Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
156/99.3TATND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: VINCULAÇÃO TEMÁTICA DO TRIBUNAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
Data do Acordão: 10/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 32º, Nº5 DA CRP E 358º, Nº1 E 3 DO CPP
Sumário: 1.Não ofende o princípio da vinculação temática a decisão do juiz, proferida no decurso da audiência de julgamento que com a observância do disposto no artigo 358º,nº3 do CCP procede à alteração da qualificação jurídica dos factos.
Decisão Texto Integral: 11
Proc. nº 156/99.3TATND-A.C1
RELATÓRIO

Em processo comum colectivo do Tribunal Judicial de Tondela e em que é arguido, J, iniciou- iremos que quanto à subsunção jurídica dos factos, não há vinculação temática, gozando o juiz da liberdade de poder qualificá-los juridicamente. Ponto é que seja dada oportunidade ao arguido de se pronunciar, face a essa diferente qualificação, como o impõe expressamente o artº 358º nº 3 CPP.se a audiência de julgamento, mas antes da data designada para a leitura do acórdão, foi proferido o seguinte despacho:
“Após uma primeira reunião do colectivo, foi deliberado proferir o seguinte despacho:
Compulsados os factos descritos na pronúncia e independentemente na solução jurídica que ao caso venha a caber, a verdade é que são os mesmos susceptíveis, em abstracto, de integrar a prática dos seguintes ilícitos criminais:
- 22 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256. ° nºS 1 als. a) e b) e 3 do Código Penal (redacção anterior), e actualmente pelo art. 256. ° nºS 1 als. c) e d) e 3 do mesmo diploma;
- 14 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.° nº 1 e 218 nº 2 als. a) e b) do mesmo diploma;
- 5 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.° nº 1 e 218. ° nºS 1 e 2 al. b) do mesmo diploma;
- 3 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.° nº 1 e 218. ° nº 2 al. b) do mesmo diploma;
- 1 crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.°, 23.°, 217.° nº 1 e 218. ° nº 2 al. a) do mesmo diploma; e
-1 crime de abuso de confiança na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.°, 23.° e 205. ° nºS 1 e 4 al. b), sempre do Código Penal.
Assim sendo, para melhor disciplina processual e considerando o disposto no art. 358. ° n.ºS 1 e 3 do Código de Processo Penal, decide-se desde já proceder à correspondente alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia nos termos descritos.
Mais se determina a notificação do ilustre defensor do arguido para, querendo e em 5 dias, se pronunciar.
Oportunamente, se verificará da necessidade de modificar a data já agendada para a leitura do acórdão, mantendo-se por ora a mesma inalterada.
Notifique.”.


Inconformado, o arguido interpôs recurso, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos:
I) Consta da acusação que o arguido terá praticado 19 crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art° 217 e 256 nº1 al. b) e 3 do C. Penal; 5 crimes de burla qualificada p. e p. pelo 217 e 218 n° 1 e 2 al b) do mesmo diploma; 7 crimes de burla qualificada p. e p. pelos art°s 217 e 218 nº 2 al. a) e b) do C. Penal 3 crimes de burla qualificada p. e p. pelos actos 217 e 218 nº 2 al b) do C. penal; 1 crime de burla qualificada na forma tentada p. e p. pelos actos 22,23,217 e 218 nº 2 al) a do C. Penal e 1 crime de abuso de confiança p. p. pelo artº 205 nº 1 e 4 al. b) também do C. Penal.
II) Crimes estes, que o Meritíssimo Juiz de Instrução, após a abertura de Instrução, manteve, no número e qualificação, no seu Douto Despacho de pronuncia.
Ficando assim devidamente fixada a quantificação dos crimes pelos quais o arguido deveria ser julgado em sede dos presentes autos.
III) Numa clara violação ao princípio do acusatório e após o encerramento da discussão, veio o Tribunal " a quo" notificar o recorrente da alteração dos número de crimes, que constavam da acusação/pronuncia.
E assim concluiu que os 17 crimes de falsificação de documentos constante da pronúncia passariam a ser 22 crimes de falsificação de documentos, e que os 15 crimes de burla qualificada, também referidos na pronúncia, passariam a ser 22 crimes de burla qualificada (cfr. Douto Despacho a fls. 2760 e 2761 dos autos.)
Isto é, o Tribunal " a quo" passou a imputar ao arguido, nos presentes autos, mais 5 crimes de falsificação de documentos e mais 7 crimes de burla agravada que não constavam da acusação nem na pronuncia como factos pelos quais o arguido, em abstracto, teria que ser condenado
IV) A esta alteração do numero de crimes, e por factos que o recorrente desconhece, classificou o Tribunal" a quo" no seu Despacho a fls. 2760 e 2761, como"...alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronuncia... "
Ora, o Tribunal" a quo" ao considerar que o arguido veio a cometer um maior número de crimes do que aqueles pelos quais estava pronunciado, ultrapassa os limites da própria alteração substancial dos factos e menos se pode considerar uma alteração não substancial ou uma mera alteração da qualificação jurídica, conforme faz crer o Tribunal recorrido
Assim, perante a alteração do número de crimes constantes da pronúncia, caberia ao tribunal" a quo" identificar precisamente quais os novos os factos, obviamente não objecto de pronúncia, por que entendia agora julgar susceptíveis, em abstracto, de integrar a pratica de novos crimes por parte do arguido.
Não podendo, contudo, nesta alteração substancial dos factos descritos na acusação e pronuncia, serem estes tidos em conta pelo tribunal " a quo" para o efeito de condenação no processo em curso.
Além de que, tal omissão levada em consideração pelo tribunal" a quo", obsta ao conhecimento do arguido de quais os novos factos decorrentes da audiência de julgamento que permitiram ao Tribunal" a quo" concluir pela susceptibilidade da prática de mais 5 crimes de falsificação de documentos e mais 7 crimes de burla qualificada, relativamente aos descritos na acusação e na pronuncia.
Tudo conforme o que havia sido exposto e requerido pelo recorrente a fls. 2802 a 2805.
Assim, e dada a conduta ora exposta violou o Tribunal" a quo" o plasmado no artº 359, do C.P.P e ainda o plasmado no artº 32 nº 5 da CRP.
V) Sem prescindir
Mesmo que não se concebesse tal alteração substancial dos factos, a verdade é que o tribunal " a quo" ao omitir no Despacho ora recorrido quais os factos constantes da pronúncia pelos quais considera, agora, existir uma alteração na quantificação e qualificação jurídica, impediu o arguido de alegar de direito, de requerer contraditório ou produção de prova, porquanto desconhecia os factos assentes que, no essencial, integram esta alteração do número e qualificação dos crimes.
Dito de outro modo, o arguido esteve sempre impedido de se defender.
Pois que o Tribunal" a quo", nunca especificou quais os factos que constavam da pronúncia e que, só agora, são susceptíveis de alteração na sua quantificação e qualificação jurídica. (Cfr. fls 2806 dos autos.)
Assim, e pelo exposto, o Tribunal " a quo" ao não permitir a defesa do arguido, por omissão de quais os factos geradores da alteração da quantificação e qualificação jurídica, violou o plasmado no artº 358 nº 1 e nº 3 do CPP e artº 32 nº 1 da CRP.
Ainda, sem prescindir,
VI) Manter a decisão em causa, ela assenta, inequivocamente, numa interpretação não conforme com a Constituição Portuguesa do artigo 358° do C.P.P.- o qual permite alterar a qualificação de facto porque se vem acusado, mas nunca introduzir novas acusações; inconstitucionalidade que aqui expressamente se invoca por violação do artº 32 nº 5 da CRP, dado que o Tribunal ao proceder à adição do numero de crimes constantes da acusação e da pronuncia, importa numa alteração substancial dos factos.
Por outro lado, e ainda sem prescindir, a interpretação dada ao art. 358° nº 3 do CPP no sentido de que a alteração da qualificação jurídica, consubstancia uma alteração não substancial dos factos e como tal tem que ser notificada ao arguido, nomeadamente, de quais os factos que consubstanciam a alteração, para este alegar de direito, sem que se conceda prazo para produção de prova, contraditório, é ofensiva dos princípios constitucionais das garantias de defesa e do contraditório consagrados no art. 32° nºs 1 e 5 da CRP, o que aqui se invoca também com o objectivo de dar cumprimento ao art.72° da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público apresentou a sua resposta no sentido da improcedência do recurso.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação conclui igualmente que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO


Conforme se alcança da análise das conclusões, as questões suscitadas são as seguintes:
- Saber se o tribunal recorrido, ao decidir, antes da data designada para a leitura do acórdão, alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia e ordenado o cumprimento do disposto no artº 358º nºs 1 e 3 CPP, violou o princípio do acusatório;
- Saber se essa diferente qualificação jurídica consubstancia uma alteração substancial dos factos;
- Saber de o tribunal omitiu ao arguido factos novos, violando o princípio do contraditório.
Vejamos.
Como se alcança da análise dos autos (despacho de fls. 22 a 46), o arguido foi pronunciado pela prática dos seguintes crimes:
-19 crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art° 256 nº1 b) e 3 do C. Penal;
- 5 crimes de burla qualificada p. e p. pelo 217º e 218 n° 1 e 2 b) CP;
- 7 crimes de burla qualificada p. e p. pelos art°s 217º e 218 nº 2 a) e b) do CP. - 3 crimes de burla qualificada p. e p. pelos actos 217º e 218 nº 2 b) do CP;
- 1 crime de burla qualificada na forma tentada p. e p. pelos artºs 22, 23, 217 e 218 nº 2 a) CP;
- 1 crime de abuso de confiança p. p. pelo artº 205 nº 1 e 4 b) CP.
Porém antes da data designada para a leitura do acórdão, foi proferido despacho judicial, em que se entendeu que os factos descritos na pronúncia eram susceptíveis, em abstracto, de integrar a prática dos seguintes ilícitos criminais:
- 22 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256. ° nºS 1 als. a) e b) e 3 do Código Penal (redacção anterior), e actualmente pelo art. 256. ° nºS 1 als. c) e d) e 3 do mesmo diploma;
- 14 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.° nº 1 e 218 nº 2 als. a) e b) do mesmo diploma;
- 5 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.° nº 1 e 218. ° nºS 1 e 2 al. b) do mesmo diploma;
- 3 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.° nº 1 e 218. ° nº 2 al. b) do mesmo diploma;
- 1 crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.°, 23.°, 217.° nº 1 e 218. ° nº 2 al. a) do mesmo diploma; e
-1 crime de abuso de confiança na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22.°, 23.° e 205. ° nºs 1 e 4 al. b), sempre do Código Penal.
Consubstanciará essa diferente qualificação jurídica dos factos constantes do despacho de pronúncia, levada a cabo pelo colectivo antes da prolação do acórdão, uma violação ao princípio do acusatório e uma alteração dos factos?
A resposta é vincadamente negativa.
Como é sabido, o nosso processo penal tem estrutura acusatória, sendo o seu objecto balizado pela acusação ou pela pronúncia, quando a houver.
Na verdade, é ela que delimita os factos consubstanciadores do crime a julgar pelo tribunal. Este está vinculado ao thema decidendum como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem que defender-se dos factos acusados, e não de outros, e que apenas poderá ser condenado pelos factos acusados, e não por outros, sob pena da nulidade prevista no artº 379º nº 1 a) CPP.
Porém isso não significa que na fase do julgamento não se possam conhecer factos novos e se condene o arguido por eles.
Necessário é que se verifiquem os casos e as condições aludidas nos artºs 358º e 359º CPP, pelos quais iremos fazer uma breve incursão.
Assim se se verificar uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia· – o tribunal só pode deles conhecer se, feita a comunicação dessa alteração, “o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal” (artº 359º nº 3 CPP).
Como escreve Frederico Isasca Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância no Processo Penal Português, pág. 200. “ há como que uma redefinição ou reformulação do objecto do processo que passa pelo acordo dos sujeitos processuais directamente interessados na resolução rápida e justa do caso concreto, criando-se, deste modo, um espaço de diálogo que viabiliza uma solução de consenso. E tudo isto sem a mínima intervenção ou, melhor, influência, do juiz de julgamento. Deixando-se assim incólume o princípio do acusatório. Ao que acresce, ainda, o integral respeito pelos direitos da defesa- ­desde logo, mas não só, o contraditório - que não se vê sujeita a qualquer imposição, na medida em que dela depende também e em efectiva igualdade de armas, a viabilização da continuação do julgamento, ampliado aos novos factos. Por outro lado, não deixou de atender-se aos interesses da vítima (ou de quem a represente), nem tão pouco à perseguição do crime, visto que, quer o assistente, quer o Ministério Público, podem sempre, por si só, inviabilizar igualmente o acordo. É perfeita a trilogia, Estado/agente/vítima, na possibilidade que se deixa em aberto, de ultrapassar e resolver um conflito - numa zona de tensão do processo penal -, pelas regras do diálogo, do consenso e da tolerância.”.
Porém se não for possível tal acordo esses novos factos não podem ser tomados em conta pelo tribunal, valendo a sua comunicação ao Ministério Público “ como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo (artº 359º nºs 1 e 2 CPP).
Por outro lado, “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”, salvo se os novos factos tiverem sido alegados pela defesa (artº 358º nºs 1 e 2 CPP).
Ora como resulta claramente do exposto dúvidas não há de que a situação suscitada no despacho impugnado - diferente qualificação jurídica - nada tem a ver com alteração de factos, seja ela substancial ou não substancial.
Os factos são exactamente os mesmos!
O juiz não pode é ficar vinculado à qualificação jurídica desses factos feita no despacho de pronúncia ou na acusação.
Seria completamente descabido e injusto que o tribunal ficasse impedido de poder convolar a qualificação jurídica dos factos.
Daí que se concorde com o AcTC nº 544/2006, de 27 de Setembro de 2006, quando refere” o despacho de pronúncia traduz-se na decisão de submeter o arguido a julgamento.
Por força da estrutura acusatória do processo penal, tal decisão fixa o objecto do processo, encontrando-se o juiz de julgamento tematicamente vinculado na apreciação da acusação (em sentido material).
Contudo, no momento da pronúncia, o julgamento ainda não foi realizado. O juiz de julgamento tem poderes de investigação e tem naturalmente o poder de aplicar o Direito.
O princípio da vinculação temática constitui uma garantia de defesa, na medida em que impede alterações significativas do objecto de processo, alterações essas que prejudicariam (poderiam até inviabilizar) a defesa. Porém, a dimensão do objecto do processo cuja alteração se repercute irreparavelmente na estratégia da defesa, e por isso só pode ser alterada em casos específicos, é a dimensão da alteração dos factos suporte de uma qualificação jurídica. E é assim, já que a alteração substancial de factos implicará, por parte da defesa, uma necessária reorganização em matéria de prova.
Já a alteração da mera qualificação jurídica dos factos importa uma discussão sobre o Direito aplicável, mas não tem a mesma repercussão na defesa que tem a alteração substancial dos factos. Daí que a lei preveja para os casos de alteração da qualificação jurídica (em qualquer fase) apenas a oportunidade de a defesa se pronunciar, nos termos do contraditório (artigo 358º, nºs 1 e 3). Regime que foi introduzido no Código de Processo Penal pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão nº 22/96, D.R., II Série, de 17 de Maio de 1996). O regime do objecto do processo deve ser interpretado de modo substancial em articulação com as garantias da defesa, é certo, mas também em equilíbrio com os demais princípios do Processo Penal, tais como os do jura novit cura, da verdade material e o imperativo da correcta aplicação do Direito.
A alteração da qualificação jurídica dos factos durante o processo, ainda que mais do que uma vez, não colide com a estrutura acusatória do Processo Penal nem com as garantias da defesa. Na verdade, a investigação tem por objecto os factos.
A qualificação jurídica depende da interpretação da lei em face do apuramento dos factos investigados. O juiz de julgamento tem, naturalmente, o poder de proceder à alteração da interpretação do Direito, salvaguardada que seja a oportunidade do arguido poder considerar na sua defesa a qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados. O entendimento do recorrente retira os poderes de investigação que, reconhecidamente, o sistema português confere ao juiz de julgamento, dentro, naturalmente, do objecto definido pela acusação. Nem a fase em que é feita a alteração da qualificação jurídica nem o facto de ser repetida põem em causa a estrutura acusatória do Processo Penal.
A invocação da existência do caso julgado formal, numa lógica de Direito Processual Civil, a propósito da prolação do despacho de pronúncia não procede, dado que no Processo Penal, e em particular na matéria em causa nos presentes autos, regem, como foi dito, o princípio acusatório, o princípio da vinculação temática e o regime da articulação entre poderes de interpretação e poderes de julgamento. Depois da instrução o processo segue para julgamento. No julgamento, o juiz aprecia os factos constantes da pronúncia e faz a aplicação do Direito.”.
Em conclusão diremos que quanto à subsunção jurídica dos factos, não há vinculação temática, gozando o juiz da liberdade de poder qualificá-los juridicamente. Ponto é que seja dada oportunidade ao arguido de se pronunciar, face a essa diferente qualificação, como o impõe expressamente o artº 358º nº 3 CPP.
Improcede assim o recurso neste ponto.
Diz ainda o recorrente que o tribunal lhe omitiu os factos novos, violando o princípio do contraditório.
Mas que factos novos?
O despacho impugnado é cristalino.
Não se vê mesmo onde é que o recorrente viu ser feita referência a “factos novos”.
Para o feito recorda-se que no despacho em causa se refere, a propósito da factualidade:
“…Compulsados os factos descritos na pronúncia e independentemente na solução jurídica que ao caso venha a caber, a verdade é que são os mesmos susceptíveis, em abstracto, de integrar a prática….”.
“…decide-se desde já proceder à correspondente alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia” (o sublinhado e bold é nosso).
Deste modo não podia o tribunal recorrido indicar ao recorrido os “factos novos”, pela simples razão de que não invocou quaisquer “factos novos”, mas apenas aqueles que já constavam da pronúncia.
Assim sendo ao dar-se cumprimento ao disposto no artº 358º nº 3 CPP, face à nova qualificação jurídica dos factos, foi assegurado ao recorrente o direito de defesa e o princípio do contraditório, garantindo-lhe assim a possibilidade do arguido tomar posição quanto à nova qualificação jurídica.
Não se vislumbra pois onde é que tal interpretação pode configurar a violação de qualquer norma constitucional, designadamente o invocado artº 32º nºs 1 e 5 da CRP.
Como se escreveu igualmente no Ac do Tribunal Constitucional já referido, não existe qualquer princípio constitucional que impeça a qualificação jurídica dos factos pelo juiz, desde que seja realizada com respeito pelas garantias de defesa.
Em suma, o recurso improcede integralmente.

DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a douta decisão recorrida.
Condena-se o recorrente na taxa de justiça de quatro Ucs.

ESTEVES MARQUES (RELATOR)
JORGE DIAS