Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
394/10.0TBSRE-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
INCIDENTE
ROL DE TESTEMUNHAS
ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 302, 303, 512-A, 1334, 1344, 1345, 1346, 1347, 1348, 1404 CPC
Sumário: No incidente do processo de inventário atinente à reclamação da relação de bens, não é possível alterar ou aditar o rol de testemunhas, ao abrigo do disposto no art. 512º-A do CPC, nem requerer a junção de provas de índole documental depois do requerimento em que aquele é suscitado.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I- RELATÓRIO

              1. Nos autos de inventário para partilha de bens em casos especiais, Nº 394/10.0TBSRE-B, a correr termos no Tribunal Judicial de Soure, em que são interessados J (…) e L (…), nos quais desempenha as funções de cabeça de casal o mencionado J (…), veio a interessada L (…), em 25.08.2011, apresentar reclamação da relação de bens apresentada pelo mencionado cabeça de casal, pugnando pela não relacionação de alguns dos bens que constam de tal relação e pela relacionação de outros bens que dela não constam, indicando no final de tal reclamação prova documental e testemunhal.

         2. Depois de apresentada resposta a tal reclamação pelo cabeça de casal, veio a ser designada a data de 17 de Setembro de 2012 para inquirição das testemunhas arroladas por ambos os interessados, diligência essa que na referida data veio a ser dada sem efeito e a ser designada para o dia 28 de Novembro de 2012.

3. Posteriormente, através do requerimento apresentado pela interessada L (…) em 31.10.2012 veio a mesma requerer o aditamento ao rol de testemunhas anteriormente apresentado e, igualmente por requerimento pela mesma apresentado em 05.11.2012, veio a mencionada interessada a requerer que se oficiasse à Direcção Geral de Contribuições e Impostos para que esta entidade viesse juntar aos autos cópias da Declaração de IRS apresentada pelo cabeça de casal referente ao ano de 2010 e respectiva demonstração de IRS.

4. Sobre tais requerimentos apresentados pela interessada L (…) veio a incidir despacho de indeferimento, com fundamento, quanto ao aditamento do rol de testemunhas, que no âmbito dos incidentes não se mostra possível o aditamento ao rol de testemunhas, e quanto à solicitação por ofício à Direcção Geral de Contribuições e Impostos para a junção dos referidos documentos, por se entender irrelevante tal diligência em face da delimitação da matéria sobre que versa a reclamação, e também por surgir como intempestiva no momento em que vem requerida.

         5. Inconformada com o assim decidido, interpôs recurso a interessada L (…), recurso esse cujas alegações a mesma remata com as seguintes conclusões:

         “ 1ª- O presente recurso deverá subir imediatamente, em separado, e ser fixado o efeito suspensivo, pois ao contrário, perderá o seu efeito útil, atendendo a que se encontra designada data para inquirição das testemunhas o próximo dia 28-11-2012, e por cautela as testemunhas arroladas no requerimento de reclamação contra a relação de bens teriam de ser indicadas à totalidade dos factos, esgotando-se assim a possibilidade de ouvir novas testemunhas a qualquer facto, conforme infra se demonstrará.

         2ª- Pelo douto despacho recorrido, e com fundamento que no âmbito dos incidentes, não se encontra prevista a possibilidade de aditamento ao rol de testemunhas, não se afigurando o mesmo, de resto, compatível com a celeridade que se visou imprimir ao incidente e partilhando, nesse circunspecto, da posição perfilhada pelo Acórdão do TRP de 24.05.2007 (Processo n.º 0732629, disponível em www.dgsi.pt), a Mmª. Juiz a quo indeferiu os pedidos da interessada, ora recorrente, quanto ao aditamento ao rol de testemunhas, e quanto ao pedido à Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, para que essa entidade junte aos autos cópia da Declaração de IRS apresentada pelo cabeça de casal referente ao ano de 2010 e respectiva demonstração de liquidação de IRS, atendendo a que tomou conhecimento que aquele apresentou separadamente da requerida o IRS de 2010, com base na Separação de Facto.

         3ª- Salvo o devido respeito, discorda a recorrente do douto entendimento da Mmª. Juiz a quo, por considerar que o douto acórdão mencionado contraria outros arestos, designadamente, o não menos douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20-10- 2011, com o Processo n.º 245/08.5TBLV-A, cujo Relator foi o Exmº. Desembargador Dr. Mata Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt que, apreciando idêntica questão, ponderou o seguinte:

         “1- No processo de inventário, a reclamação contra a relação de bens constitui um verdadeiro incidente do processado ao qual deve ser aplicável, por força do artº. 302º do CPC as disposições relativas aos incidentes da instância.

         2- Nesse incidente devem ser indicadas desde logo no requerimento de reclamação, bem como no requerimento d oposição, se esta for deduzida, em conformidade com o disposto no artº. 303º n.º 1 d CPC.

         3- Se um interessado pretender efectuar alguma substituição de testemunha que tiver oportunamente indicado, poderá fazê-lo no prazo a que alude o artigo 512º-A n.º 1 do CPC, preceito este aplicável por analogia”.

            4ª- No âmbito do processo de inventário em que é interessada a ora recorrente, esta ao ser notificada para se pronunciar sobre a relação de bens, veio deduzir, nos termos do artº. 1348º do CPC, reclamação contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, acusando, por um lado, falta e, por outro, exclusão de bens, tendo para prova do alegado, junto documentos, solicitado informações bancária sobre as contas existentes em nome do cabeça de casal e da interessada L (…), ora recorrente, e indicado testemunhas.

            5ª- Por despacho com a refª. 677284, de 23-11-2011, para além do mais, foram as partes convidadas a prestarem as informações constantes do “1.Título I da relação de bens (fl.27), alínea a)”, e (…) “”4. Do produto da venda de pinheiros, eucaliptos e carvalhos e plantações (fls. 45 e 4)”., tendo em cumprimento do desse despacho, a ora recorrente prestado as solicitadas informações, tendo para prova do alegado, junto documentos, e indicado testemunhas.

         6ª- Foi designada data para inquirição de testemunhas, cuja inquirição não se chegou a realizar por “Uma vez que a mesma hora da presente diligência foi designada conferência de interessados no âmbito do processo n.º 173/1.4TBSRE, na qual a ora reclamante é também interessada, a qual atenta a extensão das questões a dirimir se protelou para além da hora prevista, ouvidas as partes e atento o número de testemunhas a inquirir, bem como a necessidade de as confrontar com elementos que ainda não se encontram juntos ao processo, dá-se sem efeito a presente diligência, e para a sua realização, designa-se o próximo dia 28 de Novembro pelas 14.00 horas” (…) – Cfr. Acta de inquirição de testemunhas, de 17-09-212.

         7ª- Por requerimento de 31-10-2012 a interessada, ora recorrente, solicitou o aditamento ao rol de testemunhas que indicou na reclamação apresentada em 25-08-2011, de novas testemunhas, que identificou, e por requerimento de 05-11-20212, a interessada ora recorrente, solicitou que fosse solicitado oficiosamente à Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, para que essa entidade junte aos autos cópia da Declaração de IRS apresentada pelo cabeça de casal referente ao ano de 2010 e respectiva demonstração de liquidação de IRS, atendendo a que tomou conhecimento que aquele apresentou separadamente da requerida o IRS de 2010, com base na Separação de Facto, tendo sobre esses requerimentos incidido o despacho ora impugnado.

         8ª- Ora, embora o normativo inserto no arº. 303º, n.º 1, do CPC seja de carácter injuntivo, quando refere que as provas são indicadas, desde logo no requerimento em que é suscitado o incidente. Tal não impede ou impossibilita que posteriormente posa haver alteração do rol, dentro da instância, por analogia, as regras de alteração e aditamento do rol de testemunhas em acção declarativa prevenidas no artº 512º-A, do CPC (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Évora supra citado).

         9ª- No caso sub judice, o aditamento/alteração ao rol solicitado foi efectuado dentro do limite temporal previsto na aludida norma, uma vez que foi solicitada em 31-10-012, quando a diligência de inquirição estava agendada para o dia 28-11-2012, ou seja, para daí a 28 dias; da mesma forma que foi efectuado dentro do limite temporal prevista na aludida norma, o requerido com refª. 225891, uma vez que foi solicitado em 05-11-2012, ou seja, 23 dias antes da diligência de inquirição agenda para o dia 28-11-2012.

         10ª- Assim, atento o lapso temporal, é manifesto que deveria ter sido admitido o aditamento ao rol de testemunhas, requerida pela ora recorrente, nos termos do artº. 512º-A, n.º 1, do CPC, preceito este aplicável por analogia (Cfr. Ac. Tribunal da Relação de Évora, supra citado).

         11ª- Salvando sempre o devido respeito por diferente entendimento, tendo o douto despacho sob recurso violado, por admissibilidade legal face o artº. 512º-A, do CPC, e com base na indicada jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora, de 20-10-2011, com o processo n.º 245/08.5TBLV-A, cujo Relator foi o Exmº. Desembargador Dr. Mata Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt, que perfilha entendimento idêntico, deve essa decisão ser revogada, e substituída por outra que, possibilite a normal tramitação do incidente de reclamação da relação de bens, dando possibilidade de inquirir as testemunhas aditadas ao rol de testemunhas requerido pela ora recorrente.

         12ª- Embora o artº. 303º, ex vi artº. 1334º, do CPC, imponha que toda a prova deva constar no requerimento de reclamação à relação de bens, o reclamante não está impedido de o fazer ulteriormente, daí se explicando os poderes que a lei confere o juiz, mormente em sede probatória concretamente com vista à decisão do incidente de reclamação à relação de bens, onde pode oficiosamente determinar diligências de prova, donde que, deverá o dito e douto despacho ser revogado e substituído por outro que defira o sobredito pedido à Direcção-Geral de Contribuições e Impostos.”

            Termina pugnando pelo provimento do recurso e pela decisão do mesmo em conformidade com as conclusões supra.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.



II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:

I- Saber se depois da apresentação dos meios de prova indicados por interessado no requerimento onde reclama da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal em processo de inventário pode aquele interessado aditar o rol de testemunhas anteriormente apresentado e requerer a junção de outras provas.   

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

         A panorâmica processual com relevância para a apreciação do presente recurso consta do relatório supra.

           

         B) DE DIREITO

         Sendo as questões suscitadas no presente recurso balizadas pelas respectivas conclusões, a única questão que se coloca a este tribunal é a de saber se, no quadro legal em vigor, é ou não possível no incidente do processo de inventário, depois do requerimento onde se suscita a reclamação da relação de bens, alterar ou aditar, ao abrigo do disposto no Art. 512º-A, CPC, dentro do prazo que este fixa, o rol de testemunhas, ou requerer a junção de prova documental.

         O processo de inventário para partilha de bens comuns, subsequente ao divórcio, está previsto no Art. 1404º do CPC, sendo um processo especialíssimo em relação ao processo especial de inventário, para o qual remete.

         No processo de inventário, apresentada a relação de bens pelo cabeça de casal (Arts.1345º, 1346º e 1347º do CPC), os interessados são notificados para dela reclamar, no prazo de dez dias, podendo acusar a falta de bens que devam ser relacionados (Art.1348º Nº1 do CPC).

         De acordo com o disposto no Art. 1344º Nº 2 do CPC, « As provas são indicadas com os requerimentos e respostas; efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz, é a questão decidida, sem prejuízo do disposto no artigo 1335.º».

         Preceitua o Art. 1334º do CPC que «é aplicável à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na Lei, o disposto nos artigos 302º a 304º».

         Por seu turno, estipula-se no Art. 302º do mesmo Código,  «em quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa observar-se-á, na falta de regulamentação especial, o que vai disposto nesta secção».

         E, no Art. 303º Nº1do mesmo diploma legal que:

         « No requerimento em que se suscita o incidente e na oposição que lhe for deduzida devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova»;

         Do cotejo de tais normativos legais, resulta indubitavelmente que todos os meios de prova de que o autor do incidente e/ou o opoente pretendam fazer uso, têm de ser oferecidos com a petição e/ou oposição, respectivamente, ou requeridos em tais peças processuais.

         Estas normas são, assim e por isso, as aqui subsidiariamente aplicáveis, pelo que as partes devem oferecer no requerimento inicial ou no instrumento da oposição – os dois articulados que os incidentes em geral comportam – o rol de testemunhas e/ou requerer a gravação dos seus depoimentos, e quaisquer outras provas, nestas peças, aqui e assim, se limitando temporalmente o oferecimento das provas que se reportará exclusivamente ao incidente, entendendo-se que lhes não é lícito diferir esses actos processuais para momento posterior.

            Assim, se entende dever ser, nos termos da Lei específica, havendo insusceptibilidade de aditamento, alteração ou audição da testemunhas que não tenham sido oportunamente arroladas, face ao princípio dispositivo (Art. 264º1) que envolve a produção de prova e ao princípio da autoresponsabilidade das partes (Art. 3º-3) – neste sentido, vide Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 2ª edição, 1999, pág.s 11-17.

         No caso em apreço a interessada Laurinda Rosário aquando do requerimento da reclamação da relação de bens que apresentou indicou prova de índole testemunhal e documental, não podendo pretender que, depois disso, lhe seja permitido alterar ou aditar o rol de testemunhas então apresentado nem requerer a junção de outras provas de índole documental.

         Com efeito, como tem vindo a ser entendimento dominante da nossa jurisprudência em incidentes do processo de inventário, não é possível alterar ou aditar o rol de testemunhas ou indicar outras provas para além das indicadas no requerimento em que foi deduzido o incidente, ao abrigo do disposto no art. 512º-A do CPC, depois do requerimento em que aqueles são suscitados ou da oposição que lhes seja deduzida, Acs. da Rel. Porto, de 25-05-2006, 25-01-2007, 24-05-2007, disponível em www.dgsi.pt.

         Não se ignora que, diferente entendimento se perfilha no Ac. da Rel. de Évora, de 20 de Outubro de 2011 citado pela recorrente nas suas alegações de recurso e respectivas conclusões, todavia permitimo-nos discordar do mesmo, pois, considerando-se em tal aresto, como se considera, que ao incidente de reclamação da relação de bens em processo de inventário se aplicam os normativos legais citados, não poderemos admitir, como nele se sufraga, que “ não impede ou impossibilita que posteriormente possa haver alteração do rol, dentro dos condicionalismos previstos na lei processual, uma vez que há que aplicar aos incidentes da instância, por analogia, as regras de alteração e aditamento do rol de testemunhas em acção declarativa prevenidas no artigo 512º-A do CPC “, visto que tal significaria a aplicação aos incidentes das normas do processo ordinário, subvertendo-se, assim, o regime dos incidentes no âmbito do qual se impõem razões de celeridade, para que não haja delongas no processo em que são suscitados e no decurso do qual surgem para dirimir questões controvertidas que devem ser decididas antes da questão principal objecto do litigio que se dirime no processo mãe.

            Não há, pois, razões para discordar do entendimento sufragado pelo tribunal recorrido e da decisão por este proferida, a qual, por isso, é de manter.

         IV- SUMÁRIO

         - No incidente do processo de inventário atinente à reclamação da relação de bens, não é possível alterar ou aditar o rol de testemunhas, ao abrigo do disposto no art. 512º-A do CPC, nem requerer a junção de provas de índole documental depois do requerimento em que aquele é suscitado.

         V- DECISÃO

         Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.

            - Custas pela recorrente.

         Maria José Guerra ( Relatora)

         Albertina Pedroso

         Virgílio Mateus