Conceição Saavedra, onde se escreve “(…) A utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, corresponde ao critério geral para determinação do valor da causa, conforme dispõe o atual nº 1 do art. 296 do C.P.C. de 2013, à semelhança do que antes dispunha o nº 1 do art. 305 do C.P.C. de 1961.

“Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício” (art. 297, nº 1, do C.P.C.).

Ao autor caberá indicar o valor da causa, sendo esse o valor a considerar se não for impugnado, a menos que outro seja fixado pelo juiz (arts. 305, 308 e 552, nº 1, al. f), do C.P.C.).

Estabelece, por outro lado, o art. 12º, nº 2, do R.C.P., que:

“1. Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.”

Estabelecia, por seu turno, o art. 11º do revogado C.C.J., na redacção dada pelo DL nº 324/2003, de 27.12, que:

“1. Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição de recurso. 2. Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção.”

Cotejando ambos os preceitos, e salvo melhor opinião, pensamos que a diferença será apenas de redação, sendo o sentido em tudo idêntico.

Ou seja, os restantes casos a que alude o nº 2 do art. 12º do R.C.P. serão, a nosso ver, precisamente os não considerados na primeira parte do preceito, aqueles em que o valor da sucumbência não for determinável ou, sendo determinável, na falta da sua indicação, como se contemplava no pretérito nº 2 do art. 11º do C.C.J.  Modificou-se o texto, mas manteve-se o mesmo significado, não se abandonando a previsão de que o recorrente deve indicar, no requerimento de interposição de recurso, o valor da sucumbência quando esta for determinável.

Ora, dispunha originariamente aquele art. 11º do C.C.J. que “Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável”, nenhuma menção se fazendo a qualquer indicação de valor. Já na versão introduzida pelo DL nº 324/2003 que acima reproduzimos, o funcionamento da sucumbência passou a depender da indicação do seu valor pelo recorrente, recuperando-se parcialmente o que prescrevia o nº 3 do art. 8º do anterior Código das Custas Judiciais (de 1962 com sucessivas alterações). Na sequência da alteração ao nº 1 do art. 678º do C.P.C. de 1961 introduzida pelo DL nº 242/85, de 9.7, no sentido da admissão do recurso ordinário depender da decisão ser desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre, não havendo dúvida sobre o “quantum” da sucumbência, estabeleceu esse nº 3 do art. 8º do anterior C.C.J.: “Para efeito de tributação dos recursos, o valor da causa mede-se pelo valor da sucumbência nos termos prescritos no nº 1 do art. 678º do Código de Processo Civil, devendo o recorrente indicar esse valor no próprio requerimento de interposição do recurso, sob pena de se atender aos valores constantes dos números anteriores.”

Por conseguinte, à luz do indicado nº 2 do art. 12º do R.C.J., tal como sucedia no anterior art. 11º do C.C.J., e contra o afirmado pelos apelantes, não basta que o valor da sucumbência seja determinável para ser atendido como base tributável do recurso, competindo ainda ao recorrente indicá-lo no requerimento de interposição do recurso

Conforme nos explica Salvador da Costa, (in Regulamento das Custas Processuais”, 2ª ed., 2009, págs. 237/238) a propósito do nº 2 do art. 12º do R.C.J., sendo o valor da sucumbência determinável ou quantificável, é este que releva para a determinação do valor tributário do recurso “desde que o recorrente o indique no requerimento de interposição” -. E, continua o mesmo autor:“Na hipótese de a sucumbência não ser quantificável, ou sendo-o, o recorrente a não indique no requerimento de interposição do recurso, o valor deste para efeito de custas é o da causa, isto é, o da ação.”

Atento o disposto no art. 629º, nº 1, do C.P.C., que dispõe sobre as decisões que admitem recurso, faz sentido que os interessados forneçam ao tribunal, de forma clara e inequívoca, os elementos indispensáveis à determinação do valor tributário desses recursos.

Tal como acontece com relação ao valor da causa que ao autor cabe indicar na petição inicial, também competirá ao recorrente que queira prevalecer-se do disposto no art. 12º, nº 2, do R.C.P., em virtude do interesse concretamente prosseguido no recurso ser inferior ao valor tributário da causa, indicar o valor da sucumbência. Doutro modo, será tido em conta o valor da ação.

Diga-se ainda que a circunstância do valor da sucumbência ser determinável não implica que essa determinação seja (sempre) evidente e não competirá ao tribunal, pelo menos nesses casos como adiante melhor veremos, estimar um valor diverso para efeitos do recurso através da análise das alegações de recurso.

Pensamos que interpretar o nº 2 do art. 12º do R.C.J. no sentido proposto pelos apelantes – de que só quando o valor da sucumbência não é determinável, isto é, nos casos duvidosos, o valor do recurso será o da causa – ainda que com o apoio de alguma jurisprudência, seria esvaziar de conteúdo a estipulação de que ao recorrente cumpre indicar, no requerimento de interposição de recurso, o valor da sucumbência. A falta dessa indicação pelas partes não teria, na solução defendida, qualquer consequência e a alternativa quedar-se-ia sempre entre o facto do valor da sucumbência ser ou não determinável, independentemente dessa indicação.

Assim, forçoso é concluir que a lei estabelece no referido nº 2 do art. 12º do R.C.J., à semelhança do que sucedia com o anterior art. 11º do C.C.J., que a indicação do valor da sucumbência – desde que determinável, como é intuitivo – caberá ao recorrente, sob pena de ser considerado o valor da acção.

Se a regra instituída por estes sucessivos normativos visa responder a princípios de justiça material e proporcionalidade, fazendo corresponder a responsabilidade das custas do recurso à utilidade económica que dele se pretende retirar, tal não implica deferir ao tribunal o cálculo dessa efectiva utilidade económica, antes cumprindo aos interessados, maxime ao recorrente, indicar o valor para efeitos de recurso, sob pena de se atentar, subsidiariamente, ao valor da acção.

Esta interpretação não encerra, contra o que sustentam os recorrentes, qualquer violação de princípios constitucionais, o que já defendiamos com relação ao art. 11º do C.C.J..

Na verdade, também este nº 2 do art. 12º do R.C.J. consagra a possibilidade de moderar a responsabilidade pela dívida de custas no recurso através da indicação expressa e clara do montante que ali (apenas) se discute quando quantificável, e que será o da sucumbência. Tal não traduz qualquer restrição invencível do direito do recorrente (ou do recorrido) que lhe imponha o pagamento de custas em montante desajustado ou excessivo com relação ao interesse concretamente protegido, antes lhe sendo conferido o poder de reduzir e adequar o valor referência para efeitos de custas.

Como já sustentámos a propósito do indicado art. 11º do C.C.J, a condição estabelecida quanto à indicação do valor da sucumbência não constitui qualquer constrangimento especial ao direito dos utentes da justiça, surgindo antes como modo de exercício do direito, contido na disponibilidade das partes, e respondendo à necessidade de facilitação da tarefa dos tribunais. Trata-se da imposição de um procedimento a quem queira prevalecer-se de certas vantagens processuais ou outras, semelhante a outros previstos na lei  (… )”  (Neste sentido Ac. da mesma relação, de 26/6/2012, proc.º n.º 658/09.5TBAMD-B.L1-7, relatado pela mesma desembargadora).

Advogamos a segunda posição referida, desde logo por se nos afigurar ser a que melhor se enquadra no espirito lei e aquela que maior segurança jurídica nos dá.

Na verdade ninguém melhor que o recorrente sabe qual a utilidade económica que pretende retirar do recurso, não impondo o n.º 2 do citado art.º 12.º nem o sentido do mesmo implica deferir ao tribunal o cálculo dessa efectiva utilidade económica, antes cumprindo aos interessados, máxime ao recorrente, indicar o valor para efeitos de recurso.

Aceitando, pelas razões expostas, que o funcionamento da sucumbência dependerá da indicação do respectivo valor, resta saber se pode considerar-se satisfeita, no caso, em apreço tal imposição.

Seguindo o Ac. do S.T.J. de 16/3/2010, proc.º n.º 12/10.6YFLSB, relatado por Garcia Calejo onde se refere “ (…) No requerimento de interposição, a recorrente exarou que pretendia interpor recurso “na parte em que julgou a acção improcedente e a condenou em 10% dos custos do processo”.

Esta tomada de posição é, quanto a nós, suficiente para delimitar o valor do recurso, se bem que se entenda que a recorrente poderia ter sido mais clara e específica no requerimento (…)”.

No recurso por si interposto em 5/12/2017, a aqui recorrente   indicou que o mesmo visava a dispensa ou a redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

 Deste modo, muito embora a recorrente não tenha indicado expressamente o valor atribuído ao recurso, indicou a decisão de que pretendia recorrer tendo esta um valor preciso e autónomo do valor da causa que dúvidas não poderia suscitar à secretaria quanto ao valor do recurso para fins tributários.

Sendo evidente que a recorrente apenas impugna o indeferimento do despacho de dispensa ou a redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ficou o mesmo, fatal e inequívocamente, circunscrito a utilidade económica que dele se pretende retirar, pelo que é ajustado que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva desse valor.

Assim decidiu o citado Ac. do STJ de 16.3.2010 supra citado:
“(…) Não será tolerável que, no caso de estar indicado no requerimento de interposição de recurso em que medida se pretende interpor recurso da decisão recorrida (ficando expressa a dimensão quantitativa dos interesses sobre os quais o tribunal de recurso irá incidir a sua apreciação), se imponha à recorrente o pagamento do valor da taxa de justiça inicial como se não tivesse limitado o âmbito do recurso e não tivesse obtido qualquer ganho de causa. (…).”

Ainda que assim se não entendesse, sempre deveria considerar-se como incidental no contexto da ação a questão do remanescente da taxa da justiça que constitui objeto do recurso.

E como dizem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, pág. 169, embora no domínio do C.P.C. de 1961 mas com inteira aplicação no domínio do C.P.C. de 2013: “(…) Os incidentes (art. 302) são procedimentos anómalos, isto é, sequências de actos que exorbitam da tramitação do processo e têm, por isso, carácter eventual, visando a resolução de determinadas questões que, embora sempre de algum modo relacionadas com o objecto do processo, não fazem parte do encadeado lógico necessário à resolução do pleito tal como ele é inicialmente desenhado pelas partes (...)”.

Nessa medida, podemos afirmar que estamos perante questão incidental da lide, cumprindo atender ao disposto no art. 304º do C.P.C. no valor a considerar, pois o incidente terá um valor diverso do da causa se a utilidade económica que visa realizar não coincidir com a da ação (cfr. ainda Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, ob. cit., pág. 554).

Também a utilidade económica do incidente que motivou o recurso em questão não coincide com a da causa principal, pelo que é àquele que deve atender-se e não ao da ação.

Em conclusão, e pelo exposto, não podemos acompanhar o despacho sob recurso, pelo que, se deve proceder á elaboração de nova conta onde se atenta apenas ao valor do remanescente da taxa de justiça, valor a que alude o recurso de fls. 630.

4. Decisão 

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Em julgar procedente o recurso e em consequência proceder á elaboração de nova conta onde se tenha presente apenas o valor do remanescente da taxa de justiça, como supra referido.

Sem custas.

Coimbra,15/1/2019

   Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Jaime Ferreira (adjunto)