Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
249/11.0TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
REGIME
BENS
CONSUMO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.12 CC, LEI Nº 24/96 DE 31/7, DL Nº 67/2003 DE 8/4, DL Nº 84/2008 DE 21/5
Sumário: 1.As normas relativas aos aspectos substanciais, vg. do apuramento da responsabilidade do vendedor ou produtor, do regime jurídico fixado pelo DL nº 67/2003 de 8.04, porque eivadas de uma nova ratio e teleologia atinentes à tutela de novas necessidades/concepções sociais, aplicam-se às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor – artº 12º nº2 do CC.

2.Provado que a produtora de telha concedeu para ela garantia de dez anos no pressuposto do respeito de certas regras na sua colocação, e que, em termos de normalidade, o desrespeito destas regras acarreta a sua deterioração, tem de concluir-se que assim é no caso concreto se provado tal desrespeito e não provada pelo comprador/consumidor factualidade excepcional que infirmasse tal normal consequência; o que invalida tal garantia.

3. Porém, apurado que a produtora, ante-processualmente, aceitou atribuir ao consumidor parte do número de telhas compradas para substituir as estragadas, ela deve ser responsabilizada nos termos em que se vinculou.

4. Efectivamente, tal posição, à mingua de outra explicação cabal, deve ter-se como de assunção de responsabilidade por deficiente fabrico da telha, acarretando ela uma concausalidade por reporte aquele desrespeito e devendo fixar-se a contribuição de cada causa para o efeito danoso, à falta de outros elementos, na proporção de metade.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


1.
A (…) e D (…) intentaram contra C (…), SA, ação declarativa, de condenação, com processo sumário.

Alegaram, em síntese:
Adquiriram telha produzida pela Ré, a qual apresenta defeitos, tendo a Ré garantido a durabilidade da telha por 10 anos.
Pediram:
Seja a ré condenada substituir a telha e acessórios danificados na casa dos Autores e a pagar uma indemnização de 15.000 euros pelos prejuízos causados.

Contestou a ré.
Alegando em resumo:
Os autores não cumpriram as condições de aplicação das telhas e que estas não têm defeito de fabrico.

2.
Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu:
Julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acção e, em consequência:
a) condenar a Ré a proceder à substituição 3.500 telhas da casa de habitação dos Autores, suportando todos os encargos inerentes à substituição da mesma;
b) condenar a Ré pagar aos Autores o montante de 6.500€, sendo a este montante deduzido o preço das 3.500 telhas referidas em a);
c) absolver a Ré do restante pedido.
3.
Inconformada recorreu a ré.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª a 5ª – meramente descritivas
6.ª O contrato de compra e venda foi estabelecido entre os AA. e o J (…).
7.ª A ré não vendeu aquele material cerâmico aos AA..
8.ª O tribunal recorrido condenou a ré, interpretando e aplicando ao caso o regime previsto no DL 67/2003, de 8 de abril, por considerar que era aplicável ao caso em apreço não obstante só ter entrado em vigor a 9 de abril de 2003 e os factos se reportarem ao ano de 2001.
9.ª O Tribunal errou na interpretação e aplicação daquele regime, porquanto reputou que a sua aplicação e enquadrava no n.º 2 do artigo 12.º do CC.
10.ª Errou na interpretação e aplicação do artigo 12.º do CC, porquanto o princípio ínsito neste é o da irretroatividade da aplicação da lei, assim o violando, não se enquadrando aquele regime no aludido n.º 2, até porque a relação de compra e venda atrás referida ocorreu antes da entrada em vigor daquele DL.
11.ª Além disso a responsabilidade peticionada insere-se na responsabilidade civil do produtor.
12.ª Nestas circunstâncias, a sentença deve ser revogada e a ré absolvida do pedido.
13.ª Sem prescindir, a ré também não pode ser condenada com fundamento no DL n.º 383/89, de 6 de novembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 131/2001, de 24 de abril, por não estarem reunidos os requisitos para tal.
14.ª Sem prescindir, não pode ser condenada com fundamento no regime do referido DL 67/2003 porque também não estão reunidos os requisitos para tal.
15.ª Em suma, não há matéria de facto provada subsumível à legislação acabada de citar.
16.ª Sem prescindir, a ré foi condenada numa prestação de facto e numa quantia que visa ressarcir o que já é ressarcido com aquela prestação e por isso não pode ser condenada no pagamento da quantia de € 6.500,00, pelo que a manter-se a condenação na prestação de facto tem de ser absolvida do pagamento desta importância.

Contra-alegaram os autores pugnando pela manutenção do decidido nos seguintes termos – resumidos – conclusivos:
1 – descritiva.
2 - O Regime do DL nº. 67/2003 de 8 de Abril de 203, relativo á venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, não obstante ser posterior a 2001, data em que foi emitido o certificado de garantia da telha aplicada na casa dos AA, aplica-se ao caso concreto, por respeito ao preceitado no nº. 2 do art. 12 do CC 2, isto porque tal situação dos defeitos da telha traduzem uma modificação do caso concreto…
3 - Estamos perante um contrato ao consumo, logo em que a Ré tem responsabilidade contratual, em que os AA são os consumidores e a Ré produtora, isto é are produz telha, e os AA consumidores finais adquirem-na para a sua casa de habitação, muito bem andou o tribunal recorrido quando presente caso, resultou provado que os autores adquiriram, a um revendedor dos produtos da Ré, telhas para cobertura da sua moradia… (artigo 2.°, alínea d), do Decreto-lei n° 67/2003, de 8 de Abril)., sendo bem de consumo, qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão.
4 - …Os Autores são, pois, consumidores, as telhas em causa são um bem de consumo a Ré é o produtor desse bem de consumo.”
A ré reconhece-se como produtor, e como tal os AA podem demanda-lo directamente, independentemente de terem adquirido a telha a um revendedor. A este respeito dispõe o artigo 6.° do Decreto-lei no 67/2003, de 8 de Abril…
5 - A verdade é que antes de passados os 10 anos do certificado de garantia de durabilidade emitido a favor dos autores, pelo produtor da telha, a Ré, a telha começou a cascar, deixando entrar água dentro de casa.
6- Alega a ré que com o certificado foi emitido um manual de aplicação de telhas, no entanto salvo o devido respeito, tal manual nunca foi ate ao momento exibido perante o tribunal, tão pouco provado que o mesmo exista…
Ficou a constar da declaração de garantia emitida pela Ré que se responsabilizava pela qualidade e durabilidade da telha colocada em conformidade com as normas inscritas no
"Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas".
No entanto, não foi alegado, nem consequentemente resultou provado, o conteúdo do referido "Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas".
Sucede, porém, que da factualidade provada não resulta que tais regras constassem do "Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas" que consta da declaração de garantia emitida pela Ré.
Não se provou que, no caso concreto, o descasque das telhas(antes do prazo de garantia dado pelo produtor) se tenha devido efectivamente ao incumprimento dessas mesmas normas.
Assim… a Ré era (e face à data de propositura da acção), responsável pela qualidade e duração de 4.500 telhas pelo período de 10 anos.
6– Dúvidas não há que ao emitir o certificado de garantia datado de 4 de Setembro de 2001, a ré assumiu uma garantia voluntária perante o consumidor final nos termos do preceituado no art. 9º do DL nº. 67/2003…
Logo perante os defeito da telha e os prejuízos causados pela mesma, e porque accionada a garantia dentro do parco previsto, os 10 anos muito bem andou o tribunal recorrido ao condenar a Ré.
7- Com base na garantia emitida pela Ré, em 4 de Setembro de 2001, a favor dos AA, a Ré garantiu a qualidade durabilidade da telha colocada pelo período de dez anos, sendo que dentro deste período a telhar começou a cascar e deixar entrar água dentro da casa dos autos, pelo que perante tais factos a ré foi condenada, e neste contexto não poderia ser outra a decisão da meritíssima Juíza d quo senão a condenação da Ré por tais factos e pelos danos patrimoniais sofridos como consequência direita e necessária do defeito da telha fabricada pela Ré.
8- …Provou-se que esses estragos se orçam em 6500€( incluindo a telha), por tal razão deve a ré pagar os 6500,00€, abatendo a esse valor o custo das 3500 telhas. Muito bem andou o tribunal, ao condenar a ré por estes danos, porque a abrigo do art. 12º do DL nº24/96, de 31 de Julho, o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais defeituosa, sendo que o produtor é o responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloquem no mercado.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª - Inaplicabilidade do regime jurídico fixado pelo DL nº 67/2003 de 8 de Abril.
2ª - Improcedência, total, ou, pelo menos, parcial, da ação.

5.
Os factos provados e a considerar são os seguintes:

1. Os autores adquiriram, a J (…) em Varzielas, que é revendedor da Cerâmica (…), ora Ré, 4500 telhas “VERMELHA NOR” para cobertura da sua moradia, sito no lugar de (...) , freguesia de Varzielas (facto assente A).
2. Tendo a Ré, emitido, em 4 de Setembro de 2001,um certificado de garantia de durabilidade da telha de qualidade “Nor” 1ª escolha, pelo período de 10 anos, conforme documento a fls. 11 cujo teor é:
Conferido a A (…), SA, pessoa colectiva nº 500041601, veio por este meio responsabilizar-se pela qualidade e durabilidade da telha colocada em conformidade com as normas inscritas no “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas. Quantidade a garantir: 4500 telhas NOR. Revendedor J (…) (facto assente B).
3. A referida telha encontra-se a cascar, deixando entrar água dentro de casa (facto assente C).
4. As chuvas que se infiltraram pela telha provocaram estragos:
I – no forro de madeira de carvalho da sala;
II – na mobília dos dois quartos;
III – na televisão e o LCD;
IV – nas paredes interiores da casa estão cheias de humidade;
V – A tinta e o reboco estão a cascar devido à humidade (facto assente D).
5. Os estragos orçam-se em €6.500€ (seis mil e quinhentos euros) (quesito 1.º).
6. O certificado de garantia de durabilidade é emitido no pressuposto do cumprimento da inclinação do telhado para a zona geográfica em que se insere (quesito 2.º).
7. Do não excesso de argamassa (quesito 4.º).~
8. Da mistura de argamassa nas proporções constantes no folheto que contém as regras de aplicação da telha (quesito 5.º).
9. A cumeeira, acabada com argamassa, é uma zona crítica dos telhados por causa da humidade (quesito 6.º).
10. A argamassa é material com humidade de equilíbrio mais desfavorável do que o material cerâmico (quesito 7.º).
11. A argamassa nas cumeeiras liberta mais lentamente a humidade absorvida (quesito 8.º).
12. Provocando mais e maiores ciclos de gelo e degelo (quesito 9.º).
13. O que diminui a durabilidade do material cerâmico aplicado (quesito 10.º).
14. As cumeeiras servem para impedir a infiltração da água (quesito 11.º).
15. E permitirem a ventilação da cobertura (quesito 12.º).
16. Devem ser assentes fazendo o recobrimento no sentido preponderante da incidência da chuva associada ao vento (quesito 13.º).
17. Os cumes devem ser fixados com argamassas bastardas, com 150 kg de cimento e 175 a 225 kg de cal por m3 de areia seca. (quesito 16.º).
18. O ponto de fixação das peças da cumeeira e rincão deve ser feito apenas na periferia das peças (quesito 17.º).
19. E não deve ser preenchido interiormente com argamassa (quesito 18.º).
20. Os autores desrespeitaram estas normas de aplicação e fixação dos cumes e rincão (quesito 19.º).
21. Aplicaram excesso de argamassa nas cumeeiras (quesito 20.º).
22. Os autores construíram o telhado com a inclinação de 35%. (quesito 22.º).
23. A inclinação do telhado visa o maior e mais rápido escoamento das águas das chuvas (quesito 23.º).
24. Bem como evitar a acumulação de gelo no mesmo (quesito 25.º).
25. A inclinação inferior do telhado contribui para um menor e menos rápido escoamento das águas pluviais (quesito 25.º).
26. E a acumulação de gelo e até lixo (quesito 26.º).
27. A ripa sob a qual as telhas assentam deve ter uma altura mínima de 5 cm (quesito 27.º).
28. Para permitir uma boa e rápida ventilação entre o piso e as telhas (quesito 28.º).
29. E assim eliminar rapidamente a humidade (quesito 29.º).
30. Os autores aplicaram uma ripa no telhado com altura de cerca de 2,5 cm (quesito 30.º).
31. O incumprimento destas regras e boas práticas de construção do telhado e as referidas consequências diminuem a durabilidade do material cerâmico em causa (quesito 32.º).
32. E originam o seu descasque e fissuras (quesito 33.º).
33. A ré foi por diversas vezes instada pelos autores, através do revendedor da telha, tendo sempre declinado a sua responsabilidade (facto assente E)
34. Posteriormente o mandatário dos AA também enviou uma carta apresentado reclamação à Ré, a qual respondeu volvidos 6 meses (facto assente F).
35. Admitindo a necessidade de substituição de 3500 telhas em 4500 e invocando que as mesmas não foram bem aplicadas (facto assente G).

6.
Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
6.1.1.
Estatui o artº 12º do CC:
1 . A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2 . Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de duvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
O nº2 do artº 12º pretende precisar o princípio da não retroatividade plasmado no nº1 e não tem qualquer precedente legislativo, tendo antes como fonte inspiradora a doutrina de Enneccerus-Nipperday, a qual distingue entre «regulamentações de factos» e «regulamentações de direitos».
Devendo presumir-se, quanto a estas últimas leis, que elas abrangem também as próprias situações jurídicas já existentes, podendo modificar-lhes o conteúdo ou até suprimi-lo
Por outras palavras, quando uma lei nova vem dispor sobre um tipo de situação jurídica já regulado há que distinguir conforme tenha em vista apenas o modo ou meio de chegar a essa situação ou, já ou também, atingir o conteúdo ou efeitos da mesma.
Naquela hipótese rege só para as novas situações ocorridas após a sua entrada em vigor. Nesta hipótese tem de entender-se que se aplica imediatamente às situações pré-existentes daquele tipo ainda vigentes.
È que, neste caso - considerando, vg. a relevante índole e magnitude dos direitos regulados, máxime se de interesse geral - são as próprias conceções do legislador, a ratio e teleologia da lei nova, que se pretendem ver imediatamente implementadas e substitutivas do regime jurídico anterior.
Pelo que os direitos e deveres que constituem o conteúdo típico deste regime jurídico devem ceder e serem substituídos por aqueloutros dimanantes da lei nova.
Efetivamente, nestes casos, ao interesse dos indivíduos na estabilidade da ordem jurídica, deve sobrepor-se o interesse público na transformação desta ordem com vista à sua adaptação às novas necessidades e conceções sociais – cfr. Parecer da PGR de 21.12.1977, DR, II de 30.03.1978, p.1804, apud Abilio Neto, CC Anotado, 13ª ed. p.29.
6.1.2.
No caso vertente e visto o teor do diploma em causa tem de concluir-se que, efetivamente, com o DL 67/2003 o legislador pretendeu regular o conteúdo da relação jurídica em causa.
Na verdade, e por um lado, importa ter presente que: «A «ratio» da legislação do consumo visa essencialmente «a necessidade de protecção dos consumidores perante as relações caracterizadas pela desigualdade de forças dos seus sujeitos, em matéria de poder económico, experiência, organização e informação» - Ac. do STJ 14.10.2010, dgsi.pt. p. 8708/05.8TBBRG.G1.S1, citando Cura Mariano Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, pg.233.
Por outro lado importa reter que nesta matéria, no âmbito do contrato de compra e venda e no que concerne às suas perturbações - vg. defeitos na prestação -, o regime civilístico nacional tradicional tem vindo sucessivamente a perder margem de aplicação em favor de legislação especial definida pela UE.
Com o DL nº 67/2003 de 8 de Abril, na redação que lhe foi dada pelo DL nº 84/2008 de 21 de Maio, procedeu-se à transposição para o ordenamento jurídico português da Diretiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio.
Assim, aquele regime nacional apenas, ou tendencialmente, tem lugar nas situações em que o comprador destina a coisa para revenda.
Se ele a destinar ao seu consumo, particular e final, aplica-se - pelo menos por via de regra, e salvo, vg,. se for menos favorável ou lacunosa -, a legislação da UE atinente à defesa do consumidor.
Ademais, com a legislação comunitária pretende-se «a aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas» - Ac. do STJ de 28.10.2010, p. 913/07.9TBOVR.P1.S1.
Inclusive: «Sucedendo que, nos negócios jurídicos de consumo a tutela do consumidor é assegurada de uma forma distinta da que corresponde ao modelo clássico do cumprimento defeituoso.» -Ac. do STJ de 24.05.2012, p. 2565/10.0TBSTB.S1.
Assim se concluindo que, in casu, e no que tange aos aspetos substantivos atinentes ao apuramento da responsabilidade do vendedor ou produtor, são de aplicar – quer pelo princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Interno: artºs 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e 8.º, n.º 3 da C.R.P, quer pelo princípio de que lex specialis derrogat lex generalis -, as normas do DL 67/2003 – cfr. Ac. do STJ de 12/01/2010, proc. n.º 2212/06.4TBMAI.P1.S1.
Sendo esta aliás, e como se expende na sentença, a tese, pelo menos maioritária, defendida na doutrina e na jurisprudência – Ac. da RL de 19-02-2008, p. 515/2008-7, in dgsi.pt e Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2ª ed., pág. 245.

6.2.
Segunda questão.
6.2.1.
Estabelece o artº 1º-A do DL nº 67/2003 de 8 de Abril:
1 - O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.
Mais estatuindo e definindo, no seu artº 1º-B:
a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho;
b) «Bem de consumo», qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão;
c) «Vendedor», qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional;
d) «Produtor», o fabricante de um bem de consumo…;
e) «Representante do produtor», qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na qualidade de retalhistas;
f) «Garantia legal», qualquer compromisso ou declaração assumido por um vendedor ou por um produtor perante o consumidor, sem encargos adicionais para este, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade;
g) «Garantia voluntária», qualquer compromisso ou declaração, de carácter gratuito ou oneroso, assumido por um vendedor, por um produtor ou por qualquer intermediário perante o consumidor, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade;
h) «Reparação», em caso de falta de conformidade do bem, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato.
Preceitua o artº 2º:
1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.
2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:

d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

4 - A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.
Estipula o artº 4º:
1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
E regula o artº 5º:
1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.
Dimana do artº 5º-A:
1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
3 - Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.
Expressa-se no artº 6º:
1 - Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
2 - O produtor pode opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor verificando-se qualquer dos seguintes factos:
a) Resultar o defeito exclusivamente de declarações do vendedor sobre a coisa e sua utilização, ou de má utilização;
b) Não ter colocado a coisa em circulação;
c) Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o defeito não existia no momento em que colocou a coisa em circulação;
d) Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de distribuição com fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da sua actividade profissional;
e) Terem decorrido mais de 10 anos sobre a colocação da coisa em circulação.
3 - O representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor, sendo-lhe igualmente aplicável o n.º 2 do presente artigo.
Finalmente impõe o artº 12º da Lei 24/96 de 31.07 (Lei de defesa do consumidor):
1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
2 - O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.
6.2.2.
Verifica-se assim que o autor deve ser tido por consumidor nos termos do artº 1º-B al. a).
Já a ré tem de ser considerada produtora nos termos da sua al. d).
E o J (…) que é revendedor da ré, ser qualificado como representante desta na qualidade de produtora – al. e).
Ora, como se viu, o representante do produtor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor – artº 6º nº3.
Logo, o autor poderia demandar quer apenas ré, quer apenas o dito J (…)quer os dois, já que o regime da solidariedade não implica, processualmente, o litisconsórcio necessário – artº 517º do CC.
O autor optou por demandar apenas a ré. É pois esta que tem de responder, independentemente dos direitos que, nas relações com o seu representante, lhe possam assistir e que apenas ela poderá despoletar.
6.2.3.
Quanto ao fundo.
6.2.3.1.
O Sr. Juiz julgou a ação procedente com o seguinte discurso argumentativo:
«Ficou a constar da declaração de garantia emitida pela Ré que se responsabilizava pela qualidade e durabilidade da telha colocada em conformidade com as normas inscritas no “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas”.
Não foi alegado, nem consequentemente resultou provado, o conteúdo do referido “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas”.
Alega a Ré, é certo, que tal garantia é emitida no pressuposto do cumprimento da inclinação do telhado para a zona geográfica em que se insere, da mistura de argamassa nas proporções constantes no folheto que contém as regras de aplicação da telha, que os cumes devem ser fixados com argamassas bastardas, com 150 kg de cimento e 175 a 225 kg de cal por m3 de areia seca e que a ripa sob a qual as telhas assentam deve ter uma altura mínima de 5 cm – tendo os Autores desrespeitado estas normas de aplicação e fixação dos cumes e rincão, aplicado excesso de argamassa nas cumeeiras e aplicado uma ripa no telhado com altura de cerca de 2,5 cm.
Sucede, porém, que da factualidade provada não resulta que tais regras constassem do “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas” que consta da declaração de garantia emitida pela Ré.
Todavia, ainda que se tivesse provado que as referidas regras fazem parte do referido “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas”, a verdade é apenas em abstracto se provou que o incumprimento dessas regras diminui a durabilidade do material cerâmico. Não se provou que, no caso concreto, o descasque das telhas (antes do prazo de garantia dado pelo produtor) se tenha devido efectivamente ao incumprimento dessas mesmas normas.
Não resultou provado que neste caso concreto a falta de conformidade do bem se ficou a dever à má instalação das telhas (não se provou em concreto estas telhas se tenham estragado por um motivo em concreto, foram apenas adiantadas em abstracto circunstâncias que podem ter diminuído a durabilidade da telha).
(sublinhado nosso).
6.2.3.2.
Salvo o devido respeito esta interpretação não se mostra conforme aos factos apurados.
Vejamos.
6.2.3.2.1.
No que tange à alegada não prova de que tais regras de colocação da telha constassem do “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas”.
Provou-se que o certificado de garantia de durabilidade da telha pelo período de 10 anos, foi conferido pela ré no pressuposto da telha ser colocada em conformidade com as normas inscritas no “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas – ponto 2.
Ora deste facto tem de inferir-se que existia um manual de aplicação de telhas, pois que o autor não o nega.
Assim, mais tem de concluir-se que tais normas, necessárias e pertinentes à durabilidade da telha, constavam de tal manual e, inclusive, que o teor deste foi do conhecimento do autor.
Na verdade o juiz não está cingido apenas à perspetivação dos factos que, seca e formalmente, se provam; mas antes outrossim podendo/devendo considerar aqueles que, por virtude de uma hermenêutica eivada por critérios de razoabilidade, sensatez, sagacidade, lógica, e atinente com as regras da experiencia comum, sejam a normal decorrência dos primeiros.
È o caso dos autos.
Perante a alegação e prova do facto aludido competia ao autor provar o seu contrário, ou seja, que não foi acordada a condicionante/vinculação no modo de colocação das telhas, que os mesmos não constavam no manual que este não lhe foi entregue e/ou dele não teve conhecimento.
Ora ele não cumpriu tal ónus, antes a ré tendo provado tal facto e do qual importa retirar, nos termos aludidos, as suas necessárias, ou, pelo menos, lógicas e normais, consequências.
6.2.3.2.2.
Por outro lado e no que respeita à alegada não prova, em concreto, das consequências do desrespeito das normas de colocação da telha.
Não colhe o argumento que apenas em tese se apurou que incumprimento das boas regras de instalação da telha diminuísse a sua durabilidade.
Na verdade provou-se que assim é, quer em abstrato, quer em concreto, ie., para o caso vertente.
Tal resulta, mais uma vez - e aqui quiçá por maioria de razão face à natureza e relevância dos factos apurados – das conclusões que devem dos mesmos retirar-se, numa interpretação norteada pelos princípios supra aduzidos.
Na verdade apurou-se, nuclearmente, que: 11. A argamassa nas cumeeiras liberta mais lentamente a humidade absorvida. 12. Provocando mais e maiores ciclos de gelo e degelo .13. O que diminui a durabilidade do material cerâmico aplicado. 25. A inclinação inferior do telhado contribui para um menor e menos rápido escoamento das águas pluviais. 26. E a acumulação de gelo e até lixo. 27. A ripa sob a qual as telhas assentam deve ter uma altura mínima de 5 cm. 28. Para permitir uma boa e rápida ventilação entre o piso e as telhas. 29. E assim eliminar rapidamente a humidade. 31. O incumprimento destas regras e boas práticas de construção do telhado e as referidas consequências diminuem a durabilidade do material cerâmico em causa. 32. E originam o seu descasque e fissuras.
E mais se provou que: 20. Os autores desrespeitaram estas normas de aplicação e fixação dos cumes e rincão. 21. Aplicaram excesso de argamassa nas cumeeiras. 22. …construíram o telhado com a inclinação de 35%. 30. … aplicaram uma ripa no telhado com altura de cerca de 2,5 cm.
Ora se assim é em tese geral e se nada se provou que o presente caso reunisse circunstancias excecionais que obstassem à verificação dos efeitos nocivos normalmente decorrentes de uma deficiente colocação, ónus mais uma vez a impender sobre o autor, é meridianamente evidente que tem de concluir-se que a diminuição da durabilidade da telha decorreu, ou, pelo menos, também decorreu, do desrespeito pelas boas regras da sua colocação.
6.2.3.3.
Certo é que o cumprimento de tais regras foi conditio sine qua non da concessão da garantia de dez anos.
Pelo que, provada a violação das mesmas ficaria eximida a responsabilidade da ré.
Efetivamente: «Ao vendedor, para se ilibar da responsabilidade, incumbirá alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito» - Ac. da RL de 04.11.2011, p. 391/09.8YXLSB.L1-1.
Ademais a reclamação do autor apenas se verificou em 2010, ou seja, já quase no final da garantia voluntária de dez anos, pelo que é de concluir que durante o período legal de garantia de dois anos – ou, até de cinco anos – o defeito da telha ainda se não tinha manifestado.
Todavia apurou-se que a ré, apesar de invocar a deficiente aplicação das telhas admitiu a substituição de 3500. Com custos de transporte e mão de obra a cargo do autor – doc. fls.20.
Ora esta atitude, e à mingua de outra qualquer justificação por parte da ré para a mesma, clama a conclusão de que ela denota a sua assunção de algum grau de responsabilidade, no sentido de que admitiu que a precoce deterioração da telha também resultou do seu deficiente fabrico.
E tal atitude tem de relevar, não apenas extraprocessualmente como outrossim processualmente, pelo que, neste particular, deve ser obrigada nos termos em que, ela própria, se vinculou.
6.2.3.4.
Acresce que: «No caso de venda ao consumidor de bem defeituoso, o mesmo tem direito indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais, como decorre do art. 12º, nº 1, da lei de defesa do consumidor (Lei 24/96, de 31.7, na redacção do DL 67/2003), cumulável com direito à reparação de tal bem» - Ac. da RC de 25.10.2011, p. 351/10.6TBPCV.C1.
Ou, por outras palavras: « Em matéria de venda a consumidor o (re)vendedor final é ainda responsável pelos danos emergentes e lucros cessantes resultantes da entrega de coisa defeituosa a consumidor, salvo se provar que o cumprimento imperfeito da obrigação não procede de culpa sua.» - Ac. da RL de 13.12.2009, p. 993/06-2.
No caso sub judice a Sra Juiza condenou no valor dos prejuízos apurados que ascendeu a 6.500 euros com dedução a este montante do preço das 3.500 telhas (sendo o preço das 3.500 telhas a apurar posteriormente, posto que o Tribunal não dispõe de factos que permitam fazê-lo desde já).
Para tanto expendeu:
«Resultou ainda provado que os estragos se orçam em €6.500€. Mas estes 6.500€ são o valor de todos os estragos (incluindo a telha) e não apenas dos bens que se estragaram dentro de casa em consequência das chuvas que se infiltraram pela telha. É o que resulta da resposta restritiva ao quesito primeiro, no qual resultou não provada a referência ao facto assente D) – do qual constam os estragos dentro de casa – precisamente porque 6.500€ é o valor de todos os estragos.»
Não se acompanha este entendimento, estranhando-se até o mesmo por rebuscado e desconforme aos pedidos formulados e ao perguntado e respondido aos factos alegados.
O autor desdobrou o seu pedido em duas partes distintas: a reposição da telha e a indemnização pelos danos ocorridos na casa e recheio, decorrentes das infiltrações.
O quesito 1º reportava-se apenas a esta última vertente do pedido.
Logo, qualquer resposta ao mesmo não podia abarcar - ao menos salvo explicitação inequívoca – a outra vertente.
E, em face do teor do quesito e da resposta dada, assim se deve entender ter sido.
O seu teor: Os estragos descritos em D) (constantes do ponto 4 dos factos assentes) orçam-se em 15.000,00 euros?
A resposta - Provado que os estragos orçam-se em 6.500,00 euros.
Ora baseando-se a resposta a tal quesito na prova pericial, por esta se verifica que o valor de 6.550,00 euros indicado pelos peritos se reporta apenas ao pedido de indemnização, que não ao pedido concernente à substituição da telha, pois que eles expendem: «não são visíveis estragos significativos no interior da moradia, os estragos situam-se apenas na cobertura, pelo que…o valor de 6.500,00 euros é o valor justo para a reparação dos mesmos»
Ou seja, a posição/resposta dos peritos, ainda que não reportada, pelo menos na sua essencialidade, a danos no interior da moradia, também não se reporta aos danos decorrentes da substituição da telha, nem podia reportar-se, pois que estes não estavam abrangidos pelo perguntado no quesito.
O que os peritos disseram é que os danos verificados são na cobertura.
E sendo esta cobertura hoc sensu e no rigor dos princípios, uma realidade diversa/autónoma/diferenciada das telhas, elas mesmas, podendo abranger outros elementos estruturais da cobertura do edifício, é de concluir que a resposta dos peritos não inclui também o valor destinado à reposição das telhas.
Pelo que outrossim a resposta ao quesito não podia incluir tal valor, como, devidamente interpretada, de per si, não inclui.
Nem sendo a interpretação sobre tal resposta operada pela julgadora admissível.
Aliás, a posição/resposta dos peritos e a posição da julgadora, mostram-se contraditórias com o teor da mencionada alínea d) - ponto 4 dos factos assentes -, pois que neles se deu como provado que os danos no interior da moradia existiram. Importando, pois, tão somente, quantificá-los, o que não foi consecutido.
Em todo o caso os peritos verificaram a existência de outros danos – na cobertura - pelo que, considerando também que admitem a existência de estragos no interior da moradia, posto que não significativos, a quantia de 6.500,00 euros deve, razoável e equitativamente, ser considerada para efeitos ressarcitórios, ainda que sem a condicionante de à mesma ser deduzido qualquer valor concernente à substituição da telha.
No atinente ao quantum indemnizatório a suportar a este título e por este pedido pela ré, há a considerar que, tudo visto e ponderado e como ressumbra do já supra expendido, se deve concluir que os estragos na telha que determinaram as infiltrações dimanam não apenas da sua deficiente colocação, como, outrossim, de uma deficiente operação de fabrico para aquela fornada ou série.
Existe, assim, uma concorrência de causas para o acelarado descasque da telha e decorrentes infiltrações.
E, à míngua de elementos que nos permitam estabelecer o grau ou a amplitude de cada causa para a ocorrência do defeito e consequentes infiltrações, devem as duas causas considerarem-se como adequadas na proporção de metade para cada uma.
Decorrentemente a ré apenas poderá ser responsabilizada no pagamento da quantia de 3.250,00 euros.

7.
Sumariando:
I – As normas relativas aos aspetos substanciais, vg. do apuramento da responsabilidade do vendedor ou produtor, do regime jurídico fixado pelo DL nº 67/2003 de 8.04, porque eivadas de uma nova ratio e teleologia atinentes à tutela de novas necessidades/conceções sociais, aplicam-se às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor – artº 12º nº2 do CC.
II Provado que a produtora de telha concedeu para ela garantia de dez anos no pressuposto do respeito de certas regras na sua colocação, e que, em termos de normalidade, o desrespeito destas regras acarreta a sua deterioração, tem de concluir-se que assim é no caso concreto se provado tal desrespeito e não provada pelo comprador/consumidor factualidade excecional que infirmasse tal normal consequência; o que invalida tal garantia.
III – Porém, apurado que a produtora, ante-processualmente, aceitou atribuir ao consumidor parte do número de telhas compradas para substituir as estragadas, ela deve ser responsabilizada nos termos em que se vinculou.
IV – Efetivamente, tal posição, à mingua de outra explicação cabal, deve ter-se como de assunção de responsabilidade por deficiente fabrico da telha, acarretando ela uma concausalidade por reporte aquele desrespeito e devendo fixar-se a contribuição de cada causa para o efeito danoso, à falta de outros elementos, na proporção de metade.

8.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, condenar a ré a entregar ao autor 3500 telhas novas para substituição das estragadas, com custos de transporte e mão de obra a cargo deste e, bem assim, condená-la no pagamento ao autor da quantia de 3.250,00 euros.
No mais se absolvendo.

Custas na proporção da presente sucumbência.



Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Alberto Ruço