Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1060/09.4TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: HERANÇA VAGA
ESTADO
LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA
PROCESSO
Data do Acordão: 04/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1132º A 1134º DO CPC; 2132º, 2133º, Nº 1, AL. E) E 2152º A 2155º, TODOS DO CÓD. CIVIL.
Sumário: I – No processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, regulado nos artºs 1132º a 1134º do CPC, podem surpreender-se duas fases distintas e sequenciais: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.

II – Na primeira prevêem-se os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo [artºs 2132º, 2133º, nº 1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Cód. Civil].

III – Na segunda regulam-se as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – essencialmente traduzidas na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo – por forma a que ao Estado seja adjudicado o remanescente.

IV – As duas referidas fases não se interpenetram ou sobrepõem, só fazendo sentido entrar na fase executiva depois de encerrada a fase declarativa.

V – É prematura e, por isso, não produz efeitos – não dispensando a oportuna repetição – a citação edital dos credores desconhecidos, nos termos do artº 1134º, nº 1 do CPC, feita antes de encerrada a fase declarativa, isto é, antes de a herança ter sido declarada vaga para o Estado.

VI – Não é o processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado o meio e o lugar próprios para ser feita a cobrança coerciva de dívidas activas da herança.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                1. RELATÓRIO

                O Ex.mo Magistrado do Ministério Público intentou acção especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, pedindo que seja declarada vaga para o Estado a herança de A…, falecida em 11/09/2007, procedendo-se também à sua liquidação.

                Alegou para tanto, em síntese, que A… faleceu no dia 11/09/2007, no estado de viúva, sem que tenha deixado ascendentes, descendentes ou outros parentes sucessíveis e sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

Decretado o arrolamento dos bens, foram, nos termos do artº 1132º, nº 1 do Cód. Proc. Civil[1], citados por éditos quaisquer interessados incertos para deduzirem, dentro de trinta dias, a sua habilitação como sucessores.

Nenhuma habilitação foi deduzida.

Foi ainda, com data de 18/01/2010, proferido despacho do teor seguinte: “Cite os credores desconhecidos editalmente nos termos do artº 1134º, nº 1 do CPC”, em cumprimento do qual se procedeu à afixação, em 21/01/2010, em local próprio existente no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, de um edital de teor igual à cópia que faz fls. 3 destes autos de apelação.

O processo prosseguiu com numerosas diligências sem relevância para o presente recurso, entre as quais a nomeação de defensora oficiosa aos incertos, nos termos do artº 16º, nº 2 e citação da mesma, que nada requereu.

                Finalmente, em 18/10/2011, foi proferida a sentença certificada de fls. 63 a 87 dos autos, cujo dispositivo se transcreve:

                “Face ao exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 2155º do Código Civil e artigo 1133º, nº 1 do Código de Processo Civil, julga-se a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:

                a) Declara-se que inexistem herdeiros legítimos, legitimários e testamentários que sucedam hereditariamente a A…, falecida em 11 de Setembro de 2007, com última residência na Rua ...

                b) Declara-se vaga a favor do Estado a herança de A… constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”

                Com data de 07/12/2011, na sequência de promoção do Ministério Público e com vista à liquidação da herança declarada vaga a favor do Estado, foi proferido despacho que, além do mais, ordenou a notificação, pessoalmente e por via postal, de M…, para, no prazo de 10 (dez) dias, “restituir à massa da herança a quantia total de € 17.679,35 (dezassete mil, seiscentos e setenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos) que corresponde aos valores monetários que foram pelo mesmo movimentados e que fez seus após a morte de A…, sob pena de cobrança coerciva da dívida em causa (artigo 1133º, nº 3, do Código de Processo Civil)”.

                O notificado, M…, respondeu através do requerimento certificado a fls. 91 e 92, concluindo que, “por não ser devida qualquer restituição, não procederá o ora requerente ao depósito de qualquer quantia”.

                Novamente notificado, o indicado M… juntou documentos no sentido de corroborar a sua recusa de restituição.

                Face a tal posição – e sob promoção do Ministério Público nesse sentido – o tribunal “a quo” proferiu o despacho certificado a fls. 97 e 98, do teor seguinte:

                “Nos presentes autos, por sentença proferida em 18 de Outubro de 2011, já transitada em julgado, foi declarada vaga a favor do Estado a herança de A… e definido o seu acervo hereditário.

De entre os bens que se declarou definitivamente integrar a sua herança encontra-se a quantia de €17.983,83, correspondente ao saldo da conta n.º …, existente à data do seu decesso (11/09/2007).

Mais se referiu na sentença que parte dessa quantia, no montante de €17.679,35, constituía um crédito da herança sobre M…, já que correspondia aos “valores monetários por ele movimentados e que fez seus após a morte de A…”.

Da sentença foi M… notificado mediante via postal datada de 19/10/2011, nada tendo dito.

A sentença transitou, pois, em julgado.

Notificado M… para, em 10 dias, restituir à massa da herança a aludida quantia, sob pena de cobrança coerciva da dívida, veio o mesmo alegar não efectuar o depósito de tal quantia, na medida em que a mesma já não existe, em virtude de variadíssimas despesas que teve de suportar antes e após o óbito de A...

O Ministério Público impugnou as despesas apresentadas pelo requerente, tendo sido determinada a realização de várias diligências de prova com vista à sua aferição.

Sucede que, conforme muito bem salienta o digno Magistrado do Ministério Público na promoção que antecede, em cumprimento do preceituado no artigo 1134º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no dia 20 de Janeiro de 2010, os credores desconhecidos da herança foram citados editalmente para, no prazo de 15 dias, reclamarem os seus créditos.

Ninguém se apresentou a fazê-lo, inclusive M...

Donde, qualquer eventual passivo da herança que pudesse existir deveria, para ser atendido no processo, ter sido reclamado atempadamente, isto é, no prazo de 15 dias, a contar da publicação do anúncio (publicado nos dias 23 e 24 de Janeiro de 2010 – cfr. fls. 116 e 117).

Não o tendo sido, quaisquer dívidas que pudessem existir não poderão ser agora ponderadas e deduzidas à massa da herança.

Não se vislumbra, por isso, existir qualquer utilidade na indagação e aferição das despesas que M… alega ter suportado, pelo que se indefere o por si requerido a fls. 436.

De resto, da sentença decorre inequivocamente que a quantia que o mesmo deverá restituir à herança constitui um crédito desta sobre si, relacionado com os movimentos que o mesmo efectuou e dos valores que fez seus.

Termos em que, por se concordar integralmente com a promoção de fls. 439, determino se notifique M… para, no prazo de 10 dias, restituir à massa da herança a quantia de €17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º, n.º 4, alínea a), do Código Penal).

Notifique.”

Inconformado, o M… interpôs recurso, encerrando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

O Ministério Público respondeu pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, pela improcedência do mesmo, pedindo ainda a condenação do recorrente como litigante de má fé.

O recurso foi admitido.

Suprida a omissão da notificação da contra-alegação do Ministério Público ao recorrente, veio este defender não apenas a admissibilidade do recurso e a inexistência de fundamento para a sua condenação por litigância de má fé, como até imputar ao recorrido aquele tipo de litigância[2].

O Ministério Público manteve a posição assumida nos autos, manifestando o entendimento e a convicção de estar a actuar no estrito cumprimento da lei.

Nada a tal obstando[3], cumpre decidir.

Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[4], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada a questão de saber se tem ou não fundamento legal a decisão recorrida, ao determinar que “se notifique M… para, no prazo de 10 dias, restituir à massa da herança a quantia de €17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º, n.º 4, alínea a), do Código Penal).”

                2. FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. De facto

                A factualidade e as incidências processuais relevantes para a apreciação e decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais.

                2.2. De direito

O processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado encontra-se regulado nos artºs 1132º a 1134º, disposições legais que têm o teor seguinte:


ARTIGO 1132.º

(Citação dos interessados incertos no caso de herança jacente)


1 – No caso de herança jacente, por não serem conhecidos os sucessores, por o Ministério Público pretender contestar a legitimidade dos que se apresentarem, ou por os sucessores conhecidos haverem repudiado a herança, tomar-se-ão as providências necessárias para assegurar a conservação dos bens e em seguida são citados, por éditos, quaisquer interessados incertos para deduzir a sua habilitação como sucessores dentro de 30 dias depois de findar o prazo dos éditos.

   2 – Qualquer habilitação pode ser contestada não só pelo Ministério Público, mas também pelos outros habilitandos nos 15 dias seguintes ao prazo marcado para o oferecimento dos artigos de habilitação.

3 – À contestação seguem-se os termos do processo ordinário ou sumário, conforme o valor.


ARTIGO 1133.º

(Liquidação no caso de herança vaga)


1 – A herança é declarada vaga para o Estado se ninguém aparecer a habilitar-se ou se decaírem todos os que se apresentem como sucessores.

2 – Feita a declaração do direito do Estado, proceder-se-á à liquidação da herança, cobrando-se as dívidas activas, vendendo-se judicialmente os bens, satisfazendo-se o passivo e adjudicando-se ao Estado o remanescente.

3 – O Ministério Público proporá, no tribunal competente, as acções necessárias à cobrança coerciva de dívidas activas da herança.

4 – Os fundos públicos e os bens imóveis só são vendidos quando o produto dos outros bens não chegue para pagamento das dívidas; pode ainda o Ministério Público, relativamente a quaisquer outros bens, cujo valor não seja necessário para pagar dívidas da herança, requerer que sejam adjudicados em espécie ao Estado.


ARTIGO 1134.º

(Processo para a reclamação e verificação dos créditos)


1 – Os credores da herança, que sejam conhecidos, são citados pessoalmente para reclamar os seus créditos, no prazo de 15 dias, procedendo-se ainda à citação edital dos credores desconhecidos.

2 – As reclamações formam um apenso, observando-se depois o disposto nos artigos 866.º a 868.º. Podem também ser impugnadas pelo Ministério Público, que é notificado do despacho que as receber.

3 – Se, porém, o tribunal for incompetente, em razão da matéria, para conhecer de algum crédito, será este exigido, pelos meios próprios, no tribunal competente.

4 – Se algum credor tiver pendente acção declarativa contra a herança ou contra os herdeiros incertos da pessoa falecida, esta prosseguirá no tribunal competente, habilitando-se o Ministério Público para com ele seguirem os termos da causa, mas suspendendo-se a graduação global dos créditos no processo principal até haver decisão final.

5 – Se estiver pendente acção executiva, suspendem-se as diligências destinadas à realização do pagamento, relativamente aos bens que o Ministério Público haja relacionado, sendo a execução apensada ao processo de liquidação, se não houver outros executados e logo que se mostrem julgados os embargos eventualmente deduzidos, aos quais se aplicará o disposto no número anterior.

6 – O requerimento executivo vale, no caso da apensação prevista no número anterior, como reclamação do crédito exigido.

7 – É admitido a reclamar o seu crédito, mesmo depois de findo o prazo das reclamações, qualquer credor que não tenha sido notificado pessoalmente, uma vez que ainda esteja pendente a liquidação. Se esta já estiver finda, o credor só tem acção contra o Estado até à importância do remanescente que lhe tenha sido adjudicado.

                Como dos transcritos normativos facilmente se depreende, no processo especial em causa podem surpreender-se duas fases distintas e sequenciais: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.

                Na primeira, a que respeitam os três números do artº 1132º e o nº 1 do artº 1133º, prevêem-se os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo [artºs 2132º, 2133º, nº 1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Cód. Civil].

                Na segunda, consubstanciada nos artºs 1133º, nºs 2 a 4 e 1134º, regulam-se as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – essencialmente traduzidas na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo[5] – por forma a que ao Estado seja adjudicado o remanescente.

                A cobrança dos créditos é uma operação da responsabilidade do Ministério Público, a quem incumbe propor no tribunal competente as acções necessárias a tal objectivo (artº 1133º, nº 3).

                A venda judicial dos bens e a satisfação do passivo são feitos pelo tribunal[6] que, para o efeito se socorrerá, supletivamente, das regras próprias do processo de execução (artº 463º, nº 3).

                No que tange à satisfação do passivo, tal operação implica necessariamente a reclamação e verificação dos créditos (dívidas passivas), cujos trâmites estão previstos no artº 1134º e, por expressa remissão do nº 2 deste, nos artºs 866º a 868º.

                Como do que fica dito se depreende, as duas fases – acima classificadas de declarativa e executiva – não se interpenetram ou sobrepõem, só fazendo sentido entrar na fase executiva depois de encerrada a fase declarativa.

                Transpondo as sintéticas noções atrás delineadas para o caso concreto que nos ocupa, há que começar por referir que foi perfeitamente prematura e deslocada a ordenada (em 18/01/2010) citação edital dos credores desconhecidos, nos termos do artº 1134º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, já que tal citação se insere na fase executiva e nessa altura o processo se encontrava ainda na fase declarativa, isto é, não tinha ainda sido a herança declarada vaga para o Estado.

                Esse precoce e, por isso, extemporâneo acto processual não pode, pois, produzir efeitos, designadamente, não pode dispensar a convocação, na altura processual adequada, dos credores da herança nem obstar a que os mesmos, no momento próprio, reclamem e vejam apreciados os seus créditos.

                Por outro lado, não é o processo especial previsto nos artºs 1132º a 1134º o indicado para nele o Ministério Público diligenciar judicialmente pela cobrança coerciva das dívidas activas da herança, a qual passa pela propositura, no tribunal competente, das acções adequadas a tal finalidade.

                Com efeito, os eventuais devedores da herança – que não são nem, nessa qualidade, podem ser, partes na acção especial dos artºs 1132º a 1134º – caso não paguem voluntariamente as dívidas, têm de ser judicialmente condenados em acções contra si intentadas, onde possam defender-se plenamente.

                A circunstância de, como é referido na decisão recorrida, a sentença que declarou a herança vaga para o Estado ter sido notificada ao recorrente e dela constar que a dita herança é integrada, além do mais, pela quantia de €17.983,83, correspondente ao saldo da conta n.º …, parte da qual, no montante de €17.679,35, constituía um crédito da herança sobre M… (recorrente), já que correspondia aos “valores monetários por ele movimentados e que fez seus após a morte de A…”, não faz com que o recorrente se encontre vinculado pelo caso julgado formado por essa sentença.

                Com efeito, nem, como se referiu, o processo é o adequado para o reconhecimento da eventual dívida do recorrente, nem este é nele parte, nem contra ele foi formalmente formulado o correspondente pedido, nem do segmento decisório da sentença consta qualquer condenação do mesmo a pagar.

                É, pois, manifesto que – independentemente da existência ou não de quaisquer créditos da herança sobre o recorrente, e/ou deste sobre aquela – a decisão recorrida carece de suporte legal. Com efeito, por um lado, não é este o processo adequado à cobrança coerciva de qualquer eventual crédito da herança sobre o recorrente e, por outro, não se chegou ainda à fase da reclamação e verificação de qualquer crédito do recorrente sobre a herança.

                Logram êxito, portanto, as conclusões da alegação do recorrente, o que conduz à procedência da apelação e à consequente revogação da decisão recorrida.

                Apesar das acusações de litigância de má fé que recorrente e recorrido reciprocamente se fazem, não encontrámos elementos suficientemente seguros de que qualquer deles tenha, com dolo ou negligência grave, preenchido alguma das previsões das quatro alíneas do nº 2 do artº 456º.

                Sumário (artº 713º, nº 7 do CPC):

                I – No processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, regulado nos artºs 1132º a 1134º do CPC, podem surpreender-se duas fases distintas e sequenciais: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.

                II – Na primeira prevêem-se os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo [artºs 2132º, 2133º, nº 1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Cód. Civil].

                III – Na segunda regulam-se as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – essencialmente traduzidas na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo – por forma a que ao Estado seja adjudicado o remanescente.

                IV – As duas referidas fases não se interpenetram ou sobrepõem, só fazendo sentido entrar na fase executiva depois de encerrada a fase declarativa.

                V – É prematura e, por isso, não produz efeitos – não dispensando a oportuna repetição – a citação edital dos credores desconhecidos, nos termos do artº 1134º, nº 1 do CPC, feita antes de encerrada a fase declarativa, isto é, antes de a herança ter sido declarada vaga para o Estado.

                VI – Não é o processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado o meio e o lugar próprios para ser feita a cobrança coerciva de dívidas activas da herança.

                3. DECISÃO

                Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida.

                Sem custas.

Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo   


[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Com efeito, após sustentar que não litiga de má fé, o recorrente acrescentou:
  «Já o mesmo se não pode dizer do Mº. Pº., que com a sua última promoção, bem como com as alegações que apresentou nos presentes autos, está a fazer, ao menos com negligência grave, “do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal”, que é dar cobertura a um anúncio espúrio e sem qualquer fundamento legal, pois o Mº. Pº. tem o dever acrescido de cumprir estritamente a legalidade instituída.»
[3] O Mº. Pº. defendeu na sua contra-alegação a inadmissibilidade do recurso, por, em seu entender, ser de mero expediente a decisão recorrida (artº 679º do CPC).
  A 1ª instância, porém, ao admitir o recurso, negou-lhe implicitamente razão.
  Tal juízo, que não é passível de impugnação pelas partes, não vincula, contudo, esta Relação (artº 685º-C, nº 5 do CPC).
  Tendo, todavia, em conta o teor da decisão recorrida e a definição de despacho de mero expediente fornecida pelo artº 156º, nº 4, 1ª parte, do CPC, não dissentimos do entendimento da 1ª instância e consideramos que a decisão recorrida não é de mero expediente, pelo que, porque presentes os demais requisitos legais, admite recurso.
[4] Diploma a que pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[5] Prof. Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II (Reimpressão), págs. 299 e seguintes.
[6] Autor, obra, volume e local citados.