Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
316/18.0T8FND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROVA DOCUMENTAL EM PODER DA CONTRAPARTE
ELEMENTOS DA ESCRITURAÇÃO COMERCIAL
SOLICITAÇÃO PARCIAL DE ELEMENTOS
ILICITUDE DA RECUSA
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DO FUNDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 42.º E 43.º DO CÓDIGO COMERCIAL E 417.º E 435.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Sendo solicitada a “exibição” de elementos da escrituração comercial de uma sociedade – cópia das atas e respetivas listas de presenças referente à aprovação de contas –, no âmbito de um processo judicial, não é lícita a recusa com fundamento no disposto no art. 42.º do CCom., que se aplica apenas à exibição judicial por inteiro, conforme art. 435.º, caindo-se na alçada do art. 417.º, ambos do CPCiv..

II – Na apreciação de qualquer pedido de “exibição” parcial, deve proceder-se à conjugação dos interesses em jogo, limitando-se a pretensão ao que for necessário para a prova pretendida, de acordo com critérios de adequação e proporcionalidade – sendo a requerida parte no processo e com responsabilidade na questão, sempre o art. 43º do CCom. permitiria a solicitação parcial de elementos, verificado o relevo para a causa e efetuada a devida ponderação dos interesses em jogo.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 316/18.0T8FND
(Juízo do Comércio do Fundão)


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório
AA, atualmente residente em ..., mas com domicílio em Portugal na ... ..., e BB, divorciada, residente em ..., ..., nº 2, ... ...,  vêm intentar acção declarativa contra P..., SA, sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade anónima, com sede em ..., ..., na freguesia ... e ..., do concelho ..., pedindo, além do mais, que a Ré seja condenada a: “Ver declaradas nulas as alegadas deliberações tomadas nas suas alegadas assembleias gerais ocorridas no dia 31 de julho de 2014, no dia 15 de dezembro de 2014, no dia 5 de setembro de 2015, no dia 15 de abril de 2016, no dia 23 de maio de 2017, no dia 5 de setembro de 2015, e a alteração da aliena b) do artº. 6º dos estatutos da Ré deliberada por reunião do seu Conselho de administração do dia 27 de outubro de 2017, com todas as legais consequências, nomeadamente a nulidade de todos os atos realizados pelo Conselho de Administração, designadamente o projeto de cisão”.
Pedem, “que a Ré seja notificada para juntar aos autos cópia das atas e respetivas listas de presenças referente à aprovação de contas (Prestação de Contas Individual) que se encontram registadas na competente Conservatória do Registo Comercial ..., datadas, respetivamente de 15 de maio e 27 de julho ambos de 2016 e 13 de novembro de 2017.
Notificada a Ré, para juntar tais documentos, vem sustentar que o artigo 435.º do Código de Processo Civil e os artigos 42.º e segs. do Código Comercial a impede de fornecer a documentação solicitada.
O Juízo de Comércio ..., não atendendo ao alegado pela ré, profer a seguinte decisão:
“Consequentemente, entendendo-se não se verificar o invocado fundamento de recusa, insista-se com a ré pela junção da documentação identificada pelos autores no ponto 2 da alínea c) do respectivo requerimento probatório, no prazo de 10 dias, desta feita sob pena de condenação em multa e de se determinar a inversão do ónus da prova nos termos definidos no artigo 417.º n.º 2 do Código de Processo Civil e 344.º n.º 2 do Código Civil.
..., 11/02/2020”.

P..., SA, Ré nos autos à margem referenciados, em que são autores AA E BB, não se conformando com tal despacho (referência eletrónica nº ...32), na parte em que ordena “Consequentemente, entendendo-se não se verificar o invocado fundamento de recusa, insista-se com a ré pela junção da documentação identificada pelos autores no ponto 2 da alínea c) do respectivo requerimento probatório, no prazo de 10 dias, desta feita sob pena de condenação em multa e de se determinar a inversão do ónus da prova nos termos definidos no artigo 417.º n.º 2 do Código de Processo Civil e 344.º n.º 2 do Código Civil”, dele interpõe recurso para este Tribunal da Relação de Coimbra, alinhavando, assim, as suas conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho judicial (referência eletrónica nº ...32), na parte em que julgou injustificada a recusa da ré em fornecer tais documentos e ordenou “…insista-se com a ré pela junção da documentação identificada pelos autores no ponto 2 da alínea c) do respectivo requerimento probatório, no prazo de 10 dias, desta feita sob pena de condenação em multa e de se determinar a inversão do ónus da prova nos termos definidos no artigo 417.º n.º 2 do Código de Processo Civil e 344.º n.º 2 do Código Civil”.;
2) A consulta de documentação mercantil (e aqui se inclui a pedida pelos autores) deve respeitar pressupostos processuais e substantivos, supra referidos, e só após a sua verificação deve ser determinado o acesso por exibição.
3) A consulta de documentação mercantil está balizada no nosso ordenamento jurídico pela aplicação concatenada dos artigos 435º e 417º nº 3 do CPC e artigos 42 e 43º do Código Comercial.
4) O direito da autora a um processo equitativo não pode ser realizado à custa dos direitos da recorrente e da coerência do nosso ordenamento jurídico que postula que o acesso a documentação mercantil só pode ser concedido a quem tem a qualidade comprovada de interessado e não, como é o caso, aos autores com incerta qualidade de interessados societários.
5) O tribunal “ a quo” ao não aceitar a recusa justificada da recorrente, fundada na lei, em não fornecer (juntar) a documentação mercantil pedida viola o princípio processual da igualdade das armas, a necessidade do processo ser justo e equitativo e as regras processuais e mercantil de direito probatório sobre esta matéria.
6) O douto despacho recorrido violou, por deficiente interpretação, os artigos 417º nº 3 e 435º do CPC e artigos 42º e 43º do Código Comercial pelo que deve ser revogado e substituído por outro que decida de acordo com a lei e o direito.
Nestes termos e no mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se o douto despacho recorrido, na parte objecto de recurso, por outra que julgue em conformidade com a lei e direito aplicável.

2. Do objecto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do ato recorrido - os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
A junção aos autos de “cópia das atas e respetivas listas de presença referente à aprovação de contas - Prestação de Contas Individual - que se encontram registadas na competente Conservatória do Registo Comercial ..., datadas, respetivamente de 15 de maio e 27 de Julho ambos de 2016 e 13 de novembro de 2017”, viola o disposto nos artigos 435.º do Código de Processo Civil e os artigos 42.º e segs. do Código Comercial, justificando a sua recusa por parte da Ré?

O Juízo de Comércio ... entende que não, assim escrevendo:
“Apreciando, afigura-se-nos, com o devido respeito por entendimento contrário, que não assiste razão à ré na invocação do referido fundamento de recusa de junção da documentação mencionada.
Não se ignora que os invocados artigos 435.º do Código de Processo Civil e 41.º a 44.ºdo Código Comercial consagram um regime especial relativo à junção, análise e exame da escrituração comercial, orientado pelo princípio geral do carácter secreto da escrituração comercial.
Sucede que, concretamente quanto à junção a processos judiciais de documentos da escrituração comercial para efeitos probatórios – e, por conseguinte, não estamos aqui perante casos de exames ou perícias à referida escrituração comercial, a que se reporta o artigo 43.º do Código Comercial, mas apenas no contexto da prova documental –, decorre da conjugação dos citados artigos 435.º do Código de Processo Civil e 42.º do Código Comercial que «o carácter secreto da escrituração comercial diz respeito apenas à “exibição judicial dos livros de escrituração comercial por inteiro” (artigo 42.º do C. Comercial) que só pode ser ordenada em casos contados e específicos (a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de quebra) e não à junção de cópia de documentos avulsos dessa escrituração comercial.” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/10/2012, proc. 1570/09.3TBVNG-A.P1, José Igreja Matos, in www.dgsi.pt).
Ora, no caso em apreço, não foi determinada a junção pela ré da sua escrituração comercial por inteiro, nem tão pouco se visa nos autos o escrutínio e a sindicância daquela escrituração da ré.
O que foi determinado foi tão-só e apenas a junção de cópia das actas das reuniões da Assembleia Geral da ré e das respectivas listas de presença, por via das quais se aprovaram as contas da sociedade ré e que estiveram na base dos registos constantes do respectivo registo comercial de 15 de Maio de 2016, de 27 de Julho de 2016 e de 13 de Novembro de 2017.
Trata-se, por conseguinte, da junção de meras cópias e não da documentação original.
Assim como a diligência probatória ordenada se refere a concretos documentos, perfeitamente individualizados e identificáveis e que se revelam essenciais para a boa decisão da causa e, nomeadamente, para a descoberta da verdade material (em face do objecto do litígio enunciado no saneador), que em nada contenderá com o exercício da actividade societária da ré, nos termos em que o mesmo vinha sendo executado até à data. Não está, ao invés, em causa, uma indiscriminada miríade de documentos susceptível de revelar informação interna da sociedade ré que em nada se reporta ao objecto dos autos.
Assim, o acolhimento da leitura do referido regime probatório da escrituração comercial sustentada pela ré, afigura-se-nos a nós, ser injustificadamente limitadora da actividade instrutória do Tribunal, que extravasa largamente o âmbito normativo do artigo 42.º do Código Comercial (e a ratio legis subjacente) e que poderá colidir, isso sim, com o direito dos autores a um processo equitativo (artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
De resto, tendo sido tal documentação apresentada para efeitos de instrução dum determinado registo comercial (na versão dos autores), mal se compreende que não pudesse ser junta, para efeitos instrutórios, num processo judicial, sede na qual, em princípio, se poderá determinar o acesso aos registos e respectivo arquivo”.
Com todo o respeito pela Apelante, que é muito, entendemos que a razão está do lado da 1.ª instância.
Senão vejamos:
O Código de Processo Civil – que será o diploma a citar sem menção de origem -, no seu artigo 410.º, baliza a instrução do processo, determinando que esta por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
Na norma seguinte - artigo 411.º - consagra-se que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Visa-se efectivar o direito fundamental a um processo justo e equitativo - artigos 20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH -, na sua dimensão da tutela jurisdicional efetiva. Ou seja, o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova, sujeita à sua validade constitucional e admissibilidade legal, nomeadamente aos princípios de um juízo de proporcionalidade - como é patente dos vocábulos “factos necessitados de prova”/artigo 410.º e “diligências necessárias”/ artigo 411.º - e da proibição da prática de actos inúteis – artigo 130.º -
Por isso, direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, não vincula à admissibilidade de todo e qualquer meio de prova e em todas e quaisquer circunstâncias. Para o efeito, o referido balanceamento entre os interesses em conflito deve ser submetido a um teste de proporcionalidade - 18.º, n.º 2 da Constituição -, assegurando-se que a prova a produzir é adequada (i), necessária (ii), ocorre na justa medida (iii) e visa preservar um interesse legítimo (iv).
E, tal juízo ou teste de proporcionalidade tanto incide sobre os meios de prova, considerando-se como tal os elementos que servem para formar a convicção relativamente aos factos sujeitos a julgamento, como dizem respeito aos meios de obtenção de prova, os quais correspondem aos instrumentos de que as partes e os tribunais se servem para investigar e recolher a prova.
Assim, à laia de conclusão, a instrução probatória tem como objeto a construção da realidade factual juridicamente relevante que lhe está subjacente, mediante um compromisso entre a descoberta da verdade e o respeito pela validade constitucional e legal da prova a produzir.
Depois de reconhecida essa validade, a admissibilidade da prova deve ser aferida mediante um juízo ou teste de proporcionalidade, aferindo-se da sua adequação, necessidade, justa medida, assim como se visa assegurar um interesse legítimo.
Adiante.
Diz-nos a norma do artigo 417.º, n.º 1 que “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”, enunciando-se no n.º 2 as consequências da recusa de colaboração, no n.º 3 as situações de recusa legítima e no n.º 4 o processo de verificação da legitimidade de recusa.
Só nestas situações aquela recusa pode ser considerada legítima e, como tal, dispensada a colaboração. Sendo certo que em qualquer dos casos cabe ao tribunal que ordenou a colaboração, decidir sobre os motivos apresentados para recusar a colaboração e se a recusa é legítima, só quando a recusa é fundamentada na violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado é que tem lugar a abertura do incidente da dispensa do dever de sigilo invocado,  no caso de o tribunal entender que a colaboração é necessária e o requerente pretender que o dever de sigilo seja levantado para que a colaboração ocorra.
O incidente de dispensa não visa ultrapassar a recusa de colaboração apoiada em qualquer dos fundamentos possíveis de a legitimar, ele apenas tem por objecto a apreciação do levantamento do dever de sigilo ou segredo.
Por isso, excepto nos casos em que para se justificar a recusa de colaboração se invoca a violação deste sigilo ou segredo, situação em que a forma de impor a colaboração é a dedução do incidente de levantamento do dever de sigilo, o Tribunal da 2.ª instância só será chamada a apreciar se a colaboração deve ser concretizada, através de recurso da decisão da primeira instância que houver apreciado os fundamentos da recusa apresentada  - recurso da requerente da colaboração se o tribunal tiver aceite os fundamentos apresentados para a recusa e dado sem efeito o pedido de colaboração, recurso da pessoa a quem é pedida a colaboração se o tribunal não tiver aceite a justificação da sua recusa e determinado a prestação da colaboração – que é precisamente o caso em análise.
Vamos aos autos.
A Apelante entende que é legitima e proporcional a sua recusa em fornecer (juntar) aos autos tais documentos com fundamento nos artigos 42º e 43º do Código Comercial, assim escrevendo:
“A coerência do sistema jurídico impõe que o dever de juntar documentos por parte da ré, aqui recorrente, seja efetuado dentro do quadro normativo vigente, isto é, dentro das regras definidas pelos artigos 42º e 43º do Código Comercial.
Por isso mesmo o legislador no artigo 435º do CPC ressalva que a exibição da escrituração comercial está sujeita aos condicionamentos do Código Comercial - normativo que é de aplicação, in casu, e que também convoca a aplicabilidade do regime do artigo 417º como bem observa António dos Santos Abrantes Geraldes e outros em Código do Processo Civil Anotado, página 507 assinalando que se mantém atual a jurisprudência do AUJ nº 2/98 – (…) Ao ordenar a junção da documentação solicitada pelos autores o tribunal “ a quo” sempre com o devido respeito violou o sentido da norma jurídica que apenas e só permite, quando verificada a qualidade de interessado, a sua exibição”.
Por tais motivos, não pode a invocação do dever de colaboração importar o dever de actuar fora do âmbito das regras definidas pelos artºs 42.º e 43.º (podendo existir outras). A coerência do sistema o impede. Tendo sido desrespeitado o art.º 42.º do C.Com – por se exigir junção de documentos quando apenas se podia ser de exigir a sua exibição, ou tendo-se ordenado uma exibição total, quando apenas se encontravam reunidos elementos justificativos da exibição parcial, não se pode considerar que foi violado o dever imposto pelo art.º417.º, n.º3, pois é legítima a recusa em cumprir a ordem judicial.”.
Em síntese, o tribunal “a quo” ao decidir, como decidiu, sempre com o devido respeito, não ponderou que a documentação ordenada juntar não pode ser junta pela incerta qualidade societária de quem a pede e que a lei não permite a sua junção mas, e só, a exibição.
Sendo assim, como é na verdade, o, aliás, douto despacho recorrido violou, por deficiente interpretação, os artigos 417º nº 3 e 435º do CPC e artigos 42º e 43º do Código Comercial pelo que deve ser revogado e substituído por outro que decida de acordo com a lei e o direito”.
Como sabemos, os documentos constituem um meio de prova - artigo 362º e ss do Código Civil - e, como tal, têm por função a “demonstração da realidade dos factos” - art.º 341.º/ ainda o ónus da prova plasmado no artigo 342.º do mesmo diploma.
O art.º 429.º do Código de Processo Civil - Documentos em poder da parte contrária -, dispõe:
“1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.”
Esta disposição normativa constitui uma manifestação do princípio geral da cooperação material no campo da instrução do processo, tendo em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento.
No entanto, o (não) deferimento judicial está sujeito a requisitos que se destinam a habilitar o juízo sobre o interesse dos documentos para a prova dos factos controvertidos e a proferir a decisão de deferir ou indeferir o requerimento – neste preciso sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 15.09.2015, no processo n.º 889/10.5TBFIG.C1, pesquisável em www.dgsi.pt: “Para viabilizar o efetivo controlo judicial da pretensa idoneidade do documento em poder da parte contrária para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, é necessário que o requerente identifique tanto quanto possível o documento e especifique os factos que com ele quer provar”.
O acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, constitui um direito fundamental constitucionalmente protegido que implica a obtenção em prazo razoável de uma decisão judicial que aprecie a pretensão regularmente deduzida em juízo.
Nessa medida pressupõe também, para o efeito, que através do tribunal se possa obter a colaboração daqueles que podem dar o seu contributo para a descoberta da verdade, sem o que, em certos casos, se não passaria de simples enunciação teórica dos direitos de cada um, sem concretização efectiva, designadamente por ausência de prova.
Mais, nas normas dos artigos 42.º e 43.º do Código Comercial apenas está em causa a escrituração mercantil e os documentos a ela, escrituração, relativos -  podendo, no entanto, proceder-se a tal exame, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida -, sendo que o carácter secreto da escrituração comercial diz respeito apenas à exibição judicial dos livros de escrituração comercial por inteiro – é o que resulta, também da norma do artigo 435.º/
A exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial/sobre esta questão, ver o Acórdão desta Relação de 7.2.2012, pesquisável em
www.dgsi.pt.
Sobre o tema, e mais recente, ver o Acórdão da Relação de Guimarães de 3.2.2022 e 21.10.2021, ambos pesquisáveis em www.dgsi.pt: “Sendo solicitada a “exibição” de elementos da escrituração comercial de um terceiro, no âmbito de um processo, não é lícita a recusa com fundamento no disposto no artigo 42.º do CCom, que se aplica apenas à exibição judicial por inteiro, conforme artigo 435.º do CPC, caindo-se na alçada do artigo 417.º do CPC. Na apreciação de qualquer pedido de “exibição” parcial, devem conjugar-se os interesses em jogo, limitando-se a pretensão ao que for necessário e imprescindível para a prova pretendida, de acordo com critérios de adequação e proporcionalidade.”/ O artigo 435º do CPC remete para legislação comercial no que se refere à exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos. Tal norma não obsta à exibição parcial, quando com interesse para a causa. Sendo a requerida parte no processo e com responsabilidade na questão, sempre seria possível ao abrigo do artigo 43º do C.Com. a solicitação parcial de elementos, verificado o interesse para a causa e efetuada a devida ponderação dos interesses em jogo”.
 Neste contexto, os documentos em causa nos autos possuem relevância para a apreciação concreta da pretensão, tal como esta foi formulada pelos autores, nomeadamente:21. Os AA., apesar de serem acionistas da Ré não estiveram presentes nas assembleias gerais desta, quer nas não convocadas que alegadamente terão ocorrido nos dias 31 de julho de 2014 e 15 de dezembro de 2014, nem na assembleia geral convocada pelo Sr. Dr. CC, que alegadamente terá ocorrido pelas 11 horas do dia 5 de setembro de 2015.
22. Os AA. desconhecem as atas que terão sido lavradas e referentes às assembleias gerais alegadamente ocorridas nos dias 31 de julho e 15 de dezembro ambos de 2014 desconhecendo até as horas em que tais reuniões terão ocorrido pois as mesmas, repete-se, não foram convocadas.
23. Os AA. tiveram conhecimento da ata da assembleia geral, por consulta ao Portal da Justiça, que terá ocorrido pelas 11 horas do dia 5 de setembro de 2015, ata cópia do Portal que juntam e se dão aqui como integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos e legais efeitos (DOCs. 8 e 9), sendo que, ao lê-la deram conta que da lista de presenças da mesma as ações de que os AA. era, e são, proprietários tinham, sido representadas nessa assembleia geral por DD e EE , tudo conforme se pode ver do documento que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos e legais efeitos (DOC. 10), sem que os tivessem mandatado para tal (…)”.
Nem se alegue quea qualidade de sócios dos autores na sociedade ré não se encontra adquirida tendo o tribunal “a quo” remetido a questão para conhecimento final por recurso ao critério supletivo da legitimidade processual quando, na realidade, nestes casos a lei prevê expressamente, em texto de norma jurídica, a necessidade, ex-lege, de legitimação ativa - Legitimação ativa, aliás, inexistente por parte dos autores em face do livro de registo de ações junto com a contestação dos autos”
O fundamento processual está na alegação feita pelos Autores na petição inicial: (…) Os AA. são, ainda hoje, sócios da sociedade Ré. 13. A sociedade Ré não entregou ainda aos AA. os títulos representativos das 3.980 ações de que é titular o A. AA e os títulos representativos das 20 ações de que é titular a A. BB. 14. O A. AA, foi casado com a A. BB, tendo-se o casal divorciado no dia 14 de outubro de 2014, conforme se pode ver do documento que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos e legais efeitos (…)“Os AA., apesar de serem acionistas da Ré não estiveram presentes nas assembleias gerais desta, quer nas não convocadas que alegadamente terão ocorrido nos dias 31 de julho de 2014 e 15 de dezembro de 2014, nem na assembleia geral convocada pelo Sr. Dr. CC, que alegadamente terá ocorrido pelas 11 horas do dia 5 de setembro de 2015.22. Os AA. desconhecem as atas que terão sido lavradas e referentes às assembleias gerais alegadamente ocorridas nos dias 31 de julho e 15 de dezembro ambos de 2014 desconhecendo até as horas em que tais reuniões terão ocorrido pois as mesmas, repete-se, não foram convocadas.23. Os AA. tiveram conhecimento da ata da assembleia geral, por consulta ao Portal da Justiça, que terá ocorrido pelas 11 horas do dia 5 de setembro de 2015, ata cópia do Portal que juntam e se dão aqui como integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos e legais efeitos (DOCs. 8 e 9), sendo que, ao lê-la deram conta que da lista de presenças da mesma as ações de que os AA. era, e são, proprietários tinham, sido representadas nessa assembleia geral por DD e EE , tudo conforme se pode ver do documento que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos e legais efeitos (DOC. 10), sem que os tivessem mandatado para tal”.
Por isso, correcta a decisão da 1.ª instância, quando escreve:
Sucede que, concretamente quanto à junção a processos judiciais de documentos da escrituração comercial para efeitos probatórios – e, por conseguinte, não estamos aqui perante casos de exames ou perícias à referida escrituração comercial, a que se reporta o artigo 43.º do Código Comercial, mas apenas no contexto da prova documental –, decorre da conjugação dos citados artigos 435.º do Código de Processo Civil e 42.º do Código Comercial que «o carácter secreto da escrituração comercial diz respeito apenas à “exibição judicial dos livros de escrituração comercial por inteiro” (artigo 42.º do C. Comercial) que só pode ser ordenada em casos contados e específicos (a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de quebra) e não à junção de cópia de documentos avulsos dessa escrituração comercial.” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/10/2012, proc. 1570/09.3TBVNG-A.P1, José Igreja Matos, in www.dgsi.pt).
Ora, no caso em apreço, não foi determinada a junção pela ré da sua escrituração comercial por inteiro, nem tão pouco se visa nos autos o escrutínio e a sindicância daquela escrituração da ré.
O que foi determinado foi tão-só e apenas a junção de cópia das actas das reuniões da Assembleia Geral da ré e das respectivas listas de presença, por via das quais se aprovaram as contas da sociedade ré e que estiveram na base dos registos constantes do respectivo registo comercial de 15 de Maio de 2016, de 27 de Julho de 2016 e de 13 de Novembro de 2017.
Trata-se, por conseguinte, da junção de meras cópias e não da documentação original.
Assim como a diligência probatória ordenada se refere a concretos documentos, perfeitamente individualizados e identificáveis e que se revelam essenciais para a boa decisão da causa e, nomeadamente, para a descoberta da verdade material (em face do objecto do litígio enunciado no saneador), que em nada contenderá com o exercício da actividade societária da ré, nos termos em que o mesmo vinha sendo executado até à data. Não está, ao invés, em causa, uma indiscriminada miríade de documentos susceptível de revelar informação interna da sociedade ré que em nada se reporta ao objecto dos autos.
Assim, o acolhimento da leitura do referido regime probatório da escrituração comercial sustentada pela ré, afigura-se-nos a nós, ser injustificadamente limitadora da actividade instrutória do Tribunal, que extravasa largamente o âmbito normativo do artigo 42.º do Código Comercial (e a ratio legis subjacente) e que poderá colidir, isso sim, com o direito dos autores a um processo equitativo (artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
De resto, tendo sido tal documentação apresentada para efeitos de instrução dum determinado registo comercial (na versão dos autores), mal se compreende que não pudesse ser junta, para efeitos instrutórios, num processo judicial, sede na qual, em princípio, se poderá determinar o acesso aos registos e respectivo arquivo”.
Improcedem, pois, as conclusões da Apelante e, em consequência mantemos o decidido pela 1.ª instância.
As conclusões (sumário):
(…).

3.Decisão
Na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo do Comércio ....

Custas a cargo da apelante.

Coimbra, 12 de Julho de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

( Arlindo Oliveira- 1.º adjunto)

(Emidio Francisco Santos – 2.º adjunto)