Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/10.7SAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO POR MULTA
Data do Acordão: 05/30/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 43º, DO C. PENAL
Sumário: O disposto no art.º 43º, do C. Penal, prevendo a substituição da pena de prisão por pena de multa, é especialmente dirigido aos casos em que o crime é exclusivamente punível com pena de prisão na norma incriminadora.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo comum singular 51/10.7SAGRD do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda o arguido A... foi condenado por sentença depositada em 24.10.2011 como autor de um crime de receptação na pena de quatro meses de prisão.
Foi ainda condenado civilmente no pagamento ao demandante B... da quantia de cinquenta euros.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido A..., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
A) A sentença recorrida, embora douta, viola claramente o disposto nos art.ºs 43°, n.º 1, 70.° e 58.° do Código Penal.
B) A aplicação ao arguido de pena de prisão efectiva não se encontra justificada e foi aplicada em clara violação e inobservância do poder/dever legalmente previsto e que impõe ao Tribunal a substituição da pena aplicada. Para além do mais, apenas terá efeitos nefastos, em nada contribuindo para sua reintegração e ressocialização.
C) O tribunal "a quo" cometeu ilegalidade por inobservância da obrigatoriedade legal que decorre do disposto no art.º 43.°, n.º 1 do C.P .. Nos termos da mencionada disposição legal, a pena de prisão aplicada, em medida não superior a um ano, apenas não será substituída se a sua execução for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, o que não se verifica nos presentes autos, nem tal fundamento consta da sentença recorrida.
D) No caso vertente, a pena de prisão deverá ser substituída por pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade.
E) Esta pena, para além do papel activo do condenado, chama também a comunidade a participar no restabelecimento da paz jurídica, cumprindo, de forma exacta, a prevenção especial de socialização, não pondo em causa o mínimo exigido pela protecção dos bens jurídicos.
Nos termos expostos e nos melhores de direito, requer a admissão do presente recurso, dignando-se ordenar a substituição da douta sentença recorrida por outra em que se dê provimento ao recorrente.

O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo que deve ser julgado improcedente.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:
No que ao mérito do recurso respeita, pese embora não se acompanhe o pretendido pelo recorrente, ou seja, a substituição da pena de prisão por multa, ou prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que os seus antecedentes criminais claramente demonstram que as finalidades da punição não seriam atingidas por tais mecanismos, a que acresce, em desfavor, no que respeita à multa, a sua débil situação económica, esses mesmos antecedentes possibilitam ainda, ao que entendo, optar pelo cumprimento da pena em prisão por dias livres, contemplado no art." 450 do CP, não sendo de aplicar na situação uma pena de prisão efectiva consecutiva, já que aquela cumprirá de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na verdade a sentença justifica a sua opção com as necessidades de prevenção, "uma vez que se corre o risco de o Arguido não compreender, de facto, que as suas acções têm importantes repercussões". Mas, se se atentar no diminuto tempo de pena de prisão em que o arguido foi condenado, claramente se pode concluir que não é por cumprir consecutivamente 4 meses de prisão, em vez de a cumprir em dias livres, que o recorrente se afastará do crime, para além da consecutividade na prisão lhe cortar, ainda mais, os laços ténues que mantém com o tecido social em que se encontra inserido. A pena de prisão por dias livres, ainda não aplicada ao recorrente, se golpeia, mas não secciona, os laços referidos, possibilitará, também, a aludida compreensão relativamente a acções delituosas na medida em que constitui um patamar no qual o mesmo se inserirá e poderá entender o rigor de uma pena consecutiva de prisão, sem contudo ainda a sofrer. E constituirá um último aviso relativamente à conduta que o mesmo pretende trilhar. É, no fundo, uma última tentativa que se deverá fazer e que ainda não foi testada, antes da prisão efectiva consecutiva, tendo ainda em conta que estamos perante uma pena curta de prisão.
Pelo que sou de parecer que o recurso merece provimento mas apenas no sentido do não cumprimento consecutivo da pena de prisão, devendo antes optar-se pelo cumprimento da mesma em dias livres.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Fundamentos da Decisão Recorrida
Constam da sentença recorrida os seguintes fundamentos de facto e de direito que se transcrevem na parte relevante:
Fundamentação de Facto:
Factos Provados:
1) No dia 29 de Janeiro de 2010, pelas 8 horas, o arguido C... entrou, de forma não apurada, no quarto que o ofendido B..., ocupava na Residencial … , nesta cidade, local onde ambos pernoitaram.
2) Uma vez no interior, retirou de uma mala de cabedal de cor preta, uma carteira em tecido, também da mesma cor, que levou consigo, assim a fazendo sua, contra a vontade daquele.
3) Tal carteira continha os documentos de identificação e outros documentos daquele ofendido, nomeadamente: Passaporte, título de residência, carta de condução, cartão digital, cartão de crédito e multibanco do Banco Espírito Santo e respectivos códigos, cartão da segurança social, cartão de contribuinte, cartão médico, cartão do jumbo, livrete do veículo automóvel … , e ainda um telemóvel de marca Nokia 3310 e outro da mesma marca, modelo N82, a quantia de 23 euros, fotos, uma Bíblia em Russo e papeis vários.
4) Destes objectos foram recuperados a mala preta, a Bíblia Russa, o livrete do veículo automóvel e o passaporte.
5) Nesta mesma data, no estabelecimento de bebidas "…", nesta cidade, o arguido C..., vendeu o telemóvel Nokia N82, em idioma Russo, pelo preço de 50, 00 euros, ao arguido A..., não desconhecendo este que o mesmo havia sido furtado pelo arguido C....
6) Agiu o arguido A... de forma deliberada, livre e conscientemente, representando a possibilidade de adquirir objecto que tinha sido obtido por outrem mediante facto ilícito contra o património, (furto), conformando-se com tal possibilidade visando, dessa forma, obter para si uma vantagem patrimonial, o que veio a conseguir.
7) Tinha, o Arguido, A..., perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.
8) O Arguido foi condenado, no processo nº 202/02.5SAGRD, por sentença proferida em 05/05/2003, transitada em julgado em 20/05/2003, pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203°, nº 1 e 204°, nº 2 do CP e de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231°, nº 1 do CP, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa pelo período de 2 (dois) anos.
9) O Arguido foi condenado, no processo nº 66/07.2SAGRD, por sentença proferida em 15/10/2007, transitada em julgado em 19/10/2007, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203°, nº 1 do CP na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de €350,00 (trezentos e cinquenta euros).
10) O Arguido foi condenado, no processo nº 514/06.9SAGRD, por sentença proferida em 15/02/2008, transitada em julgado em 25/03/2008, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203°, nº 1 e 204° do CP na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa por 3 (três) anos.
11) O Arguido foi condenado, no processo nº 409/08.1SAGRO, por sentença proferida em 14/01/2009, transitada em julgado em 03/02/2009, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203°, nº 1 do CP na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída pela prestação de 150 horas de trabalho a favor da comunidade.
12) O Arguido foi condenado, no processo nº 30/07.1SJGRO, por sentença proferida em 29/04/2009, transitada em julgado em 16/06/2009, pela prática de 2 (dois) crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203° do CP, 2 (dois) crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203°, nº 1 e 204°, nº 1, al b) do CP e 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p., pelo art. 203°, nº 1 e 204°, nº 2, al. e) do CP na única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa por igual período, em regime de prova.
13) O Arguido foi condenado, no processo nº 1002/09.7TAGRO, por sentença proferida em 08/10/2010, transitada em julgado em 10/11/2010, pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art. 359° do CP na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa de €5,00, num total de €1.1 00,00 (mil e cem euros).
14) O Arguido não compareceu nos serviços da OGRS para que se procedesse à elaboração do respectivo relatório social.
15) O Arguido encontra-se desempregado, mora sozinho e recorre à cozinha económica.
16) O Arguido encontra-se em vias de perder a sua casa de habitação.

Factos não provados:
Com relevo para a boa decisão da causa, provaram-se todos os factos que constavam da acusação.

Fundamentação da convicção do Tribunal
O Tribunal fundou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, a partir da análise crítica do conjunto da prova produzida na audiência de discussão e julgamento e junta ao processo, designadamente:
- Nas declarações do Arguido, A..., que, se num primeiro momento optou pelo silêncio, num segundo momento, optando por depor sobre os factos, de forma espontânea e clara, esclareceu o Tribunal que, no início de 2010, no café " …", adquiriu um telemóvel, modelo Nokia N82, a "um senhor de alguma idade" (que depois concretizou como sendo o Arguido C...).
Disse, ainda, que, uma vez que aquele aparelho se encontrava com o idioma em Russo, se deslocou a uma loja de telemóveis, para tentar mudar o idioma para Português.
No contexto de tais declarações, se é certo que o Arguido começou por negar que soubesse da proveniência, eventualmente ilícita, do telemóvel que adquiriu a verdade é que acabou por reconhecer, de forma velada, que se terá colocado a hipótese de o mesmo se constituir como produto de um facto ilícito, desta forma, reconhecendo, implicitamente, a factualidade que lhe é imputada.
- Nas declarações da testemunha, … , empresário o ramo hoteleiro, que, depondo de forma escorreita e espontânea, revelou ser proprietário do café "…", tendo relatado um episódio ocorrido no seu estabelecimento, envolvendo o Arguido C..., que confirmou ser o retratado na fotografia que se encontra a fls. 61, que lhe propôs a aquisição de telemóveis o que de imediato rejeitou por desconfiar da sua proveniência.
Acrescentou, ainda, que, aquando da abordagem entre o Arguido A... e o Arguido C..., aquele conhecia a proveniência ilícita dos telemóveis que este vendia.
- Nas declarações da testemunha, … , empregada de … , que, testemunhando de forma serena e credível, disse ter sido abordada, na loja de telemóveis no … da Guarda, onde trabalhava, primeiro pelo Arguido C... e, depois, pelo Arguido A..., ambos com o mesmo telemóvel, com o seu idioma em Russo, para que procedesse à alteração do idioma, facto este que estranhou.
- Nas declarações do demandante civil, B..., que, ao depor de forma, clara, escorreita e particularmente detalhada (tendo-se, inclusivamente, feito acompanhar das facturas dos objectos que disse lhe terem sido subtraídos), explicitou ao tribunal ter-se deslocado à Guarda por motivos profissionais, sendo motorista de veículos pesados, e, nesse quadro, ter pernoitado numa pensão, junto à estação de comboios, onde, posteriormente e nessa mesma noite, se instalou uma outra pessoa que viu de soslaio.
Neste quadro, esclareceu, ainda, que quando foi tomar banho este individuo (que se conclui ser o referido C..., uma vez que foi ele que posteriormente se apresentou a vender os telemóveis, não sendo crível que já os houvesse adquirido de terceiro) se apoderou de um telemóvel, marca Nokia N82 (no valor de €230) com €10,00 de chamadas e outro telemóvel, marca Nokia 3310 (no valor de €99,OO, adquirido em 2003), em conjunto com cartões bancários do BES (cujo código se encontrava nos próprios), um passaporte e uma Bíblia.
Disse, também, que o episódio em causa ter-se-á desenrolado entre finais de 2009 e princípios de 2010.
- No que se refere às declarações da testemunha, … , agente da PSP, cumpre salientar que o mesmo, embora tenha reconhecido o Arguido C..., mais nada acrescentou de particularmente relevante para o caso dos autos.
- No teor do CRC junto aos autos.

Fundamentação de Direito
De acordo com o art. 231°, nº 1 do CP, "quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias".
Estamos, no tipo legal em causa, perante o designado crime de receptação, onde se procura proteger, enquanto bem jurídico, o património, concebido num sentido económico - jurídico, reconduzindo-se tal noção a todo o conjunto de direitos, "posições jurídicas" e expectativas com valor económico, detidas por uma pessoa e compatíveis com a ordem jurídica.
Nesta linha, a receptação, enquanto tipo criminal apresenta-se, quanto ao agente, como um crime comum (i.é, pode ser praticado por qualquer pessoa); quanto ao bem jurídico, como um crime de dano (punindo a efectiva lesão do bem jurídico, o mesmo é dizer, punindo toda a conduta que desencadeie no ofendido um efectivo prejuízo patrimonial) e quanto ao objecto da acção, como um crime material ou de resultado (punindo a produção de uma ofensa efectiva, nos termos expostos).
Ora, o crime em apreço, no que ao seu tipo legal objectivo se refere, abarca um conjunto vasto de acções traduzidas, na esteira do Ac. do STJ de 18/06/1985, "na perpetuação de uma situação patrimonial antijurídica" que se concretiza na aquisição (concretizada na deslocação fáctica da coisa para a esfera de disponibilidade do agente), na dissimulação (correspondente à ocultação da coisa) no recebimento da coisa em penhor (representado na entrega da coisa para constituição da respectiva garantia) e na detenção ou transmissão dessa mesma coisa, de sua vez obtida através de um facto ilícito contra o património, designadamente através de furto ou roubo.
Passando ao tipo subjectivo do crime em questão, importa sublinhar que, tal qual ele aparece no art. 231°, nº 1 do CP, o mesmo se assume, por força do disposto no art. 13° do CP, como um crime doloso, podendo este revestir-se das múltiplas formas consagradas no art. 14° do CP, designadamente, dolo directo (caracterizado pela vontade dirigida à realização do facto), necessário (assente na vontade dirigida à prática do facto, com todas as suas consequências necessárias e indispensáveis) e eventual (consubstanciado na conformação do agente com as consequências possíveis resultantes da prática do facto).
Pois bem, compaginando a factualidade dos autos com os elementos do tipo de crime em apreço, sendo certo que o ponto da factualidade que aqui releva se centra na transmissão do telemóvel Nokia N82, ocorrida entre o Arguido C... e o Arguido A..., importa, primeiramente, apurar se o Arguido, C..., adquiriu o aparelho em causa de forma lícita ou ilícita, visto que, como se apurou, foi ele que alienou o telemóvel que veio a ser comprado pelo Arguido A....
Assim, no cumprimento de tal tarefa impõe-se, desde logo, ponderar a tipicidade da conduta do Arguido referido, tendo em atenção o facto de lhe ser imputado e no que aqui especificamente interessa, um crime de furto.
Ora, o capítulo do Código Penal (doravante CP) referente aos crimes contra a propriedade abre, logo no seu art. 203°, com o crime de furto.
Pode ler-se no normativo citado que "quern, com ilegítima intenção de apropriação para si ou outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".
Visando defender, enquanto bem jurídico, a propriedade, o crime de furto, no que ao tipo objectivo diz respeito, caracteriza-se por três elementos essenciais, sendo eles, a ilegítima intenção de apropriação, a subtracção de coisa móvel alheia e, por fim, um elemento implícito (como nos explicita Faria Costa (in, ob. cit., p.33), justamente, o valor patrimonial da coisa.
Pois bem, debruçando-nos sobre os elementos do tipo objectivo, importa em primeiro lugar perceber o conjunto de elementos contidos na "subtracção de coisa móvel alheia".
O conceito de subtracção tem por base a noção de retirar uma coisa ao seu possuidor/proprietário, implicando uma eliminação do poder de facto que outrem detinha sobre uma coisa, contra a sua vontade.
Por seu turno, e na esteira de Paulo Pinto de Albuquerque (in, Comentário do Código Penal - à luz da Constituição da Republica e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 551), "[a] noção de coisa móvel para efeitos penais não se confunde com a noção civilística ( ... ) sendo coisa móvel para efeitos penais toda a coisa (corpórea ou incorpórea) que tem existência física autónoma quantificável e pode ser fruída ou utilizada por uma pessoa ( ... )".
Quanto ao carácter alheio da coisa, dir-se-á, simplesmente, que ele se consubstancia no facto de a coisa pertencer a terceiro que não ao agente, sendo o carácter alheio da mesma, determinado pelas regras do direito civil.
Já no que diz respeito ao valor, fácil é de concluir que ele é um elemento estrutural no contexto dos crimes contra a propriedade, assim, e uma vez mais, com Faria Costa (in, ob. cit, p.44), "( ... ) o elemento coisa previsto na infracção [tem de ter] não só valor patrimonial como, para alem disso, tem de ultrapassar um limiar mínimo de valor para que, desse jeito, a sua protecção, enquanto coisa alheia, ascenda a dignidade penal".
Passando, agora, ao tipo subjectivo, o mesmo assenta num crime de base exclusivamente dolosa (nos termos combinados dos arts. 13° e 14° do CP), em qualquer das suas diferentes modalidades, i. é, dolo directo (caracterizado pela vontade dirigida à realização do facto), necessário (assente na vontade dirigida à prática do facto, com todas as suas consequências necessárias e indispensáveis) e eventual (consubstanciado na conformação do agente com as consequências possíveis resultantes da prática do facto).
Adicionalmente, o crime em apreço apresenta um específico elemento ou, se quisermos, um dolo específico, consistente na ilegítima intenção de apropriação, traduzido na intenção do agente em, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada, passar a comportar-se relativamente a ela como se fosse dele, integrando-a na sua esfera patrimonial ou na de outrem.
Pois bem, resulta da factualidade apurada nos autos que no dia 29 de Janeiro de 2010, pelas 8 horas, o Arguido C… entrou no quarto que o ofendido B..., ocupava na Residencial … , na cidade da Guarda, onde ambos pernoitaram.
Mais resultou que, nesse quadro, aquele Arguido retirou de uma mala de cabedal de cor preta, uma carteira em tecido, também da mesma cor, que levou consigo, assim a fazendo sua, sendo que tal carteira continha os documentos de identificação, nomeadamente, o passaporte, o título de residência, a carta de condução, e diversos cartões, tanto de crédito, como pessoais (v.g. um cartão da segurança social e o cartão de contribuinte) bem como um telemóvel de marca Nokia 3310 e outro da mesma marca, modelo N82 e ainda a quantia de 23 euros, fotos, uma Bíblia em Russo e papeis vários.
Pois bem, ao agir da forma descrita, sem que nada justificasse ou desculpasse o seu comportamento, o Arguido, C..., comprometeu-se com o preenchimento da tipicidade do crime de furto, uma vez que subtraiu à esfera do demandante B... diversos bens móveis, que este tinha na sua posse, com a intenção de os fazer seus, tanto assim que os veio a alienar a terceiros, como resulta dos factos em análise.
De tudo isto transcorre que o Arguido, C..., se comprometeu com a prática de um crime de furto, p. e p. nos termos do art. 203º do CP, tendo sido este o meio de aquisição dos aparelhos em causa nos autos.

Nesta linha, o passo seguinte refere-se à aferição da conduta do Arguido A....
Do que se extrai da factual idade provada resulta que aquele adquiriu a C..., um telemóvel, telemóvel este que foi produto do furto já descrito.
Mais se extraiu de tais factos que o mesmo agiu, colocando a possibilidade de tal aparelho ser produto de uma facto ilícito típico tendo-se conformado com isso mesmo.
Assim, preencheu o Arguido A... a tipicidade do crime de receptação, sendo certo que o seu comportamento não encontrava qualquer justificação ou desculpa.
Do que vai explanado decorre que cometeu o Arguido, A..., um crime de receptação, p. e p. nos termos do art. 231°, nº 1 do CP.

Consequências jurídicas do crime
Escolha da pena principal
O crime de abuso de confiança, atento o que se dispõe no artigo 231° do CP, é punível, em abstracto, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa, até 600 dias.
É, então, com base nesta moldura abstracta que se determinará a pena concretamente aplicável ao Arguido.
Em tal operação, importa, desde logo, referenciar o comando inscrito no art. 40° do CP que, ao mesmo tempo que estabelece a protecção do bem jurídico ofendido (de forma a manter e/ou reforçar a confiança da comunidade na vigência das normas destinadas a proteger aquele - a designada prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (ou prevenção especial positiva) como referências inultrapassáveis da aplicação de uma pena, consagra, ainda, o princípio da culpa, impondo que a pena, em caso algum, possa ultrapassar a medida daquela, assim se constituindo a culpa como fundamento e limite, mas não finalidade precípua da aplicação de uma pena.
Tecido o quadro essencial em que se move a determinação de uma qualquer sanção penal é essencial, ab initio, ter presente o preceituado no art. 70°, do CP onde se lê que o tribunal deve dar "preferência à pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Tal inciso legal constitui uma emanação do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, tendo o legislador expresso a sua preferência pelas reacções penais não detentivas face às detentivas, daqui decorrendo que apenas será de aplicar uma pena privativa da liberdade quando a pena de multa se revelar inadequada ou insuficiente face às mencionadas necessidades de prevenção.
Concretizando-se o que vem dito, ponderemos a factualidade apurada nos autos, face ao Arguido, A....
Pois bem, no que ao crime de receptação diz respeito, é um facto que as exigências de prevenção geral são relativamente elevadas, atenta a particular frequência dos crimes contra o património e o elevado sentido que a comunidade tem no que se refere à defesa daquele enquanto repositório do esforço e capacidade de cada cidadão.
Já do ponto de vista da prevenção especial, a verdade é que as exigências do caso se revelam significativas, uma vez que o Arguido apresenta antecedentes criminais relevantes no contexto de crimes contra o património, tendo, designadamente, sido condenado algumas vezes, entre 2003 e 2009, pela prática de crimes contra tal bem jurídico, designadamente pela comissão de crimes de furto e receptação, em pena de prisão suspensa, o que não obstou a que, logo no ano seguinte, em 2010, cometesse os factos ora objecto de julgamento, revelando uma personalidade arredia ao cumprimento da lei, tudo se ajustando de molde a justificar a condenação daquele numa pena privativa da liberdade.
Dito isto, concluímos, face às descritas razões e às disposições legais explicitadas, nomeadamente ao citado art. 70° do CP, ser de aplicar ao Arguido uma pena privativa da liberdade, no caso uma pena de prisão, como punição pelo crime de que vai condenado.

Escolha da medida concreta da pena
Apurada a espécie da pena a aplicar, impõe-se o passo seguinte, concretizado na escolha da concreta pena a impor ao Arguido.
Assim e regressando ao que já se disse a propósito do art. 40° do CP, desta feita conjugado com o art. 71° do mesmo diploma, temos que aquele primeiro normativo, recortando as finalidades da aplicação de qualquer pena, limita a medida máxima da pena à culpa concreta do Arguido, preceituando, no seu nº 2, que "[em] caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa", ao mesmo tempo que o nº 1 daquele inciso em coordenação com o nº 1 do art. 71° do CP estabelece uma interligação entre essa mesma culpa e a noção de prevenção para determinação da medida concreta da pena.
Tendo o quadro normativo exposto como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena, a primeira operação consiste na construção da designada moldura de prevenção geral de integração, tendo por base o programa legislativo que define, recorde-se, a finalidade da punição como a defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade na validade da norma jurídica com vista ao restabelecimento da paz jurídica, expectativas essas que representaram simultaneamente o limite máximo da pena e, como se lê no Ac. do STJ de 14/11/2002 "( ... ) o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite [inultrapassável] consentido pela culpa".
Neste âmbito, o limite mínimo da punição é, de sua vez, delimitado pela noção de defesa do ordenamento jurídico, coincidindo com o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem se colocar em causa uma efectiva protecção dos bens jurídicos".
Delimitada a moldura de prevenção geral onde a pena encontra os seus limites mínimo e máximo, com esse limite intransponível da culpa, importa proceder à determinação da medida concreta da pena, tendo por base, como bem sublinha Figueiredo Dias", as particulares e concretas exigências de prevenção especial com vista à reintegração social do agente.
Nesta operação destinada ao apuramento da medida concreta da pena, então, deverão ser consideradas U( ... ) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o [agente] ( ... )" (nos termos do art. 71°, nº 2 do CP), designadamente e a título exemplificativo, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, entre outras circunstâncias.
No caso dos autos depõe contra o Arguido, A..., o grau de ilicitude do facto, que é relativamente elevado atenta a circunstância de estarmos perante um crime contra o património praticado num momento em que o Arguido havia, há não pouco tempo, sido condenado por outro crime contra o mesmo bem jurídico; o modo de execução do mesmo, concretizado na aquisição de produtos que sabia serem produto de facto ilícito, e, por fim, a intensidade do dolo, traduzida no facto do Arguido ter representado a possibilidade de, com a sua conduta, estar a praticar um facto ilícito, tendo-se conformado com tal circunstância.
De outro lado, a favor do Arguido, teremos, por um lado, o facto de o telemóvel em causa não apresentar um valor particularmente elevado e o facto de o ilícito em causa não ter colocado em causa outros bens jurídicos para além do património, por outro lado haverá que ponderar o facto de o Arguido se encontrar num quadro de grandes dificuldades sócio-económicas, que decorrerão de tempos anteriores da sua vivência, encontrando-se, presentemente, a residir num quarto que abandonará proximamente, assim se indiciando que a factualidade apurada e os antecedentes do Arguido se poderão explicar à luz de sérias dificuldades no quadro social.
Ponderados todos os elementos supra referidos e atendendo à moldura legal aplicável (de pena de prisão de um mês a cinco anos), julga-se ser de aplicar ao Arguido uma pena de prisão, próxima do limite mínimo da moldura abstracta, assim se traduzindo a gravidade relativa dos factos devendo, desta forma, aplicar-se ao Arguido a pena de 4 (quatro) meses de prisão.

Da substituição da Pena de Prisão
Uma vez que se aplicou ao Arguido uma pena de 4 (quatro) meses de prisão, importa, então, ponderar a sua substituição, em face dos diversos institutos legalmente previstos para o efeito, designadamente o da pena de multa (art. 43° do CP), o da prisão por dias livres (art. 45° do CP), o regime de semidetenção (art. 46° do CP), o da suspensão da execução da pena de prisão (art. 50° e ss. do CP) e o da prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58° e ss. do CP).
Pois bem, no que se refere à substituição da pena de prisão aplicada pela pena de multa, preceitua o art. 43°, nº1 do CP que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ( ... ) excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes"; ora, neste âmbito, desde já sublinhamos que a aplicação de pena de multa ao Arguido, nesta sede, seria contraproducente, não só face às suas condições sócio - económicas mas, sobretudo e essencialmente, face à circunstância de o mesmo apresentar um conjunto de antecedentes criminais, no quadro dos crimes contra o património que desaconselha, vivamente, tal substituição, uma vez que o Arguido já tem vindo a ser condenado em penas de prisão pela prática daqueles, ainda que suspensas, que não surtiram os seus efeitos uma vez que o Arguido, pouco depois de tais condenações, em Janeiro de 2010, como se apurou nestes autos, logo começou, novamente, a delinquir.
Nesta linha, os considerandos supra expostos são igualmente válidos para afastar a aplicação do regime de prisão por dias livres e semi-detenção, porquanto estes, pela sua própria execução, dada a personalidade criminal do Arguido, espelhada no seu certificado de registo criminal, não garantem de forma suficientes as necessidades de prevenção, uma vez que se corre o risco de o Arguido não compreender, de facto, que as suas acções têm importantes repercussões.
Seguindo tal quadro de raciocínio julgamos, também, não ser de aplicar nem o instituto da suspensão da execução de tal pena (previsto no art. 50° do CP), nem o de prestação de trabalho a favor da comunidade, tal qual se encontra previsto no art. 58° do CP.
Vejamos porquê.
Se de um lado, nos termos do art. 50° do CP, "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", a verdade é que o Arguido não apresenta uma personalidade consentânea com o cumprimento das regras legais (veja-se, uma vez mais, o conjunto de antecedentes criminais, importantes que apresenta), mais se apresentando socialmente desinserido, sem um emprego ou projecto de vida definido, estando, desta forma, aberta a via para a continuação de uma actividade delituosa, o que, deste modo justifica a não aplicação do instituto da suspensão provisória e, bem assim, do da prestação de trabalho a favor da comunidade, que, tal qual aparece consagrado no art. 580 do CP, só deve ser aplicado se, dessa forma se responder eficazmente às exigências de prevenção, que no caso não se satisfazem, nos termos sobreditos, com a mera ameaça de prisão e, menos ainda, com a aplicação de medidas não detentivas.
A tudo isto some-se, ainda, a circunstância de o Arguido não se ter mostrado cooperante com a DGRS, no que se refere à elaboração do seu relatório social, o que mais reforça a necessidade de o fazer compreender a essencialidade de alterar a sua conduta.
Nestes termos, julgamos dever o Arguido, A..., cumprir, efectivamente, os 4 meses de prisão em que vai condenado.
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III. Apreciação do Recurso
Embora os actos da audiência hajam sido objecto de documentação, o recorrente não impugna a matéria de facto em que assentou a decisão recorrida, restringe o recurso a matéria de direito, pelo que este Tribunal conhece apenas de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nº 2 e nº 3 do mesmo diploma legal.
Ou seja, a matéria de facto dada como provada na primeira instância deve ter-se por assente. Só poderia ser sindicada por este Tribunal se e na medida em que ocorresse algum dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, o que não ocorre (cfr. acórdão de uniformização do S.T.J. nº 7/95 de 19.10.1995)
Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal). Resulta das conclusões do recurso interposto e acima transcritas que se coloca para apreciação deste Tribunal a seguinte questão:
- Se a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser substituída por pena de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Apreciando:
Pretende o recorrente que a pena de prisão de quatro meses em que foi condenado seja substituída por multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Para tanto alega ocorrer violação do disposto nos artigos 43°, nº 1, 70° e 58° do Código Penal porque a aplicação ao arguido de pena de prisão efectiva não se encontra justificada e foi aplicada em clara violação e inobservância do poder/dever legalmente previsto e que impõe ao Tribunal a substituição da pena aplicada. Para além do mais, apenas terá efeitos nefastos, em nada contribuindo para sua reintegração e ressocialização. O tribunal "a quo" cometeu ilegalidade por inobservância da obrigatoriedade legal que decorre do disposto no art.º 43°, nº 1 do Código Penal. Nos termos da mencionada disposição legal, a pena de prisão aplicada, em medida não superior a um ano, apenas não será substituída se a sua execução for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, o que não se verifica nos presentes autos, nem tal fundamento consta da sentença recorrida.

Analisemos se, como o recorrente pretende, deve a pena em que foi condenado ser substituída por multa ou prestação de trabalho a favor da comunidade.
Começando pela pretendida substituição da pena de prisão por multa, convirá começar por realçar que o arguido foi condenado por crime de receptação, punível em alternativa com pena de prisão ou de multa.
O Tribunal a quo, tendo ponderado o disposto no artigo 70º do Código Penal preceituando que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” decidiu e bem optar pela aplicação da pena de prisão cominada na norma incriminadora.
Manifesto é, no caso, que as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, se opunham à aplicação da pena de multa cominada posto que o arguido anteriormente aos factos em apreço já havia sofrido número muito significativo de condenações por crimes contra o património e em penas de prisão cuja execução foi suspensa, tendo, aliás, o presente crime sido cometido no decurso de período de suspensão de duas penas de prisão.
E se se impunha optar pela aplicação de pena de prisão em crime a que correspondia também pena de multa, manifesta seria a contradição se posteriormente e ao abrigo do disposto no artigo 43º, nº 1 do Código Penal, especialmente dirigido aos casos em que o crime é exclusivamente punível com pena de prisão na norma incriminadora, viesse a mesma a ser substituída por multa, quando já antes se havia concluído que a prisão era exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes.
Não pode, pois, proceder a substituição da pena de prisão por multa.

Relativamente à pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, preceitua o artigo 58º, nº 1 do Código Penal que "se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Ou seja, esta pena de substituição só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face dos factos praticados, da personalidade do agente, das suas condições da sua vida e outras circunstâncias como os seus antecedentes, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade, sem embargo de razões de prevenção geral de integração que desde logo podem impedir a opção por tal regime. A execução da pena por tal via não privativa da liberdade terá sempre na base uma prognose favorável ao arguido, a esperança de que este sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime; terá perante ela uma atitude de emenda cívica, de reeducação para o direito.
Mas se pelo contrário o arguido revela incapacidade de compreender a oportunidade de emenda cívica e ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Significa o exposto que devem ser ponderadas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido à luz dos fins de prevenção especial e, sendo essa conclusão favorável, equacionar-se-á se a pena não privativa da liberdade em causa bastará para satisfazer todas as finalidades da punição.
Concluindo, a opção por esta medida de conteúdo sobretudo pedagógico e reeducativo só fará sentido se for possível concluir que o agente do crime terá capacidade para interiorizar dessa forma a desvalia da sua conduta e para se determinar no futuro de acordo com o direito. A pedagogia e a reeducação apenas podem ser exercidas em relação a quem for sensível a esse tipo de apelo.
Ora, a matéria de facto assente revela-nos que estamos perante delinquente que já respondeu, antes do crime em apreço:
- em 2003 por crime de furto e receptação tendo sido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cuja execução foi suspensa;
- em 2007 por crime de furto em pena de multa, em 2008 (decisão transitada em 15.3.2008) por crime de furto na pena de três anos de prisão cuja execução foi suspensa, tendo o crime ora em apreço sido cometido durante esse período;
- em 2009 por crime de furto em pena de prisão substituída por 150 horas de trabalho, em 2009 (decisão transitada em julgado em 16.6.2009) por cinco crimes de furto na pena de 3 anos e 120 meses de prisão cuja execução foi suspensa, tendo o crime em apreço sido cometido durante esse período;
- e, finalmente, em 2010 por crime de falsidade de depoimento em pena de multa.
Estas circunstâncias revelam-nos impressivamente que o arguido não foi sensível às condenações anteriores, estas não tiveram a virtualidade de produzir a sua emenda cívica e, pelo contrário, continuou a delinquir, indiferente até à possibilidade de vir a ser condenado numa pena de prisão efectiva ou à possibilidade de vir a cumprir as ditas penas suspensas.
No caso, as próprias exigências de prevenção geral de integração impediriam que se optasse ainda por pena não privativa da liberdade, acrescendo a impossibilidade de concluir também pela suficiência da pena pretendida para realizar as finalidades de prevenção especial que não se resumem à ponderação da situação pessoal do arguido no meio em que se integra. Em suma e pelas preditas razões, as exigências de prevenção geral de integração opõem-se a que a pena de prisão seja substituída por prestação de trabalho, mas o mesmo se diga das exigências de prevenção especial que já não consentem a aplicação de pena que não passe pela privação efectiva da liberdade, já que a ameaça desse tipo de pena não foi motor suficiente para que o arguido inflectisse a sua conduta que foi ganhando foros de habitualidade.

Não obstante o arguido não formular tal pretensão, sugere o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer que a pena de prisão seja executada em regime de dias livres, o que consistiria numa reformatio in melius da decisão recorrida, permitida (cfr. Recursos em Processo Penal, Simas Santos e Leal-Henriques, 7ª ed., págs, 89 a 90).
Preceitua o artigo 55º, nº 1 do Código Penal no sentido de que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Sendo certo que o crime em apreço não se reveste isoladamente de gravidade acentuada e que o arguido ainda não terá tido contacto anterior com o efectivo significado de uma pena de prisão efectiva, não cremos que seja aconselhável no caso essa forma de cumprimento da pena, tendo em conta a descrita e persistente actividade criminosa do arguido, sendo certo que a sua situação pessoal (desempregado e sem meios de subsistência) não ajuda a augurar a suficiência e adequação da mesma, posto que não terá a favorecer esse desiderato de salvaguarda das necessidades de prevenção a continuação de uma actividade profissional e/ou a integração familiar, antes resultando que o arguido não têm modo de vida de alguma forma estruturado.

Importa, pois, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
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IV. Decisão
Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo integralmente a sentença recorrida.
Pelo seu decaimento em recurso vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta.
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Maria Pilar Pereira de Oliveira (Relatora)
José Eduardo Martins