Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
315/11.2JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 01/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º J.º DO T. J. DE FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 21.º, N.º 1, DO D. L. N.º 15/93, DE 22/01, 40.º, N.º 1, E 50.º, N.º 1 DO CÓDIGO PENAL.
Sumário: Tratando-se de arguido que já foi anteriormente julgado e condenado pela prática de crimes de furto, falsas declarações, falsificação de documentos e ainda tráfico de estupefacientes (cuja condenação, em pena de 5 anos de prisão efetiva, remonta a 1996), condução sem habilitação legal e detenção ilegal de arma (através de decisões condenatórias, respetivamente, de 2004 e 2007), é por demais evidente que a suspensão na sua execução da pena de 5 anos de prisão em que foi condenado, pela prática de novo crime de tráfico de substâncias tóxicas, não será suficiente para o afastar da prática de novos crimes, impondo-se por essa razão o efetivo cumprimento da pena de prisão.
Decisão Texto Integral: I – INTRODUÇÃO


1 – Pugnando pela revogação da vertente deliberativa da suspensão (condicionada) da execução da pena de 5 (cinco) ANOS DE PRISÃO imposta pelo acórdão judicial (de Tribunal Colectivo) documentado na peça de fls. 1059/1071v.º ao sujeito-arguido A..., a título punitivo do pessoal cometimento dum crime de tráfico de substâncias tóxicas, (p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do D. L. n.º 15/93, de 22/01), dela interpôs o MINISTÉRIO PÚBLICO o recurso ora analisando, de cuja motivação (ínsita na peça junta a fls. 1109/1122, cujo teor nesta sede se tem por reproduzido) extraiu o seguinte quadro-conclusivo (por transcrição):
«[…]
1 – Recorre-se do Acórdão deste Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, de 2 de Maio de 2012, constante dos autos de Processo Comum Colectivo n° 315/11.2JACBR do 1º juízo, do Tribunal Judicial de Figueira da Foz.
2 – Na parte que determinou a suspensão da execução da pena de prisão de cinco anos que foi aplicada ao arguido A..., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21° do Dec. Lei 15/93 de 22-1.
3 – Entende-se que deverá ser determinado o cumprimento efectivo da pena de prisão acima mencionada pois considerando a personalidade do agente, as condições de sua vida, a sua conduta posterior e anterior ao crime e as circunstâncias deste levam a concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não asseguram as necessidades de prevenção existentes.
4 – O arguido A... apresenta uma personalidade mal formada e esquiva. O mesmo tentou ludibriar o Tribunal, apresentando uma versão fantasiosa dos factos, contraditória com aquilo que dissera quando do 1 ° interrogatório judicial de arguido detido, procurando carregar sobre as costas do outro arguido, B..., o ónus da iniciativa da prática do crime.
5 – Conforme salienta o relatório social, o percurso de vida do arguido A... tem revelado dificuldades de interiorização e adesão a modelos positivos de funcionamento.
6 – O mesmo tem contactos com o aparelho de Justiça desde 1975 e que se prolongam até hoje, tendo a última condenação ocorrido em 2007. Ao longo daquele tempo já foi condenado pelo menos em nove ocasiões, algumas delas com cumprimento efectivo de penas de prisão, uma delas relacionada com a prática, em 1991, de um crime de tráfico de estupefacientes, sancionado com pena de prisão efectiva.
7 – O arguido tem-se mostrado insensível ás condenações de que tem sido alvo, não se preocupando em se integrar em termos comunitários e em se afastar da prática reiterada de crimes.
8 – O arguido A... encontra-se reformado por invalidez, tendo sido objecto de transplantação de um rim em 2009. Não desenvolve qualquer actividade profissional certa e regular. A sua situação de saúde, tal como o bom ambiente familiar existente, não o impediu de, em 19-6-2011, praticar os factos que determinaram a sua condenação nestes autos.
9 – É membro de uma comunidade étnica que, na área desta comarca tem estabelecido um contacto muito próximo e actuante com o tráfico de estupefacientes, relativamente á qual – sem quaisquer preconceitos de discriminação – urge passar um sinal de intransigência e rigor, satisfazendo um desejo profundo e instalado na Sociedade e na Comunidade, de segurança e estabilidade.
10 – Equacionando todos os dados existentes, exigidos pelo art. 50° do C. Penal, considero que o arguido A... não pode beneficiar de um juízo de prognose favorável, no sentido de que a mera ameaça da pena o afastará da prática de novos crimes.
11 – A sua situação médica – transplantado – e a sua integração familiar mostram-se insuficientes para garantir, com um mínimo de certeza, a forte probabilidade do arguido A... não voltar a delinquir e a serem observadas as finalidades da punição.
12 – Na verdade, a sua personalidade – traduzida pelo seu comportamento processual e pelos dados trazidos pelo relatório social – aliados ao seu percurso criminal, á indiferença sobre as sanções sofridas e á suas condições de vida apontam para a existência de aspectos que impõem a aplicação efectiva da pena de prisão efectiva que lhe foi encontrada.
13 – O passado criminal do arguido e a sua insensibilidade às penas de prisão cumpridas; a sua deficiente integração social; a circunstância de não mostrar arrependimento, tendo negado a prática do crime de tráfico de estupefacientes; e as fortes necessidades de prevenção especial e geral existentes apontam para a conclusão de que a simples ameaça da prisão se mostra insuficiente e não garante as finalidades da punição.
14 – O Tribunal Colectivo ao decidir como consta do acórdão não considerou de forma correcta, no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes, no tocante ao arguido A... e á suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, o constante dos arts.40°, n° 1, 50º, nºs 1 e 2 do C. Penal e art. 21º do Dec. Lei 15/93 de 22-1.
[…]»

2 – Respondeu o id.º sujeito, sustentando a validade legal da criticada solução sancionatória, (cfr. peça de fls. 1129/1134-1138/1143).

3 – Nesta Relação foi emitido douto parecer por Ex.mo representante do mesmo órgão da administração da justiça (M.º P.º) em sentido concordante com a tese e pretensão recursória, (vd. peça de fls. 1166/1168).


II – FUNDAMENTAÇÃO

II.A – CONTEXTUALIZAÇÃO


Demandando-se desta Relação a verificação da legalidade da questionada opção por tal medida de substituição da referida pena reclusiva – de 5 (cinco) anos de prisão –, importa reter a essencialidade do juízo factual tido por adquirido, e em que virtualmente entronca, bem como da justificação da respectiva pertinência, (com realces do desembargador ora relator).

§ 1.º

– Factualidade –

«[…]
1 – No dia 19 de Junho de 2011, entre as 16 horas e as 16 horas e 30 minutos, os dois arguidos[1] saíram juntos do prédio onde habita o arguido A..., sito na … ,  Figueira da Foz, e entraram ambos no veículo ligeiro de passageiros de marca e modelo “Peugeot 407”, de cor cinzenta e matrícula … ;
2 – O arguido A... tomou o volante do aludido veículo e o arguido B... ocupou o banco destinado ao passageiro do lado da frente;
3 – De seguida, os arguidos rumaram em direcção a norte, entrando na auto-estrada A17 em Quiaios, e passando pela área de serviço de Vagos cerca das 17 horas;
4 – Pelas 18 horas, os arguidos, seguindo sempre no mencionado veículo EX, chegaram ao Bairro de … , na cidade do Porto, no fito de receberem um carregamento de haxixe, destinado ao arguido A... para posterior revenda, na Figueira da Foz, aos consumidores deste tipo de estupefaciente;
5 – Já na cidade do Porto, entre as 18 horas e 20 minutos e as 18 horas e 50 minutos, receberam dez tabletes de cannabis (resina) com logótipo “2010” entregue por D..., companheiro de uma filha do arguido A...;
6 – Algum depois, os arguidos empreenderam a viagem de regresso à Figueira da Foz, tendo o arguido A... previamente colocado as tabletes de haxixe no porta-luvas do veículo EX;
7 – Ainda no dia 19 de Junho de 2011, cerca das 21 horas e 45 minutos, uma equipa de elementos da Directoria do Centro da Polícia Judiciária procedeu, na portagem de Quiaios da A17, na freguesia de Quiaios, concelho da Figueira da Foz, à apreensão da viatura EX acima referida, viatura essa que ali chegara algum tempo antes e na qual seguiam, respectivamente, como condutor e “pendura”, os arguidos A... e B...;
8 – Acto seguido, os elementos da Polícia Judiciária encontraram e apreenderam, no interior do porta-luvas da viatura EX, dez tabletes de cannabis;
9 – Submetido o produto em questão, com o peso líquido total de 994,113 gramas, a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica, revelou o mesmo tratar-se de cannabis (resina);
10 – No decurso da revista efectuada ao arguido A... foram-lhe apreendidos os seguintes artigos e valores:
- Um pedaço de substância vegetal prensada, com o peso líquido total de 0,757 gramas, que, submetido a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica, revelou tratar-se de cannabis (resina);
- o montante de € 210 em notas do Banco Central Europeu;
- um telefone móvel de marca “Samsung” e cor preta, com o IMEI n.º …, contendo cartão SIM da “Vodafone” ao qual corresponde o n.º …, pertencente ao arguido A... e com o qual combinou o mesmo com D... a entrega do haxixe apreendido nos autos;
[…]
12 – O arguido A... destinava o produto estupefaciente aludido nos pontos 8 e 9 (desta factualidade provada) – que daria para mais de 2000 doses individuais – à venda a terceiros na área da comarca da Figueira da Foz que se propusessem adquiri-lo;
13 – A placa de 100 gramas de cannabis é habitualmente vendida a cerca de € 250;
14 – O arguido A... adquiriu o produto estupefaciente referido nos pontos 8 e 9 (da presente matéria factual assente) por grosso, após o que procederia ao seu desdobramento e fraccionamento em doses mais pequenas, que depois revenderia a indivíduos interessados na sua aquisição;
15 – Os arguidos não tinham autorização para licitamente vender, distribuir ou ceder produto estupefaciente a terceiros;
16 – Agiram os arguidos de forma livre, consciente e concertada entre si, conhecendo a natureza e as características das substâncias que lhes foi apreendida;
17 – As dez tabletes referidas nos pontos 8 e 9 (da presente factualidade provada) pertenciam ao arguido A..., que as detinha com vista à revenda a terceiros, no propósito de auferir vantagem económica;
[…]
20 – Não obstante serem conhecedores da danosidade social em termos de saúde pública decorrente da cedência deste tipo de produto, os arguidos não se coibiram de levar a cabo as condutas acima descritas;
21 – Mais agiram ambos os arguidos cônscios da proibição e punição legal das suas condutas;
22 – O arguido A... é casado segundo os ritos da tradição cigana;
23 – É pai de quatro filhos;
24 – Esporadicamente, procedem (o arguido e a sua família) a algumas vendas ambulantes, sobretudo em feiras;
25 – O arguido A... percebe a pensão social de invalidez de cerca de € 250 mensais;
26 – Foi consumidor de estupefacientes (cocaína e haxixe) durante diversos anos, consumindo ainda esporadicamente haxixe à época dos factos em causa nestes autos;
27 – Sofreu o transplante de um rim no ano de 2009, carecendo de cuidados médicos com alguma regularidade;
28 – É tido, junto daqueles (mesmo de etnia não cigana) que consigo vão convivendo, por pessoa pacata e que pauta a vivência familiar e social por alguma discrição e correcção;
29 – O arguido A... já foi julgado e condenado criminalmente por diversas vezes, maxime pela prática de crimes de furto, falsas declarações e falsificação de documentos (ocorrendo estas condenações, em número de cinco, nas décadas de 70, 80 e 90 do século XX), tráfico de estupefacientes (cuja condenação, em pena de 5 anos de prisão efectiva, remonta a 1996), e condução sem habilitação legal e detenção ilegal de arma (através de decisões condenatórias, respectivamente, de 2004 e 2007);
[…]»

§ 2.º

– Explicação do criticado julgado

«[…]
No exercício do seu […] direito processual ao silêncio, o arguido B... não prestou declarações relativamente aos factos que lhe são imputados pelo Ministério Público.
Já o arguido A..., por seu turno, tentou fazer passar uma ideia absolutamente essencial: a de que a substância estupefaciente apreendida – e pelos arguidos trazida no interior do automóvel EX – não se destinava a revenda a terceiros consumidores, mas apenas a ser entregue a alguém, na Figueira da Foz, que os arguidos não conheciam. Todavia, a referida ideia mostrou-se tão falha de sustentação fáctica e de coerência e verosimilhança que, evidentemente, só pôde ser rechaçada pelo Tribunal. Aliás, diga-se, em abono da verdade, ter parecido o próprio arguido A... cada vez mais descrente em relação às variadas, atabalhoadas e incoerentes versões (ou “sub-versões”) que foi depois desfilando ao longo das suas declarações. É que começou por afirmar ter-se deslocado à cidade do Porto para visitar a sua filha (companheira do acima mencionado D...) – servindo o arguido B... de companhia para a viagem –, e aproveitou (rectius, aproveitaram ambos) para adquirir(em) uma placa inteira de cannabis para o seu consumo. Só que, já no Porto, a pessoa que lhe(s) fornecia a droga propôs a ambos os arguidos que se trouxessem até à Figueira da Foz uma “encomenda” (de produto estupefaciente, bem entendido) e a entregassem (na Figueira da Foz) a pessoa que tais arguidos não conheciam mas que para o efeito se lhes dirigiria e identificaria, receberiam um “pacote” como contrapartida do seu “transporte”. E foi o que fizeram… No entanto, questionado sobre a razão de ser de tamanha confiança em relação aos arguidos por parte da pessoa que, no Porto, lhes encomendara o dito “transporte”, o arguido A... respondeu, além do mais, que não existiriam especiais motivos para tal confiança, mas que quem tratara da “combinação” fora o arguido B..., vindo só mais tarde, já no decurso da viagem de regresso à Figueira da Foz, o arguido A... a aperceber-se de que traziam no automóvel por si conduzido uma dezena de tabletes de cannabis e só então a tomar conhecimento do teor da dita “combinação”. Tentando esmiuçar ainda um pouco mais o Tribunal os exactos contornos do “transporte”, rematou o arguido A... no sentido de que quem sabe se porventura não viria atrás do veículo EX, já na viagem de regresso do Porto, algum outro automóvel, a mando da pessoa que entregara (aos dois arguidos?... apenas ao arguido B...?...) as tabletes de cannabis, a fim de vigiar se por sua vez os arguidos entregariam, na Figueira da Foz, a “encomenda” ao ignoto destinatário?... Porque (nova nuance…) só na Figueira da Foz é que os arguidos receberiam a sua “paga”, isto é, a sua própria placa (ou “pacote”?)…
Bom, o que acabou de ser exposto quase não merecerá grandes comentários, para além de que a sua falta de veracidade é evidente. E é evidente, desde logo, perante o atabalhoamento incoerente de quem tentou “moldar” (de modo muito pouco hábil, diga-se…) o sentido do seu discurso consoante as questões com que foi sendo confrontado.
Mas, sobretudo, é clara a falta de credibilidade das declarações do arguido A... perante o conjunto de depoimentos prestados pelas testemunhas  ……………………….(elementos da Polícia Judiciária de Coimbra que, na sequência das vigilâncias e do seguimento dos arguidos ao Porto, acabaram por proceder à detenção dos mesmos uma vez regressados à Figueira da Foz e à apreensão das tabletes de cannabis trazidas no interior do veículo EX). As duas primeiras testemunhas ora referidas ( ……) permaneceram na área de serviço de Vagos da auto-estrada A17, enquanto as outras duas testemunhas ( ……) seguiram o EX até ao Porto e vigiaram os arguidos na sua demanda pela substância estupefaciente em questão, que envolveu o encontro com o acima mencionado D... (de tudo surgindo a documentação inerente aos autos de vigilância e suporte fotográfico respectivos: caberá notar, a propósito, a circunstância – esclarecida pela testemunha  … em audiência – de que a menção horária constante do auto de diligência externa referente ao seguimento e vigilância dos arguidos na cidade do Porto se encontra incorrecta pois que se baseou na indicação da máquina fotográfica utilizada para a realização da reportagem respectiva, cujo relógio se encontrava então com o adiantamento de uma hora; em todos estes aspectos, aliás, sentiu o Tribunal a especial necessidade de recorrer às normais regras da experiência da vida e da lógica humana para perceber os parâmetros temporais em que a actuação dos arguidos ocorreu).
Por outro lado, todo o conjunto (que ora se dá por reproduzido) de intersecções telefónicas efectuadas nos autos mostra (de modo relativamente evidente, dirá o Tribunal) a falta de verosimilhança da(s) versão(ões) ensaiada(s) em audiência pelo arguido A.... Com efeito, o conjunto de conversas (e mensagens escritas) travadas entre este mesmo arguido e o acima identificado D... é revelador do propósito bem firmado da deslocação de ambos os arguidos à cidade do Porto, a saber, o abastecimento de uma quantidade significativa de substância estupefaciente para, mediante uma revenda a terceiros consumidores, daí serem retirados pelo arguido A... os inerentes proventos económicos. Assim, a título de mero exemplo, figure-se apenas a conversa mantida, no dia 27 de Maio de 2011, entre o D... e o arguido A..., na qual o primeiro declara que “Ele diz que (…) ele vai receber uma coisa boa…”, ao que responde o arguido A... no sentido de que “Se for bom…”, e retorque o D... que “Ele disse ‘pra eu esperar até logo, que vai receber uma coisa boa. Por isso é o que ele diz, oh preto pá, para o homem ‘tar assim a vir à sorte (…)” […]; ou retenha-se a mensagem escrita enviada, no dia 17 de Junho de 2011 (isto é, dois dias antes da viagem dos arguidos ao Porto), do telefone móvel do dito D... para o do arguido A..., com o seguinte teor: “Tio sou eu preto tenho aqui coisa boa” […]; ou a conversa mantida, pelas 13 horas e 16 minutos do dia 19 de Junho de 2011, entre o D... e o arguido A..., na qual o primeiro refere ao segundo que “O lacorrilho ligou-me agora a dizer que não consegue nada, ‘ahm… tem aqui um daqueles dois mil e dez e ele disse oh preto, se ele quiser, tem que vir agora porque senão isso depois também bate porque eu não vou ‘tar com isso aqui guardado”, respondendo o arguido A... “Ah ‘tá bem, eu vou ‘pr’aí”, e afirmando o D... “Pronto, ‘atão mando guardar aqueles, só tem um também… ao menos desenrasca-se com este. Prontos, vou ligar ‘atão ‘pra ele”, com o arguido A... a reassumir que “(…) saio daqui a bocadinho, ‘tá bem?” […]; ou a seguinte mensagem escrita enviada, pelas 15 horas e 53 minutos do dito dia 19 de Junho de 2011, do telefone móvel do D... para o do arguido A..., com o seguinte teor: “Tio já está a vir?” […], que mereceu a resposta imediata, pelas 15 horas e 56 minutos do mesmo dia 19 de Junho de 2011, agora do telefone móvel do arguido A... para o telefone móvel do D...: “Estou a sair agora” […]; ou ainda, já pelas 18 horas e 34 minutos do mesmo dia 19 de Junho de 2011, a comunicação entabulada entre o D... e o arguido A..., na qual o primeiro refere ao segundo que “Afinal falta aqui cem euros” e “Eu passo já aí”, ao que o arguido A... responde “Vem buscá-lo…” […].
Em síntese, os depoimentos policiais e os demais elementos acabados de referir foram, portanto, absolutamente essenciais para o traçar de uma panorâmica geral de todo o conjunto das investigações conduzidas ao longo do inquérito que culminaram, depois, na realização da busca e inerente apreensão de substâncias estupefacientes e seu material “coadjuvante”.
[…]
No tocante ao arguido A..., é inegável o seu passado criminal, mesmo no domínio ilícito em causa nos presentes autos. No entanto, a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes por que o arguido cumpriu pena de prisão efectiva remonta a 1996 e a última decisão condenatória é de 2007, ou seja, cerca de quatro anos antes da factualidade em causa nos presentes autos, dando-se, pois, o decurso de um lapso de tempo ainda relevante durante o qual o arguido se terá mantido fiel ao dever-ser jurídico-penal. Acresce a envolvente familiar do arguido e a sua delicada situação de saúde que, demandando acompanhamento apropriado, talvez justifique a concessão de uma última chance ao arguido nos quadros de um apertado regime de prova, essencialmente direccionado para o estabelecimento de outras metas e objectivos de vida a médio e longo prazo, que o impeçam de praticar novos ilícitos criminais.
[…]
Tudo ponderado, pois, entende-se ser de decretar a suspensão de execução das penas cominadas aos arguidos A... e B... (e não deixando esta mesma suspensão, como já referido, de estar acompanhada de um regime de prova, nos termos do art. 53º C.P.).
[…]»

II.B – AVALIAÇÃO

§ 1.º


1 – Tal justificação mereceu do recorrente (M.º P.º) a seguinte nuclear crítica, (vd., máxime, fls. 1117/1120):
«[…]
[…] o arguido evidencia uma personalidade esquiva e tortuosa, enredando-se na mentira, tendo procurado enganar o Tribunal ao apresentar em sede de julgamento uma versão utópica dos factos, contrária á que havia dado quando do seu interrogatório judicial, na sequência da detenção. Procurou o mesmo colocar no co-arguido B... – que optou pelo silêncio – a responsabilidade da prática dos factos de forma a eximir-se a uma sanção mais grave. Estas atitudes revelam uma personalidade mal formada, egoísta e irresponsável, sem qualquer traço de arrependimento.
[…] o arguido, tal como se infere do relatório social, pertence á etnia cigana, não existindo registo que ateste que trabalhe, de forma certa e regular, sendo certo que se encontra reformado por invalidez. No relatório social existente nos autos conclui-se o seguinte: "o percurso de vida do arguido tem efectivamente traduzido dificuldades de interiorização e de adesão a modelos mais positivos de funcionamento, sendo importante em termos pessoais a assunção de uma maior responsabilização perante as normas e valores sociais."
[…]
Conclui-se que o arguido A... tem um histórico assinalável no que toca a contactos com o aparelho de Justiça registando várias condenações, em prisão efectiva, cumprida, mostrando-se o mesmo pouco sensibilizado e predisposto para se integrar, de forma normal na Comunidade.
[…] os factos em análise nestes autos ocorreram em 19-6-2011. No seguimento da sua prática foi aplicada ao arguido a medida de coacção prisão preventiva, não sendo possível considerar qual a conduta que o mesmo vem assumindo.
[…]
O crime em apreço transporta uma alta carga de ilicitude, […].
O tráfico de estupefacientes, na Figueira da Foz, apresenta uma dimensão muito vincada, com vários elementos de etnia cigana envolvidos na sua prática, apresentando-se as necessidades de prevenção geral muito elevadas.
 […]
Importa dar às comunidades um sinal de segurança e confiança, não transigindo com práticas criminosas graves pelo que representam e pelo que têm de criminalidade associada.
[…]»

§ 2.º


1 – Com o devido respeito pelo colégio julgador, não se poderá deixar de reconhecer o acerto jurídico da tese recursória.

De facto, mal se compreende que, não obstante o eloquente reconhecimento duma tão marcada marginalidade do id.º sujeito-arguido à nuclearidade do ordenamento jurídico nacional; da reiterada frustração das sucessivas injunções judiciais virtualmente sensibilizantes para a respectiva modificação caracterológica e pessoal contenção ilícito-comportamental; e da sua absurda e impudente desresponsabilização delitiva – inequivocamente ilustrativa de absoluta incontrição e de não interiorização do desvalor comportamental –, incoerentemente, sem qualquer significativa/razoável base-de-sustentação fáctico-objectiva, e, logo, temerariamente, se lhe outorgue um incontornavelmente imerecido e, para mais, dubitativo – quiçá por mero acto-de-fé, como inequivocamente emerge da utilização do advérbio de dúvida talvez, (vd. supra, pág. 11) – voto-de-confiança na futura conformação com as basilares regras legais de regular convivência social, em mera função da ameaça da execução da referida pena, cuja eficácia o próprio já apodicticamente se houvera encarregue de infirmar, como o seu vasto percurso delitivo-criminal sobeja e empiricamente esclarece.

Como assim, irrealizada a indispensável e correspectiva razoabilidade – como bem assinalado pelo recorrente –, nenhuma ponderosa razão fáctico-jurídica se alcança com idoneidade à formulação do enunciado juízo de favorável prognose lícito-comportamental, necessariamente condicionante da sindicada suspensão da execução de tal definida medida penal, cuja efectivação antes inescapavelmente se apresenta como a única solução que, no vigente quadro legal, compreensivelmente reunirá bastante adequação à ideal/virtual prossecução/realização/acautelamento dos prementes e inevitáveis desideratos punitivos, máxime preventivos da criminalidade, quer no específico domínio pessoal, quer no geral – vertente finalística (prevenção geral da criminalidade) que, aliás, a aferir pela respectiva fundamentação, foi absolutamente descurada pelo sinalizado acto deliberativo –, pela necessária função e eficácia reprovativa do caracterizado comportamento delitivo, bem como de inescusável aptidão inibitória quer doutros seus eventuais impulsos criminógenos, máxime de idêntica natureza, quer dos de terceiros que da respectiva condenação venham a tomar conhecimento, dessarte idealmente se pugnando pela contenção de similares volições comportamentais e pela manutenção da sã convivência em sociedade, finalidades inelutavelmente postuladas pelos arts. 40.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, máxime, do Código Penal.


III – DISPOSITIVO


Por conseguinte – sem outras considerações, por despiciendas –, deliberando-se a concessão de provimento ao avaliando recurso (do Ministério Público), revoga-se a questionada vertente deliberativo-suspensiva da execução da pena de 5 (cinco) ANOS DE PRISÃO imposta ao id.º sujeito A... – documentada no acórdão firmado na peça de fls. 1059/1071v.º –, cujo efectivo cumprimento assim se determina.

***

Sem tributação.

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Acórdão elaborado pelo relator, (art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).

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Coimbra, 16/01/2013.

Os Juízes-desembargadores:

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(Abílio Ramalho, relator)

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(Luís Ramos)


           


[1] O ora recorrente e B....