Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
222/09.9JACBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ESCUTAS TELEFÓNICAS
IMPUTAÇÕES GENÉRICAS
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - VARA DE COMPETÊNCIA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 21º, DO DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO E 187º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: 1. As escutas telefónicas, constituindo, embora, um meio de obtenção de prova, não deixam de ser simultaneamente um meio de prova, dado que, regularmente efectuadas, uma vez transcritas no processo, passam a constituir prova documental.
2. A transcrição das escutas assim realizadas constitui prova documental sujeita a livre apreciação pelo tribunal, nos termos do art.º 127º, do Código de Processo Penal, mesmo que não lida nem examinada em audiência.

3. As transcrições das escutas telefónicas - prova documental - podem mesmo surgir como único meio de prova a sustentar a convicção do tribunal.

4. A decisão condenatória pelo crime de tráfico de estupefacientes, pese embora a abrangência do tipo, deve sustentar-se na necessária e indispensável concretização dos factos capazes de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do agente, sendo, por isso, de realçar, para esse efeito, a irrelevância jurídico-penal das imputações genéricas, que não encontram no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 222/09.9JACBR da Vara de Competência Mista [2.ª Secção] de Coimbra, mediante acusação pública, foram, entre outros, os arguidos A..., B... e C..., todos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, com a intervenção do tribunal colectivo, sendo-lhes, então, imputada:
a) Ao arguido A... a prática, como autor material, e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às tabelas anexas I – A e I – B, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, al. p) e 3.º, al. p), 3º, nº 3 e 4º, al. a), artigos 6º e 86º, nº 1, al. c) da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, bem como de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 123º, nº 1 do Código da Estrada e 3.º, nºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03.01.
b) Ao arguido B... a prática, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas anexas I – A e I – B;
c) Ao arguido C... a prática, como autor material e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas anexas I – A e I – B e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, al. c), conjugado com o artigo 3º, nº 1 e 3, al. p) da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio – [cf. fls. 2271 a 2340 – vol. 7º].

2. Realizado o julgamento, por acórdão de 23.07.2010, vieram, entre outros, os arguidos A..., B... e C..., a ser condenados, respectivamente, pela prática: o primeiro – como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.1, com referência às tabelas I – A e I – B anexas e como autor material de um crime p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 123º, nº 1 do Código da Estrada e artigo 3º, nºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98, de 3.1, nas penas unitárias de 7 [sete] anos e 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão respectivamente, e, em cúmulo jurídico na pena única de 8 [oito] anos de prisão; o segundo - como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.1, com referência às tabelas I – A e I – B anexas, na pena de 5 [cinco] anos e 3 [três] meses de prisão; o terceiro – como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.1, com referência às tabelas I – A e I – B anexas na pena de 5 [cinco] anos e 6 [seis] meses de prisão – [cf. fls. 3226/3278 – vol. 11.º].

3. Na sequência dos recursos, então, interpostos, além do mais, pelos arguidos A..., B... e C..., subiram os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, no qual, por decisão sumária, proferida em 26.01.2011 [confirmada pelo acórdão de 27.04.2011, inalterado pelo acórdão de 06.07.2011], foi julgada inverificada a excepção dilatória de incompetência territorial da comarca de Coimbra para proceder ao julgamento dos arguidos D... e F... [à data, recorrentes] e reconhecida a excepção dilatória de omissão do procedimento legal previsto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 358º do CPP, “de oportuna comunicação pelo órgão julgador a cada um dos elementos integrantes dos três grupos de arguidos A.../E.../B..., C.../G.../H... e D.../F.../I.../J..., da potencialidade da respectiva condenação pela assacada actividade criminal de narcotráfico (p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22/01), a título comparticipativo, de co-autoria, e, consequentemente, declararada a total nulidade do referenciado acórdão de fls. 3226/3278 (11º vol.) – [cf. fls. 4101 a 4106, 4136 a 4141 e 4160/4161 – vol. 14º].

4. Remetidos os autos à 1.ª instância foi designada data para reabertura da audiência, a qual veio a ter lugar em 16.09.2011, tendo, então, sido realizada a seguinte comunicação aos arguidos: “Dando cumprimento ao determinado pela decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, que consta de fls. 4101 a 4106, comunica-se aos arguidos, nomeadamente A..., E..., B..., C..., G..., H..., D..., F..., I... e J... a eventual qualificação da prática dos ilícitos ajuizados ser em comparticipação, mais concretamente, a eventualidade de a mesma ser qualificada como sendo em co-autoria, o que se comunica nos termos e para os efeitos do previsto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P. Penal” – [cf. acta de fls. 4274 a 4278 – vol. 15.º].

5. Concluída a audiência de julgamento, no decurso da qual foi produzida prova, entretanto requerida por alguns dos arguidos, por acórdão de 14.10.2011, o Tribunal Colectivo, além do mais quanto a outros arguidos [agora, não recorrentes], decidiu:
Julgar a acusação parcialmente improcedente, porque parcialmente não provada, absolvendo – por falta de prova – os arguidos:
- A... de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, al. p) e 3.º, al. p), 3.º/3 e 4.º al. a), artigo 6º e 86º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio;
- C... de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º al. c), conjugado com o artigo 3.º, n.º 1 e 3, al. p) da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio.
Julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando os arguidos:
- A... pela prática, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do D.L. n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas anexas I – A e I – B, e como autor material de um crime p. e p. pelas disposições conjugadas do art. 123º, nº 1 do Código da Estrada e art. 3º, nºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98 de 3 de Janeiro, nas penas unitárias de 7 anos de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão, respectivamente, e em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos de prisão;
- B..., como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I – A e I – B anexas, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão;
- C...Teles Rodrigues Pais, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I – A e I – B anexas, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão – [cf. fls. 4380 a 4452 – vol. 16º].

6. Inconformados, recorreram os arguidos A..., C... e B…, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

A...

1. O recorrente foi indevidamente condenado pela prática, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p., pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22.1, com referência às tabelas anexas I – A e I – B, b) e como autor material de um crime p. e p. pelas disposições conjugadas do art. 123º, nº 1 do Código da Estrada e art. 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro.
2. IMPUGNAM-SE ESPECIFICADAMENTE os factos dados por provados na sentença recorrida e supra transcritos sob os pontos I, II, III, IV, IX, X, XIII, XIV, XXIII, XXVII, XXXVII, XXXIX, XLV, L, LI, LII, porquanto da prova produzida nos autos, nomeadamente, da prova testemunhal produzida em audiência e da prova documental, através das escutas telefónicas, tal matéria não resultou provada, pelo menos, não no que concerne à intervenção do ora impetrante em tal factualidade, pelo que no cumprimento do ónus imposto pelos números 3 e 4 do art. 412.º do CPP se há-de ater nos quadros que, de seguida, se tentarão delinear.
Sendo evidente que toda a responsabilização do impetrante se faz em função da prova que o tribunal “a quo” considerou feita do facto supra transcrito sob o ponto nº 1.
3. Toda a condenação se baseou exclusivamente nos resultados das intercepções telefónicas e nas diligências externas, sendo que as mesmas divergem temporalmente, obtendo assim, resultados puramente circunstanciais.
4. As intercepções para além de sobrevalorizadas em toda a investigação, são confusas, chegando mesmo a ser imperceptíveis.
5. Das escutas são extrapolados códigos que não são explicados pelos Senhores Inspectores da Polícia Judiciária, indicando que tais expressões são, de facto, alusivas a estupefacientes.
6. Mesmo quando não são utilizados quaisquer tipo de códigos, apenas por simples encontros e convívios sociais ou até mesmo troca de objectos “que não conseguem visualizar”, os Senhores Inspectores da Polícia judiciária, extrapolam frequentemente e sem provas in concretu, tratar-se de obtenção/tráfico de estupefacientes, justificando a falta de elementos probatórios com a “experiência/convicção profissional”.
7. Da convicção profissional dos Senhores Inspectores da Polícia Judiciária, o próprio Tribunal formula a sua própria convicção, fazendo a interpretação das mesmas, sem o conhecimento da vida pessoal dos arguidos envolvidos que permitam contextualizar tais escutas.
8. As intercepções telefónicas não são corroboradas por mais nenhum meio de prova, não se podendo olvidar o facto de que as escutas consistem num meio “para”, não podem “per si” sustentar uma condenação, que foi o que sucedeu nos autos.
9. O douto acórdão recorrido, ao socorrer-se das intercepções telefónicas para fundar a sua convicção, não atentou ao verdadeiro cariz destas, pois as mesmas não constituem meios de prova, mas sim, meios de obtenção de prova. Nos termos do acórdão 273/05, datado de 16-02-2005 cujo relator é Oliveira Mendes a “escuta telefónica é um meio de obtenção de prova cuja produção e utilização reveste significativo melindre, consabido que conflitua com direitos e deveres fundamentais diversos, designadamente o direito à privacidade, o direito ao sigilo e inviolabilidade das telecomunicações ( - O sigilo e a inviolabilidade das telecomunicações envolve a proibição de terceiros da intromissão (v.g. por intersecção), da tomada de conhecimento (v.g por escuta ou outro meio), do registo (v.g. por gravação ou outro meio), da utilização (pelo interceptor e transmissário deste) e da divulgação do conteúdo dessas comunicações. Está igualmente sujeito a sigilo o próprio destinatário das telecomunicações que revistam carácter confidencial – cf. Capelo de Sousa, O direito geral de personalidade, 331 (nota 831)..), o direito à palavra ( - O direito à palavra, atributo extrínseco à pessoa, que a identifica e a individualiza, é um elemento intrínseco da personalidade, uma personalidade físico – espiritual, dotada de criatividade e de originalidade, reconhecido como direito geral de personalidade – cf. Capelo Sousa, ibidem, 247 nota (562).) e a confiança comunitária – artigos 26.º, n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4 da Constituição da República ( - A tutela penal daqueles direitos encontra-se estabelecida nos artigos 194.º n.º 1 (crime de violação de telecomunicações) e 199.º n.º 1 (crime de gravações ilícitas), do Código Penal) – (- como refere Guedes Valente, Escutas Telefónicas – Da Excepcionalidade à Vulgaridade (2004), 48, a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova que fere profundamente os direitos fundamentais).” Além disso, seria imprescindível que as mesmas fossem utilizadas em sede de Audiência e Discussão de Julgamento dada a sua complexidade, visto que envolveram vários arguidos. “Não definindo o CPP – artigo 215.º, n.º 1 – o conceito de excepcional complexidade, limitando-se a título meramente exemplificativo, a indicar duas circunstâncias capazes de o corporizarem, maxime, o número (elevado) de arguidos ou de ofendidos e o carácter altamente organizado do crime, a concretização, passa pela ponderação das dificuldades do processo – técnicas de investigação, número de intervenientes, necessidades de deslocação, meios utilizados (cfr. acórdão nº 142/07.1PAMGR – B. C2, de 01-04-2009.”
10. Nunca, em momento algum, foi apreendido ao recorrente qualquer substância ilícita.
11. O facto de conhecer pessoas que estejam ligadas ao tráfico de estupefacientes não é indicativo de que ele próprio esteja envolvido. Sendo natural que ele visite a mãe, se relacione com a vizinha e com os da sua etnia, uma vez que as pessoas de etnia cigana possuem um contacto mais acentuado, devido aos seus usos e costumes.
12. Considera-se que houve uma dupla valoração, pois a convicção do tribunal, apesar da livre apreciação da prova pelo julgador, fundou-se na própria convicção dos Senhores Inspectores da Policia Judiciária, sem que houvesse qualquer prova concreta a corroborar as condenações. Desta feita, foi violado o art. 127º do CPP.
13. Do depoimento da Inspectora ..., titular do inquérito, não se pode colher conhecimento cabal sobre a vida do ora recorrente, uma vez que a investigação que dirigiu é essencialmente “de gabinete”, pois para além das escutas pouco mais adianta.
14. Se as escutas por um lado são sobrevalorizadas quando se tratam de aludidos códigos, por outro são postas de lado, quando os próprios Senhores Inspectores da Policia Judiciária evidenciam que o recorrente frequentemente se refere a carros, contudo, o tribunal não valora a dúvida razoável que se impõe a favor do recorrente. Desta feita, o Tribunal incorre na violação do princípio “in dubio pro reo”.
15. Instada sobre tal matéria a Inspectora ... afirma peremptoriamente, quando questionada, que nunca viu A... a transaccionar droga.
16. Apontam-se no mesmo sentido as declarações prestadas pelo Senhor Inspector ...: declarações gravadas através do sistema de integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão de Julgamento decorrido no dia 05-07-2010 às 12:47.26 e constantes do ficheiro nº 21100625124726, cujo depoimento não permite dúvidas sobre a circunstância de a investigação se quedou por mero fumus iuris, pois também esta testemunha nunca viu qualquer transacção, não confirmando o teor das intercepções telefónicas. No que diz respeito às declarações prestadas pelo Senhor Inspector ...: declarações gravadas através do sistema de integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso do Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão de Julgamento decorrido no dia 05-07-2010 às 11:54:37 e constantes do ficheiro nº 21100625115437, testemunha que não viu, nem sequer se recordando das diligências externas realizadas, sem embargo de não ter dúvidas em referir nunca ter presenciado qualquer transacção.
17. O ora impetrante não foi seguido em tempo real, nem existem vigilâncias que permitam corroborar o conteúdo das mesmas, sendo que a maioria só contém referências a carros, linguagem nada suspeita, uma vez que o recorrente se dedica à actividade de vendedor de veículos automóveis.
18. Mesmo imputando-lhe a actividade de traficante de estupefacientes, existe a falta de elementos que permitam chegar a essa conclusão, nomeadamente, preço, quantidade, qualidade, local, forma de transacção, etc.
19. A pena é a medida da culpa, sendo que não pode ultrapassar o seu limite, ora, uma vez que não existe facto ilícito apurado no que respeita ao tráfico de estupefacientes, o co-arguido não deveria ter sido condenado por um crime que não cometeu.
20. Mas ao invés, o Tribunal quantifica a culpa de A... por estimativa, não tendo em conta, a presunção de inocência (violando uma vez mais o princípio “in dubio pro reo”).
21. Não se nos afigura que o Tribunal possuísse um grau de certeza tão seguro acerca da culpa do ora recorrente, para que aplicasse tal pena.
22. O Tribunal não equacionou a sua inserção pessoal e familiar, uma vez que o pai é recluso, a mãe e demais irmãos, a mulher e os filhos possuem dificuldades económicas não podendo o recorrente, contudo, abandonar a sua família, nem isolar-se socialmente, sem que isso representa a sua inclusão nessas mesmas actividades mais obscuras.
23. Nos termos do art. 410.º do CPP, verifica-se um erro notório na apreciação da prova.
24. Foram ainda indevidamente perdidos, a favor do Estado, os veículos automóveis.
25. O Tribunal valorizou a linguagem cifrada, não realizando uma perícia conforme previsto legalmente, a fim de a tornar inteligível como prediz o art. 166.º n.º 2 do CPP.
26. Não cumprindo esse preceito legal, ou seja, inexistindo tradução, parte das escutas encontra-se enferma de nulidade, uma vez que as suas expressões são indecifráveis.
27. Foi violado o disposto no artigo 25 do DL 15/93 de 22.01, que contempla os casos de tráfico de menor gravidade que, quando muito poderão “tentar” imputar ao co-arguido. O referido artigo preceitua o seguinte: “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”
28. Não foi provado que as viaturas servissem para transaccionar estupefacientes, nem as datas em que os mesmos foram adquiridos.
29. O STJ tem vindo a decidir que “padece de nulidade, por omissão de pronúncia, o acórdão que não equacionou a questão da aplicação alternativa e preferencial de pena não privativa da liberdade, conforme o disposto no art. 379º n.º 1 c) CPP.
30. Tratando-se de omissão de pronúncia, o tribunal de revista – o STJ – não pode substituir-se ao recorrido e suprir a nulidade. Deve mandar baixar o processo a fim de se fazer reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível – art. 731.º n.º 2 do CPC, com referência ao art. 668.º nº. 1 al. d), do mesmo diploma legal. De outra forma subtrair-se-ia o único grau de recurso ao dispor do arguido, violando-se a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º CRP), o que se passa nos autos.
31. As penas cominadas são exageradas, tendo-se violado o preceituado nos arts. 71º e seguintes, do CP.
32.
Nestes termos deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência:
1. REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE ABSOLVA O ARGUIDO ORA RECORRENTE DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES EM QUE VEM CONDENADO POR TOTAL AUSÊNCIA DE PROVA;
OU, QUANDO ASSIM NÃO SE ENTENDA;
2. DECLARAR-SE A NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS;
OU, SUBSIDIARIAMENTE
3. REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA NA PARTE EM QUE APLICA PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE, SUBSTITUINDO-A POR PENA NÂO PRIVATIVA DA LIBERDADE.

C...

B1: Do acórdão lavrado nos autos constam, pelo menos, duas referências que revelam da ciência privada do M.mo Presidente – conf. A1.1. e A1.2.. Ora, as mesmas são jurídico – processualmente inadmissíveis por integrarem os factos tidos por provados, por força de circunstâncias que não foram sujeitas ao fogo do contraditório, desde logo e, por conseguinte, objecto de prova, o que coenvolve a violação do art. 355º do CPP e o principio da presunção de inocência, nos termos do art. 32º - 2 da Constituição, diretamente aplicável.
Por outro lado,
B2: cotejando o libelo com o teor do acórdão, verifica-se que neste não é feita a menor alusão a certos factos que constam daquela peça, o que coenvolve violação do art. 374º - 2 do Código de Processo Penal o qual determina a elencação especificada dos fatos provados e não provados.
B3: uma vez que só dessa maneira é possível proceder a uma fundamentação cabal, a qual constitui a pedra de toque do exercício eficaz do direito ao recurso, o que conduziu, desde logo à violação do disposto no art. 32º - 1, segunda parte, da CRP. E ainda
B4: como consta do teor das atas da audiência, a gravações das escutas telefónicas – que, de resto, “funcionaram” nos termos que se analisarão já de seguida como, praticamente as únicas “piéces à conviction” – não foram ouvidas em audiência e, desse jeito, ficaram imunes ao contraditório, o que viola o princípio da plenitude das garantias de defesa – art. 32º - 1, primeira parte da CRP da CRP – 6º da Convenção Europeia e 355º do CPP
B5: além dos princípios da oralidade, publicidade, mediação e contraditório, consagrados no artigo 32º - 1 – 5 da CRP e 335º do CPP
B6: normas todas elas violadas o que deverá conduzir à anulação do julgamento.

Por outro lado,

B7: o acórdão recorrido, ao socorrer-se das escutas para fundar a sua convicção não atentou no verdadeiro cariz destas, as quais não constituem meios de prova mas meros meios de obtenção de provas - conf., neste sentido, o douto acórdão do STJ citado na motivação e aí sob A2.2.2. Por outro lado,
B8: não só da matéria apurada não resulta que tenha havido, concretamente determinada e identificada, qualquer transacção de produtos estupefacientes, como teria sido mister, com vista a uma posterior correta subsunção jurídica, a determinação das quantidades e dos produtos que teriam sido efectivamente objeto de negócio.
B9: As escutas telefónicas, nos termos do art. 126º - 3 do CPP não podem ser utilizadas, pelo que o Tribunal ao socorrer-se delas como se de verdadeiros meios de prova se tratassem, violou não só o referido comando, com o art. 32º - 1 – 8 e 34º - 1 – 4 da CRP e 6º da Convenção Europeia. Por outro lado,
B10: carece de qualquer eficácia de convicção, desde logo à luz da experiência comum, a exprobração feita à circunstância de dois cidadãos de extração social diferenciada, pelo que, ao referi-lo, o acórdão violou o disposto no art. 127º do CPP. Acresce que
B11: como se refere no texto o recorrente, como toxicodependente ou ex-toxicodependente carece de medidas de tratamento dessa doença. Ora, ao ser condenado pouco acima da moldura máxima que permitiria a suspensão da pena de prisão na respectiva execução, violou-se o princípio da igualdade plasmado no art. 12º da CRP e, bem assim não se atentando na verdadeira natureza do “relatório social”, que é a de uma prova pericial, nos claríssimos termos, do art. 160º do CPP.
B12: O Tribunal ao afastar-se do preceituado em tal “relatório” deveria ter tido em conta que tal só podia ser feito com base num dever acrescido de fundamentação, nos termos do disposto do art. 163º-1/2 do CPP, o que não sucedeu, com tal incorrendo em invalidade jurídica. Por conseguinte
B13: o máximo que poderia tolerar-se, adentro da sistemática do acórdão e sem embargo das fundas reservas de que o mesmo é credor, seria a condenação do recorrente no quadro do art. 44º ou 45º do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
B14: Também no que concerne, estritamente, a valoração da matéria de facto, não pode o recorrente calar o seu inconformismo pois considera incorrectamente julgados os seguintes pontos. I, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XXXV, XXXVII, XXXIX, XLII, XLIX, L, LI, LII e LVII dos “FACTOS PROVADOS COM INTERESSE PARA A DECISÃO DA CAUSA”.
Vejamos:
B15: o douto Acórdão recorrido dá como provado que o recorrente, por um lado, abastecia-se de produto estupefaciente – heroína e cocaína – junto do co-arguido A..., directamente ou pelo intermédio do co-arguido B..., e, por outro, que procedia à sua distribuição nos estabelecimentos bares/cafés7discotecas de Coimbra, onde tinha um acesso privilegiado aos jovens da sua idade que os frequentavam.
Contudo,
B16: O acórdão recorrido não concretiza as circunstâncias em que tal distribuição ocorria por não se encontrarem concretamente apuradas.
Ora,
Em primeiro lugar, dizer que o circunstancialismo em que a distribuição ocorria não foi concretamente apurado consiste num verdadeiro eufemismo pois que não entende o recorrente como pode dar-se como provado que este procedia à distribuição de produtos estupefacientes se não resultaram concretizados os fatos demonstradores da referida distribuição.
B17: Em segundo lugar, diga-se que não foi identificado, nem ouvido em julgamento um único comprador de tais produtos ao recorrente. Ademais,
Das escutas telefónicas constantes dos autos referidas no douto acórdão, não consta qualquer facto subsumível ao invocado abastecimento do recorrente pelos seus co-arguidos, nem qualquer transacção em que este apareça como vendedor ou cedente de produto estupefaciente.
B18: Outrossim, do auto de Busca e Apreensão realizada na residência do recorrente transparece manifestamente a inexistência de tais produtos na posse do arguido recorrente.
E Tal factualidade emerge desde logo dos depoimentos prestados pela Senhora inspectora ...– Inspectora da Polícia Judiciária que coordenou as investigações; declarações gravadas do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 10:18:51 e constantes do Ficheiro n.º … -, do qual se extrai claramente a ausência de prova relativamente aos factos imputados ao recorrente. É a própria testemunha que confessa que a investigação quanto ao recorrente é fragilizada pela ausência de prova, norteando todo o seu depoimento com o recurso a afirmações de cariz conclusivo – “presumivelmente” – e a citar de cor escutas telefónicas que nem sequer foram identificadas ou cujas transcrições não lhe foram lidas.
B19: e ... – Inspector da Polícia Judiciária; declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 12:47:26 e constantes do Ficheiro n.º … -, cujo depoimento não permite dúvidas sobre a circunstância de a investigação se quedou por meros fumus iuris, pois também esta testemunha nunca viu qualquer transação, não confirmando o teor das intercepções telefónicas.
B20: e ainda ... – Inspector da Policia Judiciária; declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em usos no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 11:54:37 e constantes do Ficheiro nº. … -, testemunha que nada viu, nem sequer recordando as diligências externas realizadas, sem embargo de não ter tido dúvidas em referir nunca ter presenciado qualquer transação.
B21: e, finalmente ... – Inspector da Polícia Judiciária, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 12:35:37 e constantes do Ficheiro n.º … -.
Por outro lado,
B22: quanto à invocada colaboração, ancorada, nomeadamente, no alegado “patrocínio” operado pelo recorrente das despesas dos colaboradores através do pagamento dos alugueres de viaturas mediante o seu cartão de crédito, não se vislumbra a que título é que tal factualidade é suficiente para dela extrair a colaboração no tráfico de estupefacientes.
B23: Se é certo que o recorrente utilizou o seu cartão de crédito para proceder ao pagamento dos contratos de aluguer constantes, nomeadamente, de fls. 18 e ss. dos autos, também não menos certo é o fato de todos os contratos em causa exigirem o depósito de uma caução mediante cobrança no cartão de crédito do locatário – vide cláusula 5º dos Termos e Condições de tais contratos (a título de exemplo, fls. 19 dos autos). De resto,
B24: o inspector ... – declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 16:47:28 e constantes do Ficheiro n.º … – limitou-se a referir as diligências levadas a cabo para apurar a existência desses contratos o que demonstra que a investigação não se preocupou com a razão de ser dos mesmos. Por isso,
B25: Ao não investigar cabalmente tal questão violou o Tribunal a quo o princípio da investigação, consagrado no artigo 340º do CPP, norma esta identicamente violada e ainda na primeira parte do art. 32º - 5 da CRP: pilar inquisitório da estrutura acusatória do processo penal português.
B26: Acresce ter resultado provado o fato de o recorrente possuir uma grande quantidade de sapatilhas que vendia aos seus conhecidos.
E assim a testemunha ... (empregada doméstica dos pais do recorrente, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 18:11.27 e constantes do Ficheiro nº. 20100705181127) – cujo depoimento, repete-se, não foi objecto de qualquer valoração – esclareceu ter adquirido ao recorrente um par de sapatilhas, sendo ainda certo que um inspector inquirido em audiência – ..., declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 12:47:26 e constantes do Ficheiro n.º 20100625124726 – concedeu que as referências constantes das escutas, a branco e/ou a preto, bem poderia dizer respeito às sapatilhas o que permite a extração, desde logo, da seguinte conclusão, adversa à matéria tida por apurada: que a venda de tais bens proporcionava ao recorrente rendimentos;
B27: Também terá de ser rectificada a tese de que o recorrente usava os telemóveis identificados no ponto VIII dos factos provados para estabelecer os contactos necessários a prática do tráfico de estupefacientes.
B28: Quanto aos encontros referidos nos pontos IX a XIII, mal andou, de igual forma, a decisão recorrida ao dar como provado que os mesmos se destinavam a abastecer o recorrente de produto estupefaciente pois que analisados os depoimentos prestados pelos senhores inspectores não ficou demonstrada tal factualidade.
B29: Atentas as considerações supra expendidas e os meios de prova convocados, resulta manifesto que mal andou o Tribunal recorrido ao dar como provada a factualidade constante dos pontos I, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, os quais devem ser dados como não provados, com as consequências jurídicas que infra se invocarão.
B30: Quanto ao ponto XXXV, não entende o recorrente como pode dar-se como provado que o recorrente detinha um telemóvel NOKIA, modelo 6600s-1c, com IMEI 356383/02/760135/0, pois que o mesmo não foi apreendido ao arguido, nem identificado no respectivo auto.
Assim, deverá o item 8. de tal ponto da matéria de facto ser alterada em consequência.
B31: O esforço recursivo supra ensaiado, bem como os meios probatórios acima convocados, deverão levar à conclusão de que os pontos XXXVII, XXXIX, XLII, XLIII, L e LII foram incorrectamente julgados, devendo antes ser dados como não provados, com as consequências jurídicas que infra se invocarão.
B32: Quanto ao ponto LI deve, por força da incorrecção de julgamento da matéria de facto e da ausência de prova da prática dos fatos ilícitos imputados ao recorrente, ser tal fatualidade dada como não provada.
B33: Por fim, no que tange ao ponto LVII, olvidou o Tribunal recorrido os depoimentos prestados pelas duas testemunhas abonatórias arroladas pelo recorrente, as quais demonstraram de forma credível que o recorrente é pessoa educada, atenciosa, respeitadora das regras da vida em sociedade e preocupada com o bem estar das pessoas que o rodeiam, nomeadamente, com os seus pais.
B34: tem o recorrente em vista os depoimentos das testemunhas ..., empregada doméstica dos pais do recorrente, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-07-2010, às 18:11.27 e constantes do Ficheiro n.º 20100705181127 e de … , médica e amiga da família, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 09-07-2010, às 10:53:59 e constantes do Ficheiro n.º 20100709105359.
B35: Termos em que, na procedência do presente recurso, deve não só a matéria de facto ser alterada nos termos preconizados, como julgados procedentes os vícios alegados e, na consequência ou V.as absolvem o recorrente ou o condenam nos termos preconizados pelos artigos 44º e 45º do Decreto – Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, ou determinam a anulação do julgamento, sempre com revogação do acórdão recorrido.

B...

1. O presente recurso é interposto por se discordar da decisão que condenou o arguido, ora recorrente, B..., como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º nº 1 do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão;
2. Para assim decidir o Tribunal “a quo” deu como provado que “sem prejuízo da coordenação ser feita pelo arguido A..., o mesmo e os arguidos (…) e B... (…) agiram de prévio acordo em conjugação de esforços na aquisição de produtos estupefacientes que depois distribuíam e comercializavam (…), procurando com isso a obtenção de um lucro económico o maior possível, ainda como sabiam, proveniente de uma actividade ilícita”.
3. Tal matéria, considerada como de facto, está erradamente julgada porquanto, para além de não encerrar em si mesmo factos, a mesma não decorre da prova produzida em audiência de julgamento;
4. Conforme, aliás, se alcança do acórdão recorrido ao dar como assente que o arguido B... era “consumidor de estupefacientes” e que aquele “não tinha efectivamente uma posição no mesmo plano que o arguido A... na actividade de tráfico imputada e apurada quanto a este (…), sendo mais concretamente como que “colaborador” (um subalterno de A...) na aquisição, por vezes com o papel de “provador” do produto;
5. Dos factos provados resulta, pois, que o arguido B... era também consumidor de estupefacientes; assim, a sua actuação visava não a obtenção de um lucro económico o maior possível, mas sim a obtenção de estupefacientes para seu uso pessoal em troco da colaboração que prestava ao arguido A... na actividade de tráfico por aquele “liderada”;
6. O Tribunal “a quo” fundou a sua convicção, no que concerne à actuação do arguido B..., apenas no teor das transcrições das intercepções telefónicas efectuadas, já que quanto a este arguido não existe qualquer outro meio de prova, pois ao mesmo não foi apreendido qualquer produto estupefaciente, nem nenhum objecto relativo à prática de tal actividade, bem como dinheiro ou depósitos de dinheiro/ou ouro;
7. Sendo certo que “As intercepções telefónicas para nós, são meio de obtenção de prova, não são meio de prova, obviamente, são meio de obtenção de prova (…)” – depoimento da Inspectora ..., gravado em CD, na sessão de 05-07-2010, das 11:49:45 às 12:35:00, do minuto 25:12 ao minuto 25.38),
8. Assim, a única prova em que assentou a condenação do arguido B... foram o teor das sobreditas transcrições das conversações telefónicas interceptadas, as quais, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, conjugadas com a circunstância do arguido B... ser consumidor de estupefacientes, facto provado, apenas provam a existência duma conduta que se
9. subsume ao tipo legal de crime do traficante consumidor, p. e p. pelo art.º 26º da lei nº 15/93, de 22/1, e não aquele pelo qual o recorrente foi condenado – crime de tráfico p. e p. Art.º 21º daquele diploma, enquadramento jurídico penal que, de todo, se discorda;
10. a não se entender assim, a conduta do recorrente deve ser considerada como preenchendo o disposto no art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22-1 – tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
11. Consequentemente, discorda-se da medida da pena de prisão de cinco anos e três meses de prisão, em que foi condenado arguido B...;
12. Com efeito, ao crime de traficante consumidor, p. e p. pelo art.º 26 do DL n.º 15/93, corresponde, em abstracto a pena de prisão até 3 anos ou multa;
13. Por outro lado, ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º DL n.º 15/93, corresponde em abstracto a pena de prisão de um a cinco anos;
14. Ora, nos termos do art.º 71º do Cód. Penal a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção;
15. “Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser constituído o modelo da medida da pena”, sendo que as finalidades de aplicação de uma pena “residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”; por outro lado, que “a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa”.
16. Posto isto, e considerando que o grau da ilicitude dos factos não deixa de ser acentuado, que o dolo é directo, que o recorrente B... se encontra num processo de desintoxicação, que goza de apoio familiar e integração social, estando inserido familiarmente (foi pai recentemente) e que a sua reinserção social está em curso, entende-se que deveria ter ser aplicada ao arguido B... uma pena de prisão inferior a 3 anos, suspensa na sua execução.
17. Medida da pena aquela aferida em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, e que se reputam necessárias para assegurar a tutela dos bens jurídicos violados, bem como para manter a confiança e as “expectativas da comunidade na manutenção (ou reforço) na validade da norma jurídica infringida”, satisfazendo, assim, as necessidades de “prevenção geral positiva ou de integração” exigidas pelo caso concreto. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal 2 – 1988, pág. 280;
18. “Pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um juízo prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (…). A finalidade político – criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes (…)”Prof. Figueiredo Dias in “As Consequências Jurídicas do Crime”, §§ 518 e 519.
19. Acrescenta ainda, há que considerar que “na formulação do aludido prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime”.
20. Segundo entendimento doutrinal perfilhado pelo STJ, “O tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando conclua face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade”.
21. Atendendo a que o arguido B... se encontra em processo de desintoxicação, está inserido familiarmente (foi pai recentemente) e a sua reinserção social está em curso, tais conclusões são de molde a fazer concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, assegurando ainda a sua completa reinserção social, pelo que tal pena de prisão aplicável nos seus limites mínimos, deverá ser suspensa na sua execução por igual período de tempo;
22. A tal suspensão da execução da pena não obsta o facto do arguido ter antecedentes criminais, por ter sido condenado por crime praticado em 01-01-1999, na pena suspensa simples de 2 anos e 6 meses, suspensa por 3 anos, pelo mesmo tipo de ilícito sendo que, durante o período de suspensão não cometeu qualquer ilícito penal, vindo tal pena suspensa a ser extinta, sendo certo que desde a supradita pena até à data dos factos destes autos (Julho de 2009),
23. já decorreram mais de 10 anos, sem que o recorrente tivesse cometido qualquer crime; ou seja, durante mais de uma década manteve uma conduta conforme e fiel ao Direito, acatando os comandos contidos nas normas jurídicas penais, pelo que o crime agora cometido configura um acto isolado e esporádico sendo, pois, possível
24. fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da prisão é adequada e bastante para cumprir as finalidades da punição, afastando-o ainda da prática de ilícitos penais;
25. Face ao exposto, entende-se que o tribunal a quo deveria ter condenado o arguido B... pela prática, em autoria material, de um crime de traficante consumidor, p. e p. pelo art. 26.º do DL nº 15/93, de 22/1, numa pena mínima de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
26. Pena aquela que, sem ultrapassar a medida de culpa, cumpre a exigência de tutela dos bens jurídicos protegidos pelo crime praticado e de necessidade de ressocialização do arguido, bem como assegura as exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.
27. A não ser assim, deve a sua conduta ser considerada como preenchendo o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, devendo ser condenado numa pena de prisão próxima do mínimo legal, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
28. Sempre e sem conceder a pena a aplicar-lhe não deve ser superior ao mínimo legal, suspensa na respectiva execução e sujeita ao regime de prova através de plano de reinserção social adequado e ainda subordinado à regra de conduta de sujeição a tratamento de toxicodependência regular.
29. Foram, pois, violados pela decisão proferida no douto acórdão recorrido os art.ºs 71º e 50º do Cód. Penal, o art.º 410º do C. Proc. Penal e os art.s 21º, 25º e 26º do DL nº 15/93, de 22/1.

Termos em que e nos mais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente deverá ser revogado, nesta parte, o douto acórdão recorrido, condenando-se o recorrente B... pela prática do:
· crime de traficante consumidor, p. e p. pelo art.º 26º do DL 15/93, de 22/1, na pena mínima de prisão ou, caso assim se não entenda, o que por mera hipótese e à cautela se admite, deve a sua conduta ser considerada como preenchendo o
· crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º do DL nº 15/93, de 22/1, sendo que a pena a aplicar ao recorrente não deve ser superior ao mínimo legal.
Em todo o caso, a pena de prisão a aplicar deve ser suspensa na sua execução por igual período e sujeita ao regime de prova através de plano de reinserção social adequado e ainda subordinada á regra de conduta de sujeição a tratamento de toxicodependência regular, fazendo-se assim a costumada Justiça!

7. Na 1.ª instância respondeu aos recursos o Ministério Público, reiterando, na íntegra, a resposta apresentada aquando dos recursos interpostos do acórdão de 23.07.2010, não obstante, concluindo que:
“- a prova produzida leva claramente à fixação da matéria de facto tal como plasmada no Acórdão, designadamente nos pontos referidos expressamente pelos recorrentes;
- essa fixação resultou duma apreciação objectiva e motivável da prova, atendendo às regras da experiência comum, num exercício de raciocínio isento e criterioso, num exame crítico condicionado pelo princípio da descoberta da verdade material;
- não tendo sido produzida qualquer prova que impusesse decisão diferente, de facto e/ou de direito, mostrando-se correcto o enquadramento jurídico – penal dos factos;
- a medida das penas aplicadas mostra-se equitativamente fixada, conforme às concretas circunstâncias factuais e aos preceitos legais atendíveis, revelando-se equilibrada e adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, modelada pelo grau de ilicitude e culpa;
- não se verifica qualquer vício que implique a nulidade da decisão ou até a anulação do julgamento;
- não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica.

E tal como já anteriormente referido, deverá o douto Acórdão recorrido ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento aos recursos.
Mas, Vexas farão, com certeza, JUSTIÇA! – [cf. fls. 4794 a 4796 – vol. 17º].

8. Admitidos os recursos, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 4799 – vol. 17º].

9. Na Relação, emitiu parecer o Digno Procurador – Geral Adjunto, reiterando o parecer apresentando a fls. 4078 a 4098, na sequência dos recursos interpostos do acórdão de 23.07.2010, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento aos reursos interpostos pelos arguidos A... e C… e concedido parcial provimento, no que respeita à medida da pena, ao recurso do arguido B... Pingarilho Moura – [cf. fls. 4809 a 4810 – vol. 18º].

10. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, respondeu o recorrente C..., reiterando tudo o já alegado na motivação de recurso.
11. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.


II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto dos recursos

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, só tendo o tribunal ad quem de se debruçar sobre as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
A propósito, escreve o Professor Germano Maques da Silva “As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão. As conclusões resumem a motivação e, por isso, que todas as conclusões devem ser antes objecto de motivação”, acrescentando de seguida “É frequente, na prática, o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam áquem. Se ficam áquem a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal só poderá considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta falta.”[cf. “Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2009, pág. 347].

No caso em apreço questionam os recorrentes:

A...:

- A valoração das escutas telefónicas [respectiva natureza; não “utilização” em sede de julgamento; ausência de perícia];
- A matéria de facto [insuficiente concretização dos factos; erro de julgamento; vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP; violação do princípio in dubio pro reo e, bem assim, do artigo 127º do CPP];
- O enquadramento jurídico dos factos [violação do artigo 25º do D.L. n.º 15/93, de 22.01];
- As penas encontradas [ausência de ponderação da aplicação alternativa de pena não privativa da liberdade; violação do artigo 71º e ss. do Código Penal];
- O perdimento dos veículos a favor do Estado.

C...:

- A intervenção no julgamento do Juiz Presidente;
- A valoração das escutas telefónicas [respectiva natureza; não “utiliação” em sede de julgamento];
- A matéria de facto [falta de concretização dos factos; erro de julgamento; insuficiência para a decisão dos factos provados; violação do artigo 127º do CPP; violação do princípio da investigação];
- Insuficiente fundamentação;
- A natureza do relatório social [na sua perspectiva prova pericial];
- A violação do princípio da igualdade [artigo 12º da CRP];
- A eventual condenação no quadro dos artigos 44º e 45º do D.L. nº 15/93, de 22.01.

B...:

- A valoração das escutas telefónicas;
- O enquadramento jurídico dos factos [violação dos artigos 21º, 25º e 26º do D.L. n.º 15/93, de 22.01];
- A medida da pena [violação do artigo 71º do Código Penal];
- A não suspensão da execução da pena [violação do artigo 50º do Código Penal].


2. O acórdão recorrido

No que respeita aos factos provados ficou consignado no acórdão recorrido:

A – FACTOS PROVADOS COM INTERESSE PARA A DECISÂO DA CAUSA:

I – Pelo menos desde Maio/Junho de 2009, que o arguido A..., tem vindo a fornecer heroína e cocaína aos arguidos H..., G..., (mãe dele próprio A...) e a C....
II – Paralelamente, o arguido A... socorria-se da arguida E... para, sob sua supervisão, guardar droga/dinheiro e outros objectos, mas sobretudo para, por sua conta, proceder à venda/revenda do produto estupefaciente.
III – Por sua vez, o arguido B..., funcionava como intermediário e/ou “provador” de produtos estupefacientes por conta do arguido A..., relação esta que se manteve até meados de Julho de 2009, estabelecendo ele contactos e sendo contactado telefonicamente nesse contexto através do respectivo telemóvel com o nº … , sendo ao tempo também consumidor de estupefacientes.
IV – O contacto final com os destinatários dos estupefacientes, vulgo consumidores/pequenos traficantes, verificava-se a partir das residências da arguida E... (namorada do dito A...),
V – A E..., a G... e a H... logravam efectuar o escoamento fácil e eficaz de produto estupefaciente, e se a primeira tinha uma relação amorosa com o A..., já as duas outras tinham relações familiares e/ou de parentesco, sendo que a arguida H... reside no mesmo prédio de … (sogra do C...e da H..., em virtude de esta última morar com … ), sendo certo que era esta última que, por vezes, contactava telefonicamente através do nº 917484814, o arguido A..., no sentido de ser reposto o abastecimento.
VI – Já o arguido C... era um jovem estudante, sem qualquer actividade profissional, que frequentava os estabelecimentos bares/cafés/discotecas de Coimbra, e tinha um acesso privilegiado aos jovens da sua idade que frequentavam designadamente … sitos na Rua … , em Coimbra, sendo que o mesmo se movimentava no “mundo da noite”, onde as solicitações de produtos como haxixe, cocaína, “pastilhas” são elevadas e tem acesso fácil a esse tipo de produtos, nesse meio procedendo à sua distribuição em circunstâncias não concretamente apuradas, mas por vezes mediante prévio contacto telefónico por parte dos interessados em lhe comprarem estupefacientes.
VII – Por outro lado, pelo facto de o arguido C... ser oriundo de uma classe sócio económica média – alta de Coimbra, permitiu-lhe “patrocinar” despesas dos colaboradores que assumissem a face visível da venda directa ao consumidor/pequeno traficante, quando assumiu como suas, através do seu cartão de crédito, as despesas do aluguer de outras viaturas para indivíduos conotados com o tráfico, designadamente com … contra o qual foi deduzida acusação no NUIPC 455/08.5 JACBR, e que já foi alvo de condenação por acórdão de 1ª instância, acrescendo que o arguido A... também foi à Interrent alugar um carro com o cartão do arguido C....
VIII – Para os correspondentes contactos neste contexto, o arguido C..., a partir de Maio de 2009, utilizou os telemóveis com os cartões números … , utilizando aparelhos com os IMEI 358487020054530 e IMEI 359817018688720, efectuando e recebendo, chamadas quer dos arguidos A... e B..., que o abasteciam de produto estupefaciente como de clientes desconhecidos que o contactavam com vista a serem por aquele fornecidos.
IX- Igualmente o arguido A... privilegiava os contactos telefónicos com os seus fornecedores e, já em Coimbra, dava preferência aos contactos pessoais nomeadamente com o arguido C... e outros destinatários de droga, sendo que se encontrou pessoalmente com este último, neste contexto, no dia 20 de Julho de 2009, pelas 15.40 horas, num primeiro momento nas imediações do … , em Coimbra, local onde o arguido C..., acompanhado de um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, chegou na sua viatura BMW, de matrícula … , na sequência se fazendo acompanhar um do outro, num encontro em que o arguido C... havia combinado com um indivíduo desconhecido no Bolão.
X – Nessa circunstância e momento temporal, o arguido A... compareceu no … a tripular o veículo Nissan Primera, de matrícula … .
XI – Igual encontro pessoal entre A... e C..., a pedido deste último, teve lugar em 9 de Agosto de 2009, após as 16:13 horas.
XII – Na sequência, combinam encontrar-se no Campo do Bolão no dia 17 de Agosto de 2009, após contacto telefónico estabelecido pelas 19:15 horas.
XIII – Igual encontro entre ambos teve lugar no dia 23 de Julho de 2009, pelas 15.30 horas, no café … , sito perto da então residência da arguida E..., a qual também assistiu a tal encontro, vindo um outro encontro, entre ambos, nesse mesmo a ter lugar em 1 de Setembro de 2009.
XIV – Abastecimentos ocorreram por parte da arguida F... e do arguido D... ao arguido A..., o que tinha lugar mediante prévios contactos telefónicos estabelecidos através do nº … daqueles e do nº … do arguido A... e/ou directamente com a arguida E..., contactos estes nos quais se acertavam datas, preços e entregas de substâncias estupefacientes, o que tudo decorreu mormente entre os dias 17 e 21 de Julho de 2009, mas se mantinha em 13 e 14 de Setembro de 2009 e se prolongou no período compreendido entre os dias 9 de Outubro a 18 de Outubro de 2009.
XV – Na impossibilidade de o transporte ser efectuado pelo D... e pela F..., estes contavam pontualmente com a colaboração dos “corrilhos”, os arguidos … e I..., igualmente residentes em Guimarães, sendo os contactos telefónicos com os mesmos estabelecidos para os nºs … , respectivamente detidos pelos próprios.
XVII – No dia 18 … e Setembro de 2009, cerca das 13:50 horas, na Rua … , em Coimbra, a arguida H... tinha nas mãos uma embalagem contendo 15 (quinze) pacotes mais pequenos , num total de 3,77 gr de heroína, que corresponde aproximadamente a 45 doses, a qual destinava a cedência de terceiros, que sujeito a exame toxicológico se apurou ser Heroína – Tabela I – A.
XVIII – Esta arguida preparava-se para entregar a indivíduo não identificado um pacote contendo heroína quando foi interceptada pela PSP.
XIX – A mesma, naquele dia, vendia cada pacote/panfleto de produto estupefaciente a 20 Euros, visando, com isso e sempre a obtenção de um lucro económico a que sabia não ter direito.
XX – Não obstante a detenção da arguida H..., o certo é que continuaram a decorrer contactos telefónicos e encontros entre os arguidos A.../E... a H..., mesmo em data posterior a 18 de Setembro de 2009, mesmo em data posterior a 18 de Setembro de 2009, em que a mesma ficou sujeita à medida de coacção de O.P.H.V.E.
XXI – No dia 13 de Outubro de 2009, a PSP de Coimbra havia sido alertada que no Bairro … , em Coimbra, se verificava uma grande movimentação de indivíduos, tendo verificado que da residência sita no nº … , entravam e saíam um elevado número de indivíduos, habitualmente consumidores, face ao que ali montou vigilância.
XXII – Vindo cerca das 13h00, do dia 13 de Outubro de 2009, a PSP de Coimbra, localizar no Bairro … , Coimbra, o arguido … que saía da residência sita no … , e que tinha na sua posse, escondidos no bolso das calças, quinze pacotes de uma substância de cor castanha que, após, teste rápido, revelou ser heroína, com o peso de 2,85 gr e ainda mais 4 pacotes de um produto de cor branca que, após teste rápido, revelou ser cocaína, com o peso de 0,66 gr.
XXIII – Conforme consta da informação da C.M.C., o …, em Coimbra, é habitado por … , sogra do arguido A... .
XXII – Pelas 20:15 horas do dia 17/11/2009, foram abordados pela Polícia Judiciária nesta cidade de Coimbra os arguidos A... e E..., tendo, na revista pessoal efectuada a A... sido apreendidos:
a) um (1) telemóvel da marca Nokia, IMEI 355224039676025 e com o nº … ;
b) € 565,00 em dinheiro, compostos por uma (1) nota de € 100,00, quatro (4) notas de € 50,00, cinco (5) notas de € 10,00 e três (3) notas de € 5,00.
Após o auto de revista pessoal efectuada a E... foram apreendidos:
a) um (1) telemóvel da marca Nokia, modelo XpressMusic, IMEI 356066031891584, PIN 1249 e nº … ;
b) um recibo de renda relativo à residência da Rua … ;
c) um documento da CGD de Vilar Formoso; e
d) a chave de um Hyundai com a matrícula … .
XXIII – Em cumprimento dos mandados de busca à residência de E... e A..., sita na Rua … , Coimbra, em 18 de Novembro de 2009, aí foi encontrado e apreendido o seguinte:
1. dois (2) maços de tabaco da marca Marlboro sendo que no interior de um deles se encontrava uma nota de € 20,00 (vinte euros) e no outro três (3) pacotes de um produto de cor acastanhada que reagiu positivamente ao teste rápido para heroína e que totalizou o peso bruto de 4,5 gramas, que submetido a exame toxicológico se apurou ser Heroína.
2. uma faca de cabo preto com vestígios de um pó acastanhado que se presume ser heroína; e
3. diversa documentação, como recibos de renda de uma casa sita em Taveiro e de água e luz desta residência de S. Martinho, em nome de A....
XXIV – Igualmente, em 18 de Novembro de 2009, na sequência de uma busca consentida a outra residência do arguido A..., sita na Rua … , em Coimbra, aí foi encontrado e apreendido:
1. uma carteira rosa, que se encontrava dentro de uma mala de senhora num arrumo da residência, contendo quatro maços de notas (cinco de € 50,00, vinte e oito de € 20,00, treze de € 10,00 e duas de € 5,00) totalizando € 950,00.
2. um plasma da marca de “Samsung” de cor preta com os respectivos cabo de ligação e comando.
XXV – Posteriormente, em 18 de Novembro de 2009, em cumprimento dos mandados à residência da arguida G..., mãe do arguido A..., sita na subcave esquerda do Lote … , Coimbra, foi encontrado e apreendido o seguinte:
a) um (1) pequeno embrulho em plástico com uma substância de cor acastanhada que reagiu positivamente ao teste rápido para heroína e que totalizou o peso bruto aproximado de 5,2 gramas, o qual sujeito a exame toxicológico se apurou ser Heroína;
b) 5,1 gramas de um produto que reagiu positivamente ao teste rápido para cocaína, o qual sujeito a exame toxicológico se apurou ser Cocaína (Cloridrato);
c) € 1.405,00 (mil quatrocentos e cinco euros) em dinheiro, sendo que desses € 605,00 (seiscentos e cinco euros) foram apreendidos no âmbito do auto de revista pessoal efectuada a G..., encontrando-se no avental da mesma duas notas duas notas de € 50,00, onze notas de € 20,00, vinte notas de € 10,00 e dezassete notas de € 5,00.
XXVI – Numa outra residência do arguido A..., sita na Rua … , Coimbra, foi encontrado e apreendido o seguinte:
a) uma arma caçadeira de calibre 12 marca BELLENI, e nove munições correspondentes;
b) € 16.750,00 em dinheiro;
c) um LCD Samsung LE;
d) nove cartuchos calibre 12 Winchester, chumbo 8;
e) uma chave de ignição Mercedes;
f) um computador portátil LG, modelo ES00-S.AP23P nº 712MSGD007327;
g) sete anéis de metal amarelo, ouro, melhor examinado nos autos;
h) um cruxifico em metal amarelo com o estojo verde com os dizeres “ourivesaria Costa” Coimbra.
XXVII – Foi ainda apreendida ao arguido A... a viatura FIAT STILO, de matrícula … utilizada pelo arguido para o tráfico de estupefacientes e um colete à prova de bala de cor preta que se encontrava debaixo do banco do condutor.
XXVIII – Na residência de H... sita 1º andar, Esquerdo, do Lote … Coimbra, em 17 de Novembro de 2009, foi encontrado e apreendido o seguinte:
- Um (1) computador portátil da marca FUJITSU SIEMENS, modelo AMILOPRO;
- Quanto ao telemóvel identificado nos autos como sendo dela, com o n.º … e do qual contactava com … , o mesmo não foi apreendido por estar a ser utilizado pelo IRS para controlo da pulseira electrónica.
XXIX – No dia 26 de Novembro de 2009, em cumprimento dos mandados de busca domiciliária aos arguidos D... e F..., sita na Praceta … , Guimarães foram encontrados e apreendidos:
No Hall de entrada, no interior da carteira da arguida F..., foi encontrado e apreendido o seguinte:
1. Dentro de um saco de plástico de cor branca, uma PISTOLA da marca WALTHER, modelo P5, com SN 019181, de calibre 9 mm “Parabellum” (9 x 19 mm);
2. Uma caixa de munições de cartão, com as inscrições 9 mm “Parabellum”, contendo 2 (duas) munições do mesmo calibre;
3. Uma bolsa de cor preta, contendo no seu interior 4 (Quatro) carregadores correspondentes à pistola apreendida, sendo que dois deles se encontram completamente municiados com 8 munições do mesmo calibre e dois deles se encontravam vazios.
3.1. € 3.400,00 (Três Mil e Quatrocentos Euros) em notas do BCE, compostos por 1 nota de € 100,00 (Cem euros), 10 notas de € 50,00 (Cinquenta Euros), 62 notas de € 20,00 (Vinte Euros), 127 notas de € 10,00 (Dez Euros) e 58 notas de € 5,00 (Cinco euros), provenientes da venda de produtos estupefacientes e que se encontrava em maços, no interior da carteira.
4. Uma bolsa em pele castanha, contendo no seu interior vários artigos em ouro, discriminados no auto de busca;
5. Documentação diversa junta aos autos;
No Hall de entrada, num móvel de gavetas, foi encontrado e apreendido o seguinte:
1. Numa das gavetas, uma balança de precisão, da marca diamond 500, na respectiva caixa, de cor vermelha;
2. Noutra das gavetas do mesmo móvel, 2 “lágrimas” contendo uma substância de cor castanha, que reagiu positivamente para Heroína, com peso bruto de cerca de 5,1 gr cada uma; que sujeito a exame toxicológico se apurou ser Heroína;
3. Noutra das gavetas, um pequeno saco de plástico transparente, contendo no seu interior 87 comprimidos de cor rosa e forma pentagonal, com peso aproximado de 11,00 gr, que após teste rápido reagiu positivamente para Anfetaminas, tratando-se de Metandrostenolona;
4. Noutra gaveta, uma pequena navalha com cabo em madeira castanha com resíduos de estupefaciente;
Na sala de jantar, em cima da mesa:
1. Um volume de plástico branco, contendo uma substância de cor branca, que reagiu positivamente para COCAÍNA, com peso aproximado de cerca de 0,8 gr, que sujeito a exame toxicológico se apurou ser Cocaína;
2. Um saco de plástico recortado, um rolo de fita isoladora grossa castanha, uma tesoura, e uma navalha com resíduos de estupefaciente, parafernália normalmente utilizada para embalamento de estupefacientes;
Na sala de jantar, em cima de uma cadeira:
1. uma cartucheira para cartuchos de caçadeira, calibre 12, em pele castanha;
Na sala de jantar, numa terrina de barro:
2. 21 (Vinte e um) telemóveis, de várias marcas e modelos para posterior análise;
Na sala de jantar, num móvel tipo bar:
3. inúmeros documentos com relevância para os autos;
Na sala de estar:
4. Um Plasma, da marca “PHILIPS – Flat TV”, sem modelo nem SN visível;
Na marquise:
5. Um saco de plástico branco contendo 31 (Trinta e uma) munições de calibre 9 mm “Parabellun”;
6. No interior do caixote do lixo, foi encontrado e apreendido outro saco de plástico com recortes em forma circular e os respectivos recortes, normalmente utilizados para embalar estupefacientes;
No quarto dos arguidos D...e F...:
7. numa das gavetas da cómoda, foi encontrado e apreendido uma lágrima de uma substância de cor branca, com o peso aproximado de 2,6 gr, que reagiu positivamente para COCAÍNA e uma outra pequena embalagem de uma substância castanha, com o peso aproximado de 0,2 gr que reagiu positivamente para HEROÍNA, que sujeito a exame toxicológico se apurou ser Heroína;
8. a mesma gaveta, uma caixa azul com a inscrição de “ … .” contendo no seu interior vários artigos em ouro, discriminados em auto de busca;
9. Na mesinha de cabeceira do lado onde a F... se encontrava a dormir, em cima da mesma um telemóvel da marca SONY ERICSSON, modelo W910i com o IMEI 35155503 – 066001 – 1 – 40 tendo inserido um cartão da VODAFONE e numa das gavetas um cartão de suporte de cartão SIM da VODAFONE;
10. a parede em frente da cama dos arguidos D...e F..., um Televisor LCD da marca “PHILIPS”, modelo NO 42PFL3512D/12 e SNVN1C0745005809;
No outro quarto da residência:
11. Um televisor LCD da marca LG, modelo RZ23LZ55, com SN 612MATW5N009;
12. Em cima da cama, um televisor Plasma, da marca “MITSAI” de 42”, com SN A60142HN90124;
Na despensa:
13. Dois recortes de plástico em forma circular, contendo no seu interior uma substância em forma de cristais, que reagiu positivamente para COCAÍNA, com o peso total de cerca de 50,7 gr, que sujeito a exame toxicológico revelou ser Cocaína;
14. no interior de uma caixa revestida a fita isoladora castanha, semelhante à que foi apreendida na mesa da sala de jantar, uma lágrima contendo uma substância castanha, que reagiu positivamente para HEROÍNA, com o peso aproximado de cerca de 27,8 gr, que sujeito a exame toxicológico revelou ser Heroína;
XXX – Após o auto de revista pessoal, ao arguido D..., foram apreendidos:
- Um telemóvel da marca NOKIA, modelo 7070d, com cartão SIM nº 100732902437 da VODAFONE inserido, com IMEI 356379024627513 e respectiva bateria, o qual se encontrava no interior do bolso esquerdo das calças que o arguido trajava.
- Oito anéis em metal amarelo, supostamente ouro, que o arguido trazia colocados nos dedos das suas mãos.
XXXI – Nesse mesmo dia foram ainda apreendidos ao arguido D...o veículo da marca Honda 1.6 ESI, amarelo, matrícula 66-35-NU, e o veículo BMW 346L, preto, matrícula … , com diversa documentação, por serem utilizados pelos arguidos D...e F... na sua actividade de tráfico de estupefaciente.
XXXII – Posteriormente, no dia 26 de Novembro de 2009, aos arguidos I... e … , sita na … , Guimarães, foram encontrados e apreendidos:
- Diversos telemóveis, ao todo 9, de diversas marcas, bem como diversos cartões SIM e de segurança, discriminados em auto de busca;
- Um saco de plástico de alças da “ … ” com recortes circulares de medidas idênticas habitualmente utilizados para acondicionar estupefacientes;
- Documentos relativos a uma viatura (livrete e título de registo de propriedade) em nome de … de um FORD … e um papel manuscrito com um numero de telefone;
- Uma chave de ignição de uma Mercedes Vito de matrícula alemã, que não é sua e ficou naquele país;
- Um par de algemas ALCYON, com respectivo porta ALGEMAS;
XXXIII – Igualmente, no dia 26 de Novembro de 2009, na residência do arguido J..., sita na … , Guimarães, foram encontrados e apreendidos:
- Um telemóvel da Marca Nokia, modelo 2300, de cores bege, rosa e lilás com o IMEI 352542002777337, com SIM da TMN do n.º … e PIN 1111 – na mesinha de cabeceira do quarto do buscado;
- Uma pequena caixa em metal inoxidado com o dizer “CHAMACO” contendo um pequeno pedaço de uma substância de origem vegetal, de cor acastanhada, que reagiu positivo ao teste para Haxixe e totalizou o peso de 0.4 gramas.
XXXIV – Também em 26 de Novembro de 2009, na residência do arguido ..., sita na Urb. Conceição/ou Urbanização da Atouguia, Bloco C, Ent. 349, Casa B, Guimarães, foram encontrados e apreendidos:
- No quarto do arguido:
1. Uma pistola de calibre 6.35 mm com carregador compatível inserido;
2. Uma caixa de uma balança electrónica;
3. Um maço de cigarros Camel contendo 5 pequenos pacotes de um pó de cor castanha que reagiu positivo a Heroína e totalizou o peso bruto aproximado de 0.8 gramas, que sujeito a exame toxicológico revelou ser Cocaína;
4. Uma lata com dois pedaços de saco de plástico com recortes circulares;
5. Diversos documentos ligados a carregamentos de telemóveis, facturas, cartões de segurança da TMN referentes a diversos telemóveis (vd. auto de busca), e outros documentos relacionados com telemóveis, bem como papéis manuscritos com números de telemóvel e nomes.
XXXV – Em cumprimento de mandados de busca, em 30/11/2009, foram encontrados e apreendidos, na residência do arguido C..., sita na Rua … ., em Coimbra:
1. uma pistola de alarme da marca Perfecta com carregador, mas sem fulminantes, com as inscrições “475” junto do carregador, em razoável estado de conservação;
2. treze munições calibre (.45), sendo que doze da marca Sellier & Bellot e uma da marca W.R.A.00.45.A.C., condicionadas em caixa da marca Sellier & Bellot.45 Auto;
3. vinte e cinco cartuchos de arma caçadeira de calibre 12 da marca RIO ROYAL 34, calibre 12, acondicionadas em caixa da mesma marca;
4. duas munições calibre 9 mm da marca FNM, uma com inscrição “89-6” e outra “85-1”;
5. uma munição calibre (.32) da marca S&W U.MC.32;
6. uma munição calibre (.25) da marca Speer Auto .25;
7. um sabre com respectiva bainha, com lâmina de 32 cm, com ornamentos a azul e motivos dourados com pequena corrente (pega) igualmente dourada;
8. Tinha ainda quatro (4) telemóveis de várias marcas/modelos, alguns deles com cartão SIM; Um (1) telemóvel NOKIA, modelo 6600s – 1c, com IMEI 356383/02/760135/0, com cartão da rede YORN/VODAFONE com a referência 7008397461 89 que corresponde ao nº … , PIN 2758;
XXXVI – Foram igualmente apreendidos nos autos, encontrando-se na detenção dos arguidos A.../E...:
- o veículo ligeiro de passageiros MAZDA, de matrícula … , do ano 2000, avaliado em € 7.500,00, cfr. auto de fls. 1243, auto de exame de fls. 1281, cfr. auto de avaliação de fls. 1283;
Em virtude de as mesmas terem sido utilizadas na actividade ilícita já mencionada nos autos, bem como por terem sido adquiridas com dinheiro proveniente daquela mesma actividade ilícita.
XXXVII – Sem prejuízo da coordenação ser feita pelo arguido A..., o mesmo e os arguidos E... e B... agiam de prévio e comum acordo e também em conjugação de esforços na aquisição de produtos estupefacientes que depois distribuíam e comercializavam nesta cidade, nomeadamente através dos fornecimentos aos arguidos G..., C... e H..., procurando com isso a obtenção de um lucro económico o maior possível, ainda que como sabiam, proveniente de uma actividade ilícita.
XXXVIII – Com a cessação daquelas funções por parte do arguido B... a partir de meados de Julho de 2009, a arguida E... passou a assumir maior preponderância.
XXXIX – Os arguidos A..., E..., G..., B..., C..., H... sabiam que não lhes era permitido adquirir, deter, transportar, pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem as substâncias estupefacientes referidas, cujas características bem conheciam.
XL – Os arguidos D... e F... agiam de prévio e comum acordo e também em concertação de esforços, repartindo entre si as tarefas para a venda de grandes quantidades de heroína e cocaína, diligenciando pelo correspondente transporte para Coimbra, designadamente para ser entregue ao arguido A... ou à arguida E....
XLI – Os arguidos I... e J... colaboravam pontualmente com esses arguidos D... e F..., actuando em concertação de esforços com aqueles, nesse transporte e distribuição desses produtos estupefacientes.
XLII – Todos o arguidos procuravam com tal actividade a obtenção de um lucro económico o maior possível, ainda que, como sabiam, proveniente de uma actividade ilícita.
XLIII – Bem como sabiam todos estes arguidos que não lhes era permitido adquirir, deter, transportar, pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem as substâncias estupefacientes referidas, cujas características bem conheciam.
XLIV – A caçadeira de calibre 12, marca Belleni, que se encontrava juntamente com as munições na casa do arguido A..., possui a respectiva licença registada em nome de Adolfo Monteiro, pai daquele arguido.
XLV – O arguido A... agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia tripular veículos, na via pública, sem se encontrar autorizado por carta de condução válida para esse efeito e que, ciente que o estava a fazer, cometia ilícitos previstos e punidos por lei.
XLVI – O arguido D...tinha em sua casa, dentro de um saco de plástico de cor branca, uma PISTOLA da marca WALTHER, modelo P5, com SN 019181, de calibre 9 mm “Parabellum” (9 x 19 mm); uma caixa de munições de cartão, com as inscrições 9 mm “Parabellum”, contendo 2 (duas) munições do mesmo calibre; uma bolsa de cor preta, contendo no seu interior 4 (Quatro) carregadores correspondentes à pistola apreendida, sendo que dois deles se encontram completamente municiados com 8 munições do mesmo calibre e dois deles se encontravam vazios; A arma e as munições eram propriedade do arguido, o qual as havia adquirido a terceiros desconhecidos, passando desde então a delas poder dispor.
XLVII – O arguido … tinha em seu poder uma pistola 6.35 mm.
Por a arma ser de calibre não permitido, não estava manifestada nem registada.
Tão pouco possuía licença de uso e porte de arma de fogo.
XLVIII – Agiram neste particular estes arguidos A..., D... e … voluntária, livre e conscientemente, ao deter a arma e a pistola e munições em apreço, bem sabendo que tudo isso era de calibre proibido, que a pistola não estava manifestada e registada, nem o arguido dela tinha licença de uso e porte de arma de fogo.
XLIX – Estavam em casa dos pais do arguido C..., onde o mesmo igualmente vive, todas as munições supra descritas, as quais haviam sido adquiridas em circunstâncias não concretamente apuradas.
L – Os arguidos A..., E..., G..., H..., C..., D..., F..., I..., , não exerciam de forma habitual qualquer actividade profissional ou outra, remunerada ou não, não tendo, assim qualquer outro rendimento para além dos luvros que provinham das correspondentemente descritas actividades relacionadas com os produtos estupefacientes.
LI – Tinham aqueles arguidos a quem foram apreendidos bens ou valores (entre os quais dinheiro), igualmente perfeito conhecimento que alguns dos objectos apreendidos bem como o dinheiro apreendido provinha de vendas de estupefaciente que já tinham realizado, sendo que outros desses objectos haviam sido adquiridos pelos respectivos arguidos com os rendimentos provenientes da venda da droga.
LII – Todos os arguidos agiram de forma livre e consciente, sabendo que as suas apuradas condutas eram e são proibidas e punidas por lei.
LIII – O arguido A... já respondeu e foi condenado pela prática dos crimes de condução de veículo sem habilitação, roubo, sequestro, pesca ilegal furto de uso de veículo, burla informática e tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade.
Este arguido tem um filho menor fruto dum casamento de acordo com os rituais da sua etnia (cigana) e com pessoa da mesma; separado dessa relação há cerca de 2/3 anos, passa a viver desde então com a actual companheira, a co-arguida E..., integrando ainda esse agregado familiares dela; o arguido sente-se apoiado e gratificado com esta nova relação; o arguido cumpriu anteriormente uma pena de reclusão de 5 anos, durante a qual não se procurou valorizar profissionalmente e, no período em que esteve em liberdade até ser detido preventivamente à ordem destes autos, não desenvolveu qualquer actividade profissional definida e que lhe proporcionasse rendimentos lícitos; por parte dos técnicos de reinserção social é feito um prognóstico reservado quanto à sua ressocialização.
LIV – A arguida E... é primária até ao presente.
Esta arguida teve uma infância e adolescência familiar e socialmente desprotegida, embora em contexto normativo; foi mãe com 15 anos, o que a levou a abandonar o agregado familiar de origem e a assumir novas responsabilidades; a relação afectiva estabelecida com o progenitor desse 1º filho durou alguns anos, dela ainda vindo a nascer uma filha agora com 3 anos de idade; trabalhou regularmente ao longo do tempo; separou-se do dito companheiro pai dos filhos, há cerca de 3 anos, passando algum tempo após a manter relacionamento estável com o co – arguido A..., designadamente tendo como base uma morada na zona da Conchada desta cidade de Coimbra; nesta última fase não desenvolvia actividade laboral, vivendo formalmente de subsídios (de desemprego e de abono de família); em data mais recente encontra-se sujeita a medida coactiva de OPHVE no âmbito de um outro processo crime de tráfico de estupefacientes, desta mesma 2ª secção da Vara Mista de Coimbra, com audiência agendada (P.C.C. nº 172/10.6JACBR).
LV – A arguida G... já respondeu e foi condenada pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes e condução sem habilitação legal.
À data dos factos ajuizados era o suporte do agregado familiar de que faziam parte dois filhos menores, dado o marido se encontrar recluído, vivendo formalmente de abonos e subsídios sociais, constituindo ainda suporte a outros familiares, e num contexto pouco normativo, até que foi finalmente presa.
LVI – O arguido B... já foi julgado e condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
Criado no contexto de uma família de classe sócio – económica média/alta, a aquisição de valores pessoais foi menos feliz, com particular destaque para a problemática aditiva que o vem acompanhando desde a adolescência e cujo controlo tem sido dificultoso; tendo abandonado a frquência do ensino superior, não tem ocupação laboral no presente.
LVII – O arguido C... já respondeu e foi condenado pela prática do crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade.
Nascido e criado no meio de uma familia com condições económico sociais médias/altas, teve um desenvolvimento sem incidentes dignos de registo, até que iniciou no consumo de estupefacientes no final da adolescência, sendo a partir daí o seu percurso pessoal instável e menos normativo, com reflexo negativo na sua formação académica, e constante fonte de preocupação para os pais; o controlo da adição e dessa perturbação de personalidade vem sendo tentado quer sob o ponto de vista psicofarmacológico, quer psicoterapêutico (psicodrama com periodicidade semanal), registando ao que tudo indica uma evolução positiva no momento mais recente.
LVIII – A arguida H... é primária.
Por incapacidade educativa e disfuncionalidade da família de origem, esta arguida esteve internada em instituições de menores entre os 3 e os 16 anos de idade; o percurso institucional foi marcado por dificuldades de adaptação, fugas, desinvestimento e insucesso escolar; estabeleceu no final da adolescência uma união de facto com o actual companheiro de etnia cigana (de quem tem dois filhos menores com 3 e 1 ano de idade), sendo a sua dependência pessoal e familiar deste agregado um factor fortemente condicionante do seu percurso actual e com prognóstico futuro menos auspicioso.
LIX – O arguido … já respondeu e foi condenado pela prática do crime do crime de condução sem habilitação legal.
Cresceu integrado numa família de condição sócio – económica humilde, a qual não conseguiu dele um processo educativo totalmente adequado, embora mantenha convivência social aceitável.
LX – O arguido D... tem os antecedentes criminais constantes do C.R.C. de fls. 3153 a 3163 (que aqui se dá por reproduzido).
É nascido e criado dentro de uma família de feirantes de etnia cigana, a qual nunca privilegiou a actividade escolar do arguido e dos demais 4 irmãos, embora a solidariedade incondicional dos familiares não seja questionável; tem um total de 4 filhos menores nascidos de 2 relações afectivas com companheiras da mesma etnia, demonstrando instabilidade relacional nesse contexto; denota falta de hábitos de trabalho; tornou-se dependente de consumos aditivos de produtos alcoólicos e canabinóides, o que condiciona e potencia comportamentos menos correctos; sendo-lhe possível diagnosticar uma personalidade indiferenciada/imatura e ser pessoa limitada intelectual e emocionalmente, médico – legalmente é autorizada porposta de “atenuação de imputabilidade”.
LXI – A arguida F... já respondeu e foi condenada pela prática do crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade.
Consorciando-se numa “união de facto” na fase adulta da sua vida com o co-arguido D..., de quem tem 2 filhos menores, tem tido um percurso vivencial fortemente dependente e condicionado por este último e opções de vida menos normativas que têm marcado a actualidade da sua vida, que era de aparente desafogo à data dos factos ajuizados, embora sem actividade profissional regular conhecida.
LXII – O arguido I... tem os antecdentes criminais constantes do C.R.C. de fls. 2738/2739, o qual aqui se dá por reproduzido.
À data dos factos vivia com a companheira (co-arguida ….), um tio materno desta e os quatro filhos da mesma.
Marcado pela problemática aditiva não totalmente controlada, esta tem sido fortemente condicionante do seu percurso de vida mais recente, designadamente e sob o ponto de vista negativo no plano laboral, marcado pela irregularidade.
LXIII – A arguida … é primária.
Vivendo integrada no agregado familiar vindo de referir, vive de apoios sociais e com ocupação nem sempre totalmente adquirida.
LXIV – O arguido J... é primário e tem o historial de vida e condições económicas e sociais melhor descritas no relatório social eleborado quanto ao mesmo, que também aqui se dá por reproduzido.
LXV – O arguido ... é primário.
Trata-se de um indivíduo marcado por um percurso de toxicodependência, com alguns deficits de interacção e integração social, nomeadamente sendo inconstante a sua vinculação a actividade laboral/ocupacional regular; na medida em que beneficia de apoio familiar dos seus progenitores de quem ainda não se autonomizou, a sua reorganização pessoal não deixará de passar pelo investimento que conjuntamente for alcançado.
LXVI – O arguido ... já respondeu e foi condenado pela prática dos crimes de detenção de arma proibida e de tráfico de estupefacientes.
Encontrando-se em cumprimento de pena, não tem desenvolvido a sua actividade mais consistente, a saber, comercialização de viaturas usadas, cujos proventos, conjuntamente com apoio social RSI, permitia a subsistência do agregado familiar.
LXVII – A arguida … já foi julgada e condenada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
Tem tido um percurso de vida como feirante (sem prejuízo de auferir abonos sociais) e vem-se constituindo como esteio e suporte material da família (mesmo a mais alargada) no período de reclusão do companheiro (co – arguido ...).

Quanto aos factos não provados ficou a constar:

B – FACTOS NÃO PROVADOS:

- que os arguidos H..., G... e C... vendessem droga sob supervisão e por conta do arguido A...;
- que o arguido C... seja conhecido como um dos grandes distribuidores de produtos estupefacientes junto do meio estudantil;
- que concretamente em 9 de Agosto de 2009, após as 16:13 horas, C... vai ao encontro do A... para este o abastecer de produto estupefaciente;
- que concretamente no dia 24 de Junho de 2009 o arguido B... abasteceu de produto estupefaciente o arguido C...;
- que os arguidos … e … agindo de prévio e comum acordo e também em conjugação de esforços, procederam à venda de grandes quantidades de produtos estupefacientes, designadamente aos arguidos A..., E... e B..., designadamente nos dias 12 de Junho, 3 de Julho, 6 de Julho, 13 de Julho, 15 de Julho, 18 de Julho, 19 de Julho, 24 de Julho, 27 de Julho, 1 de Agosto, 9 de Agosto, 10 de Agosto e 12 de Agosto;
- que entre os arguidos A.../E... os contactos e os fornecimentos continuaram durante os meses de Setembro e Outubro de 2009.
- que o arguido C... estava perfeitamente ciente das características das munições que se encontravam na residência de seus pais e que sabia que não lhe era permitida a sua detenção, em virtude de não possuir a respectiva licença e de as munições serem utilizadas em armas de fogo que não possuem licença;
- que concretamente no dia 20 de Julho de 2009, vários indivíduos se dirigiram a casa da G..., sita no Bairro … , em Coimbra, onde permaneceram por breves instantes, apenas o necessário para comprar produtos estupefacientes;
- que … e ... também colaborassem como “corrilhos” para os arguidos D.../F...;
- que A... fizesse abastecimentos quase diários a H..., G...;
- que E... tivesse em concreto escoado produto através da sua residência sita na Rua … ;
- que o A... utilizasse o … para comercializar produto estupefaciente;
- que D.../F... tivessem abastecido de produto estupefaciente B....

Em sede de motivação da matéria de facto mostra-se consignado:

C - MOTIVAÇÃO DE FACTO
O tribunal fundou a sua convicção na apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, desde logo:
- as transcrições ordenadas judicialmente das intercepções telefónicas efectuadas, Apensos I, II, II-2.º; Apenso III e Apenso IV;
- os relatos de Diligência Externa e fotografias anexas de fls. 14, 73/74, 170/171, 243, 277/279, 282/283, 286, 287/288 (I Vol), 442/443, 447/448, 518/521, 580, 582, 671/672, 682/683 (II Vol), 867-A, 1008/1009 (III-Vol);
- os autos de notícia por detenção de fls. 730/731 (III Vol), 738/739 (III Vol.), 1069/1070 (III Vol);
- os autos de busca e apreensão, e fotografias anexas de fls.1024/1025, 1036, 1043/1044, 1067/1068, 1074/1075,1113/1114, 1130/1131;
- os autos de revista e apreensão de fls. 1016, 1017/1018, 1079;
- os relatórios dos testes rápidos efectuados ao produto suspeito de ser estupefaciente;
- os relatos de Diligência Externa e fotografias de fls. 14, 73/81, 170/175, 242/243, 277/281, 282/285, 286/291, 442//443, 447/452, 519/521, 536/539, 580/585, 671/675, 680/687, 867-A, 1008/1009, 1791 a 1793;
- os autos de noticia por detenção de fls. 730/731, 738/739, 813/814, 1069/1070, 1334/1335;
- os autos de Busca e Apreensão de fls. 1024/1025, 1036, 1043/1044, 1067/1068, 1074/1075, 1113/1114, 1130/1131, 1218, 1243, 1285/1288, 1343, 1348, 1416/1417, 1425/1431, 1441/1447, 1571 a 1575;
- os autos de Revista e Apreensão de fls. 735, 817, 1016, 117/1018, 1079, 1332/1333, 1585;
- os exames de fls. 1206, 1207, 1227, 1229, 1230, 1232, 1233, 1235, 1236, 1238, 1239, 1281, 1283, 1977, 2049, 2051, 2055, 2090/2097, 2114/2117, 2127, 2129 e 2130, 2133;
- os Depósitos de dinheiro/ouro de fls. 1210/1212, 1213/1214, 1642/1644, 1866, 1879 a 1881;
- Outros depósitos de fls. 1208, 1228, 1231, 1234, 1237, 1282, 1645, 1646, 1824, 1825, 1841, 1842, 1848, 1849, 2016, 2050, 2053, 2057, 2060, 2109/2113, 2121, 2134, 2135;
- os Exames periciais de fls. 1311, 1649 a 1660, 1799, 1823, 1847, 1868, 1869, 1871, 2035/2042, 2108, 2124/2132, 2127, 2129, 2227;
- os Pedidos de informação sobre arma de fls. 1850 a 1865, 1870, 1872, 1874 a 1877, 1884;
- o Expediente relativo as gravações das intercepções de fls.165, 166, 196, 216, 250, 275, 374, 393, 417, 465, 544, 610, 652, 700, 869, 981, 1253, 1596, 1647;
- as Informações das Operadoras de fls. 168, 213, 358, 415, 503, 575 a 579, 646 a 648, 1004, 2118,
mas sendo ainda de destacar, e tendo sempre presente que nenhum dos arguidos prestou declarações na 1ª audiência de julgamento e que apenas no final da reabertura da audiência foram então pelos arguidos A..., E..., G... e D... prestadas algumas declarações:
- quanto aos factos e ilícitos imputados aos arguidos A... e E..., cumpre salientar que assente que foi a relação amorosa entre ambos afirmada “nemine discrepante” pelos inspectores da polícia judiciária que estiveram envolvidos na investigação dos autos e que nessa qualidade testemunharam em audiência (..., ..., e ...), não deixou de resultar dos demais elementos probatórios, designadamente do largo conjunto de intercepções telefónicas (ele o alvo 39471M, cujas comunicações se encontram transcritas no apenso II e II 2º, e ela o alvo 40884M, cujas comunicações se encontram transcritas no apenso IV, descritas sumariamente de fls. 2173 a 2188 e a fls. 2207, respectivamente) que a mesma, se actuava em conjugação com ele, tinha contudo um papel subalterno face a tal arguido na actividade de aquisição e distribuição dos produtos estupefacientes (sem embargo de toda um maior envolvimento e responsabilidade por parte da mesma com a cessação da intervenção do coarguido B... após meados de Julho de 2009!); ao invés, quanto a ele A..., indiciou-se por essa mesma via e de forma exuberante (apesar da linguagem muitas vezes “cifrada”!), que essa era a única actividade conhecida do mesmo e que ocupava o seu quotidiano, designadamente por não ter merecido acolhimento a defesa por parte do mesmo, que ainda foi intentada, no sentido de que o mesmo se dedicava à venda de automóveis, na medida em que a testemunha … , que seria o testemunho mais relevante a ponderar para esse efeito, não deixou de reconhecer que o mesmo teria mais concretamente “angariado” alguns clientes de automóveis para o seu “stand”, donde ter resultado a convicção mais concludente de que a fruição sucessiva de veículos automóveis (na detenção do arguido foram encontrados 5, apesar de não estar habilitado legalmente à sua condução!) eram um componente lúdico para o mesmo, servindo residualmente para “camuflar” uma inactividade profissional; que também não subsistiram quaisquer dúvidas (apesar dos depoimentos inconclusivos em audiência por parte das testemunhas … , enquanto vizinho, e … , enquanto senhoria!) em atribuir o aluguer da residência sita na Rua … , a este casal (cujos documentos relativos a rendas e alugueres estavam todos em nome do arguido A...!), por o interesse dos mesmos em tal transparecer em alguns passos das escutas, sendo certo que a intermediação no respectivo arrendamento foi efectuado pelo arguido B..., a pedido do próprio A...; que ao ser apreendida nesta última residência uma relevante quantia monetária (€ 16.540,00) para além de valiosos objectos em ouro e electrodomésticos, que a dita actividade de tráfico de estupefacientes tinha dimensão bastante; acresceu ainda que a testemunha … (irmã da arguida E... e que com ela vivia na dita residência sita na Rua …, para além de confirmar a relação mantida entre esses 2 arguidos (“namorados”), confirmou que a irmã vendia umas doses (de produto estupefaciente) para ganhar um dinheiro extra que ajudasse nas despesas do agregado familiar que formavam (e onde se integrava uma filha menor de 2 anos dessa mesma arguida), sendo essa a explicação para o produto estupefaciente que aí foi encontrado e forma como se encontrava, sendo certo que o mesmo constituía só por si uma quantidade que o colocava fora do consumo, à luz da Portaria nº 94/96 de 26 de Março, e que as escutas individuais à mesma contemplando um tal de “ … são muito elucidativas neste mesmo sentido; que já quanto à titularidade da arma caçadeira “Shotgun”Benelli, acabou por merecer acolhimento o que resultava do teor literal do docº. junto pelo mesmo a fls. 2921, a saber, encontrar-se efectivamente tal arma registada em nome de seu pai,; de referir que esta linha de convicção não se considerou abalada pelas declarações finais nesta última audiência prestadas pelos arguidos A... e E..., por demasiado “reactivas” e como última estratégia defensiva face à condenação anterior, sendo certo que não lograram convencer de todo que a casa de “Taveiro” era apenas da arguida G... (a sua função, à luz da normalidade e regras da experiência, era antes de “casa de recuo” , porventura de todos eles) e que apenas “andavam”/conviviam socialmente com o arguido C..., por convite deste último, que repetidamente aceitavam (?!); em todo o caso, julgamos não se poder considerar inócua a confissão final – no que à própria tange – pela arguida E... no que ao tráfico dizia respeito;
- quanto aos factos e ilícito imputados à arguida G..., se é certo que em audiência não foi confirmado por qualquer das testemunhas “consumidores” confessos sobre tal inquiridas ( … ), terem efectivamente adquirido “doses” à mesma, revelou-se decisivo que não sendo ela própria “consumidora”, sendo “visitada” com alguma frequência pelo arguido A... no contexto supra delineado de “abastecedor” e vivendo ela sobretudo de “subsídios”, não se encontra nem vislumbra outra explicação plausível que não a “venda” directa de “doses” de produto estupefaciente para a circunstância de lhe terem sido apreendidas “doses” totalizando 5,2 gr de heroína e 5,1 gr de cocaína, para além de € 1.405,00 em dinheiro (estando € 605,00 no avental da própria)!;independentemente de as declarações finais “confessórias” desta arguida só virem corroborar esta linha de convicção, não se podiam considerar as mesmas dissociadas da mesma estratégia defensiva face à condenação anterior no que respeitava ao arguido A..., como ensaio de tentativa (“ineficaz”, está bem de ver!) de desresponsabilizar totalmente este sob o ponto de vista criminal.
- quanto aos factos e ilícito imputados ao arguido B..., da conjugação da prova que se podia efectivamente valorar após a audiência de julgamento, mormente do teor literal conjugado e devidamente interpretado das intercepções telefónicas efectuadas ao mesmo (designadamente pelas conversas mantidas com os co-arguidos A... e C... melhor discriminadas na síntese conjugada de fls. 2188 quanto ao 1º, e constantes dos CD5, CD6 e CD12, nos termos descritos em síntese a fls. 2203/2204/2205 quanto ao 2º), é que o mesmo não tinha efectivamente uma posição no mesmo plano que o arguido A... na actividade de tráfico imputada e apurada quanto a este, antes se apurando uma actuação concertada e conjugada entre ambos nessa actividade, sendo mais concretamente como “colaborador” na aquisição (por vezes com o papel de “provador” do produto) e também de apoio na “distribuição, o que se prolongou apenas seguramente até meados de Julho de 2009, sendo certo que toda a envolvência que ressalta de tais intercepções não podia nem pode ser reconduzida, interpretada, nem qualificada apenas como ocorrendo no contexto de “consumidor” que resultou igualmente ter ao tempo, conforme, aliás, comprovado pelo próprio através da declaração médica de fls. 2860 que cuidou de juntar aos autos;
- quanto aos factos e ilícito imputados ao arguido C..., atinentes à imputada actividade de “traficante” abastecido por A..., a devida ponderação e conjugação de toda a prova produzida, mormente o teor literal (ainda que muitas vezes cifrado!) das inúmeras intercepções telefónicas (alvo 39126M, cujas comunicações se encontram transcritas no apenso I, descritas sumariamente de fls. 2202 a 2206), reportando “negócios” e “dívidas” com indivíduos cuja ligação ao mundo dos estupefacientes resultava insofismável, por via do que ficavam “devedores” ao mesmo, quer decisivamente mantendo uma prolongada relação com os ora co-arguidos A... e B..., com quem num determinado período tinha uma “dívida”, tudo são contornos não compreensíveis senão no contexto imputado nos autos e que relativamente ao envolvimento destes últimos resultou liminarmente concludente (note-se que não se vislumbra qualquer ponto comum de interesse – nem sequer do ponto de vista automobilístico! – com o co-arguido A..., mormente sendo este de etnia cigana sem qualquer mérito ou qualificação pessoal conhecido e aquele integrando a classe social média-alta da cidade), com encontros furtivos e “comprometedores”, envolvendo 3ºs mais do que “suspeitos”, como ficou comprovado em alguns dos R.D.E. de fls. 14, 73/81, 170/175, 242/243, 277/281, 286/291 e 442/443, considerando que este
arguido C... se tratava de um “estudante”, sem qualquer actividade profissional/comercial, mas cujas conversas com os ditos invariavelmente se reportavam a “negócios”/”encomendas” e “dívidas”, reconduzíveis ao dito contexto, acrescendo ter-se igualmente apurado que o mesmo arcou com despesas de “rent-a-car” igualmente atribuíveis a tais “actividades” (sendo de relevar a que envolveu … , que veio a ser condenado como “traficante” nos autos de P.C.C. nº455/08.5 JACBR, em cujo colectivo que interveio nesse julgamento também participou o ora juiz presidente destes autos, e o pagamento de uma utilização por parte do arguido A... – sessão 2703, CD4, do Apenso I das intercepções telefónicas), a outra convicção final não se pôde chegar do que a que ficou plasmada nos factos que se deram como provados nesse particular; Já quanto ao que diz respeito ao conjunto de armas e munições que foram apreendidas na residência dos pais deste mesmo arguido com os quais mora, na medida em que se constata que todas elas ou foram apreendidas no quarto da irmã ou na garagem dessa casa, acrescendo haver um Livrete de Manifesto da Arma Caçadeira em nome da avó do mesmo, ficou umadúvida razoável sobre a efectiva titularidade/detenção por parte do mesmo relativamente às munições (que era só o que lhe estava imputado na acusação!), que não pôde deixar de ser valorada em benefício do mesmo; fruto da rebertura da audiência, atentou-se e valorou-se devidamente o que resultou de novo como adquirido relativamente às condições pessoais, comportamentais e de saúde, designadamente trazidas pelo relatório médico sob o ponto de vista psiquiátrico entretanto junto (cf. fls. 4324 a 4238), cujo teor foi confirmado em audiência pelo seu subscritor, Dr. … ;
- quanto aos factos e ilícitos imputados à arguida H..., na medida em que a imputação mais abrangente que lhe estava imputada resultava de quanto ao facto incriminador para tal decisivo que era o de à mesma terem sido apreendidos quinze pacotes de heroína (com o peso total bruto de 3,747 gr.) numa “rusga” policial e num contexto que envolvia a transacção de pelo menos 1 desses pacotes a um 3º, resultou terem sido todos esses factos, constantes do respectivo auto de notícia (fls. 730), suficientemente confirmados pelas testemunhas … (os 2 agentes policiais que intervieram na circunstância), resultando os demais factos respeitantes ao enquadramento geral da actuação desta arguida e sua conexão com os arguidos A... e G... do que anteriormente se explanou e foi relatado pelos agentes de investigação, particularmente do teor das intercepções telefónicas (alvo 39417M, cujas comunicações se encontram transcritas no apenso II e II2º, descritas sumariamente a fls. 2188);
- quanto aos factos e ilícito imputados ao arguido ..., na medida em que a imputação respectiva resultava da apreensão fruto da “rusga policial” constante do respectivo auto de notícia (fls. 813), suficientemente confirmados pelas testemunhas Paulo Pereira e José Costa (os 2 agentes policiais que intervieram na circunstância), ainda que o local e concretas circunstâncias/pessoas a quem foi feita essa aquisição não tenham ficado concretamente apurados (ante o depoimento evasivo da testemunha Osvaldo Pedrógão!), não deixava de sempre subsistir a decisiva condicionante de se tratar de uma quantidade parcial e total apreendida (quinze pacotes de heroína com o peso de 2,85 gr. e 4 pacotes de cocaína com o peso de 0,66gr.) que o colocava fora do consumo, à luz da Portaria nº 94/96 de 26 de Março; sendo certo, e acrescendo, que também nada permitiu concludentemente concluir que este arguido tinha uma efectiva ligação ao “negócio” desenvolvido pelo arguido A...;
- quanto aos factos e ilícitos imputados aos arguidos D... e F..., sendo adquirido que os mesmos formavam um casal segundo os costumes da etnia cigana, com residência fixada na Praceta … Guimarães, nenhum deles com actividade profissional declarada ou conhecida (sendo que relativamente a negócios de “carros”, com referência ao arguido A..., para além do respeitante ao veículo Honda Civic … e o facto de eles serem “primos”, nada mais se indiciou sequer que pudesse justificar ou explicar a profícua comunicação existente ou valores monetários envolvidos!), nem sequer com historial de toxicodependência conhecido, da conjugação do vasto conjunto de intercepções telefónicas, mais ou menos “cifradas” (alvo 1Y116M, com a descrição sumária de todas as comunicações transcritas no apenso III a constarem de fls. 2189 a 2200 destes autos, sendo certo que o respectivo telemóvel foi apreendido aquando da busca judicialmente
autorizada) com vultuosos bens e valores então apreendidos (cumprindo destacar, para além dos veículos, uma quantidade de produto estupefaciente totalizando 54,1 gr. de cocaína, 38,2 gr. de heroína, balança de precisão, 4 televisões plasma /LCD, objectos em ouro avaliados em € 3.160,00 e € 3.400,00 em dinheiro), tudo a traduzir actividade de dimensão considerável e rendimentos elevados, a outra conclusão não se podia nem devia insofismavelmente chegar do que a de uma actuação conjunta e concertada de ambos no contexto do que lhes estava imputado no libelo acusatório, assumindo eles uma posição de inquestionável liderança, sem embargo (antes pelo contrário!) da igualmente apurada actuação coadjuvante (com objectivo de disfarce ou outro que seja!) por parte de “empregados”/“correios” (cf. R.D.E. que retrataram o “modus vivendi” e “modus operandi” nesse particular - fls. 447/452, 519/521, 536/539 e 580/585) aspecto que se abordará de seguida;
- quanto aos factos e ilícitos imputados aos arguidos I... e ..., impõe-se reconhecer que a prova indiciária acusatória (se não se atendesse às declarações dos próprios em fase de inquérito!), era mais escassa, sendo certo que então basicamente restrita ao teor das intercepções telefónicas (cf. Síntese conjugada das comunicações desses arguidos com os anteriores – alvo 1Y116M – discriminadas a fls. 2201), pelo que, na medida em que da devida interpretação das mesmas, e tendo presente o quadro de também consumidor que carecia de produto para esse efeito por parte do arguido I..., efectivo teor dos R.D.E. supra citados, com o que lhes foi apreendido na busca efectuada (de verdadeiramente relevante a esta luz apenas se consegue efectivamente detectar os recortes circulares - cf. fls. 1447), nada resultando então em termos de prova directa e concludente quanto à arguida ..., foi na linha dessa convicção restritiva alcançada e que apenas abrange o arguido I... (apelidado de “empregado de D...de cabelo comprido”) e mesmo quanto a ele de sentido mais restritivo, que se concluiu quanto à factualidade que se deu como provada; de referir, finalmente, que as declarações parcialmente confessórias prestadas por este arguido através de docº escrito junto na última audiência (ora fls. 4339 a 4341) só vieram dar apoio e maior consistência à linha Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra de convicção delineada quanto à comparticipação deste arguido com os demais que referimos, sem embargo de só se compreender o que foi aduzido relativamente ao co-arguido “Paula Rocha” (?) como erro ou lapso, quando certamente se queria dizer “I...” (!), como claramente se extrai do contexto literal em causa; foram ainda devidamente valoradas e acolhidas as “conclusões” constantes do “Relatório de Exame Médico-Legal Psiquiátrico” respeitante a este arguido, o qual se encontra junto aos autos de fls. 4312 a 4317;
- quanto aos factos e ilícito imputados ao arguido J..., também idêntico enquadramento inicial quanto à exiguidade da prova acusatória se poderia fazer, “mutatis mutandis”, mas na medida em que, acrescendo ao que positivamente se poderia extrair dos já citados R.D.E., resultava uma concludente prova do teor das intercepções telefónicas que o abrangeram (particularmente das sessões 209, 744, 815, 1043, 1398,2009, 2053, 2319 e 3044 – cf. síntese conjugada do alvo 1Y116M discriminada a fls. 2201), ainda que sem embargo de um carácter mais restritivo, se concluiu no sentido do respectivo acolhimento quanto ao concernente ao mesmo;
- quanto aos factos e ilícito imputados ao arguido ..., no que concernia ao aspecto central dos produtos estupefacientes, também sempre o mesmo e idêntico enquadramento inicial quanto à exiguidade da prova acusatória se poderia fazer, “mutatis mutandis”, acrescendo no particular do mesmo que do teor das intercepções telefónicas que o lograram alcançar (que são apenas as sessões 744 e 815 – cf. síntese conjugada do avo 1Y116M discriminada a fls. 2201) apenas se extraem conversas “indirectas”, isto é de 3ªs pessoas, donde por ser inconclusiva a convicção que resulta relativamente ao mesmo (mesmo face ao que lhe foi apreendido na busca – cf. fls. 1426 a 1427- que sempre pode ser reconduzido a parafrenália de um “consumidor”!), se impõe a correspondente tradução na factualidade provada; Já quanto à titularidade/detenção da arma – pistola de calibre 6.35 – a convicção positiva resultou incontroversa do resultado dessa citada busca;
- quanto aos factos e ilícito imputados aos arguidos ... e … , tudo dependia da valoração do teor e sentido das intercepções telefónicas que alegadamente os mesmos versaram, pois que a investigação “a se” e no confronto com os demais arguidos dos autos, confessadamente sobre os mesmos não foi aprofundada e, efectivamente, compulsados os autos, nada de consistente quanto aos mesmos se detecta nem veio a resultar da audiência; acontece que, para além de não estar comprovada a titularidade/utilização por qualquer desses arguidos do telemóvel com o nº 912039707 em causa, acresce, e decisivamente – para além do sentido que sempre seria equívoco de algumas dessas “conversas” – que resulta da informação policial de fls. 198/199 que estes arguidos tinham uma filha também de nome … , com indiciada ligação ao tráfico de estupefacientes e a cidade de Coimbra, donde uma dúvida intransponível mesmo quanto à atribuição dessas comunicações a qualquer dos aqui arguidos, o que deve reverter a favor dos mesmos;
- que igualmente se teve presente o teor dos C.R.C. de cada um dos arguidos quanto aos factos (ou ausência deles) a tal atinentes (cf. fls. 2793 a 2798, 2407, 2731 a 2733, 2734 a 2735, 2744 a 2745, 2410, 2742 a 2743, 3153 a 3163, 2731 a 2733, 2738 a 2739, 2416, 2417, 2418, 2928 a 2929, 2736 a 2737) e bem assim o que resulta dos respectivos relatórios sociais pré-sentenciais, constantes a fls. 2988, 3057, 2945, 3003, 2915, 2994, 3061, 2965, 2949, 3070, 3174, 3185, 3189, 3197 e 3202.

3. Apreciando

Sem embargo dos recursos virem a ser objecto de conhecimento pela ordem por que foram interpostos [iniciando-se pelos aspectos relativos à culpabilidade e após, sendo caso disso, enfrentando-se os concernentes à determinação da sanção – cf., artigos 368º e 369º do CPP, respectivamente], constatando-se a existência de questões transversais a todos eles, constituindo, assim, verdadeiras zonas de sobreposição, sempre que se justifique, essencialmente por uma questão de economia processual, serão feitas remissões para os pontos concretos onde já encontraram resposta.

3.1. Recurso de A...

a.

Insurge-se o recorrente contra a circunstância de as escutas telefónicas haverem sido, indevidamente, valoradas como meio de prova; de não terem sido as mesmas “utilizadas” em sede de julgamento e, finalmente, por sobre elas não ter incidido perícia [cf. os pontos 4, 5, 8, 9, 25 e 26 das conclusões].
São três aspectos distintos, que frequentemente integram a argumentação recursiva apresentada em casos similares.

a.a. No que ao primeiro concerne.

De facto, as escutas telefónicas constituindo, embora, um meio de obtenção de prova, não deixam de ser simultaneamente um meio de prova, dado que regularmente efectuadas uma vez transcritas no processo passam a constituir prova documental.
Ambivalência que transparece das palavras do Professor Germano Marques da Silva quando, depois de traçar a distinção entre meios de obtenção de prova e meios de prova, refere: É claro que através dos meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g., documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. Assim, por exemplo, enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova …
Por isso que só tendencialmente os critérios acima referidos para distinguir os meios de obtenção de prova dos meios de prova são válidos, pois pode suceder que a distinção resulte apenas da lei ter dado particular atenção ao modo de obtenção da prova, como nos parece acontecer, v.g., com as escutas telefónicas. – [cf. “Curso de Processo Penal”, II, págs. 209/210].
Entendimento, igualmente, perfilhado além “fronteiras” como, de resto, evidencia a seguinte passagem do recente acórdão, de 29.02.2012, deste Tribunal da Relação: … como se pode ver, nomeadamente, na obra “La prueba penal”, do Magistrado e Doutor em Direito Carlos Climent Durán, onde, para além da transcrição de trechos de sentenças do Tribunal Supremo, se diz: “Tras las escuchas telefónicas, y una vez recibidas en el Julgado de Instrucçion las grabaciones íntegras e originales, entregadas por los funcionarios policiales que han realizado las escuchas, se entra en una fase processual diferente, en la que se trata de formalizar el resultado de las escuchas telefónicas a fin de que puedan servir de medio probatorio durante el juicio oral. Dicho de outra manera, la infomácion en bruto que existe en las citas magnetefónicas, o sea, el contenido de las conversaciones telefónicas, integras y originales, se ha de transformar en un instrumento probatorio preconstituido capaz de destruir la presunción de inocencia durante el acto del juicio oral – cf. [proc. nº 1109/09.0JACBR.C1]
São vários, aliás, os arestos do Supremo Tribunal de Justiça onde se «acolhe» a natureza ambivalente das escutas telefónicas. É o caso do acórdão do STJ de 15.02.2007: Em matéria de escutas telefónicas, tem acentuado este Tribunal que as escutas telefónicas regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência … mas também, entre muitos outros, dos acórdãos de 09.03.1996, 14.11.1996, 20.11.2002, 03.06.2004, 31.05.2006 – [cf, procs. n.º 46690, 48588, 3173/02, 519/03-3, 1412/06- 3.ª].

Impõe-se, pois, concluir falecer razão ao recorrente na medida em que não estava vedado ao tribunal a quo a valoração das transcrições das «escutas telefónicas», as quais não consubstanciam prova proibida – artigos 125º e 126º, nº 3 do CPP [este, ad contrarium sensu].

a.b. Quanto ao segundo.

A questão não é nova e tem sido objecto, no essencial, de resposta unívoca por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, contrariando a tese preconizada pelo recorrente, vd. os acórdãos do STJ de 24.02.1993, 09.11.1994, 05.02.98 – [cf. CJ, 1993, I, 202, CJ, 1994, III, 245, CJ 1998, I, 194].
Posição reafirmada no acórdão do STJ de 31.05.2006 [proc. n.º 1412/06 – 3.ª], onde se mostra consignado: As escutas telefónicas … são meio legitimo de obtenção de prova; a transcrição das escutas assim realizadas constitui prova documental sujeita a livre apreciação pelo tribunal, nos termos do art. 127º do CPP, mesmo que não lida nem examinada em audiência, porquanto se trata de prova contida em acto processual cuja leitura em audiência é permitida – artº 355º do CPP; … estando nos autos a transcrição das escutas efectuadas, o arguido sempre poderia ter contraditado, no decurso da audiência, o seu conteúdo e conformidade com os respectivos suportes; se não o fez «sibi imputat», bem como nos acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 15.02.2007, 17.11.2009 e 4.11.2009 – [cf. procs. 06P4092, 169/07.3GCBNV.S1, 680/07.6GCBRG.G1.S1].
E diferente conclusão não se retira do acórdão do Tribunal Constitucional nº 87/99, o qual debruçando-se sobre a questão de saber se «I – As normas dos arts. 127º, 355º e 165º, nº 2, CPP, quando interpretados no sentido de que o Tribunal de 1.ª instância pode formar a sua livre convicção com base em documentos constantes dos autos, não lidos nem explicados na audiência, frustra o princípio da publicidade da audiência e do julgamento do arguido, consagrado no artigo 209º da CRP, por impedir o controlo público da aplicação da justiça II. – A leitura e a explicação do conteúdo dos documentos na audiência é indispensável ao acompanhamento por parte do público, da formação da convicção do julgador, melhor garantindo o direito de defesa do arguido, consagrado no art. 32º da CRP» - [cf. Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal, Notas e Comentários”, 2.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 977/978], pronunciou-se pela sua não inconstitucionalidade, posição não abalada pelo mais recente acórdão do mesmo TC n.º 110/2011 [proc. n.º 691/10].
Neste conspecto, constituindo as transcrições das escutas prova documental, a valorar nos termos do artigo 127º do CPP, resultando terem sido as mesmas, como no caso, efectivamente, o foram, indicadas como prova na acusação pública, não se detecta na circunstância de surgirem a suportar a decisão de facto ofensa ao direito de defesa, ao contraditório, a um processo justo e equitativo [artigos 32º CRP e 6º da CEDH], ou a quaisquer outros princípios ou normas constitucionais, tão pouco ao artigo 355º do CPP, pois que sempre teve o recorrente a oportunidade de as contraditar e delas se defender, e menos ainda aos princípios da oralidade, da publicidade e da imediação, estes conforme melhor resulta da argumentação expendida no citado acórdão do TC nº 87/99.

a.c. Por fim, o terceiro.
Sustenta o recorrente ter o Colectivo valorizado “linguagem cifrada”, sem que haja determinado “uma perícia” nos termos do artigo 166º, nº 2 do CPP com vista a torná-la inteligível, o que acarretaria a nulidade “das escutas”.
Não lhe assiste, naturalmente, razão!
Não está em causa qualquer documento “cifrado”, mas antes o “sentido” atribuído às palavras e expressões utilizadas pelos arguidos – incluindo o recorrente - nas conversações telefónicas entre si estabelecidas.
Ora, não resulta da fundamentação do acórdão - bem pelo contrário - terem tido os julgadores quaisquer dúvidas na interpretação do respectivo “sentido”, aspecto que, compreensivelmente, não agrada ao recorrente.
Aliás, decorre dos pontos 5. e 7. das conclusões apresentadas que tal ausência de resignação se dirige, num primeiro momento, contra o que denomina como extrapolações por parte dos Senhores Inspectores da Polícia Judiciária enquanto terão indicado que tais expressões são, de facto, alusivas a estupefacientes, com base, prossegue, na sua experiência/convicção profissional…!
É caso para perguntar, se a “experiência”, obviamente, “profissional”, passando a redundância, dos ditos “profissionais”, que convivem diariamente com léxico de semelhante natureza, é coisa de nula ou pouca valia?
Concluindo, não ocorre qualquer violação da norma indicada – menos, ainda nulidade, nunca identificada -, nem de outra susceptível de colher aplicação no caso, devendo a questão ser, antes, centrada no âmbito da livre apreciação da prova.

b.

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, poderá este tribunal conhecer de facto [cf. os artigos 363º e 428.º do CPP], desde que se mostre cumprido pelo recorrente o disposto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP.
Nos termos do n.º 3 do artigo 412º quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e eventualmente
c) As provas que devem ser renovadas.

O nível de exigência do recurso em matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sobejamente, afirmado pelos tribunais superiores de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006, 04.01.2007, proferidos nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461, nº 4093/06 – 3.ª].
No presente caso, o que faz o recorrente?
Depois de identificar a matéria de facto que considera incorrectamente julgada, indicando genericamente os pontos I, II, III, IV, IX, X, XIII, XIV, XXIII, XXVII, XXXVII, XXXIX; XLV, L, LI e LII, quer nas conclusões, quer na correspondente motivação donde as mesmas emergem enceta uma argumentação tendente a sobrepor a sua convicção àquela que surge, suficientemente esclarecida da fundamentação e análise crítica da prova, ter sido a do Colectivo.
Esquecendo-se num primeiro momento que … A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que … considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e, bem assim, que A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova, pelo que tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação [cf. o acórdão do TRC de 22.10.2008 [proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].
Efectivamente, não dando nas conclusões cumprimento, mínimo que seja, às exigências decorrentes do preceito, perscrutada a motivação depara-se com uma «espécie» de «composição», na qual em vez de virem indicados concretos pontos de facto, agrupam-se conjuntos de factos, vertidos nos diversos pontos da matéria de facto dada como provada no acórdão, sem cuidar de discriminar qual o segmento ou parte de cada um deles, ou mesmo deles, se pretende contrariar, surgindo, frequentemente, a referência a passagens concretas da motivação/apreciação crítica da prova, como se fossem essas o objecto da impugnação.
Por outro lado, no que concerne à indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o «cenário» não é melhor, já que não vem estabelecida a necessária correlação entre o concreto meio de prova e o concreto ponto de facto que se pretende afrontar, assistindo-se, ao invés, a resumos de depoimentos, declarações, indicação de informações de serviço dos investigadores ao coordenador, de palavras e expressões constantes das transcrições das escutas telefónicas – umas e outras objecto de interpretação «autêntica» por parte do recorrente - seguidos do respectivo comentário, tendente a fixar o seu sentido, «supostamente o melhor dos possíveis» – fazendo, pois, tábua rasa do comando legal quando se reporta “às concretas provas que impõem …”, tudo a denotar um enorme distanciamento do que é, na verdade, o recurso da matéria de facto à luz do artigo 412º do CPP.
Como assim, não tendo o recorrente dado cumprimento ao ónus de impugnação especificada, nem nas conclusões nem na motivação de recurso, vedado que está, neste caso, o convite ao aperfeiçoamento [cf. vg. acórdãos do TC nºs 259/2002, in DR, IIS, de 13.12 e 140/2004, in DR, IIS de 17.04, bem como, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. 05P058), 09.03.2006 (proc. 06P461), 28.06.2006 (proc. 06P1940), 04.01.2007 (proc. nº 4093/06.3.ª)], conclui-se pelo não conhecimento/rejeição do mesmo na parte respeitante à “impugnação da matéria de facto” - [artigo 412º do CPP].

c.

Na vertente da matéria de facto, não obstante o que se acaba de “decidir”, fica-nos a respectiva sindicância por via dos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP, a apreciação da alegada violação do princípio in dubio pro reo, bem como do artigo 127º do mesmo diploma legal.
A propósito dos referidos vícios escreve o Professor Germano Marques da Silva … tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso portanto a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, salientando-se, ainda, que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece. – [cf. “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, Vol. III, págs. 338/339].
Trata-se, por conseguinte de vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão – [cf. acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ, ASTJ, T. III, 2005, pág. 224].

Aqui chegados, impõe-se abrir um parêntesis de modo a enfrentar uma outra realidade aflorada pelo recorrente, a qual, porém, se situa a montante dos vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP, concretamente da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Prende-se a mesma com a alegada ausência de concretização dos factos que suportam a sua responsabilidade.
Temos por certo que a decisão se torna insustentável se, efectivamente, não ocorrer o mínimo de concretização de factos idóneos a conduzirem à responsabilização do agente.
Mas, enquanto na base do vício a que alude a al. a) do nº 2 do artigo 410º, se encontra uma insuficiência de factos que podendo e devendo ser apurados o não foram, comprometendo, assim, uma decisão jurídica criteriosa que urge colmatar – donde a solução preconizada no artigo 426º do CPP - a problemática que agora nos ocupa precede-a na medida em que aqui o tribunal [de julgamento] terá investigado o que podia e devia investigar, sem que, contudo, haja logrado alcançar aquele limiar de concretização, sem o qual resulta, irremediavelmente, comprometido o direito de defesa.
Será assim no caso do recorrente A...?
Afigura-se-nos que não!
Com efeito, não sendo, embora, a factualidade descrita no ponto I. dos factos provados [no entender do recorrente, a fonte de todos os «males»], completamente, destituída de concretização – vd. a referência à natureza dos estupefacientes, ao período a partir do qual ocorreram os fornecimentos e bem assim à identificação dos respectivos destinatários – decisivo é que vai a mesma ganhando corpo ao longo da fundamentação, além do mais, com a especificação das «relações de proximidade» estabelecidas, em função até de razões de parentesco, vizinhança, namoro; com a explicitação de como, no contexto da comercialização do estupefaciente, com «origem» nos ditos fornecimentos, os vários intervenientes se posicionavam no terreno e articulavam entre si; com a apreensão a alguns dos «abastecidos» dos ditos produtos estupefacientes [cf. os casos de H... (ponto XVII) e G... (ponto XXV)]; com a apreensão ao recorrente de quantias significativas em dinheiro – nalguns casos,“repartido” de forma a que nenhuma dúvida razoável se suscite relativamente à respectiva proveniência [cf. pontos XXII, XXIII, XXVI] - bem como de objectos em ouro e veículos, estes em número não desprezível [cf. ponto XXXVI] - não olvidando a circunstância de, à data, o mesmo não exercer de forma regular qualquer actividade (lícita) remunerada [cf. ponto L]; com a apreensão de estupefaciente, concretamente heroína [três pacotes com peso bruto de 4.5 gramas], numa das residências que partilhava com E... [também condenada, ao lado do recorrente, como co-autora do crime de tráfico (ponto XXIII)]; com a definição de certos períodos temporais [em parte, coincidentes com o tempo durante o qual desenvolveu a sua “actividade de fornecimento”] em que, por seu turno, o recorrente recepcionou as encomendas de estupefaciente, destinadas aos «fornecimentos».
São tudo aspectos que conjugados entre si, sedimentam o que, sem dúvida, de forma menos concretizada, ficou assente no ponto I. dos factos provados.
É, pois, de concluir no sentido de não se verificar, no que ao recorrente respeita, uma ausência de concretização de factos impeditiva do exercício dos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da CRP, desde logo do seu direito de defesa.

Isto dito, retomemos os vícios.

No que respeita ao vício da insuficiência da matéria de facto, tal como deve ser configurado, não se colhe resultar da decisão a omissão de quaisquer factos relevantes que da mesma devessem constar e que estivessem ao alcance do Colectivo apurar inviabilizadores de uma decisão jurídica criteriosa, tão pouco – à parte o que acima se referiu, mas que «entronca» numa outra realidade – vêm os mesmos identificados pelo recorrente, que mais não faz do que sobrepor a sua própira convicção à que decorre, com meridiana clareza, ter sido a do tribunal a quo.

A contradição insanável entre os factos provados e os não provados, no caso convocada pelo recorrente, verifica-se quando ocorre uma incompatibilidade, não ultrapassável, entre uns e outros.
Em sede de motivação, invoca o recorrente verificar-se contradição entre os factos dados como provados no ponto II. - “Paralelamente, o arguido A... socorria-se da arguida E... para, sob a sua supervisão, guardar droga/dinheiro e outros objectos, mas sobretudo para, por sua conta, proceder à venda/revenda do produto estupefaciente” e os factos tidos como não provados, a saber: “que a E... tivesse em concreto escoado produto através da sua residência sita na Rua … ”- [destaque nosso].
Só por mera distracção se compreende a alegação, posto que nenhuma contradição ocorre, muito menos insanável!
A questão poderia colocar-se sim, entre a dita factualidade não provada e os factos constantes do ponto IV, no segmento: O contacto final com os destinatários dos estupefacientes, vulgo consumidores/pequenos traficantes, verificava-se a partir das residências da arguida E... (namorada do dito A...), numa fase inicial residente na Rua … , em Coimbra e, depois, na Rua … , em Coimbra ….
Contudo, também aqui é possível compatibilizar as duas asserções, pois não surgem as mesmas inconciliáveis, na medida em que o “contacto final”, não significa necessariamente que o estupefaciente tivesse sido “materialmente entregue” naquela mesma residência.
Acresce que a contradição insanável apenas tem virtualidade para determinar o reenvio do processo para novo julgamento quando impeça ou impossibilite a decisão da causa, o que nunca seria o caso.

Falece, assim, também nesta parte, razão ao recorrente.

Por outro lado, é de concluir por erro notório na apreciação da prova … sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.º 127º do CPP, quando afirma que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência – [cf. Maria João Antunes, in “Conhecimento dos Vícios Previstos no art. 410º, n.º 2, do CPP”, pág. 120].
O que significa que o aludido vício só será de convocar quando for detectado um erro de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, realidade que não pode ser confundida com a errada apreciação e valoração da prova não obstante terem como denominador comum a sindicância da matéria de facto.
No mesmo sentido Simas Santos e Leal Henriques quando realçam “… não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artº 127º.” – [cf. “Recursos em Processo Penal”, 6ª edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 74].
Mas se, como sucede no caso, for de concluir que o invocado vício não passa de uma patente discordância em termos de matéria de facto [cf. acórdão STJ de 18.10.2006 (proc. n.º 2536/06 – 3.ª), terá a alegação de improceder.
Com efeito, dos próprios termos da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência, não se extrai que o Colectivo tenha dado como provado algo que notoriamente, aos olhos do observador comum, para a generalidade das pessoas, se torne evidente não podia ter sucedido.

É quanto basta para, uma vez mais, reafirmar a falta de fundamento da alegação.

Idêntica sorte merece a invocada preterição do princípio in dubio pro reo.
Como refere o acórdão do STJ de 15.12.2011 “… importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova …, a mesma deve resultar do texto da decisão da decisão recorrida em termos análogos aos dos … vícios. Ou seja, só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido - pela prova em que assenta a convicção. … Esta possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio será balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios, por um lado, com o consequente alargamento de possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum. O que significa que, tal como ocorre na análise e exame dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo, há que não esquecer que se está sempre perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo art. 410º do CPP …” [cf. proc. n.º 17/09.0TELSB.L1.S1].
Retomando o caso concreto, não se detectando na fundamentação dúvida razoável na formulação do juízo factual, a qual manifestamente não se colocou ao Colectivo – nem se vê que se devesse ter colocado - resultando, antes, residir o mesmo na análise das provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento, sem atropelos aos princípios matriciais respeitantes à prova, com respeito pelo contraditório, só resta concluir por não ter ocorrido ofensa do referido princípio – [cf. os acórdãos do STJ de 15.10.2003 (proc. 1882/03- 3.ª), 06.12.2006 (proc. n.º 06P3520), 15.02.2007 (proc. nº 3174/06 – 5.ª)].
Intimamente relacionado, surge a preconizada mas, adiante-se, não bem sucedida, violação do artigo 127º do CPP, pois que não resulta da decisão que o Colectivo haja valorado os diferentes meios de prova contra as regras da experiência ou em violação dos seus momentos estritamente vinculados.
Olvida o recorrente que A garantia de legalidade da «livre convicção» a que alude o artigo 127º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova – [cf. acórdão do STJ de 11.11.2004 (proc. n.º 04P3182)], bem como que a valoração das provas cabe, em primeira linha, ao tribunal perante o qual foram produzidas, ao qual não está vedado o recurso à prova indirecta, baseada em indícios, indícios esses que são todas as provas conhecidas e apuradas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém conclusão firme, segura e sólida; a indução parte do particular para o geral e apesar de ser prova indirecta tem a mesma força que a testemunhal, documental ou outra.
(…)
Requisito material é estarem os indícios plenamente comprovados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos de facto punível e sendo vários, devem mostrar-se inter-relacionados de modo a reforçarem o juízo de inferência. Este juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida, para que dos indícios derive claramente o facto a provar, existindo um nexo directo, preciso e adequado. – [cf. acórdão do STJ de 26.01.2011 (proc. n.º 417/09.5YRPTR.S2)].
Ora, no caso a fundamentação evidencia de modo suficientemente claro, quais as provas – directas e indirectas - de que o tribunal se socorreu para chegar à responsabilidade do recorrente, como as conjugou entre si - com recurso a juízos de concordância, os quais não se revelam arbitrários, absurdos ou infundados; bem pelo contrário -, do mesmo passo que não deixa dúvida sobre a “razão” que esteve na origem da irrelevância na formação da convicção de certos meios de prova e particularmente das declarações das arguidas G... e E..., respectivamente mãe e namorada do recorrente, num processo que transparece lúcido e sustentado.

Em suma, também aqui, não assiste razão ao recorrente.

d.

Insurge-se o recorrente com a subsunção dos factos ao crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01, defendendo a integração dos mesmos no tipo privilegiado do artigo 25º do citado diploma legal.
Vejamos, pois, se a factualidade apurada se subsume ao artigo 21º do D.L. nº 15/93, de 22.01 ou, ao invés, como defende o recorrente, se estamos perante um crime de tráfico privilegiado, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do referido diploma.
Acerca da correlação entre os crimes dos artigos 21º e 25º do D.L. nº 15/93 refere o acórdão do STJ de 29.10.2008 [proc. n.º 08P2961] A essência da distinção entre os tipos fundamental (art. 21º) e privilegiado (art. 25º) reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devem ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei (…). As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios, na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas.”
De facto, a tipificação do artigo 25º … parece ter o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta), encontre a medida justa da punição para casos que, embora de gravidade significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito, justificativa da tipificação do art. 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no preceito em causa. Ao indagar do preenchimento do tipo legal do art. 25º haverá que proceder a uma valorização global do facto, sopesando todas e cada uma das circunstâncias aí referidas, para além de todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado. Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
Neste sentido, fazendo apelo à valorização da imagem global do facto vd, entre outros, os recentes acórdãos do STJ ambos de 23.11.2011 (procs. n.º 20/09.GALLE.E1.S1, 127/09.3PEFUN.S1)
Na situação em apreço decorre que “situando-se”, embora, num “patamar” intermédio, o arguido levou a efeito a sua actividade mediante prévio e comum acordo e em conjugação de esforços com os co-arguidos E... e B..., favorecendo, na execução da mesma os contactos via telemóvel - evitando ele próprio dar a face perante o consumidor -, utilizando, ainda, um número significativo de veículos.
Por outro lado, é de considerar as quantidades de estupefacientes, no caso heroína e cocaína, apreendidas na posse de pessoas a quem fornecia, as quais ultrapassam manifestamente o usual do tráfico ao nível das doses individuais.
Relevante, também, a quantidade de estupefaciente heroína – dividida em três pacotes, com o peso bruto de 4.5 gramas – apreendida numa das residências que compartilhava com a sua companheira (co-autora E...), bem como as elevadas quantias em dinheiro e objectos, designadamente em ouro.
De ponderar o lapso temporal por que se arrastaram os ditos fornecimentos, e se é certo não terem resultado exactamente apuradas as quantidades fornecidas, reafirma-se que, à luz das regras da experiência comum, com recurso a critérios de razoabilidade, arredada se mostra uma actividade de tráfico no âmbito das doses individuais ou similar, a qual, consabidamente, surge associada ao pequeno traficante de rua, o que não era, manifestamente, o caso.
Aspectos, estes, que lidos de forma conjugada, fornecem uma imagem global do facto que exclui, sem hesitações, a considerável diminuição da ilicitude.
Consequentemente, nenhum reparo merece a subsunção dos factos/conduta do recorrente no tipo matricial do artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.1.

e.

Indicando como normas jurídicas violadas o artigo 71º e ss. do Código Penal, não se conforma o recorrente com as penas aplicadas, as quais tem por excessivas.

A aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Como ensina o Professor Figueiredo Dias Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (…).
Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à ressocialização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime (…) limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção – [cf. “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 215].
Concretizando, nas palavras do autor, 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. – [cf. “Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime”, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 1996, pág. 121].
A moldura de prevenção comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos. – [cf. Figueiredo Dias, “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, pág. 117].
Sobre os fins das penas rege o artigo 40º, nº 1 do Código Penal, dispondo o nº 2 que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Por seu turno, o artigo 71º do mesmo diploma legal estabelece os critérios de determinação da medida concreta da pena, a qual dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Como decorre do acórdão do STJ de 08.06.2011 [proc. nº 87/09.0PARGR.L1.S1] As circunstâncias e critérios do art. 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases de coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Nesta sede, depois de ponderadas as finalidades que presidem às penas [artigo 40º do CP] e as circunstâncias previstas no artigo 71º do Código Penal, considerou o Colectivo as elevadas exigências de prevenção geral, bem como de prevenção especial, relevando, ainda, os antecedentes criminais do recorrente, quer na área do tráfico de estupefacientes [o que, naturalmente, não constitui a mais pálida violação do princípio ne bis in idem, invectivada pelo recorrente, a propósito de uma condenação, por si sofrida, por factos de idêntica natureza, ocorridos em 2003], quer no que concerne ao crime de condução sem habilitação legal, quer, por fim, noutras áreas da criminalidade, como resulta do CRC de fls. 2793 e ss.
Realçou, outrossim, o dolo intenso e directo, o período em que perdurou a acção e os proventos económicos vultuosos da mesma decorrentes.
Contudo, restando alguma indefinição, quer no que respeita às exactas quantidades fornecidas – pese embora, como vimos, muito longe de se confinarem ao nível das pequenas doses, típicas do traficante de rua, de resto, incompatíveis, desde logo, com os proventos resultantes para o arguido de tal actividade -, bem como à exacta regularidade com que as mesmas ocorreram durante o lapso de tempo considerado – afigura-se-nos mais ajustada às circunstâncias a aplicação da pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática do crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01 com referência às tabelas I – A e I – B anexas – [artigos 40º e 71º do Código Penal].
No que concerne ao crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98, de 3.01, impõe-se começar por evidenciar a falta de fundamento do recorrente quando se reporta à ausência de ponderação por parte do Colectivo da aplicação da pena de multa, prevista em alternativa, pois que o acórdão não deixa margem para dúvida de que, ponderando-a, a afastou, o que encontra total justificação nas anteriores condenações, nesse domínio, sofridas pelo recorrente sem que tal o tenha demovido de conduzir e, mais gritante ainda, de ir coleccionando veículos …!
Em suma, como bem ajuizou o Colectivo a pena de multa não cumpre, no caso, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, consequentemente, só podia ser preterida [artigo 70º do Código Penal].
Não obstante, sendo a pena de prisão correspondente até 2 [dois] anos, não nos repugna baixá-la para 1 [um] ano, pena esta que, sem ultrapassar a medida da culpa, se considera responder satisfatoriamente às exigências de prevenção, sem contribuir para dificultar excessivamente a reintegração do arguido [artigos 40º e 71º do Código Penal].
Havendo que proceder, à luz do artigo 77º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das ditas penas, perde acuidade a crítica, infundada, embora, ao que nesse âmbito foi decidido no acórdão, quer porque a mesma se mostra fundamentada [em função das penas parcelares, então encontradas], quer porque parece esquecer o recorrente que no caso de concurso efectivo de crimes, as penas de substituição são aplicadas apenas à pena conjunta e não às penas parcelares encontradas para cada crime – [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário ao Código Penal”, pág. 245].
Sopesados os factos no seu conjunto – a imagem global dos crimes, de grave afectação de diferentes bens jurídicos, contemporâneos, embora, um do outro -, denotando o arguido uma personalidade renitente à assimilação dos valores protegidos com a respectiva incriminação, o que resulta manifesto das anteriores condenações no mesmo domínio, revela-se ajustado fixar a pena única em 6 [seis] anos e 6 [seis] meses de prisão – [cf. artigo 77º do Código Penal].


f.

A inconformidade manifestada pelo recorrente relativamente à declaração de perda dos veículos surge ancorada no “erro de julgamento”.
Porém, tendo sido o mesmo votado ao insucesso, com base nos factos apurados é de manter, nesta parte, a decisão recorrida que encontra apoio nas normas legais aplicáveis, no caso correctamente convocadas.

3.2. Recurso de C...

a.

Uma breve alusão à questão prévia, assim denominada pelo recorrente no ponto B1. das conclusões.
Invocando que do acórdão em crise constam, pelo menos, duas referências que revelam da ciência privada do M.mo Juiz Presidente – como tal jurídico – processualmente inadmissíveis, por integrarem os factos tidos por provados, por força de circunstâncias que não foram sujeitas ao fogo do contraditório – extrai o recorrente a violação, em simultâneo, do artigo 355º do CPP e do princípio da presunção de inocência, nos termos do artigo 32º, nº 2 da CRP.
A real abrangência da objecção encontra-se, porém, na motivação.
Contudo, evidencia-se agora, tão só, o que de momento, a propósito, se impõe enfrentar: a intervenção do Senhor Juiz Presidente no julgamento dos presentes autos.
Para singelamente concluir no sentido de não se terem por verificados, no caso, os pressupostos de que depende o Impedimento, contemplado na al. c) do artigo 40º do CPP.
Com efeito, a intervenção do Senhor Juiz Presidente no julgamento dos autos de processo comum nº 455/08.5JACBR não é susceptível de integrar o Impedimento que ora convoca, como se afigura inequívoco do artigo 43º do CPP sobre Recusas e escusas, incidentes, estes, com tramitação e tempo próprio [cf. artigos 43º, 44º e 45º do CPP] no caso, com o devido respeito, a despropósito chamados à colação.

Quanto aos eventuais reflexos da alegação [concretamente na matéria de facto] a seu tempo, não resultando, entretanto, prejudicados, serão objecto de apreciação.

b.

São várias as questões suscitadas pelo recorrente, afigurando-se-nos, contudo, colocar-se uma delas, pela respectiva consequência, a montante de tudo o mais, devendo, em consequência, merecer primazia no tratamento.
Trata-se de questão já antes abordada, a propósito do recurso do arguido A..., e que se prende com a concretização – ou respectiva ausência - dos “factos” vertidos no acórdão.
Conforme adiantamos, é problemática insusceptível de ser confundida com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não se traduzir numa omissão que o tribunal possa colmatar, mas antes numa deficiência, se quisermos congénita, pois que, por regra, tem origem em fase anterior, causando um estrago de dimensão mais profunda.
E porque a situação, na nossa perspectiva, se apresenta clara, sem rodeios diremos que a materialidade objectiva – pois que a demais é desta consequência – descrita no acórdão é insusceptível, agora sim, por ausência da necessária e indispensável concretização, de conduzir à condenação do recorrente.
Com efeito, o acórdão recorrido, não obstante a amplitude utilizada por ocasião da descrição do elemento subjectivo do tipo – muito comum, aliás, quando se pretende dizer tudo, sem que, não raras vezes, se diga o essencial – imputa ao arguido “… um jovem estudante, sem qualquer actividade profissional, que frequentava os estabelecimentos bares/cafés/discotecas de Coimbra, e tinha um acesso privilegiado aos jovens da sua idade que frequentavam designadamente “ … ” sitos na Rua …, em Coimbra, sendo que o mesmo se movimentava no “mundo da noite”, onde as solicitações de produtos como haxixe, cocaína, “pastilhas” são elevadas e tem acesso fácil a esse tipo de produtos …” a distribuição, nesse meio, “em circunstâncias não concretamente apuradas, mas por vezes mediante prévio contacto telefónico por parte dos interessados”, dos ditos estupefacientes, os quais, pelo menos, a cocaína, lhe eram fornecidos desde Maio/Junho de 2009, pelo arguido A..., que, também, lhe facultava heroína – [cf. pontos I e VI da matéria de facto provada].
Por outro lado, a circunstância de o arguido C... [condenado como autor, e não co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes] “ser oriundo de uma classe sócio económica média – alta de Coimbra, permitiu-lhe “patrocionar” despesas dos colaboradores que assumissem a face visível da venda directa ao consumidor/pequeno traficante, quando assumiu como suas, através do seu cartão de crédito, as despesas do aluguer de outras viaturas para indivíduos conotados com o tráfico, designadamente … contra o qual foi deduzida acusação no NUIPC 455/08.5 JACBR, e que já foi alvo de condenação por acórdão de 1.ª instância, acrescendo que o arguido A... também foi à Interrent alugar um carro com o cartão do arguido C...” – [cf. ponto VII da matéria de facto provada].
De seguida, são identificados os números dos cartões utilizados nos telemóveis, de que o arguido se servia para efectuar e receber chamadas quer dos arguidos A... quer do arguido B... [este condenado como co-autor com o primeiro pelo crime de tráfico] “que o abasteciam de produto estupefaciente” quer de clientes desconhecidos que o contactavam com vista a serem por ele fornecidos – [cf. ponto VIII da matéria de facto provada].
Depois, vêm descritos “encontros” entre os arguidos C... e A..., por vezes ocorridos com a presença de outros indivíduos, de identidade desconhecida, sem que, contudo, alguma vez venha referido que em tais circunstâncias se haja, efectivamente, verificado “abastecimento” de estupefaciente, detectando-se, antes, o recurso sistemático à expressão “neste contexto”, a qual pretendendo “dizer o que não se diz” acaba “por não dizer nada” – [cf. pontos IX., X., XI., XII., XIII.].
Sendo esta a materialidade descrita no acórdão, sem que venha identificada uma única pessoa a quem o arguido haja “distribuído” estupefaciente [pastilhas? heroína? cocaína? todos?] – o que talvez se entenda à luz da vastidão em que se traduz o mundo da noite, onde vem dito que “distribuía” -; sem que resulte dos factos ter-lhe sido apreendido produto de tal natureza e/ou qualquer artefacto daqueles que constituem a parafernália associada ao tráfico e/ou dinheiro, mormente fraccionado do modo habitual; sem que se diga que nos ditos “encontros” houve, efectivamente, lugar a “fornecimento” de estupefaciente – convindo aqui abrir um parêntesis para convocar o que assente ficou no ponto LVII. da matéria de facto, quanto ao consumo de estupefacientes por parte do recorrente, hábito aditivo que vem já de trás - impõe-se concluir que tal forma de proceder [no acórdão], por inviabilizar o direito de defesa, constituindo grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da CRP, não pode conduzir à sua condenação, o que nem a abrangência do tipo, no caso concreto, é susceptível de contrariar.
Com efeito, nada do que fica dito se prende com a «prova», a «impugnação da matéria de facto», na modalidade mais ou menos alargada, sequer com a fundamentação, mas antes com a ausência na decisão da necessária e indispensável concretização dos factos capazes de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico - penal do recorrente.
A propósito de tal problemática tem-se vindo a pronunciar de forma constante o Supremo Tribunal de Justiça, realçando a irrelevância jurídico – penal das imputações genéricas, que depois não encontrem no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização – [cf., entre muitos outros, os acórdãos STJ de 05.04.2006 (proc. n.º 05P2932), 10.05.2006 (proc. n.º 06P1190), 24.01.2007 (proc. 06P3112), 21.02.2007 (proc, n.º 06P3932), 24.07.2007 (proc. 08P578)].

Impõe-se, pois, concluir pela absolvição do arguido/recorrente C... da prática, como autor, do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01 e, em consequência, inverificados que estão os pressupostos que conduziram à decisão de perda dos telemóveis que lhe foram apreendidos, descritos no auto de exame directo de fls. 2051 dos autos, determinar a sua restituição.
Mostra-se, assim, prejudicado o conhecimento de todas as demais questões colocadas pelo recorrente.

3.3. Recurso de B...

a.

Suscita o recorrente a questão da valoração das escutas telefónicas como “meio de prova”, quando aduz tratar-se, antes, de “meio de obtenção de prova”, aspecto sobre o qual já tivemos oportunidade de nos pronunciar no ponto 3.1.a.a., quando apreciámos o recurso de A..., dando-se, agora, por reproduzido o, então, consignado.
Acrescente-se, porém, que, ao invés do que parece ser seu entendimento, as transcrições das escutas telefónicas – prova documental – podem mesmo surgir como único meio de prova a sustentar a convicção do tribunal, como vem defendido, vg. no acórdão do STJ de 02.04.2008 [proc. n.º 08P578], no segmento: O art. 8º da CEDH permite a ingerência de uma autoridade pública, com finalidade preventiva ou repressiva, na área dos direitos fundamentais, desde que devidamente respeitadas duas condições essenciais: a legalidade, e a sua necessidade face a interesses particularmente protegidos. Assim, se forem observadas as regras de produção de prova legalmente consignadas nada impede que as intercepções telefónicas constituam o único meio de prova a fundamentar a convicção do tribunal.

b.

No que concerne à preconizada - na motivação, que não já nas conclusões [as quais, nunca é demais repetir, delimitam o objecto do recurso] - impugnação da matéria de facto, é manifesto que não tendo o recorrente dado cumprimento, em parte alguma da petição recursiva, aos ónus impostos no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP – [vd.., desde logo, o modo como (na motivação) vem delimitada a matéria a impugnar: Dos factos provados impugnam-se todos os constantes do ponto XXXVII do acórdão recorrido!!!] – antes, se limitando, a sobrepor a sua convicção à que resulta ter sido a do Colectivo – não pode a mesma ser sindicada à luz do referido preceito, não sendo, assim, nesta parte de tomar conhecimento do recurso.
Por outro lado, não se detectando os vícios do artigo 410º do CPP – preceito genericamente convocado pelo recorrente – teremos de nos fixar na decisão de facto proferida em 1.ª instância, a qual, tendo presente o desempenho imputado ao arguido [actuação em co-autoria, ao lado dos A... e E...] no seio da actividade criminosa contém suficiente concretização.
Em suma, é de manter inalterada a matéria de facto.

c.

Defende o recorrente a subsunção da sua apurada conduta no tipo previsto no artigo 26º ou, quando muito, no artigo 25º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Atendo-nos à decisão de facto constante do acórdão ressalta [cf. pontos III. e XXXVII factos provados] haver o mesmo agido mediante prévio e comum acordo e em conjugação de esforços com os co-arguidos A... e E..., na distribuição, na cidade de Coimbra, dos produtos estupefacientes adquiridos com essa finalidade, não obstante a coordenação de tal actividade ser levada a efeito por A....
Sendo este o quadro não merece censura a sua condenação como co-autor do crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do citado diploma legal pois, em função do que nesta sede ficou dito por ocasião da apreciação do recurso do arguido A..., para cujas considerações, nesta parte, se remete, não se mostram reunidos os pressupostos do artigo 25º, ou seja a imagem global do facto/valoração total do «episódio» [convém relembrar, envolvendo os três co-arguidos! Parece o recorrente esquecer tratar-se de uma “actuação” levada a efeito mediante prévio e comum acordo e em conjugação de esforços, no âmbito da qual, por isso, não se torna necessário a presença de todos eles ou a prática por todos da totalidade dos actos para que a conduta criminosa seja imputada a todos; donde a concretização dos factos de um repercutir-se-á, até onde essa comunhão de esforços perdure, também, sobre o outro ou outros] não permite concluir pela considerável diminuição da ilicitude.
Menos ainda consente a preconizada subsunção no tipo reservado ao “traficante-consumidor”, sendo neste âmbito de salientar que “a problemática aditiva” que o vem acompanhando desde a adolescência [cf. pontos III e LVI dos factos provados], só por si, nunca poderia conduzir à sua aplicação pois “… o crime do art.º 26º, que se refere ao do traficante consumidor, exige que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no art.º 21.º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal …” – [cf. acórdão do STJ de 27.07.2006, proc. n.º 06P2815], circunstância que, no caso, não resultou demonstrada – [cf., vg. ponto XLII dos factos provados].
Não resultam, assim, violados os artigos 21º, 25º e 26º do D.L. n.º 15/93, de 22.01.

d.

Questiona, ainda, o recorrente a pena em que foi condenado, neste contexto indicando como disposições violadas os artigos 71º e 50º do Código Penal.
Sobre os fins das penas e os factores a atender na sua concreta determinação já nos pronunciamos, de um modo geral, no ponto 3.1.e., na apreciação do recurso do arguido A... aqui se reproduzindo o ali dito, evitando, assim, desnecessárias repetições.
No caso do recorrente somos, como se nos afigura não poder ser de outro modo, sensíveis ao lapso de tempo em que o mesmo desenvolveu, em co-autoria, a dita actividade, a qual não foi além de meados de Julho de 2009 [ponto III. dos factos provados], o que - tendo em atenção o constante do ponto I [factos provados] e a data em que os co-autores A.../E... foram “interceptados”- representa cerca de ¼ do período total.
Por outro lado, é manifesta a coordenação, liderança/preponderância do co-autor A... em toda a actividade.
Também julgamos ser realistas quando, olhando a conduta do recorrente, se vê o pendor relevante que na mesma, por certo, teve o seu hábito aditivo, sendo disto sintomático o respectivo desempenho, também, de “provador”.
Por outro lado, não será despiciendo referir a circunstância de não lhe haverem sido apreendidos bens ou valores.
Em face do exposto, sopesando as circunstâncias consideradas no acórdão recorrido - [vg. o segmento … cumprindo aqui referir o menor grau de comparticipação/culpabilidade por parte dos co-arguidos B... …], onde se inclui, naturalmente, a condenação sofrida pelo recorrente pela prática em Janeiro de 1999 de um crime de idêntica natureza [cf. CRC de fls. 2734/2735], bem como as consideráveis exigências de prevenção geral e especial, surgindo estas últimas, agora, mais atenuadas em consequência do processo de desintoxicação em curso por parte do recorrente, mas, igualmente, todos os aspectos que acima evidenciamos, tem-se por mais adequada – até por comparação com a pena sofrida pela co-arguida E... [condenada a cinco anos de prisão suspensa na sua execução], cuja conduta, com o devido respeito, nos parece de maior gravidade quer pelo grau e período de envolvimento na actividade, quer pelos proventos que da mesma retirou - a pena de 4 [quatro] anos e 6 [seis] de prisão, proporcional às circunstâncias do caso, à realização das finalidades da punição e, acima de tudo, à sua culpa – [cf. artigos 40º e 70º do Código Penal].

e.

Sendo esta a medida concreta da pena, ainda que o recorrente não suscitasse, como suscita, a questão da aplicação da pena de substituição de suspensão prevista no artigo 50º do Código Penal, sempre se tornaria obrigatório enfrentá-la.
Para, face às circunstâncias, dizer que não se mostra excluído um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, a tal não se opondo, de forma irremediável, a condenação já sofrida pelo arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, a qual remonta há mais de uma década.
Realce-se o que a certo passo os julgadores deixaram consignado no acórdão: “De relevar ainda o processo de desintoxicação em curso por parte do arguido B..., assolado que foi por um passado de consumo de estupefacientes, e o facto de gozar de apoio familiar e integração social …”.
Não tendo a opção pela pena de substituição de enraizar numa certeza inabalável de que através dela se alcançam as finalidades da punição, bastando a formulação de um juízo razoável de possibilidade de assim vir a acontecer, entendemos justificar-se a suspensão da execução da pena, por igual período de tempo – [quatro anos e seis meses], acompanhada por regime de prova assente num plano de reinserção social a ser elaborado e fiscalizado pela DGRS [artigos 50º, n.ºs 1 e 5 e 53º do Código Penal].

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido A... e, em consequência, condená-lo pela prática como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I – A e I – B anexas na pena de 6 [seis] anos de prisão; como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos artigos 123º do Código da Estrada e 3º, nºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98, de 3.01, na pena de 1 [um] ano de prisão; operando o cúmulo jurídico das ditas penas parcelares, condenar o mesmo arguido na pena única de 6 [seis] anos e 6 [seis] meses de prisão, revogando em conformidade, nessa parte, o acórdão recorrido;
b) Julgar integralmente procedente o recurso do arguido C... e, em consequência, absolvê-lo da prática, como autor material, do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I – A e I – B anexas, revogando, em conformidade, o acórdão recorrido;
c) Revogar o acórdão recorrido na parte em que declarou a perda a favor do Estado dos telemóveis apreendidos [descritos no auto de exame directo de fls. 2051] ao arguido C...Teles Rodrigues Pais, determinando a sua oportuna restituição ao mesmo;
c) Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido B... e, em consequência, condená-lo, como co-autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do D.L. nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I – A e I – B anexas, na pena de 4 [quatro] anos e 6 [seis] meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova assente, num plano de reinserção social a ser elaborado e fiscalizado pela DGRS, revogando, em conformidade, o acórdão recorrido;
d) Manter, no mais, o acórdão recorrido.

Comunique ao Tribunal de 1.ª instância, com referência ao traslado, informando que se trata de acórdão ainda não transitado.

Sem custas


Maria José Nogueira (Relatora)


Isabel Valongo