Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
495/06.9TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
ÍNDICE DE UTILIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.23, 26 C.EXP.
Sumário: 1. Atenta a norma do artigo 23º nº 1 do C.Exp. segundo a qual devem ter-se «em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes» à data da publicação da DUP, estando o prédio já edificado e não se provando que havia uma muito próxima potencialidade de erigir uma outra edificação, o que releva quanto ao índice de utilização é o que se verificava no terreno à data da publicação da DUP.

2. O art.26 nº1 do C.Exp. reporta-se aos terrenos livres de construções, ou, existindo estas, estejam em ruínas ou não assumam autonomia económica.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

Expropriante: EP- Estradas de Portugal EPE;

Expropriados: J (…) e mulher M (…);

Objecto da expropriação: Parcela n.º 93, com a área 151 m2, a destacar do prédio urbano com 2380 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1403, situado na freguesia de Fornos de Maceira do Dão, concelho de Mangualde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º 1080/930618;

Finalidade da expropriação: construção da A25/IP5, Viseu/Mangualde, Sublanço EN 2 - Mangualde, Troço 11;

DUP: publicada no 1º Suplemento do D.R. nº 59, 2ª série, de 10/03/2004.

 

Em 27 de Fevereiro de 2004 realizou-se a vistoria ad perpetuam rei memoriam.

Foi proferido o acórdão arbitral, que, por unanimidade, arbitrou a indemnização no montante total de 10.823,52 € (sendo € 5212,52 pelo terreno e € 5611,00 pelas benfeitorias).

Efectuado o depósito, a entidade expropriante remeteu ao Tribunal o processo expropriativo.

Por despacho judicial de 06/07/2006 foi adjudicada à entidade expropriante a propriedade da dita parcela.

A entidade expropriante interpôs recurso da decisão arbitral para o tribunal de comarca, pedindo que o valor indemnizatório fosse fixado em 8.172,96 € (fls. 95 a 98).

Os expropriados responderam (fls. 188 a 193) e também recorreram da decisão arbitral (fls. 142 a 169), pedindo que o valor indemnizatório fosse fixado em 87.568,80 €.

Os peritos procederam à avaliação e responderam aos quesitos, atribuindo por unanimidade o valor de indemnização de 9.252,65 €.

Foram apresentadas alegações escritas pela expropriante conforme fls. 508 a 510 e pelos expropriados a fls. 491 a 503.

Foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedentes os recursos interpostos pela entidade expropriante e expropriados e, consequentemente, fixou o valor da indemnização devida pela parcela expropriada no montante de 9.252,65 € (nove mil duzentos e cinquenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), a actualizar nos termos que descreveu.

A expropriante recorre para esta Relação, concluindo as suas alegações:

I- O cálculo do solo expropriado e classificado como apto para construção deve ter por referência, em obediência ao art. 23º e 26º, a construção que nele seria possível efectuar, se não tivesse sujeito à expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor.

   II- A sentença em crise, a partir da aplicação da al. b), do nº 5, do art. 29º do PDM de Mangualde, admite para o prédio de onde se destaca a parcela expropriada um índice de construção bruto de 0,60 aplicável na faixa de 50 m de profundidade confinante com a via pública e de 0,40 aplicável à faixa restante.

III- Contudo a aplicação desta norma ao prédio em causa ignora totalmente a "utilização económica normal" do bem expropriado na data da DUP.

IV - Ou seja, conclui por uma área de construção de habitação, de 978m2, e de garagem e arrumos de 300 m2.

V- Atendendo à tipologia edificativa comum, dominante na zona residencial em questão, bem com ao facto de no prédio estar já implantada uma casa composta por cave, rés-do-chão e primeiro andar, com uma superfície coberta de 172,08 m2, ou seja, considerando três pisos com uma área de implantação de 172,08 m2, temos uma área de 345,6 m2 para habitação (172,8 m2 rés-do-chão + 172,8 m2 primeiro andar) e 172,08 m2 para garagem e arrumos (cave).

VI- O que significa que as áreas de construção consideradas pela sentença, de 978 m2 para habitação, acrescidos de 300 m2 para arrumes/garagens, num prédio com uma área de 2 380 m2, são quase 2,5 vezes superiores às que se verificam na realidade, contrariando assim o critério de normalidade da utilidade económica do bem na data DUP, atendendo às circunstâncias e condições de facto existentes nessa data, imposto pelo art. 23.0 do CE.

VII- Pelo que, deverá antes ser considerada, por melhor corresponder a este critério legal, a área de construção implantada no prédio na data da DUP.

VIII- Para além de violar este critério, a sentença em crise também não respeitou a aplicação diferenciada dos índices de construção prevista pelo PDM para a parcela expropriada, violando assim o critério da potencialidade de construção do solo expropriado previsto no nº 1 do art. 26° do CE.

IX- Atendendo a que a edificação no prédio em causa está sujeita ao índice de construção bruta de 0,60 na faixa que dista 50 metros a contar da via pública e de 0,40 na restante área, estas áreas deverão ter valores unitários diferentes, em função dos respectivos índices de construção.

X- O valor determinado na sentença a quo, corresponde ao valor global do prédio, aplicado à parcela expropriada, sem qualquer diferenciação da faixa em que se situa a parcela, e logo, da respectiva incidência do índice.

XI- Da planta parcelar anexa ao relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam pode-­se verificar que a parcela sub judice se encontra na parte posterior do prédio e, quase na sua totalidade, na faixa que dista muito provavelmente, mais de 50 metros da via pública.

XII- Ou seja, a maior parte da área expropriada, objecto dos presentes autos, estará certamente sujeita ao índice de 0,40, e não 0,60.

XIII- Contudo a perícia realizada não permite concluir qual a área exacta da parcela expropriada que se localiza na faixa, cujo índice bruto é 0,60 e qual a área que situa na faixa do índice bruto de 0,40, razão pela qual deverá a mesma anulada de forma a fornecer o Tribunal com todos os elementos necessários para a correcta aplicação das deposições normativas aplicáveis.

XIV - Ao calcularem o valor da parcela com base numa aplicação dos índices brutos previstos pelo PDM para o prédio em causa, ignorando a localização concreta da parcela no prédio, violam, bem como a sentença em crise por adesão a estes critérios, o princípio da justa indemnização, uma vez que conduzem à determinação de um valor da parcela expropriada que não respeita a potencialidade construtiva permitida pelo PDM para a parcela expropriada e consequentemente os critérios previstos no CE para se obter a justa indemnização.

XV - Assim, nestes termos e nos mais de Direito, deverá a sentença a quo ser revogada na parte respeitante ao critério utilizado para o cálculo do solo expropriado classificado como apto para construção, de forma [a] contemplar a utilização económica normal do solo em causa na data da DUP, bem como a aptidão edificativa da parcela expropriada atendendo às permissões e limitações previstas no PDM, permitindo deste modo determinar a justa indemnização devida pela presente expropriação.

Não há contra-alegação.

Correram os vistos.

Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

II- Fundamentos:

A 1ª instância judicial descreveu como factos apurados o que se segue:

1) Por despacho n.º 4922-A/2004 de 4.02.04, publicado no 1.º Suplemento do D.R. nº 59, 2.ª série, de 10/03/2004, do Secretário de Estado das Obras Públicas, foi declarada a utilidade pública com carácter urgente das expropriações de um conjunto de parcelas de terreno necessárias à construção da A25/IP5, Viseu/Mangualde, Sublanço EN 2 - Mangualde, Troço 11, sendo que, entre as parcelas abrangidas por tal declaração, encontra-se a seguinte: "Parcela n.º 93, com a área 151 m2, a destacar do prédio inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 1403, situado na freguesia de Fornos de Maceira do Dão, concelho de Mangualde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º 1080/930618.

2) Em 27 de Fevereiro de 2004 realizou-se a vistoria ad perpetuam rei memoriam.

3) Procedeu-se à arbitragem perante a entidade expropriante tendo os árbitros, por unanimidade, atribuído à parcela expropriada o valor de 10.823,52 €.

4) O prédio, ao qual a parcela pertencia, é propriedade de J (…), casado com M (…). Situa-se no lugar denominado Belga do Lugar, na povoação de Fagilde, freguesia de Fornos de Maceira Dão, concelho de Mangualde.

5) Conforme descrição matricial, o prédio confronta a Norte com Arnaldo dos Santos, a Sul com Caminho Público, a Nascente com Manuel Pina e a Poente com José da Silva e Outro.

6) Encontra-se inscrito no Serviço de Finanças de Mangualde sob o artigo matricial urbano nº 1439 da freguesia de Fornos de Maceira Dão e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde com o n.º 01080/930618.

7) A parcela expropriada tinha uma área de 151 m2 e uma configuração triangular.

8) A expropriação foi parcial e dela resultou uma parte sobrante da propriedade a Sul e a Nascente da parcela.

9) Estava integrada no aglomerado urbano da povoação de Fagilde e fazia parte de um prédio composto por um quintal e pela [casa de] habitação dos proprietários, com frente para a Rua do Aral.

10) Distava cerca de 5 km da cidade de Mangualde e a pouco mais de 200 m da parcela localiza-se o nó de acesso rodoviário à A-25.

11) A parcela possuía declive suave e o seu solo, originário de rochas graníticas, evidenciava pouca profundidade.

12) À data da vistoria encontrava-se no estado de inculto, revestido por vegetação herbácea espontânea.

13) Como benfeitorias existiam na parcela:

·Uma cerejeira de grande porte.

·Um muro em alvenaria seca de granito, de construção recente, com 33 m de comprimento, 1,30 m de altura e 0,20 m de espessura. Sobre este muro assentavam chapas onduladas, lacadas de branco, no estado novo, com 33 m de extensão e 1,60 m de altura, apoiadas numa estrutura de ferro zincado.

14) O prédio que integra a parcela é servido pelas seguintes infra-estruturas urbanísticas:

·Acesso rodoviário com pavimento em cubos de granito

·Rede de abastecimento domiciliário de água

·Rede de saneamento com colector em serviço

·Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão

·Estação depuradora em ligação com a rede de saneamento

·Rede telefónica;

15) Na Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal (PDM) de Mangualde, plenamente eficaz à data da declaração de utilidade pública, a parcela encontrava-se inserida em zona definida como Espaço Urbano, subdivisão Outros Aglomerados (espaço urbano 2).

16) O solo da parcela expropriada é "solo apto para construção".

17) À data da DUP, a área de construção permitida no prédio em causa era de 1630 m2 x 0,60 = 978,00 m2 até uma profundidade de 50 m e 750 m2 x 0,40 = 300,00 m2 na parte restante.

18) Com a expropriação, a área descoberta sobrante passou a ter a área de 2.056,20 m2.

19) Antes da expropriação, com a área existente seria possível construir outra moradia naquele terreno.

20) O que não fica inviabilizado com a expropriação da área de 151 m2.

21) A parcela expropriada possui uma localização relativamente boa, tem razoável acessibilidade, e está integrada em aglomerado urbano.

22) A parcela tem boa qualidade ambiental, reforçada pela ausência de focos de poluição.

23) A parcela sobrante vai ficar mais próxima da A25/IP5, mas o encurtamento da distância é tão pequena que não afecta a qualidade urbana do local da parcela.

24) Há uma diminuição da área envolvente à casa de habitação destinada ao complemento da mesma.

***

O primeiro grupo de questões propostas para apreciação prende-se com a aplicação dos art. 23º e 26º do Código das Expropriações, de 1999, e a aplicação do artigo 29º, nº 5 al. b), do PDM de Mangualde (conclusões 1ª a 8ª), em vista da determinação da justa indemnização pela expropriação do solo.

Entende a expropriante apelante que:

- Em obediência aos ditos art. 23º e 26º, devia a sentença ter atendido à «construção que seria possível efectuar» no prédio, se não tivesse sujeito à expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor;

- A sentença, a partir da aplicação da al. b), do nº 5, do art. 29º do PDM de Mangualde, admitiu um índice de construção bruto de 0,60 aplicável na faixa de 50 m de profundidade confinante com a via pública e de 0,40 aplicável à faixa restante, ou seja, concluiu por uma área de construção de habitação de 978m2 e de garagem e arrumos de 300 m2, mas não devia ter aplicado tal dispositivo porque este ignora a "utilização económica normal" do bem expropriado na data da DUP. Na perspectiva da apelante, devia sim atender-se, à área de construção realmente implantada no prédio na data da DUP, ou seja, ao facto de no prédio estar já implantada uma casa composta por cave, rés-do-chão e primeiro andar, com uma superfície coberta de 172,08 m2, donde, considerando três pisos com uma área de implantação de 172,08 m2, resulta uma área de 345,6 m2 para habitação (172,8 m2 rés-do-chão + 172,8 m2 primeiro andar) e 172,08 m2 para garagem e arrumos (cave).

Verificamos que nunca foi posto em causa nos autos que, dentro da dicotomia classificatória dos solos para o efeito de cálculo da indemnização por expropriação nos termos do Código das Expropriações, o solo expropriado se deve qualificar juridicamente como solo apto para construção. Também não vem questionado que ao caso é aplicável o Código das Expropriações, de 1999, por ser o vigente à data da DUP.

A sentença operou o cálculo da indemnização, com base nos seguintes parâmetros:

(1º)- «Índice de construção bruto (Conforme PDM de Mangualde - Artigo 29°: Áreas Residenciais):

Icb = 0,60 (aplicado à faixa de 50 metros de profundidade confinante com a via pública);

Icb = 0,40 (aplicado à faixa restante).

(2º)- «No caso concreto da parcela de terreno, com a área total de 2380 m2 donde resultou a expropriação de 151 m2, temos os seguintes valores:

Faixa de 50 metros confinante com a via pública: A = 1630 m2 x 0,60 = 978,00 m2 de Habitação;

Faixa restante: A = 750 m2 x 0,40 = 300,00 m2 de Garagem/Arrumos.

(3º)- «Valores unitários de construção de acordo com a Portaria nº 1243/2003, de 29 de Outubro, publicada no Diário da República n.º 251, I Série B:

Mangualde - Zona III

Zona III - 516,50 €/m2

(4º)- «Relação entre a área útil e a área bruta = 85%:

516,50 €/m2 x 0,85 = 439,03 €/m2 - Habitação;

= 250,00 €/m2 - Garagem/Arrumos.

(5º)- «Incidência do valor do solo no custo da construção (nºs 6 e 7 do Artigo 26° do C.E.):

Localização, qualidade ambiental, equipamento e infra-estruturas - 12,0% [mais o que se segue]:

Acesso rodoviário com pavimentação em cubos de granito - 1,5%

Rede de abastecimento domiciliário de água - 1,0%

Rede de saneamento - 1,5%

Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão - 1,0% Estação depuradora - 2,0%

Rede telefónica - 1,0%.

Total - 20,0%

(6º)- «Correcção face à inexistência de esforço e risco: (Artigo 26°/10 do C.E.) Desvalorização: 10%

(7º)- «Cálculo do valor da parcela de terreno, com a área total de 2.380 m2 donde resultou a expropriação de 151 m2: (978,00 m2 x 439,03 €/m2 + 300,00 m2 x 250,00 €/m2) x 0,20 x 0,90 = 90.786,84 €

(8º)- «Cálculo do valor unitário de terreno: 90.786,84 € : 2.380 m2 = 38,15 €/m2

(9º)- «Valor do terreno expropriado: 151m2 x 38,15 €/m2 = 5.760,65 €.

(10º) «Quanto às benfeitorias existentes na parcela foram valorizadas do seguinte modo:

· Cerejeira: 1 x 125,00 ................................... € 125,00 

· Muro em pedra: 42,90 m2 x 30,00 €/m2 ...................................................... 1.287,00 €

· Vedação em chapa ondulada: 52,80 m2 x 40,00 €/m2 ......................................................... 2.080,00€

«Assim, de acordo com esta avaliação levada a cabo pelos Srs. Peritos e que o Tribunal entendeu justa e levou em conta, tais benfeitorias comportam o montante total de 3.492,00 €, do qual os expropriados deverão ser indemnizados».

Por último, a sentença considerou inaplicável a dedução prevista no nº 4 do art. 23º do CE.

Foi assim apurado o montante indemnizatório total de € 9.252,65, sujeito a actualização.

Antes de se apreciar o referido primeiro grupo de questões propostas neste recurso, devem ter-se em conta os seguintes dados:

À data da DUP, publicada em 10.3.2004, os expropriados eram proprietários de um prédio urbano cujo terreno tinha a área total de 2380 m2 (área que a sentença deu como assente na fundamentação de direito e que se extrai dos pontos de facto exarados, bem como da certidão registal). Em 172,08 m2 desse terreno estava implantado um edifício para habitação dos expropriados, edifício esse com cave, r/c e 1º andar. O ponto de facto 24 (“Há uma diminuição da área envolvente à casa de habitação destinada ao complemento da mesma”) significa, em termos simples e claros, no contexto, que aquela parcela expropriada, cuja área é de 151 m2, fazia parte do logradouro desse prédio urbano. Mostram os autos que essa faixa de 151 m2 foi destacada, por força da expropriação parcial, de um extremo do logradouro e tem configuração triangular, situando-se em lado oposto àquele em que a casa está implantada. De fotografia junta resulta a natureza herbácea espontânea do logradouro, inculto, havendo então uma cerejeira na faixa expropriada e estando o prédio cercado por um muro, como aliás consta do provado. Mais vem provado que a parcela expropriada estava integrada no aglomerado urbano da povoação de Fagilde, o prédio dista cerca de 5 km da cidade de Mangualde e a pouco mais de 200 m da parcela localiza-se o nó de acesso rodoviário à A-25. Conforme se constata pelo Google Earth, Fagilde (onde se situa o prédio em causa) é uma pequeníssima povoação; pertence à freguesia de Fornos de Maceira Dão, de cuja sede dista 4,4 Km; pertence ao concelho de Mangualde, de cuja sede dista cerca de 5 km. Estas localidades situam-se no interior do país, distrito de Viseu.

O nº 16 do “provado” não contém um facto, mas sim uma conclusão de direito. Não devia ter sido elencado como tal, embora o solo do prédio se deva qualificar juridicamente como apto para construção.

O nº 17 do “provado” não contém um facto, mas sim uma conclusão normativa, extraída pela 1ª instância judicial a partir do artigo 29º do PDM de Mangualde. Tal nada tem a ver com as “circunstâncias e condições de facto existentes” a que o artigo 23º/1 do CE se refere. Tal não devia ter sido elencado como facto, que o não é, e elimina-se do provado.

Os nºs 19 e 20 do “provado” contêm uma simples possibilidade abstracta de construção, que nada adianta à consideração genérica de que em princípio, em qualquer terreno, é possível construir. É, por isso, inócuo. Aliás, a inocuidade do nº 19 é confirmada pelo nº 20, enquanto este pretende significar que a possibilidade de construção de uma outra moradia (na parte sobrante) não fica inviabilizada com a  expropriação de 151 m2 do logradouro. O que não foi alegado, nem resulta dos autos, é que alguma vez os expropriados pretendessem ou tivessem justificada expectativa de vir a construir uma outra moradia no prédio. Os nºs 19 e 20 são, pois, irrelevantes na causa.

Posto isto, vejamos o disposto nos artigos 23º e 26º do C.E:

Preceitua o art. 23º, nos nºs 1, 3 e 4, que aqui interessam:

1.A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

3.Na fixação da justa indemnização não são considerados quaisquer factores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização.

4. Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosa­mente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.

O que esses preceitos querem significar, na decorrência do artigo 62º nº 2 da CRP, é o seguinte.

O montante da justa indemnização deverá ser o valor venal do bem, isto é, o valor de mercado, que permita abstractamente “ao expropriado a aquisição de uma coisa de igual espécie e qualidade” ([1]).

Ao particular cabe-lhe uma justa indemnização (art. 62.º n.º2 CRP e 23.º CE), do valor corrente do bem, isto é, aquele que ele “obteria se o imóvel fosse vendido em mercado livre” ([2]). Por conseguinte, para existir um verdadeiro valor no mercado livre, é necessário ter em conta determinados critérios.

O princípio da justa indemnização, tal como já afirmou por diversas vezes o Tribunal Constitucional, corresponde a um valor adequado, porquanto deverá permitir ressarcir “o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores, de forma que, nem a indemnização seja irrisória ou meramente simbólica, nem no seu cálculo se atenda a valores especulativos ou ficcio-nados” ([3]).

Como refere Salvador da Costa, em Código das Expropriações… Anot, 2010, p. 146:

O valor real e corrente dos bens expropriados é, tendencialmente, o de compra e venda, considerando um mercado normal ou normalizado, isto é, sem a influência de elementos especulativos, por referência à data da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação. Assim, a indemnização a atribuir ao expropriado deve corresponder tendencialmente ao valor de mercado dos bens, que pode ser diverso do preço que poderia estabelecer-se em contrato de compra e venda que o tivesse como objecto, em função de elementos subjectivos ou de especulação.
Dir-se-á, em suma, que a justa indemnização pela expropriação deve corresponder ao montante que um comprador não especialmente motivado, face elementos globais de facto, incluindo o aproveitamento económico normal, em obediência à lei lato sensu, à data da publicação da declaração de utilidade pública, aceitaria pagar pelos bens a título de preço ([4]).
Nestes termos, a ponderação básica sobre a questão da justa indemnização pode formular-se assim:
Com reporte a 10.3.2004, qual o valor objectivo, numa situação normal de mercado de compra e venda, que teria uma parcela de terreno com 151m2 inculta, integrante de um logradouro dum prédio urbano cuja superfície total tem 2380m2, tendo esse prédio um edifício com cave, r/c e 1º andar, com a superfície coberta de 172,8m2, e situando-se esse prédio no interior rural do país, mais propriamente na pequena povoação de Fagilde, da freguesia de Fornos de Maceira Dão, do concelho de Mangualde (Viseu)? Qual o justo preço que um terceiro, em situação normal, pagaria por essa parcela de 151m2 de terreno do logradouro ou, o que vem a dar no mesmo, qual o justo preço que os expropriados teriam de desembolsar para adquirir uma parcela de 151m2 para acrescentar ao logradouro do seu prédio urbano, compensando a perda da parcela expropriada?
Note-se que, por força do nº 1 do artigo 23º, devem ter-se «em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes», efectivas, e não as meramente supostas ou ficcionadas. Isto responde à dúvida sobre se, para avaliação da parcela do prédio, se deve considerar o que já está edificado ou se, diferentemente, se deve atender ao máximo de construção que o PDM permite no seu artigo 29º, cujo nº 5 a sentença aplicou.  

O artigo 29º do PDM de Mangualde (Regulamento publicado no DR, I-B, nº 288 de 15-12-1995, p. 7888 ss) contempla os espaços urbanos 1 e 2, sendo aquele o da cidade de Mangualde. No caso, vem como adquirido que a povoação de Fagilde integra o espaço urbano 2. O seu artigo 5º al. a) estabelece o seguinte condicionamento à construção residencial, quanto ao “índice de utilização máximo”:

«Loteamentos que obriguem a obras de urbanização – 0,30;

«Loteamentos apenas compreendendo lotes com frente para a via pública e lotes existentes não decorrentes de alvará de loteamento – 0,60 aplicado à faixa de 50m de profundidade confinante com a via pública e 0,40 aplicado à faixa restante (percentagem de ocupação do solo não superior a 35%)» e acrescenta: «A aplicação daqueles valores não poderá conduzir, no total, a um índice superior a 0,8 aplicado sobre a faixa dos 50 metros».

No caso concreto, não se apurou a existência de algum loteamento (divisão em lotes para construção) do prédio dos expropriados.

Ora, sucede que a sentença não só considerou implicitamente haver loteamento (divisão em lotes para construção), o que não vem provado, mas também considerou esses índices de 0,60 e 0,40 como se o prédio ainda não estivesse edificado e como sendo possível edificá-lo numa densidade maior do que a existente, no máximo permitido por aquele nº 5 al. a), assim, nos dois primeiros parâmetros do cálculo:

(1º)- «Índice de construção bruto (Conforme PDM de Mangualde - Artigo 29°: Áreas Residenciais):

Icb = 0,60 (aplicado à faixa de 50 metros de profundidade confinante com a via pública);

Icb = 0,40 (aplicado à faixa restante)».

(2º)- «No caso concreto da parcela de terreno, com a área total de 2380 m2 donde resultou a expropriação de 151 m2, temos os seguintes valores:

Faixa de 50 metros confinante com a via pública: A = 1630 m2 x 0,60 = 978,00 m2 de Habitação;

Faixa restante: A = 750 m2 x 0,40 = 300,00 m2 de Garagem/Arrumos».

Isto vai contra a norma do artigo 23º nº 1 do C.E. segundo a qual devem ter-se «em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes». Estando o prédio já edificado e não se provando que havia uma muito próxima potencialidade de erigir uma outra edificação, o que releva quanto ao índice de utilização é o que se verificava no terreno à data da publicação da DUP, que aliás está dentro do limite máximo permitido pelo PDM, em vez de ficcionar que não existe edifício algum no prédio urbano e poderiam ali ser construídas edificações em 0,60 da superfície dos 2380 m2 numa faixa de 50 m confinante com a via pública e em 0,40 da superfície dos 2380 m2 na faixa restante.

É certo que o art. 26º nº 1 do CE preceitua que «O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento eco­nómico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 23º». Mas, como bem refere Salvador da Costa, op. cit, p. 175, este normativo «refere-se, como é natural, aos terrenos livres de construções ou àqueles em que elas existem, mas estão em ruína ou não assumam, em relação a eles, autonomia económica». Mantendo a mesma aptidão para construção à data da publicação da DUP, acrescentamos nós.

 Sucede que o facto de existir determinada edificação no prédio à data da DUP, sem que nessa data haja expectativa legítima, fundada, de outra construção de edifício ou da sua ampliação no terreno, posterga a consideração dos índices de utilização máximos constantes do PDM. Assim é porque, por um lado, a realidade prevalece em regra sobre a mera potencialidade e, por outro lado, aqueles índices do PDM são apenas máximos, de modo que a edificação pode efectivamente ficar aquém deles, sem alguma ofensa para o PDM, como sucede no caso.

No caso, o terreno de todo o prédio tem 2380 m2, a superfície coberta é de 172,8 m2, a superfície descoberta é de 2207,2 m2, o edifício tem cave, r/c e 1º andar (como a apelante alegou e não vem desmentido, antes os docs de fls. 10 a 15 confirmam).

Com já explicámos, os parâmetros 1 e 2 da sentença não estão correctos e a sua utilização distorceria o montante de indemnização, gerando um enriquecimento sem causa legítima a favor dos expropriados. Essa distorção logo é indiciada perante esta consideração: se 151 m2 valessem € 5760 como vem na sentença, então os 2380 m2 valeriam € 90 800! Trata-se de valor manifestamente exorbitante, para uma parcela de terreno situado a 5 km de Mangualde, no interior do país ([5]).

A indemnização deve ser justa, mas numa perspectiva bifronte: justa tanto para o expropriado como justa para o expropriante.

Quanto à cisão da parcela expropriada em duas parcelas ideais (uma faixa de 50m de profundidade confinante com a via pública e a outra restante), tal tem cabimento para o efeito urbanístico, mas pode não o ter para o efeito de fixação de indemnização por expropriação de terreno já construído. Como bem julgou a Relação de Guimarães, no Ac de 19.11.2003 na CJ 2003-5-297ss, da conjugação dos nºs 6 e 7 do art. 26 do CE resulta artificial essa divisão.

Fica assim justificado que os parâmetros 1º e 2º utilizados no cálculo efectuado na sentença não estão correctos. Neles se basearam os parâmetros 7º, 8º e 9º utilizados nesse cálculo, razão pela qual também estes não podem ser mantidos.

Consequentemente, as restantes questões suscitadas através das conclusões IX a XIV ficam prejudicadas.

Os índices de construção a utilizar no cálculo devem ser os propugnados pela recorrente, a partir destes dados: sendo a casa composta por cave, rés-do-chão e primeiro andar, com uma superfície coberta de 172,08 m2, ou seja, considerando três pisos com uma área de implantação de 172,08 m2, temos uma área de 345,6 m2 para habitação (172,8 m2 rés-do-chão + 172,8 m2 primeiro andar) e 172,08 m2 para garagem e arrumos (cave).

Os parâmetros 3º a 6º utilizados no cálculo efectuado na sentença e a não aplicabilidade da dedução prevista no artigo 23º/4 do CE não vêm questionados no recurso e a nós também não nos merecem censura.

Posto isto, procede-se ao cálculo do valor da parcela nos seguintes moldes: a indemnização

- Para habitação, consideram-se 172,8 m2 x 2 = 345,6 m2 (e não 978 m2).

- Para garagem e arrumos, 172,8 m2 (e não 750 m2). Tais áreas estão dentro dos limites máximos de 0,60 e 0,40, considerados pelo PDM.

- Operando {[(345,6 m2 x 439,03 €) + (172,8 m2 x 250 €)] x 0,20 pelo 26º/6 a 8 CE x 0,90 desvalorização de 10% 26º/10 CE} : 2380 m2 = € 14, 74251187, que é o valor de cada metro quadrado de terreno. Multiplicando este valor unitário por 151 m2, obtém-se € 2 226,12.

A este valor somam-se os valores de benfeitorias (e danos emergentes do acto de expropriação), não postos em causa neste recurso, pelo que temos € 2 226,12 + € 3492 = € 5 718,12, que seria o valor da indemnização. Todavia, ao recorrer do acórdão arbitral, a expropriante pediu que o valor indemnizatório fosse fixado em 8.172,96 €, mínimo com o qual os expropriados passaram a poder contar.

Por conseguinte, o recurso deve proceder no essencial, alterando-se o montante total da indemnização para 8.172,96 €, a actualizar nos termos do artigo 24º do CE.

Em síntese final:

Atenta a norma do artigo 23º nº 1 do C.E. segundo a qual devem ter-se «em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes» à data da publicação da DUP, estando o prédio já edificado e não se provando que havia uma muito próxima potencialidade de erigir uma outra edificação, o que releva quanto ao índice de utilização é o que se verificava no terreno à data da publicação da DUP.

III- Decisão:

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, fixando a indemnização total pela expropriação em 8.172,96 € (oito mil cento setenta dois euros e noventa seis cêntimos), a actualizar nos termos do artigo 24º do CE.

 Custas do recurso pelos expropriados.

Virgílio Mateus ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira

[1] Vd. FERNANDO ALVES CORREIA, As garantias do Particular… pág. 128.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de Novembro de 1975, BMJ 252, pág. 205.

[3] Acórdão nº 89-0173, de 7 de Março de 1990, www.vlex.pt

[4] Neste sentido, pode ver-se PEDRO ELIAS DA COSTA, Guia das Expropriações…, 2003, pág. 258.

[5] Por curiosidade, refira-se que, por estes dias, tem estado patente na net, em pesquisa de “Fagilde Mangualde”, o anúncio de venda de um terreno de 10100 m2 situado em Fagilde, pelo preço de €65000,00, o que representa €6,43/m2…