Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/20.5T8ALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CONCESSIONÁRIA DE AUTO ESTRADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Data do Acordão: 03/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 4º, Nº 1, AL. H) DO ETAF; 1º, Nº 5 DA LEI Nº 67/2007, DE 31/12.
Sumário: 1. Na sua qualidade de concessionária, nos termos de contrato administrativo, a Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto-Estradas das Beiras Litoral e Alta, S. A., apesar da sua natureza privada, está sujeita ao regime específico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público (art.º 1º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, de 31/12).

2. Consequentemente, a competência para preparar e julgar a ação que tem por objeto a sua responsabilidade civil extracontratual por danos ocasionados, designadamente, pela violação dos deveres de conservação e vigilância da via pública concessionada recai sobre os tribunais administrativos [art.º 4º, n.º 1, alínea h) do ETAF].

Decisão Texto Integral:

Apelação 36/20.5T8ALD.C1

Relator: Fonte Ramos

Adjuntos: Alberto Ruço

                  Vítor Amaral

           Sumário do acórdão:         

1. Na sua qualidade de concessionária, nos termos de contrato administrativo, a Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto-Estradas das Beiras Litoral e Alta, S. A., apesar da sua natureza privada, está sujeita ao regime específico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público (art.º 1º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, de 31/12).

2. Consequentemente, a competência para preparar e julgar a acção que tem por objecto a sua responsabilidade civil extracontratual por danos ocasionados, designadamente, pela violação dos deveres de conservação e vigilância da via pública concessionada recai sobre os tribunais administrativos [art.º 4º, n.º 1, alínea h) do ETAF].

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 02.6.2020, L... instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda (Juízo de Competência Genérica de Almeida), a presente acção declarativa comum contra Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto-Estradas das Beiras Litoral e Alta, S. A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a indemnização de €3.461,79 pelos danos emergentes do acidente aludidos nos autos, os juros a contar da data da interpelação (13.6.2017) até integral pagamento e a sanção pecuniária compulsória.

Alegou, em síntese: no dia 12.6.2017, pelas 21.30 horas, na A25, ao km 189,9, concelho de Almeida, quando conduzia a sua viatura automóvel ligeira de passageiros, matrícula P..., à saída do tabuleiro da ponte sobre o Rio Côa, o veículo foi embatido na parte inferior da carroçaria por uma chapa metálica com 1,20 m x 0,24 m, que se alçou do chão (estava solta, mas apoiada no chão, e confundida com este), causando-lhe os danos patrimoniais indicados na petição inicial (p. i.), sendo que à Ré, concessionária da citada auto-estrada, incumbia manter a faixa de rodagem livre e desimpedida para permitir  a circulação de veículos, sem perigo; não o tendo feito, foi a única culpada por aquele evento danoso.

A Ré, citada, não contestou.[1]

Observado o contraditório quanto à eventual incompetência em razão da matéria[2], por decisão de 20.10.2020, a Mm.ª Juíza a quo declarou a incompetência em razão da matéria do Tribunal recorrido para apreciação da presente lide, considerando materialmente competentes os tribunais administrativos e fiscais e, em consequência,  absolveu a Ré da instância.

Inconformado, o A. apelou formulando as seguintes conclusões:

...

A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, questiona-se a competência em razão da matéria para conhecer do objecto do litígio.

II. 1. A matéria a considerar é a que resulta do relatório que antecede.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no art.º 4º deste Estatuto (art.º 1º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19.02, na redacção conferida pela Lei n.º 114/2019, de 12.9); compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art.º 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa/CRP).

Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a, designadamente, responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público (art.º 4º, n.º 1, alínea h) do ETAF).

São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art.ºs 64º, do CPC e 40º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário/LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8) - os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art.º 211º, n.º 1, da CRP).

As disposições que, na Lei n.º 67/2007, de 31.12 (que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas), regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo (art.º 1º, n.º 5 da referida Lei).

Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais (art.º 12º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18.7 - sob a epígrafe “Responsabilidade -, diploma que define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares). 

3. Sabemos que a competência material do tribunal se afere em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida[3] e que o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (i. é, o pedido) se encontra necessariamente correlacionado com o facto concreto que lhe serve de fundamento/causa de pedir.

Assim, ao determinar o tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento da lide, temos de atentar, sobretudo, na alegação do A. e no efeito jurídico pretendido, sabendo-se, como decorre do exposto, que a competência dos tribunais judiciais é uma competência residual, dado que são da sua competência todas as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional, nomeadamente à administrativa.

4. Tradicionalmente, a delimitação da competência material entre os tribunais da jurisdição administrativa e os da jurisdição comum faz-se em torno da dicotomia «acto de gestão pública» ou «acto de gestão privada» do Estado, reservando apenas para os primeiros a atribuição de competência aos tribunais administrativos e deixando os segundos, residualmente, sob a alçada dos tribunais comuns.

Na actualidade, partindo dos citados art.ºs 2l2°, n.° 3, da CRP[4], e l°, n.° 1, do ETAF, a competência dos tribunais administrativos e fiscais dependerá da ponderação sobre se se está, ou não, perante pleitos derivados de relações jurídicas administrativas (e fiscais), sendo que só no primeiro caso tal competência se verificará.

Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, pois, a existência de uma relação jurídica administrativa.

Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que, por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração[5]; devem ser consideradas relações jurídicas administrativas aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actua com vista à realização de um interesse público legalmente definido.[6]

5. A Ré é uma pessoa colectiva de direito privado (sociedade anónima), pelo que a resposta à questão da competência dos tribunais administrativos depende de lhe ser ou não aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

O regime instituído pela Lei n.º 67/2007, de 31.12, alargou a competência dos tribunais administrativos[7], sendo que nos termos do art.º 1º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, de 31.12, a jurisdição administrativa pode conhecer de litígios entre particulares em sede de responsabilidade civil extra-contratual, desde que as acções ou omissões (i) sejam praticadas “no exercício de prerrogativas de poder público” (quando, para a execução de tarefas públicas de que sejam incumbidos, lhes sejam outorgados poderes de autoridade) ou (ii) sejam “regulados por disposições ou princípios de direito administrativo” (quando intervenham no exercício de tarefas que sejam reguladas por tais disposições ou princípios).

A mencionada dicotomia está presente nas entidades concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração Pública na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo, que poderá ser um contrato de concessão de obras públicas ou de serviço público.

Na verdade, com aquele normativo, o legislador atribuiu à jurisdição administrativa competência para apreciar a responsabilidade de entidades privadas quando lhes seja aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas - a Lei n.º 67/2007, de 31.12, faz intervir a jurisdição administrativa “por via da extensão a pessoas colectivas de direito privado do regime substantivo de responsabilidade civil de direito público[8], dando, assim, concretização à norma do art.º 4º, n.º 1, alínea h) do ETAF, pelo que passou a dominar o entendimento que atribui à jurisdição administrativa competência (material) para as acções de responsabilidade civil contra as pessoas colectivas de direito privado, concessionárias das auto-estradas, designadamente pela violação dos deveres de conservação e vigilância da via pública concessionada.[9]

6. Se o acto gerador da responsabilidade civil se integra no exercício de prerrogativas de poder público ou desde que seja regulado por princípios de direito administrativo (porquanto, as pessoas colectivas de direito privado actuam em moldes de direito público), justifica-se que a respectiva actuação fique sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Igualando a Lei a regulamentação destes actos de pessoa colectiva de direito privado aos actos de igual natureza praticados por pessoa colectiva de direito público ao abrigo de disposições de direito público e no campo da sua actuação administrativa investida de poderes públicos, a concessão dos correspondentes  serviços públicos a uma entidade privada (concessionária) não significa que as respectivas actividades percam a sua natureza pública administrativa, pois o Estado não pode abrir mão dessa responsabilidade - as entidades privadas concessionárias são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo (que poderá ser de concessão de obras públicas ou de serviço público), sendo a sua actividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo, desenvolvendo-se num quadro de índole pública.

Uma concessionária de uma autoestrada executa tarefas próprias do Estado, que este lhe conferiu pela via dum contrato de concessão, como é o caso das funções relacionadas com o segurança do tráfego, onde se compreende nomeadamente a gestão, manutenção e exploração da auto-estrada em questão, submetida ao regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.

7. Na situação em análise, em função dos termos em que o A. fundamenta a pretensão que quer ver reconhecida, e atentos os critérios indicados, não obstante tratar-se de pessoa colectiva de direito privado, a responsabilidade civil por que a Ré é demandada na acção deriva da execução de uma tarefa administrativa de gestão pública, ao abrigo e no exercício de prerrogativas de poder público, sendo os respectivos actos ou omissões (in casu, ligados ao dever de manter a via de circulação concessionada “livre e desimpedida” - cf., v. g., os art.ºs 8º e 15º da p. i. -, à incumbência de conservação/manutenção e vigilância da mesma via pública) regulados por disposições ou princípios de direito administrativo nos termos do art.º 1 º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31.12.

A responsabilidade civil por que a Ré é demandada na acção deriva da execução de uma tarefa administrativa de gestão pública, agindo a Ré ao abrigo e no exercício de prerrogativas de poder público, sendo os respectivos actos ou omissões (in casu, concernentes ao dever de manutenção e conservação da via concessionada) regulados por disposições ou princípios de direito administrativo (art.º 1 º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, de 31.12).

Daí, a competência para preparar e julgar a acção recai sobre a jurisdição administrativa.[10]

8. A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (art.º 97º, n.º 1 do CPC).

A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar (art.º 99º, n.º 1 do CPC). Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada (n.º 2).

9. Invoca o A. que a sentença recorrida é nula por “falta de fundamentação de facto” e por omissão de pronúncia “quanto ao pedido deduzido (…) no seu requerimento do dia 06.10.2020 de remessa dos autos ao Tribunal competente” (art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC / “conclusões 1ª e 6ª”, ponto I., supra).

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se poderá concluir pela existência de tais vícios.

A Mm.ª Juíza a quo aludiu à factualidade invocada na p. i. e que subjaz à decisão proferida - cf., sobretudo, a primeira página da referida decisão; existindo, é certo, alguns excertos avessos ao alegado (cf., v. g., a parte inicial do 2º § e a parte final do 3º §, da mesma página), tal circunstância não envolve modificação da “questão-de-facto”.

O A. pediu a remessa determinada pelo art.º 105º, n.º 3 do CPC (incompetência relativa)[11] e não aquela a que alude o n.º 2º do art.º 99º do mesmo Código (incompetência absoluta), sujeita à oportunidade e à tramitação (procedimento) previstas neste normativo.[12]

            Não sendo desde já viável uma solução consensual para o litígio (cf. art.º 20º da p. i.), a eventual remessa dos autos ao tribunal materialmente competente será decidida, em 1ª instância (após trânsito em julgado do presente acórdão), à luz do disposto no citado normativo. [13]

            10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação do recurso.

III. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.

Custas pelo A./apelante.


16.3.2021


***



[1] Assim parece decorrer do processo físico (fls. 17/18) e do processo electrónico, constando do aviso de recepção a citação em 08.6.2020 (fls. 17 e art.ºs 228º, 230º, n.º 1 e 246º do CPC).

[2] Na sequência do despacho de 09.9.2020, relativamente ao qual apenas o A. se pronunciou por requerimento de 06.10.2020, dizendo: 1. O processo de Indemnização fundada em Responsabilidade Civil emergente de acidente de viação, como é aqui o caso, à luz do que dispõe o art.º 71º n.º 2 do CPC, é da competência do Tribunal do lugar onde o acidente ocorreu. / 2. O acidente ocorreu no lugar de Mido, do concelho de Almeida. Pelo que, / 3. atendendo também ao valor da acção, o Tribunal competente é o Juízo de Competência Genérica de Almeida, da Comarca da Guarda. / Caso assim se não entenda, requer-se que seja o processo remetido ao tribunal competente.”

[3] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 91 e 95 e os Acórdãos do STJ de 12.01.1994, 22.01.1997, 20.5.1998 e 26.6.2001, in CJ-STJ, II, 1, 38 e V, 1, 65; BMJ, 477º, 389 e CJ-STJ, IX, 2, 129, respectivamente.

[4] Comentando o n.º 3 do art.º 212º da CRP, dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 2º volume, 4ª edição, págs. 566 e seguinte: «Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); 2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (sublinhado nosso)».
[5] Vide Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 518.
[6] Vide J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa - Lições, 3ª edição, 2000, pág. 79.

[7] Vide, nomeadamente, Carlos Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Anotado, Almedina, págs. 28 e seguintes.
[8] Ibidem, pág. 33.

[9] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 16.10.2012-processo 950/10.6TBFAF-A.G1.S1 [assim sumariado: «Quando a EP - Estradas de Portugal, S. A. for demandada por responsabilidade extracontratual derivada das suas legais atribuições (designadamente conservação e requalificação da rede rodoviária nacional), porque essas competências de desenvolvem num quadro de índole pública, devem ser os tribunais administrativos os competentes em razão da matéria para conhecer do pleito (art.º 4º, n.º 1, al. g), do ETAF).»] e 08.10.2015-processo n.º 1085/14.8TBCTB-A.C1.S1, da RP de 26.02.2013-processo 4367/09.7TBVFR.P1 [sumariando-se: «A lei n.º 67/2007 de 31/12 veio, através do seu art.º 5º n.º 1, determinar que as suas disposições são aplicáveis à Brisa pessoa colectiva de direito privado por acções ou omissões no âmbito da sua actividade de concessionária, a qual se desenvolve num quadro de índole pública, e, portanto, deve ser demandada perante os tribunais administrativos atento o disposto no art.º 4º n.º 1 al. i) do ETAF.»] e da RC de 19.02.2013-processo 57/12.1TBCLB.C1, 17.4.2012-processo 1181/10.0TBCVL-A.C1 [concluindo-se: «1 - Para determinar a competência dos tribunais administrativos no que concerne às acções de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito privado, há que verificar se a mesma está, ou não, sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, nos termos do art.º 1º, n.º 5, da Lei 67/2007, de 31.12. 2 - Nos termos do citado art.º 1º, n.º 5, da Lei 67/2007, tais entidades privadas ficam submetidas a um regime de responsabilidade administrativa, com a consequente sujeição à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos do art.º 4º, n.º 1, i), do ETAF, sempre que esta responsabilidade seja emergente do exercício de uma actividade administrativa, constituindo factores indicativos duma actividade desta natureza o uso de prerrogativas de poder público e a sujeição dessa actividade a disposições ou princípios de direito administrativo. 3 - Cabe ao Tribunal Administrativo a competência para conhecer da acção proposta contra SCUTVIAS – Auto-Estradas da Beira Interior, S. A., com vista a obter a sua condenação no pagamento de indemnização emergente de acidente de viação em consequência de suposta omissão por ela praticada como concessionária de obra pública – construção e exploração da A23 – , nos termos das disposições conjugadas do art.º 4º, n.º 1, i), do ETAF e do art.º 1º, n.º 5, da Lei 67/2007, de 31.12.» - aresto subscrito pelo ora 2º adjunto], 21.5.2013-processo 2073/09.1TBCTB-K.C1 [com o sumário: «I - Antes da vigência da Lei n.º 67/2007, de 31/12, em pleno domínio do DL n.º 48051, de 21/11/67, porque não havia norma a aplicar o regime específico da responsabilidade do Estado, era entendimento uniforme competir à jurisdição comum o conhecimento das acções para efectivação da responsabilidade civil extra-contratual das concessionárias das auto-estradas pela actividade decorrente da concessão para a construção, conservação e exploração das mesmas. II - Após a sua vigência, prevalece a orientação no sentido de ser competente a jurisdição administrativa para as acções da responsabilidade civil contra as pessoas colectivas de direito privado, concessionárias das auto-estradas, designadamente pela violação dos deveres de conservação e vigilância.»] e 12.01.2016-processo 26/14.7T8CNT.C1 [assim sumariado: «1 - Para determinar a competência dos tribunais administrativos no que concerne às acções de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito privado, há que verificar se a mesma está, ou não, sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, nos termos do art.º 1º, n.º 5, da Lei 67/2007, de 31.12. 2 - Nos termos do citado art.º 1º, n.º 5, da Lei 67/2007, tais entidades privadas ficam submetidas a um regime de responsabilidade administrativa, com a consequente sujeição à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos do art.º 4º, n.º 1, i), do ETAF, sempre que esta responsabilidade seja emergente do exercício de uma actividade administrativa, constituindo factores indicativos duma actividade desta natureza o uso de prerrogativas de poder público e a sujeição dessa actividade a disposições ou princípios de direito administrativo. 3 - Cabe ao Tribunal Administrativo a competência para conhecer da acção proposta contra a Brisa e a sua seguradora, com vista a obter a sua condenação no pagamento de indemnização emergente de acidente de viação em consequência de suposta omissão por ela praticada como concessionária de obra pública – exploração da A1 –, nos termos das disposições conjugadas dos mencionados art.ºs 4º, n.º 1, i), do ETAF e 1º, n.º 5, da Lei 67/2007.»] e da RE de 27.6.2019-processo 1749/12.0TBSTR.E1, publicados no “site” da dgsi.

[10] Cf., ainda, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 30.5.2013-processo 017/13 [assim sumariado: «I - A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma ação sumaríssima onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais decorrentes de um acidente de viação ocorrido nessa via, alegadamente provocado por ter havido omissão de alguns deveres que lhe incumbiam, decorrentes do contrato de concessão. II - A al. i) do art.° 4º do ETAF indica que são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público” e o art.° 1º, n.° 5, da Lei 67/2007 de 31/12 (diploma que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) dispõe que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público (...) por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores (...) por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”. III - As entidades privadas concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo (que poderá ser de concessão de obras públicas ou de serviço público), têm a sua atividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo. IV - Na verdade, a construção de uma autoestrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado. A outorga dessas tarefas, por determinado período, a terceiro da esfera privada, a quem se permite obter lucros económicos (através, nomeadamente, das portagens, regulamentadas também pelo Estado), é regulada e fiscalizada ao abrigo de normas jurídicas de natureza administrativa que ficam inscritas no contrato de concessão.»], 27.02.2014-processo n.º 048/13, 27.3.2014-processo 046/13, 29.01.2015-processo 050/14, 12.3.2015-processo 049/14, 15.10.2015-processo 030/15, 11.01.2017-processo 037/15, 23.11.2017-processo 010/17 [sumariando-se: «A jurisdição administrativa é a competente para conhecer de acção de responsabilidade civil extracontratual deduzida contra a ASCENDI, concessionária do IC17, e a A…, para a qual aquela transferiu a responsabilidade, com vista à obtenção do pagamento de uma indemnização por danos emergentes de acidente de viação ocorrido numa auto-estrada concessionada e com fundamento em omissões da Ascendi enquanto concessionária dessa auto-estrada, face ao art.º 1º, n.º 5 da Lei nº 67/2007 de 31.12»] e 05.7.2018-processo 013/17, bem como os acórdãos da RG de 04.12.2014-processo 808/14.0TBFAF.G1 [concluindo-se: «É da competência dos Tribunais Administrativos, em razão da matéria, a acção declarativa de condenação decorrente de responsabilidade civil da Ré concessionária de auto-estrada, por alegada negligência na vigilância de um troço de auto-Estrada, cuja gestão lhe estava concessionada pela Administração pública.»] e da RC de 03.11.2015-processo n.º 69/14.0T8CNT.C1, publicados no “site” da dgsi.

   Com uma perspectiva diversa, cf. o acórdão do Tribunal de Conflitos de 18.12.2013-processo 028/13, publicado no mesmo “site”.
[11] Cf. a “nota 2”, supra.

[12] Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 15.01.2019-processo 1021/16.7T8GRD-A.C1.S1 e da RL de 15.11.2018-processo 266/16.4T8VIS.L1-6, publicados no “site” da dgsi.
[13] Cf., a propósito, o cit. acórdão da RC de 03.11.2015-processo n.º 69/14.0T8CNT.C1.