Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
28/08.2TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
INCOMPATIBILIDADE DE PEDIDOS
CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
NULIDADE
DETERMINAÇÃO DO PREÇO
Data do Acordão: 02/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 193º, Nº 2, AL. C), E 1429º DO CPC; 280º E 400º DO C. CIVIL
Sumário: I – Não existe ineptidão da petição inicial, com fundamento na incompatibilidade de pedidos (artº 193º, nº 2, al. c), do CPC) quando um dos pedidos tomados em consideração na incompatibilidade tenha sido deduzido a título subsidiário.

II – Se num dos pedidos, tomado em consideração na incompatibilidade, tiver sido protestado contra vários réus o incumprimento de um determinado negócio jurídico e no outro tiver sido protestada a nulidade desse mesmo negócio só contra alguns dos réus demandados no anterior, a subsidariedade não deixa de existir uma vez que o conhecimento do pedido principal de declaração de cumprimento/incumprimento vale contra os réus demandados nesse pedido.

III – Num contrato promessa de compra e venda de várias fracções de um imóvel, tendo havido estipulação do preço global dessas fracções e entrega de sinal sem descriminar e sem ser possível apurar o correspondente valor de cada uma das fracções, se o promitente comprador ceder a outrem a sua posição contratual, referente a uma das fracções, a cessão da posição contratual, cindindo o contrato promessa originário, gera a nulidade daquele segmento em que os cessionários passam a ser promitentes compradores porque, quanto a eles, nos termos do artº 280º, nº 1, do C. Civ., esse contrato passa a ser nulo por indeterminabilidade do preço, o que afecta de nulidade o próprio negócio de cessão da posição contratual.

IV – Nesse caso de indeterminabilidade do preço a sua determinação ter-se-á de fazer através do processo de suprimento previsto no artº 1429º do CPC.

Decisão Texto Integral:                         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

Na comarca do Baixo Vouga - Aveiro - Juízo de Grande Instância Cível – Juiz 1 – na acção declarativa com forma de processo ordinário que A... e mulher B..., residentes em ... movem contra C... e D... residentes em ... e contra “E... Lda. Com sede em ..., os autores formularam, o seguinte pedido:

“I - Todos os réus serem condenados a reconhecer o seu incumprimento do contrato de cessão da posição contratual do contrato promessa de compra e venda a que se referem os artigos 1º a 13º da petição inicial;

II - Todos os réus serem condenados a pagar aos autores a título de restituição em dobro do sinal contratado e recebido, a quantia de € 40.000,00;

III - A Ré “ E..., LDª” ser condenada a pagar ainda aos autores, a título de indemnização, os juros e despesas referentes ao empréstimo de € 20.000,00 a partir do mês de Maio de 2006 até ao reembolso aos autores do sinal em dobro, que nesta data (31/12/07) ascendem a € 2.608,04;

IV – Todos os réus serem condenados a pagar os juros devidos, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre o valor de € 40.000,00 (sinal em dobro) a contar da citação até integral pagamento;

V – Todos os réus serem condenados a reconhecer aos autores o direito de retenção sobre a fracção prometida vender, até que sejam integralmente ressarcidos de todos os seus direitos anteriormente reclamados;

VI – subsidiariamente, caso não procedam os pedidos deduzidos relativamente aos réus C...e D..., deve ser declarado nulo e inválido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os réus e, consequentemente, nulo igualmente o contrato de cedência da posição contratual, condenando-se os réus D...e C...a restituir aos autores os valores que deles receberam, acrescidos de juros contados desde a entrega de tais importâncias, à taxa legal, e até integral pagamento.”

Alegaram que entre os réus foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de fracções urbanas de um prédio a construir. Posteriormente os réus promitentes-compradores cederam aos autores a sua posição naquele contrato, referente a uma das fracções, mediante contrato de cessão de posição contratual em que também interveio a promitente-vendedora que consentiu na cessão.

O preço estabelecido pela cessão da posição contratual foi de € 47.500,00, da qual os autores pagaram logo a quantia de € 20.000,00 ficando a parte restante do preço acordado para ser pago na data da outorga da escritura de compra e venda.

Os autores obrigaram-se ainda a pagar à promitente-vendedora no acto da outorga da escritura de compra e venda a quantia de € 45.000,00 correspondente à parte restante do preço da fracção Os réus obrigaram-se a assinar a competente escritura de compra e venda logo que a fracção se encontrasse concluída, o que deveria acontecer até Janeiro de 2006.

A promitente-vendedora obrigou-se a cumprir a data estipulada para a concretização da escritura de compra e venda e a pagar aos autores, a título indemnizatório, no caso de a escritura não ser celebrada no prazo previsto, os juros e todas as despesas referentes ao empréstimo que os autores constituíram para efectuar o pagamento de € 20.000,00, a partir do mês de Maio do ano de 2006 e até à concretização do negócio.

Apesar do tempo decorrido os réus nunca notificaram os autores para outorgarem a escritura de compra e venda, pelo que os autores marcaram a escritura para o dia 26.11.2007 e notificaram os réus para apresentarem a documentação necessária à celebração da escritura e comparecerem no Cartório Notarial para esse fim, com a advertência de que se não apresentassem os documentos nem comparecessem os autores perderiam o interesse no negócio e considerariam o contrato definitivamente resolvido.

Sucede que os réus não remeteram aos autores os documentos pedidos e a escritura não se pôde realizar por falta de comparência da promitente-vendedora.

Os autores têm assim o direito a haver dos réus o montante do sinal em dobro, ou seja, € 40.000,00 e ainda, da promitente-vendedora a indemnização fixada no contrato.

Os autores, com a anuência dos réus, receberam a fracção da promitente-vendedora e desde 2006 vêm-na ocupando.

O contrato-promessa não especifica o preço relativo a cada uma das três fracções que dele são objecto ou a quota-parte do preço correspondente à fracção posteriormente prometida transmitir aos autores.

As assinaturas do contrato não foram reconhecidas notarialmente e não consta que no respectivo acto haja sido exibida a licença de construção ou de utilização, pelo que o contrato promessa é inválido e inválido também o contrato de cessão da posição contratual.

O prazo para a celebração da escritura já estava ultrapassado aquando do contrato de cessão pelo que aquele já não existia e não podia ser cedida a posição contratual respectiva.

Os réus C...e D...assumiram a posição de financiadores da empreitada e não queriam comprar ou prometer comprar nem a ré “ E...” queria vender ou prometer vender àqueles qualquer fracção, apenas pretendiam celebrar um contrato de financiamento da construção, com o objectivo do lucro decorrente da revenda das fracções sem a despesa com IMT.

Na contestação os réus C...e D..., os únicos que contestaram, excepcionaram a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir no que concerne aos réus e bem assim a sua ilegitimidade, acrescentando em impugnação que cumpriram perante os autores, plena e integralmente, as obrigações a que estavam obrigados pela celebração do contrato de cessão da posição contratual, tanto assim que os autores desde meados de 2006 passaram a ocupar e a residir na fracção autónoma objecto da promessa, a qual lhes foi entregue pela ré “ E...”.

Os réus não assumiram perante os autores qualquer garantia de que a escritura de compra e venda seria celebrada. Apesar disso, por diversas vezes, por contactos telefónicos e pessoais, diligenciaram junto da Ré “ E...” e dos autores pela marcação da escritura, não tendo sido por culpa sua que a escritura ainda não foi outorgada.

O pagamento do remanescente do preço da cessão não ficou condicionado à celebração da escritura de compra e venda, ficou apenas aprazado para o dia dessa celebração, a qual deveria ter lugar até ao fim de Janeiro de 2006.

As partes do contrato-promessa acordaram e comprometeram-se ambas a prescindir reciprocamente do reconhecimento presencial das assinaturas e sendo a invalidade formal instituída em benefício das partes nada impedem que elas prescindam ou renunciem ao direito de invocar a nulidade, pelo que os autores, substituindo os réus no contrato promessa, se encontram vinculados ao acordado no mesmo, tanto mais que também eles dispensaram tal reconhecimento presencial das assinaturas no contrato de cessão da posição contratual.

Embora não conste do contrato, existia e foi junta aos autos pelos próprios Autores a licença de construção emitida pela Câmara Municipal de Aveiro em data anterior à outorga do contrato de cessão da posição contratual.

Os autores usufruem e estão na posse da fracção há mais de 3 anos, tendo usado e desgastado a fracção sem pagar qualquer quantia monetária por essa utilização. Com isso impediram durante esse hiato temporal os réus de usufruírem e rentabilizarem a fracção. A ser declarada a nulidade do contrato deve ser atendido e compensado o prejuízo para os réus dessa utilização e desvalorização à razão de € 450,00 por mês.

Concluem pedindo a absolvição dos pedidos e, em reconvenção, que os autores sejam condenados, solidariamente, ao pagamento do remanescente do preço em divida, no montante de 27.500,00 euros, acrescido dos juros, já vencidos, à taxa legal, bem como assim dos juros vincendos desde a data da apresentação da contestação até integral pagamento.”

No despacho saneador, o tribunal recorrido julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade dos réus contestantes e, por sentença, julgou a acção parcialmente procedente, por provada, condenando os réus C... e D... a restituírem aos autores a quantia de € 20.000,00 acrescida de juros contados à taxa legal, desde 9 de Fevereiro de 2009 até integral pagamento, absolvendo no mais os réus dos restantes pedidos e julgando a reconvenção não provada e improcedente.

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os réus C...e D...concluindo que:

[………….]

Os autores contra alegaram no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

O tribunal de primeira instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

[……………….]

… …

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), nem criar decisões sobre matéria nova, a Apelação dos réus incidem no essencial, sobre a decisão de não considerar inepta a petição inicial dos autores, por incompatibilidade de pedidos e na sentença de mérito proferida e que dizem ser não só prematura por se ter baseado em matéria ainda controvertida e o estado dos autos não permitir uma decisão antes de realizado julgamento e produzida prova, como também errada uma vez que declarando a nulidade dos contratos identificados não apenas condenou uma das partes contraentes (os recorrentes) a restituir o que lhes havia sido prestado e não a outra (os autores) a devolverem a fracção objecto desses contratos.

Iniciando a análise das conclusões de recurso pelos argumentos dirigidos à decisão recorrida na parte que não considerou inepta a petição, observamos que os recorrentes enquanto réus haviam excepcionado esse vício fundamentando-o na ausência de causa de pedir (art. 193 nº2 al.a do CPC) o que foi indeferido, tendo sido o próprio tribunal a quo, questionando a eventualidade, não alegada, de existir incompatibilidade de pedidos entre os formulados a titulo principal e subsidiário, que concluiu pela inexistência dessa causa de ineptidão, vindo agora os apelantes a sustentar a existência dessa incompatibilidade.

Neste sentido é representativo do pensamento dos recorrentes quando afirmam que “a ser declarado procedente o pedido principal contra a ré E... e procedente o pedido subsidiário contra os réus recorrentes incorrer-se-ia assim numa situação de total incompatibilidade de pedidos.

Ou seja, em tal situação o Tribunal, com base na validade dos contratos, iria condenar a Ré E... a reconhecer o seu incumprimento contratual, bem como na devolução do sinal em dobro na quantia de 40.000,00 €, entre outras quantias, bem como ainda a reconhecer o direito de retenção dos AA sobre a fracção prometida vender.

Por outro lado condenaria o Tribunal na mesma acção judicial os Réus C...e D...a reconhecer por seu lado a nulidade dos mesmos contratos (promessa de compra e venda e cessão da posição contratual) e, em consequência de tal nulidade, a restituir aos AA os valores que deles receberam.”.

Esta exposição argumentativa é precisamente aquela que o tribunal a quo realizou quando afirmou ter a situação descrita “uma configuração assaz curiosa. Os autores não tiveram o cuidado de modificar os pedidos formulados contra a ré “ E...”, pelo que está criada uma situação em que se pretende desta algo que supõe a validade do contrato e, simultaneamente, se pretende dos restantes réus a título principal algo idêntico e a título subsidiário algo que decorre da invalidade do contrato. O que significa que na hipótese de improceder o pedido principal formulado contra os réus C... e D... haverá um momento em que o tribunal pode ter de apreciar pedidos incompatíveis (o pedido formulado contra a ré “ E...” e o pedido subsidiário deduzido contra os outros réus).”

Contudo, perante esta mesma equação lógica, a decisão recorrida concluiu, com respaldo na doutrina e na Jurisprudência do STJ[1] que, “uma coisa é a incompatibilidade resultante da invocação de fundamentos não apreensíveis ou inteligíveis, atendendo à posição do autor, outra é as pretensões assentarem em razões inteligíveis e claras mas que no plano legal ou de enquadramento jurídico resultam antagónicos.”, pronunciando-se pela inexistência de incompatibilidade porque esta, existindo, no caso, “(…) apenas no plano da lei, não encerra o vício de ineptidão, mas apenas a improcedência do pedido cujo direito o autor não possa ver reconhecido, devendo o julgador admitir aquele que, segundo a lei, apresentando-se como fundado, é admissível e conhecer do respectivo mérito..

(…) residindo a incompatibilidade em pedidos formulados contra réus diferentes, nem sequer se pode objectar que a mesma coloca em crise o direito de defesa do réu que não saberia do que se defender ou como organizar a sua defesa. A tese diversa sobrevaloriza uma concepção puramente formal do processo, esquecendo que o que justifica a anulação total do processo por ineptidão resultante da dedução de pedidos incompatíveis é somente a necessidade de o tribunal saber exactamente o que pretende o autor e já não qualquer risco de o tribunal decidir coisas igualmente incompatíveis.”.

Os recorrentes protestam no entanto que há uma irremediável ineptidão da petição inicial que deveria conduzir á absolvição da instância e que, ao não se ter concluído desta maneira, se cometeu o vício previsto no art. 668 nº1 al.c) do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão), porque o tribunal a quo reconhece a incompatibilidade nos fundamentos mas decide em sentido contrário desses, na decisão.

Apreciando esta questão cremos que se impõe uma consideração sobre a existência ou não de incompatibilidade dos pedidos, principal e subsidiário, formulado pelos autores, e isto porque o tribunal a quo, numa primeira abordagem, diz identificar essa incompatibilidade acabando no entanto por a considerar não operante.

Ora a incompatibilidade residiria na circunstância de, na forma como e contra quem estão deduzidos, se poder verificar a hipótese de, improcedendo o pedido principal formulado contra os réus C... e D... e, procedendo este contra a sociedade E..., ficar o tribunal perante a obrigação de apreciar pedidos incompatíveis (o pedido formulado contra a ré “ E...” e o pedido subsidiário deduzido contra os outros réus).”

  Custa-nos um pouco acompanhar este raciocínio uma vez que, se no plano ontológico, aquele em que a análise se realiza abstracta e formalmente na separação dos seus elementos, é possível afirmar a equação da incompatibilidade como a decisão recorrida o faz, a verdade é que, por referência à própria causa de pedir que sustenta o pedido principal, não descortinamos, em absoluto, nenhuma situação em que tal pedido possa ser julgado improcedente contra os réus C...e D...e procedente contra a sociedade E....

Veja-se que no pedido principal apenas se questiona o cumprimento/incumprimento de um contrato de cessão da posição contratual em que os cedentes foram os réus C...e D...e os cessionários os autores.

Tendo presente o que se regula nos arts. 424 a 427 do CCivil para a cessão da posição contratual e o que é expendido na causa de pedir, maxime, quanto às actuações de cada um dos réus na celebração desse contrato, não se oferecendo dúvidas algumas (nem as levantando as partes) no sentido de que nesse negócio jurídico a sociedade E...não foi cedente nem cessionária, deve concluir-se a impossibilidade real e jurídica de o pedido de declaração de incumprimento do contrato poder ser julgado improcedente quanto aos cedentes mas procedente contra quem nesse contrato não é decente nem cessionário.

No limite, temos por impossibilidade absoluta que quanto aos contraentes de um contrato de cessão de posição contratual se possa decidir judicialmente que esse contrato não existe, ou tendo existido foi resolvido por incumprimento, relativamente ao “outro contraente” que tem por declaração negocial apenas a de consentir na cessão, sem que se declare quanto aos cedente e cessionário essa mesma inexistência ou resolução, pela razão que julgamos simples de que, a intervenção do outro contraente na aceitação do negócio é posterior às declarações de vontade daqueles e, directamente, as obrigações decorrentes desse contrato entre cedente e cessionário não o vinculam, sem embargo de, ele poder ser responsabilizado pelo não cumprimento das obrigações em que se tenha comprometido nesse contrato de cessão. Porém estas cláusulas obrigacionais, a existirem, não fazem parte do contrato de cessão, sendo-lhes autónomas, motivos para que se compreenda que a discussão do incumprimento da cessão da posição contratual seja matéria que decorre entre os contraentes (principais) cedente e cessionário, com consequências directas e conformes para o outro contraente.

Assim, nesta perspectiva nunca se poderia questionar sequer a existência de uma incompatibilidade de pedidos principal e subsidiário por deles não resultar que alguma vez pudesse o tribunal ficar colocado perante a situação de ter de apreciar a nulidade do contrato de compra e venda e, por consequência desta, a nulidade da cessão da posição contratual ao mesmo tempo que teria de se pronunciar sobre a validade deste último mas com incumprimento apenas pela ré E....

A análise do cumprimento/incumprimento do contrato de cessão da posição, contratual, realizada nos termos sobreditos, impõe, em nosso entender, uma decisão que forma caso julgado relativamente a todas as partes por, essa análise e decisão, não ser separável quanto a cada um dos réus.

Cremos que quanto ao pedido principal as possibilidades possíveis seriam as de o tribunal poder declarar o incumprimento da cessão da posição contratual por parte de todos os réus ou, então, o incumprimento apenas por parte dos réus C...e D..., decisões que sempre inviabilizariam o conhecimento do pedido subsidiário. Porém, neste domínio de possibilidades, se a decisão fosse a de julgar improcedente esse pedido principal (e teria de o ser quanto a todos os réus) então o conhecimento do pedido subsidiário, deixando de fora a ré sociedade nunca geraria qualquer situação de incompatibilidade.

Por estas razões confirmamos o indeferimento, pelo tribunal de primeira instância, da excepção de ineptidão da petição inicial, sem embargo de, caso o pensamento que deixámos exposto deixasse em aberto, por erro de raciocínio nosso, a possibilidade legal de se configurar uma incompatibilidade de pedidos como a enunciada pelo tribunal a quo, sempre seriamos, então, de entender que a solução seria a aí sustentada na decisão recorrida não existindo qualquer vício de contradição entre os fundamentos e a decisão porque, acertadamente, nesse contexto decisório, se esclarece que essa incompatibilidade formal não é aquela que a lei processual fere de ineptidão porque, mesmo a existir, não coloca o julgador na impossibilidade de decidir mas apenas impõe a improcedência do pedido cujo direito o autor não possa ver reconhecido, devendo o julgador admitir aquele que, segundo a lei, apresentando-se como fundado, é admissível e conhecer do respectivo mérito.

Improcedem pois, neste domínio as conclusões de recurso.

… …

Quanto à decisão de direito que condenou os réus C... e D... a restituírem aos autores a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), o tribunal a quo fundamentou-a considerando existir nulidade do contrato de cessão da posição contratual por indeterminabilidade do preço.

Contra tal os Apelantes afirmam em síntese, num primeiro momento, que a decisão foi prematura por se ter decidido do mérito quando ainda existiam dúvidas sobre factos essenciais à decisão e, depois, sustentam que a sentença é nula por omissão de pronúncia uma vez que declarando a nulidade do contrato de cessão da posição contratual, apesar de ter condenado os réus na restituição da quantia que haviam recebido, não condenou os autores a restituírem a fracção autónoma.

Apreciando o primeiro argumento, observa-se dos articulados que os autores, configurando a causa de pedir, descreveram o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os réus D...e C...e a sociedade “ E...” tendo por objecto três fracções autónomas de um edifício a construir, duas delas do tipo T2 e uma do tipo T1, pelo preço global de 195.000,00 €, tendo os promitentes compradores entregue a título de sinal a quantia de 35.000,00 € e comprometendo-se a entregar mais 30.000,00 €, ainda a título de reforço de sinal, no final da alvenaria.

Dizem também que posteriormente à celebração desse negócio, os ali promitentes compradores, C...e D..., celebraram com eles, autores, um contrato de cessão da posição contratual, tendo por objecto, precisamente a posição de promitentes compradores que aqueles detinham, quando a uma das fracções, do tipo T2, tendo fixado o preço de 47.500,00 €, do qual receberam no acto dessa celebração 20.000,00 €, ficando os restantes 27.500,00 € para pagar na data da realização da escritura de compra e venda, altura em que para desta quantia que os autores pagariam aos réus D...e C..., pagariam ainda à ré vendedora “ E...” o montante de 45.000,00 €.

Quanto ao preço, quer da cessão da posição contratual, quer dos contratos promessas de compra e venda, nada mais se refere nos articulados das partes, sendo absolutamente pacífico não ter sido alegado que, não obstante o que ficou acordado por escrito ter sido o exposto, as partes tenham acordado e esclarecido entre si qual a parte do sinal entregue pelos réus D...e C...à ré sociedade “ E...” se reportava à fracção objecto da cessão realizada ao autores.

Perante esta evidência, a questão que o recurso suscita é a de saber se a acção deveria prosseguir, com a elaboração da base instrutória e posterior julgamento, para se averiguar o preço fixado para a fracção objecto da cessão da posição contratual, isto é, se existiam factos controvertidos que poderiam permitir tal fixação.

Neste sentido são significativas as palavras dos recorrentes quando alegam que:

“ (…) em momento algum dos articulados quer os RR quer os AA alegaram que não sabiam qual o montante, a quota parte, que tinha sido prestado, no contrato inicial de promessa de compra e venda , a título de sinal  correspondente à fracção autónoma aqui em causa individualmente considerada”.

“ e se é certo que por lapso apenas se indicou expressamente opor escrito no contrato promessa o valor total do sinal para as três prestações , sem individualizar o valor correspondente a cada uma não é assim menos verdade que as partes tinham conhecimento do valor do sinal para cada fracção individualmente considerada. Que não obstante não se encontrar escrito no contrato, não quer dizer que não tivesse sido acordado e individualizado ainda que verbalmente.

Defendem os recorrentes que não estavam impedidos na acção de vir a demonstrar, na fase de instrução e julgamento, qual o valor do sinal entregue que correspondia à fracção objecto da cessão da posição contratual mas, com tributo de respeito por diverso entendimento, cremos que não têm razão porque a instrução e o julgamento só poderiam incidir sobre matéria alegada e, como tivemos o cuidado de dizer anteriormente, para lá do que resulta dos próprios documentos que titulam esses contratos e que foi o que as partes alegaram, estas nada mais disseram, em termos de factos, que fosse controvertido e que devesse ser incluído na base instrutória e objecto de julgamento.

A questão não é a de saber se RR quer os AA alegaram que não sabiam qual o montante, a quota parte, que tinha sido prestado, no contrato inicial de promessa de compra e venda mas antes a de verificar se estes afirmaram nos autos que sabiam qual era esse montante e qual ele era.

Para que os recorrentes pudessem obter razão, impunha-se que tivesse sido alegado que não obstante não tivesse sido expresso nos escritos, era do conhecimento dos autores que os réus C...e D...ao terem celebrado a promessa de compra e venda com a ré “ E...” haviam acordado com esta que do sinal global entregue de 30.000,00 € uma parte concreta, que teriam de indicar, correspondia à fracção objecto da posterior cessão, e tal, não ocorrendo nos autos, é razão bastante para fazer concluir que não existiam factos neste domínio para fazer incluir em qualquer base instrutória e que, sobre o preço, tudo o que poderia ser apreciado já consta em definitivo do processo como provado.

Matéria que poderia suscitar-se era a de saber se findos os articulados, nos termos do art. 508 nº3 do CPC, não teria sido adequado o tribunal a quo convidar as partes a indicarem se tinha havido acordo sobre qual o preço da fracção objecto da cessão ou sobre qual a parte do sinal que corresponderia a tal fracção. Porém, não só essa questão não foi (nem poderia ser) suscitada no recurso, nem Tribunal da Relação intervir nela[2], como também não cremos que, perante uma circunstância como a acabada de descrever fosse possível tribunal recorrido fazer esse convite uma vez que do contexto dos articulados essa matéria não configurava qualquer insuficiência ou imprecisão que impusesse solicitação de reparação. Não é qualquer falta que configura fundamento para o aperfeiçoamento a que alude o nº3 do art. 508, o que significaria uma substituição do juiz às partes no ónus de alegarem, mas só aquelas que se traduzam “na falta de elementos de facto necessários á completude da causa de pedir ou duma excepção por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada”, ou por estarem em causa “afirmações feitas relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo, ou equivoco”[3], o que não acontece na situação em decisão.

Decidido que está não se impor o prosseguimento da acção para que se pudesse conhecer do mérito da causa, analisemos agora o teor dessa decisão.

O tribunal recorrido entendeu que existia nulidade do contrato de cessão da posição contratual celebrada entre os autores e os réus C...e D...com fundamento na indeterminabilidade do preço da fracção objecto desse negócio jurídico, escrevendo que “A nosso ver e com fundamento no artigo 280.º do Código Civil essa situação anómala gera a nulidade do negócio por indeterminabilidade do seu objecto. E de que negócio? Uma vez que a anomalia não preexistia no contrato-promessa enquanto um todo e único contrato (a questão estrita do preço era sanável por aplicação do artigo 883.º do Código Civil), a indeterminabilidade só surge com a cessão da posição contratual, surge por causa da cessão e dos termos da cessão, pois a fixação da parte do sinal correspondente à fracção tinha de ser feita por acordo entre os originais promitentes e com a intervenção dos cessionários. Por isso a nulidade afecta o próprio contrato de cessão da posição contratual e a parte do contrato-promessa que foi objecto de separação para aquela cessão (o que significa que afastada por via da nulidade a cessão da posição contratual, entre os réus o contrato-promessa permanece válido e na sua versão originária).”.

No essencial, a situação para que remete esta análise da sentença recorrida é a que se traduz neste circunstancialismo, já anteriormente exposto:

- os réus celebraram entre si um contrato-promessa de compra e venda de três fracções urbanas com diferentes tipologias pelo preço único e conjunto de € 195.000,00, sem especificarem o preço de cada uma das fracções e sem definirem qualquer critério em função do qual pudesse ser estabelecido ou fixado esse preço individualizado.

- em simultâneo, estabeleceram um sinal que os réus C... e D..., promitentes-compradores, entregaram à ré “ E...”, promitente-vendedora, no montante de € 35.000,00 sem se determinar se, e que parte dele, correspondia à antecipação do pagamento do preço de cada uma das fracções e sem definição de qualquer critério em função do qual pudesse ser estabelecido ou fixado a quota do sinal imputável ao preço de cada uma das fracções.

Ora, quando é celebrado o contrato de cessão da posição contratual, acordando-se que os autores pagariam aos réus D...e C...a quantia de 20.000,00 € que entregaram de imediato, mais 27.500,00 € que entregariam quando da realização da escritura de compra e venda, altura em que também pagariam à ré “ E...” o montante de 45.000,00 €, nada se disse ou convencionou sobre que valor do sinal entregue correspondia à fracção objecto da cessão ou a que preço ficaria reduzido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade ré “ E...” e os réus D...e C..., já que o seu objecto se restringia a partir desse momento a duas fracções.

A ideia de que a interpretação de todos os factos alegados nesse domínio conduziriam a conclusão de que o preço da fracção contratada pelos autores seria a soma de todos os valores que estes entregaram e deveriam entregar aos réus D...e C...e sociedade “ E...”, é desautorizada porque haveria sempre uma parte desse preço correspondente ao valor que no sinal entregue reportava a essa fracção e não há possibilidade de com os elementos dos autos se poder. Por outro lado, não nos parece merecer fundamento a alegaçºao dos recorrentes no sentido de afirmarem que a parte do sinal por eles prestado e correspondente á fracção que foi objecto da cessão era de 20.000,00 € porque não teria sentido a ré “ E...” responsabilizar-se “perante os AA cessionários por tal montante de 20.000,00 € se não fosse o facto de bem saber ser esse o valor correspondente ao sinal que tinha já recebido dos cedentes, os RR C...e D...relativamente à fracção autónoma ali em causa”.

A esta interpretação opõe-se que, em parte alguma do contrato de cessão se refere ou pode inferir com um mínimo de crédito e de lógica que o montante de 20.000,00 € entregue no acto da celebração da cessão aos réus C...e D...fosse a parte do sinal entregue por estes à Ré já que não se entende como poderia uma quantia entregue a uns ser o sinal (correspondente à fracção) já entregue em momento anterior à outra, sem embargo de, uma interpretação realizada de acordo com os arts. 236 a 239 do CCivil apenas autorizar que da cláusula 12ª do contrato de cessão se extraia que a vontade firmada foi a de a Ré sociedade se responsabilizar pelos juros e todas as despesas associadas referentes à quantia de € 20.000,00 entregues aos ora recorrentes ali cedentes, a partir de Maio de 2006.

Veja-se que a estipulação desta data não coincide com aquela em que esse contrato foi celebrado (1 de Outubro de 2005) e em que a quantia havia sido entregue e tem de ser vista em conjugação com a data que se fixava como a da realização da escritura pública relativa à fracção pretendida comprar pelos autores, pois se aceitava que só em momento posterior, e caso a sociedade “ E...” entrasse em incumprimento, é que esta seria responsável pelo pagamento dos juros e despesas e apenas a partir de Maio de 2006.

A razão parece-nos simples, é que até lá, até que a sociedade “ E...” pudesse ser interpelada pelos autores com base no incumprimento, por não realização da escritura de compra e venda até Maio de 2006, esta nada teria a ver com esse montante de 20.000,00 € que não era sinal algum que lhe tivesse sido entregue mas sim um valor entregue aos ora recorrentes como sinal sim, mas do contrato de cessão e não de outro qualquer.

Feita deste modo a exposição e interpretação dois factos que servem a decisão apenas cumprirá verificar que direito lhe cabe.

Dispõe o art. 280 nº1 do CCivil que o negócio é nulo quando o seu objecto seja indeterminável, sendo entendimento constante que esta indeterminabilidade não significa a nulidade dos negócios que tenham objecto indeterminado, apontando a distinção para a possibilidade ou não de o objecto negocial poder ser determinado ainda que no momento da celebração do negócio o não esteja.

Em directa conjugação com o preceito citado, o art. 400 nº1 e 2 do mesmo diploma e regulando a determinação da prestação, diz que ela (a determinação) pode ser confiada a uma das partes ou a terceiro devendo quer num quer noutro caso ser feita segundo juízos de equidade se outros não tiverem sido estipulados, acrescentando ainda que se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal.   

A previsão desta norma, maxime do seu nº1, parece-nos cobrir os casos em que a determinação da prestação seja deixada, por expressa vontade das partes, a uma a outra ou a terceiros, destinando-se o nº2 a regular o procedimento a adoptar quando o estabelecido no nº1 não tenha sido realizado, sejam quais sejam as razões, entre elas, por ex., porque a determinação pertencendo a ambas as partes elas não concordam, seja porque o terceiro que estava incumbido não a fez por se recusar ou por ter falecido, sendo perante essa impossibilidade do anteriormente acordado quanto à determinação que se defere ao tribunal a determinação da prestação.

Não nos parece que a intervenção do tribunal ocorra quando haja indeterminação da prestação mas apenas quando existindo essa indeterminação e tendo os contraentes fixado o modo ou os agentes que deveriam concretizar a prestação essa determinação assim regulada não venha a ser realizada.

No caso em decisão, e desde já o dizemos, não se atribuiu a ninguém a fixação do preço da fracção objecto da cessão ou do sinal que, já prestado, correspondia a essa mesma fracção, tendo-se omitido o modo (ou a pessoa) de realizar essa concretização não podendo por isso o tribunal substituir-se a essa indicação pois a sua actuação exigia previamente a verificação do nº1 do art. 400, o que não ocorreu.

Referindo-se à problemática da determinação do preço no domínio da compra e venda, o art. 883 nº1 prevê a possibilidade de as partes não o terem convencionado nem o seu modo de determinação disciplinando que nesses casos o preço que vale é o contratual, o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou da bolsa no momento do contrato e no lugar em que o devedor deva cumprir e, na insuficiência destas regras, o preço determinado pelo tribunal segundo juízos de equidade.

Por este teor literal da norma poder-se-ia ser levado a argumentar que a regulamentação aqui contida constituía uma modificação da prevista no art. 400 anteriormente analisado, sendo aplicável a todas as situações em que os contraentes não tivessem fixado qualquer preço, admitindo-se em todas elas a possibilidade de ser o tribunal a fixar o preço.

Porém, não é esta a defesa dos recorrentes, que nunca reclamam a aplicação deste art. 883 com a consequente fixação do preço por parte do tribunal, repetindo eles que “a despeito de não constar expressamente do documento escrito que corporiza a promessa unilateral de venda o montante individualizado do preço do sinal correspondente à fracção aqui em causa, o mesmo encontra-se alegado ou pelo menos decorrer dos contratos aqui em causa, nomeadamente das cláusulas do contrato de cessão da posição contratual. Sem prejuízo da prova testemunhal que se poderia vir a produzir nesse sentido.”. Mas, como vimos e decidimos anteriormente, nenhum facto nesse domínio da fixação do preço foi alegado ou se encontra controvertido (nem sequer os recorrentes os invocam dizendo quais são, reconhecendo antes não se encontram alegados nos articulados), nem da interpretação dos documentos que titulam os contratos se pode extrair a concretização da parte do sinal correspondente à fracção discutida.

Diga-se contudo que não argumentando os recorrentes com base no art. 883, uma tipologia de motivos assente na sua aplicabilidade e na intervenção do tribunal na fixação do preço soçobraria sempre porque, então, teria de ser alegada expressamente não ter sido fixado o preço e pedir-se ao tribunal, em processo próprio (arts. 1429 do CPC) a sua intervenção, fixando-o não sendo a presente acção em recurso o meio processual adequado.            

Recusando os recorrentes que tenha sido omitida a determinação do preço e sendo manifesto que não é um caso de indeterminação aquele que se oferece à decisão, porque nos contratos de promessa e de cessão se fala de preço e se estipulam algumas quantias no seu âmbito, cremos que se deve concluir como o faz a sentença recorrida que a questão é de indeterminabilidade, uma vez que as partes, nos termos em que contrataram, não só tornaram indeterminado o preço da fracção que os autores pretendiam comprar e que foi objecto da cessão da posição contratual, como também transformaram esse preço em indeterminável por não haver possibilidade lógica e jurídica de obter o seu valor.      

Assiste pois razão à decisão em recurso quando expende que “No caso do contrato-promessa as coisas são bem diferentes. O sinal não representa apenas um valor por conta do preço, constitui por força da lei o mecanismo de aferição e determinação das consequências do incumprimento de qualquer das partes. As partes podem celebrar um contrato-promessa sem estabelecer qualquer sinal, mas se celebram um contrato promessa com estipulação de sinal sem o determinarem e sem estabelecerem as condições para a sua determinação o contrato é nulo por indeterminabilidade do seu objecto nos termos do artigo 280º do Código Civil.

Acresce que o artigo 883.º do Código Civil que permitiria determinar o preço não serve para efeitos de determinação do sinal, pela simples razão de que entre o sinal e o preço final não existe qualquer relação directa ou de proporção. O sinal é imputado por conta do preço mas não tem de corresponder a qualquer percentagem deste. Por conseguinte, não é passível de determinação designadamente por indexação a qualquer preço corrente no mercado ou preço praticado normalmente pelo vendedor.”

E a consequência lógica de tudo o que se deixa exposto é também a que se extraiu na sentença apelada quando se refere que “com fundamento no artigo 280º do Código Civil essa situação anómala gera a nulidade do negócio por indeterminabilidade do seu objecto. E de que negócio? Uma vez que a anomalia não preexistia no contrato-promessa enquanto um todo e único contrato (a questão estrita do preço era sanável por aplicação do artigo 883.º do Código Civil), a indeterminabilidade só surge com a cessão da posição contratual, surge por causa da cessão e dos termos da cessão, pois a fixação da parte do sinal correspondente à fracção tinha de ser feita por acordo entre os originais promitentes e com a intervenção dos cessionários. Por isso a nulidade afecta o próprio contrato de cessão da posição contratual e a parte do contrato-promessa que foi objecto de separação para aquela cessão (o que significa que afastada por via da nulidade a cessão da posição contratual, entre os réus o contrato-promessa permanece válido e na sua versão originária).”.

Os recorrentes, por último, defendem que a sentença apelada tendo declarado a nulidade do contrato de cessão da posição contratual deveria ter ordenado que os autores lhes entregassem a eles a fracção discutida nos autos e que os autores passaram a habitar.

Cremos que não lhes assiste razão.

Resulta certificado nos autos, de acordo com a prova obtida e como a sentença em recurso sublinha, que os recorrentes não celebraram com os autores qualquer contrato de promessa de compra e venda tendo por objecto a fracção autónoma de um imóvel nem foi alegado que tenham obtido da promitente vendedora “ E...” a tradição dessa fracção e a tenham, eles, entregue aos apelados como consequência da cessão.

Assim, porque entre os réus recorrentes e os autores apenas está em discussão o contrato de cessão da posição contratual e os efeitos decorrentes da declaração de nulidade desse negócio, ou como se afirmou expressamente na decisão recorrida “o único pedido que procede é o formulado pelos autores a título subsidiário contra os réus C... e D... e que consiste na devolução destes a devolverem aos autores a quantia de 20.000,00 € que deles receberam aquando e como princípio de pagamento do preço”, carece de fundamento o pretender-se que judicialmente se determine a entrega da fracção aos recorrentes porque essa entrega não é uma consequência da declaração de nulidade da cessão da posição contratual. Não fazia parte das prestações deste negócio a entrega de qualquer fracção autónoma entrega alguma de fracção autónoma aos autores foi alegada por parte dos recorrentes motivo pelo qual o tribunal a quo não cometeu qualquer vício de omissão de pronúncia ao não determinar essa entrega da fracção aos apelantes.

Em síntese, improcedem na totalidade as conclusões de recurso, devendo pelas razões expostas ser mantida a decisão recorrida.

… …

Decisão

Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente por não provada a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.


Manuel Capelo (Relator)
Regina Rosa
Falcão de Magalhães

[1] Vd. ac. de 6 de Maio de 2008, relatado por Alves Velho, in www.dgsi.pt/jstj e Anselmo de Castro, “Lições de Processo Civil”; II, 762- 769).
 
[2] Veja-se sobre esta matéria Lebre de Freitas in CPC Anotado, 2ª ed., vol.20 p. 381 a 384 e Abrantes Geraldes in Temas da reforma de processo civil, I p. 57 e II, p. 78, acrescentando-se que o Tribunal da Relação não tem o poder de fazer regressar o processo a essa fase, ordenando que o juiz convide as partes a esse aperfeiçoamento mas, apenas, o de ampliar a BI fazendo acrescentar factos que tendo sido alegados não tivessem sido nela incluídos, conforme se prevê no art. 712 nº4 parte final do CPC.
[3] Lebre de Freitas, op. cit. p. 383.