Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/15.6GCSEI-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
PRAZO
Data do Acordão: 06/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (J L DE SEIA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 48.º E 49.º DO CP; ARTS. 489.º E 490.º DO CPP
Sumário: I - A prestação de trabalho em substituição da pena de multa é uma possibilidade, que o Tribunal equacionará se no prazo de pagamento voluntário da pena de multa o arguido fizer um requerimento a pedir a substituição.

II - E só deferirá tal requerimento se concluir, nos termos do art.48.º, n.º 1 do CP, que a substituição não põe em causa as exigências da punição

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


                                                                                                                                                                                                                                                  
O Ministério Público, não se conformando com o despacho que determinou a substituição da pena de multa aplicada nos autos ao arguido A... por prestação de trabalho a favor da comunidade, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

1º No âmbito dos presentes autos foi proferido despacho, em 16 de Dezembro de 2016, que determinou a substituição da pena de multa aplicada nos autos ao arguido A... por prestação de trabalho a favor da comunidade, depois de arquivada a execução para o cumprimento coercivo da pena, por inexistência de bens.

              2.º Entendemos que a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade apenas pode ser requerida no prazo para o pagamento voluntário da pena de multa, 48.º do Código Penal, 489.º e 490.º n.º 1 do Código de Processo Penal.

3.º Mesmo aqui não se entenda, não poderemos permitir que a substituição da pena ocorra mesmo depois de ter sido instaurada execução para o cumprimento coercivo da pena.

            4.º Inexistiu qualquer alteração das circunstâncias pessoais e económicas do arguido que justifique a concessão de uma nova oportunidade de substituição da pena por prestação de trabalho a favor da comunidade, visto que ficou desempregado em Setembro de 2015 e poderia ter pedido a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade dentro da data limite para o cumprimento voluntário da pena de multa, que apenas decorreu a 5 de Outubro de 2015.

Consequentemente, consideramos que o despacho proferido pelo Tribunal a quo deve ser revogado, por violação dos citados incisos legais, determinando-se o cumprimento da pena de multa aplicada nos autos, pelo arguido.

Porém, Vªs Exªs, Senhores Juízes Desembargadores, decidirão, como sempre, fazendo justiça.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

            É este o despacho recorrido:
 Por sentença proferida nos presentes autos, já transitada em julgado, foi o arguido A... condenado, além do mais, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
Emitidas as guias para pagamento da pena de multa, o arguido não procedeu respectivo pagamento, pelo que foi instaurada execução para cobrança coerciva da mesma, a qual veio ser condicionalmente arquivada por falta de bens.
Por requerimento de fls. 145 veio o arguido requerer a substituição da pena da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, alegando não ter condições económicas para pagar a multa por se encontrar desempregado, vivendo da ajuda de terceiros.
A fls. 151 o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu que se solicitasse à DGRSP a elaboração de relatório social tendente a analisar a possibilidade de substituição da multa por trabalho, o que foi determinado.
A DGRSP procedeu à elaboração de relatório social, sendo a medida exequível, podendo o arguido prestar trabalho a favor da comunidade na Junta de Freguesia de (...).
A fls. 167-168 a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu que se indefira o requerido, por extemporâneo, por há muito ter decorrido o prazo para cumprimento voluntário da pena de multa e, em consequência, que se determine o cumprimento imediato da pena de multa aplicada, sob pena de conversão da mesma em prisão subsidiária.
Apreciando.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 48.º do Código Penal "a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
São características essenciais da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade "o apelo à responsabilização do condenado e à participação solidária da comunidade no processo de reinserção social desse seu elemento, mediante a criação de condições que facilitem que o condenado possa através da prestação de trabalho útil e, tanto quanto possível motivador, refazer a sua imagem face a si próprio, à comunidade e à vítima, reparando, assim, de forma construtiva o desvalor ínsito no seu acto” (Cfr. Odete Maria de Oliveira, Penas de Substituição, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998).
A prestação de trabalho tem também um expressivo cariz punitivo, aliás cada vez mais interiorizado pela comunidade, pelo que a sua aplicação em substituição da multa não põe, em princípio, em causa as exigências de tutela do ordenamento jurídico.
No caso em apreço, o arguido requereu a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade quando já se encontrava largamente ultrapassado o prazo para cumprimento voluntário da pena de multa.
Porém, com o devido respeito por opinião contrária, entende o Tribunal que o decurso do prazo previsto no artigo 490º, nº 1 do Código de Processo Penal não é fundamento para indeferir o requerimento de prestação de trabalho a favor da comunidade, assim se acompanhando o decidido nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2011, proferido no processo nº 422/08.9PIVNG-A.P1, e a doutrina aí vertida, e de 06/06/2012, proferido no processo n.º 540/08.3PHPRCB.P1, e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/06/2011, proferido no processo n.º 328/10.1GTBRG-A.G1, (todos acessíveis in www.dgsi.pt), em homenagem ao espírito do sistema jurídico-penal vigente que privilegia de forma acentuada o recurso a penas alternativas à pena de prisão.
Acresce a circunstância de não se ter apurado que o arguido fosse proprietário de quaisquer bens ou auferisse rendimentos, sendo que das pesquisas efectuadas às bases de dados da Segurança Social resultou ser a sua última remuneração de 09/2015 (fls. 90) – mês em que transitou em julgado a condenação proferida nos autos – tendo o mesmo vindo invocar, como fundamento para a substituição da pena de multa por trabalho, a sua condição de desempregado.
É que, é entendimento do Tribunal que deve, em primeiro lugar, exaurir as possibilidades de cumprimento da pena, só sendo de ponderar a eventual suspensão da pena de prisão subsidiária quando faleçam todas as demais alternativas insertas na lei, tanto mais como no caso concreto em que a pena de multa não foi ainda sequer convertida em prisão subsidiária, acompanhando, em suma, este Tribunal integralmente os argumentos expostos no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-12-2007, proferido no processo nº 295/04-OTAAVR e consultado em www.dgsi.pt.
Por outro lado, e no caso concreto, entende o Tribunal que o cumprimento de dias de trabalho em substituição da pena de multa realiza adequadamente as necessidades de prevenção geral, contribuindo, de igual forma, para a interiorização da ilicitude e gravidade dos factos praticados, bem como para o afastamento do arguido da prática de novos ilícitos criminais.
Pelo exposto deverá ser deferida a pretensão do arguido de substituição da pena de multa aplicada pela prestação de trabalho.
No que concerne à sua execução, dispõe o artigo 48º nº 2 do Código Penal que “É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 58º (…)” e o nº 3 do artigo 58º do Código Penal estipula que “(…) cada dia prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.”
No caso, o arguido foi condenado na pena de 80 dias de multa, pelo que será este o número de horas a trabalhar.
Pelo exposto, determino que o arguido cumpra 80 horas de trabalho gratuito, na Junta de freguesia de (...), onde desempenhará tarefas que se relacionam com a limpeza de espaços exteriores.
Notifique, sendo a DGRSP – Equipa de Beira Norte – Guarda – com a informação de que deverá acompanhar o plano de execução da prestação de trabalho a favor da comunidade a prestar pelo arguido, devendo dar conhecimento de qualquer alteração ou incumprimento que se verifique.
Solicite ainda à entidade beneficiária do trabalho a favor da comunidade (in casu à Junta de Freguesia de (... )) de que finda aquela prestação deverá remeter documento comprovativo da assiduidade do arguido, bem como comunicar qualquer incumprimento na execução do trabalho por parte do mesmo.
*
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

O arguido, A... foi condenado pela prática de um crime de desobediência, pp. nos artigos 348º.°, n.º1.º, e 69. Nº 1 al a) do Código Penal), na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00, ou seja, na multa global de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros) – fls. 4 e 5.
- Liquidada a multa foi o arguido notificado, para proceder ao pagamento da multa, com data limite de 05/10/2015.
- O arguido não procedeu ao pagamento da multa tendo o Ministério Público instaurado execução que veio a ser arquivada condicionalmente nos termos do disposto no artº 35º nº 7 do RCP, por inexistência de bens penhoráveis, pertença do arguido, a 4 de Outubro de 2016.
O arguido veio, agora, requerer que a pena aplicada seja substituída por trabalho a favor da comunidade.
Vejamos:
Dispõe o artigo 48.º do Código Penal que:
 “1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º”.
Por sua vez, o artº 489º do C.P.P., estatui que:
“ 1 - A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 - O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 - O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.”
E o artigo 490º estatui que:
 “1 - O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior, devendo o condenado indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho.
2 - O tribunal pode solicitar informações complementares aos serviços de reinserção social, nomeadamente sobre o local e horário de trabalho e a remuneração.
3 - A decisão de substituição indica o número de horas de trabalho e é comunicada ao condenado, aos serviços de reinserção social e à entidade a quem o trabalho deva ser prestado.
4 - Em caso de não substituição da multa por dias de trabalho, o prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação da decisão.”
A letra dos citados artigos 489º e 490º do CPP, como ponto de partida da interpretação da norma, aponta decisivamente no sentido de que a pena de multa deve ser paga no prazo de 15 dias, a contar da notificação para o efeito, sendo também de 15 dias o prazo para o arguido requerer a substituição da multa por dias de trabalho.
Portanto, o arguido pode requerer a substituição da pena de multa pela de trabalho a favor da comunidade ou logo a seguir á leitura da sentença (renunciando desse modo ao recurso) ou até 15 dias depois da notificação da conta (artºs 490º, nº1 e 489, nº2 do CPP).
No caso vertente, após liquidação da multa foi o arguido notificado para proceder ao pagamento da mesma com data limite de 05/10/2015. O arguido não pagou nem apresentou qualquer justificação para o efeito. Portanto, o prazo de pagamento ou para requerer a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade terminaria a 28 de Outubro de 2015.
No entanto, o arguido vem requerer em 09 de Setembro de 2016 tal substituição (fls 14).
Logo é manifesto que já o requereu fora de prazo.
Na verdade, a prestação de trabalho em substituição da pena de multa é uma possibilidade, que o Tribunal equacionará se no prazo de pagamento voluntário da pena de multa o arguido fizer um requerimento a pedir a substituição. E só deferirá tal requerimento se concluir, nos termos do art.48.º, n.º1 do Código Penal, que a substituição não põe em causa as exigências da punição.
Se no prazo processual concedido ao condenado em pena de multa não requerer a substituição desta por dias de trabalho, a pena em que o arguido foi condenado mantém a sua natureza de pena alternativa à pena de prisão, designadamente às curtas penas de prisão. Querendo o legislador que o condenado cumpra a pena, impõe-se passar à execução da multa para pagamento coercivo.
Se o pagamento coercivo não for possível, procede-se à conversão da multa em prisão subsidiária.
Sendo claro que esta conversão visa determinar o arguido, que o possa fazer, a cumprir a pena de multa em que foi condenado, o n.º2 do art.49.º do Código Penal, permite-lhe o seu pagamento a todo o tempo, como forma de obstar ao cumprimento da prisão subsidiária.
A prisão subsidiária poderá ainda não ser cumprida, sendo-lhe suspensa, se o arguido provar que a razão do não pagamento não lhe é imputável.
Ora, não tendo o arguido sido condenado em pena de trabalho a favor da comunidade, mas em pena de multa, não há razão racional para que o condenado possa poder requerer a substituição desta por dias de trabalho a todo o tempo, como acontece com o pagamento da multa.
Por isso, entendemos que se o condenado não pede a substituição da pena de multa por dias de trabalho durante o pagamento voluntário daquela vê precludido o direito de o fazer mais tarde. Se assim não fosse, a seguir-se o entendimento do decidido, também o arguido já a cumprir prisão subsidiária, poderia ainda requerer, não só o imediato pagamento da multa como a substituição por dias de trabalho como forma de obstar à prisão subsidiária. O que manifestamente não está nem na letra da lei, nem no seu espírito.
É que, sendo este um prazo processual estabelecido na lei, como tantos outros em que se estabelece um período de tempo em que o arguido pode exercer um direito se o entender fazer, não temos qualquer dúvida em o considerar, atento o disposto no art.107.º, n.º 2, do mesmo Código, como um prazo peremptório. E uma vez que tendo o arguido um defensor, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode apresentar o requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho para além do prazo de 15 dias que lhe é concedido no art.489.º, n.º2 do C.P.P., aplicável por remissão do art.490.º, n.º1, do mesmo Código, e que coincide com o prazo para fazer o pagamento voluntário na multa.
Teremos assim de concluir que, se o arguido não foi diligente na apresentação do requerimento no prazo expressamente definido na lei, nem invocou qualquer justo impedimento, perdeu o direito de praticar o acto. (Neste sentido os acórdãos desta Relação 247/08.1GTLRA-A.C1 e 1566/04.1TACBR-C.C1 e que consideramos).

Face ao exposto e revertendo ao caso sub judice, concluímos que o requerimento de substituição da multa por dias de trabalho, porque apresentado pelo arguido muito para além de esgotado o prazo de 15 dias decorridos sobre a notificação para o pagamento da multa é manifestamente extemporâneo e, nessa medida, mal andou o tribunal a quo ao deferir tal pretensão.

Decisão:
Do exposto julgo procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e ordena-se o cumprimento da pena de multa aplicada nos autos ao arguido, A... .

Sem custas.

Coimbra, 6 de Junho de 2017

(Alice Santos – relatora)
(Abílio Ramalho – adjunto)