Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2012/15.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS NOVAS
INOVAÇÕES
REMOÇÃO
ACTIVIDADE INDUSTRIAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PROVA
DECLARAÇÃO DE PARTE
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO
SENTENÇA
NULIDADE
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1414, 1418, 1422, 1425 CC, 230 C COMERCIAL, 466, 607, 615 CPC
Sumário: 1.-O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.

2.- A prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.° n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal.

3.- A obscuridade e a ambiguidade mencionadas no art.615 nº1 c) ( 2ª parte) do CPC, verificam-se, respectivamente, quando alguma passagem da decisão seja ininteligível, ou quando se preste mais do que um sentido

4.- A enumeração do art. 230.º do Código Comercial deve considerar-se taxativa: trata-se aí, afinal, duma enumeração de actos qualificados como comerciais não podendo recorrer-se à analogia para qualificar certa matéria como comercial.

5.- A restauração, sendo uma actividade transformadora, deve ser qualificada como industrial

6.- Sempre que entre o título constitutivo da propriedade horizontal e o projecto de construção, licenciado pela entidade competente, surgirem discrepâncias, prevalece o que resultar do título constitutivo.

7.-As obras de inovação aludidas no art. 1425.º do Cód. Civil não podem deixar de referir-se a obra nova, posteriores ao título constitutivo de propriedade horizontal.

8.-Tendo as inovações sido introduzidas sem a aprovação prévia da Assembleia de Condóminos e lesando o direito do Autor à utilização da sua fracção, a consequência será a remoção e a reposição do prédio no estado anterior (reconstituição natural) (Cf. art. 1422º, n.º 2, alínea a) do Código Civil».

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

J (…)residente na (…) (...) , instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra

1ºs: B (…) e marido, E (…), residentes (…) e 2ª: “A (…), LD.ª”, com sede (…),

pedindo a respectiva condenação a removerem, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença que a isso os condene, o tubo de exaustão de gases colocado nas paredes exteriores do prédio, não emitindo tais fumos ou gases para o exterior com prejuízo do uso da fracção do autor e repondo a referida parede e alçado no estado em que se encontravam antes, sob pena de não o fazendo no assinalado prazo ficarem obrigados ao pagamento solidário de sanção pecuniária compulsória ao Autor à razão de € 125,00 por cada dia de atraso, bem como no pagamento de custas e adequada procuradoria.

Alegou, para o efeito, em suma, que é o proprietário e legítimo possuidor do apartamento de tipo T3 que constitui o 3º andar esquerdo e respectivo sótão (fracção identificada pela letra “A”) do prédio constituído em propriedade horizontal sito aos nºs 164, 166 e 168 da Rua (…) em (...) , ao qual cabe o artigo matricial urbano 6709 da freguesia de (...) , (...) ; os 1ºs RR., são proprietários e legítimos possuidores do espaço destinado a comércio no rés-do-chão esquerdo daquele prédio, espaço esse ao qual corresponde a fracção autónoma do prédio identificada pela letra “G”; o uso de tal espaço foi cedido pelos 1ºs RR. à sociedade aqui 2ª R. que ali mantém e explora um estabelecimento de restauração denominado “A (…)”; em finais de Agosto de 2014 os RR. colocaram, a sair de um buraco na parede traseira da mencionada fracção “G”, um tubo metálico de extracção de fumos ou gases (provenientes de fogões e/ou grelhadores) com cerca de 25 centímetros de diâmetro, fixado à parede exterior do prédio, começando no alçado posterior e dobrando logo de seguida a esquina do prédio, passando a subir na vertical de forma adjacente e ao longo de toda a restante altura do alçado lateral esquerdo daquele edifício, prolongando-se ainda, em altura, por cerca de 0,50 metros acima da aba do telhado mas, ainda assim, a um nível abaixo do das janelas do sótão da fracção autónoma propriedade do A., da primeira das quais dista apenas cerca de 2,50 metros;

antes da colocação desse tubo, ocorrida como se disse, em finais de Agosto de 2014, existia ali (em resultado de obra feita também já após a construção do prédio) um outro tubo que, saindo do mesmo buraco, ao invés de subir, descia até ao solo, entrando numa conduta ali existente, por essa forma fazendo a exaustão dos gases provenientes daquele estabelecimento de restauração; não houve qualquer deliberação dos condóminos que autorizasse a realização da mencionada obra; atento a que a saída de tal chaminé se situa a um nível inferior ao das janelas do sótão do apartamento do A. e atenta a curta distância que dista dessa saída à primeira de tais janelas, os fumos e cheiros expelidos por aquela chaminé penetram, através de tais janelas, para o interior da fracção autónoma pertença do A.; o sótão em causa tem comunicação directa, através de uma escada (sem porta ou qualquer divisória), com o resto da fracção, o apartamento (3º andar esquerdo) propriamente dito – o que torna impossível impedir que os mencionados cheiros se propaguem por todo o apartamento; quando em funcionamento, aquela chaminé tem uma ligeira trepidação e um zumbido constante muito incomodativos para quem pretenda estar no sossego do seu lar; tal chaminé deixa escorrer gorduras e resíduos que lhe conferem a ela e às paredes do prédio um aspecto feio e, pior que isso, sujo e insalubre; aquela obra desvaloriza sobremaneira a fracção autónoma de que o A. é proprietário: o valor comercial da mesma, face a tudo quanto se descreveu, foi acentuadamente reduzido após a realização de tal obra, pois que será difícil que alguém se predisponha a adquirir aquele apartamento (pelo menos pelo seu real valor) naquelas condições; a referida chaminé constitui-se esteticamente como um corpo absolutamente estranho na unidade arquitectónica do edifício, sendo de material (metal), cor (prateada), e formato (cilíndrico) absolutamente inexistente em todo o demais exterior daquela construção, alterando de forma clara as características visuais que conferiam uma unidade sistemática ao conjunto do prédio e afectando de forma inequívoca a sua linha arquitectónica e o seu arranjo estético.

Os Réus deduziram contestação, defendendo-se por impugnação, invocando o abuso do direito do A. e deduzindo reconvenção em que pediram a condenação do A. a reconhecer que:

A)- Os Réus/Reconvintes têm o direito à utilização da fracção “G”, com todas as valências que lhe estão associadas, nomeadamente o legítimo direito de poderem explorar o estabelecimento/restaurante que nela se encontra instalado.

B) - Os Réus/Reconvintes foram autorizados pela Assembleia de Condóminos a executar a conduta/chaminé destinada à extracção de fumos e gases a partir da fracção “G”, tal como se encontra actualmente instalada e aplicada no alçado exterior do edifício.

C)- A referida conduta/chaminé é imprescindível ao bom funcionamento do estabelecimento/restaurante dos Réus/Reconvintes.

Invocaram, em suma, que a 2ª. Ré, no exercício da sua actividade, deu continuidade à exploração no respectivo local de um estabelecimento comercial que funciona como restaurante, [snack-bar e café], atento o uso da fracção a que se destina, designadamente em conformidade com a respectiva licença de utilização [ocupação] emitida pela Câmara Municipal de (...) sob o número 263, em 17.08.1984; esta fracção autónoma “G” sempre foi utilizada, desde a sua origem, por diversos arrendatários onde sucessivamente, ao longo dos tempos, nela têm explorado o tipo de estabelecimento afecto à mencionada actividade de restauração e similares; aí são confeccionados alimentos e servidas refeições ao público de acordo com as regras de garantia e segurança alimentar exigíveis; por volta do mês de Junho de 2014, procedeu-se à verificação do respectivo sistema de extracção de fumos e constatou-se que havia indícios de escorrências gordurosas no exterior do alçado posterior do prédio, as quais eram provocadas pelo caudal de fumos expelidos do interior da fracção para o referido ramal de conduta que proporcionava a sua irradiação para o exterior; estas escorrências verificavam-se a partir da abertura técnica existente [que sempre existiu e remonta ao início da utilização do prédio] na parede junto ao limite superior da mesma fracção, cujo dispositivo permitia a ligação do equipamento instalado no seu interior ao aludido ramal de conduta; a mencionada conduta derivava então daquela abertura em cotovelo [ou seja em I], junto à parede exterior [alçado posterior], e descia em direcção à cota da base visível do edifício, onde se encontrava instalado um tubo de entrada que permitia a respectiva acoplagem bem como uma caixa de derivação adjacente, com ligação à conduta interior que se prolongava através do subsolo do logradouro do prédio e do subsolo de uma das garagens existentes nas traseiras do mesmo, subindo depois pela estrutura posterior interior desta até à respectiva zona de cobertura, onde se elevava e terminava sob a forma de chaminé; quando os 1ºs. Réus em Dezembro de 2002 adquiriram [por compra] a fracção autónoma “G”, era através do sistema de conduta referido que a exaustão se fazia e assim se manteve posteriormente até aos meses de Junho/Julho de 2014; aquando da verificação desse ramal de conduta, constatou-se que o mesmo se encontrava obstruído, danificado ou destruído, razão pela qual se concluiu que era devido ao retorno dos fumos e gases expelidos pelo sistema de exaustão que, por esbarrarem com o interior obstruído do ramal, originavam as escorrências gordurosas a partir da abertura técnica; os 1ºs. Réus, confrontados que estavam com as dificuldades técnicas que obstaculizavam a reposição ou recuperação do ramal de conduta originário, por contender com o subsolo de uma garagem pertencente a um outro condómino, solicitaram à Administração das partes comuns do prédio, à data exercida pela Srª. (…), filha do Autor, autorização para alterarem o ramal de conduta para a extracção de fumos e aplicá-lo na “parte lateral do prédio”; foi convocada e realizou-se no dia 5 de Julho de 2014, pelas 15 Horas, uma Assembleia de Condóminos do aludido prédio em cuja ordem de trabalhos foi incluído o seguinte ponto: “Execução por parte do proprietário das lojas de um sistema de extracção de fumos para o restaurante, sendo este sistema aplicado pela parte lateral do prédio”; na discussão deste assunto exigiram os condóminos presentes na Assembleia que a aplicação da conduta e respectiva chaminé fosse concebida, executada e aplicada de acordo quer com as dimensões que foram observadas para o efeito, quer mediante a aquisição de materiais próprios e adequados à instalação dessa estrutura amovível; os condóminos autorizaram a instalação da conduta/chaminé sob a condição da mesma ser executada com recurso à adopção de tubagem, curvas, braçadeiras e chapéu de finalização em material inox, com fixação através de buchas metálicas e utilização de fita isolante nos encaixes dos elementos, prevenindo-se desta maneira o derrame de gorduras ou fumos para o exterior; o Autor fez-se representar nessa Assembleia, pela sua filha e então administradora do Condomínio, designadamente a referida (…), que também se intitulava de condómina; os 1ºs. Réus aplicaram a conduta com 300mm de diâmetro [Ø] nas condições exigidas pela referida Assembleia de Condóminos realizada no dia 5 de Julho/2014; após a aplicação e instalação da conduta/chaminé, a Administração do prédio não fez qualquer reparo, nem manifestou oposição ou advertiu os 1ºs. Réus para qualquer irregularidade ou anomalia; as escorrências gordurosas que anteriormente se verificavam no alçado posterior do prédio devido à obstrução/destruição do ramal originário, acabaram; nenhum condómino impugnou a deliberação que autorizou a instalação da conduta/chaminé; tal conduta/chaminé é de natureza amovível; é uma obra de escassa relevância urbanística que em nada compromete a estética e a valorização do edifício; garante de forma eficiente a evacuação de fumos e a eliminação de maus cheiros, preservando desta maneira a salubridade do prédio; o estabelecimento não poderá funcionar sem aquela conduta, ou seja, sem este dispositivo não poderá a fracção dos 1ºs. Réus ser utilizada para o fim a que se destina; tendo a conduta sido aplicada e fixada à face do alçado lateral esquerdo do prédio com o rigor técnico exigido, o mesmo não produz qualquer trepidação ou ruído; a chaminé eleva-se acima do topo do prédio de forma adequada, não prejudicando o uso das habitações ao nível do terceiro andar do prédio.

Constitui manifesto abuso de direito ter o Autor deliberado e autorizado através da sua filha a instalação do ramal de conduta nas condições em que o mesmo se encontra aplicado, e surja agora o predito Autor a dar o dito pelo não dito, negando-se a si próprio, tentando com base na inverdade impedir os 1ºs. Réus de exercerem legitimamente o seu direito de usar a fracção “G” para os fins a que se destina, quando, enfim, após a instalação daquele ramal de conduta nenhuma censura da administração do prédio se verificou até à presente data.

A fracção “G”, pertença da 1ª. Ré, destina-se ao exercício do comércio; nesse local sempre funcionou um restaurante e similares, onde são confeccionadas e servidas refeições ao público consumidor; a nova conduta é absolutamente imprescindível e resulta do direito de exploração do estabelecimento instalado na fracção “G”; os RR. têm o legítimo direito de utilização da fracção “G”, com todas as valências que lhe  estão associadas e a inerente funcionalidade do restaurante que nela se encontra instalado.

O A. replicou e invocou a nulidade da deliberação da assembleia de condóminos invocada pelos RR.; a nulidade ou inexistência da deliberação decorrente da não presença e/ou votação de condóminos representativos de uma maioria equivalente a dois terços do valor total do prédio; a nulidade da deliberação por violação de preceito imperativo (art. 1425º, n.º 7 do Código Civil), insusceptível de derrogação pela assembleia de condóminos; carácter ilícito da obra em causa, independentemente da validade ou não da deliberação em que assenta; insusceptibilidade da deliberação em causa para autorizar a concreta obra feita.

Por requerimento de 12-10-2015, a convite do Tribunal, o A. requereu a intervenção principal provocada dos restantes condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal sito aos nºs 164, 166 e 168 da Rua (...) em (...) , como seus associados, a saber:

1ºs: M (…)  e esposa M (…)

2ºs: A (…) e esposa L (…)

3º: J (…),

4ºs: J (…),

5ºs: F (…) e esposa M (…)

6ºs: M (…) e esposa N (…)

7ºs: A (…) e esposa C (…)

Tal intervenção provocada, do lado activo, foi admitida por despacho de 7-12-2015.

Por decisão de 5-01-2017, os herdeiros do interveniente J (…)foram habilitados (fls. 282).

Em 26-06-2017 e 3-05-2018 (fls. 300 e ss. e 358 e ss.) realizou-se a Audiência Prévia, na qual foi admitido o pedido reconvencional deduzido, tendo-se proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio, seleccionado os temas da prova e admitido os meios de prova.

Os RR. apresentaram articulado superveniente, em que requereram a ampliação do pedido reconvencional (fls. 379 e ss.)

O articulado superveniente, na parte em que alega a falta de licenciamento de duas janelas do alçado lateral esquerdo do sótão do prédio foi rejeitado e a pretendida ampliação do pedido reconvencional foi indeferida (fls. 414 e ss.).

Tendo-se constatado a dissolução e encerramento da liquidação da Sociedade Ré A (…), Lda, foi determinado o prosseguimento dos autos, sendo a mesma substituída por C (…) e J (…) (fls. 422).

Teve lugar a realização da audiência, com observância do legal formalismo.

Mantém-se a regularidade da instância afirmada no despacho fls. 354.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Pelo exposto, decide-se:

- julgar a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condenar a R. B (…) a remover, no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da presente sentença, o tubo de exaustão de gases colocado nas paredes exteriores do prédio e repondo a referida parede e alçado no estado em que se encontravam antes;

- não o fazendo no assinalado prazo, fica obrigada ao pagamento de sanção pecuniária compulsória ao Autor J (…) à razão de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) por cada dia de atraso;

- absolver os RR. E (…), C (…) e J (…)e - julgar a reconvenção improcedente, por não provada, dela absolvendo o Autor.

Custas da acção e da reconvenção pela Ré B (...) – art. 527º, n.º 2 do C.P.C.».

*

B (…), Ré / Recorrente, com os sinais dos autos, notificado da sentença proferida e com a mesma não se conformando, veio interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

          (…)

Legal e tempestivamente notificados, para o efeito, veio J (…) nos autos em epígrafe, veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES:

(…)

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Atenta a prova produzida, com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:

1- Por apresentação de 21/05/1984, o prédio urbano sito (…) em (...) , composto por edifício destinado a habitação e comércio, de r/c, 1ª, 2º, 3º andar, sótão e logradouro, garagens, foi constituído em propriedade horizontal, sendo composto por catorze fracções autónomas que correspondem às seguintes permilagens:

Fracção “A” – Terceiro Andar Esquerdo – Permilagem 160

Fracção “B” – Terceiro Andar Direito – Permilagem 160

Fracção “C” – Segundo Andar Esquerdo – Permilagem 122

Fracção “D” – Segundo Andar Direito – Permilagem 140

Fracção “E” – Primeiro Andar Esquerdo – Permilagem 122

Fracção “F” – Primeiro Andar Direito – Permilagem 140

Fracção “G” – Rés-do-chão Esquerdo – Permilagem 30

Fracção “H” – Rés-do-chão Direito – Permilagem 30

Fracção “I” – Garagem: 1ª. de Poente para Nascente – Permilagem 16

Fracção “J” – Garagem: 2ª. de Poente para Nascente – Permilagem 16

Fracção “L” – Garagem: 3ª. de Poente para Nascente – Permilagem 16

Fracção “M” – Garagem: 4ª. de Poente para Nascente – Permilagem 16

Fracção “N” – Garagem: 5ª. de Poente para Nascente –Permilagem 16

Fracção “O” – Garagem: 6ª. de Poente para Nascente – Permilagem 16 (art. 18º da contestação).

2- O prédio urbano referido em 1) está descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...) /19900720 da freguesia de (...) , (...) , e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 6709 da mesma freguesia.

3- O prédio referido em 1) e 2) não tem e nunca teve Administrador de Condomínio.

4- A propriedade da fracção “A” do prédio referido em 1), que constitui um apartamento de tipo T3, 3º andar esquerdo e respectivo sótão, está registada a favor do A. por apresentação de 2013/04/19 (arts. 1º e 2º da p.i.).

5- A propriedade da fracção “G” do prédio referido em 1), que corresponde ao r/c esquerdo (lado poente), destinada a comércio, está registada a favor da R. B (…) por apresentação de 2003/01/07 (arts. 3º da p.i. e 1º e 2º, 42º, 44º e 45º da contestação).

6- A propriedade da fracção “H” do prédio referido em 1), que corresponde ao r/c direito (lado nascente), destinada a comércio, está registada a favor da R. B(…) por apresentação de 2003/01/07 (art. 3º da contestação).

7- A fracção autónoma “G” sempre foi utilizada, desde a sua origem, por diversos arrendatários que sucessivamente, ao longo dos tempos, nela têm explorado o tipo de estabelecimento afecto à actividade de restauração e similares (art. 6º e 46º da contestação).

8- Em Setembro de 1987, a Câmara Municipal de (...) licenciou a exploração do aludido estabelecimento (art. 7º da contestação).

9- Em 28-07-2014, a 1ª. Ré, acompanhada pelo seu marido, o 1º. Réu, deu de arrendamento à Ré “A (…)” a fracção autónoma designada pela letra “G”, equipada com bens móveis, máquinas e os demais utensílios afectos ao sector da restauração, tendo esta, no exercício da sua actividade, dado continuidade à exploração no respectivo local de um estabelecimento comercial que funciona como restaurante, [snack-bar e café], atento o uso da fracção a que se destina, designadamente em conformidade com a respectiva licença de utilização [ocupação] emitida pela Câmara Municipal de (...) sob o número 263, em 17.08.1984 (art. 5º da contestação).

10- Em finais de Agosto de 2014 os RR. realizaram obras no sistema de exaustão do estabelecimento comercial (art. 5º da p.i.).

11- O referido em 10) consistiu na colocação de um tubo cilíndrico com 300 mm de diâmetro, em inox prateado, a sair de uma abertura existente na fracção “G”, ao nível do rés-do-chão do alçado posterior do prédio e que, após descrever uma curvatura à direita, em que dobra a esquina do prédio, se prolonga pelo respectivo alçado lateral, fixado à parede exterior, terminando 0,50 metros acima da aba do telhado do edifício e ficando a respectiva extremidade superior a uma cota inferior à das janelas do sótão do edifício (arts. 6º a 8º da p.i. e 24º e 49º da contestação).

12- O tubo referido em 11) dista da janela mais próxima do sótão do edifício valor não concretamente apurado, mas inferior a três metros (art. 9º da p.i.).

13- Antes da colocação do tubo referido em 11), a exaustão dos gases provenientes daquele estabelecimento de restauração era feita através de um tubo que, saindo da mesma abertura, ao invés de subir, descia até ao solo, entrando numa conduta ali existente, tendo tal obra sido feita em data não concretamente apurada, mas após a construção do prédio (art. 10º e 11º da p.i.).

14- A mencionada conduta descia em direcção à cota da base visível do edifício, onde se encontrava instalado um tubo de entrada que permitia a respectiva acoplagem bem como uma caixa de derivação adjacente, com ligação à conduta interior que se prolongava através do subsolo do logradouro do prédio e do subsolo de uma das garagens existentes nas traseiras do mesmo, subindo depois pela estrutura posterior interior desta até à respectiva zona de cobertura, onde se elevava e terminava sob a forma de chaminé (art. 12º da contestação).

15- Quando, em Dezembro de 2002, a Ré (…) adquiriu a fracção autónoma “G”, a exaustão fazia-se da forma referida em 13) e 14) e assim se manteve até aos meses de Junho/Julho de 2014 (art. 13º da contestação).

16- A reposição ou recuperação do ramal de conduta originário contendia com o subsolo de uma garagem pertencente a um outro condómino (art. 17º da contestação).

17- Os fumos e cheiros expelidos pela chaminé referida em 11) penetram no interior da fracção “A”, através das janelas do sótão, das janelas traseiras e da do alçado lateral esquerdo (arts. 17º, 18º, 20º e 21º da p.i.).

18- O sótão da fracção “A” tem comunicação directa, através de uma escada, sem porta ou qualquer divisória, com o resto da fracção, pelo que os mencionados cheiros se propagam por toda a fracção (art. 19º da p.i.).

19- O ruído de funcionamento do sistema de exaustão é de 0,4 dB (A) (art. 22º da p.i.).

20- A zona de vedação da chaminé referida em 11) à abertura na parede do alçado posterior do prédio deixa escorrer gorduras e resíduos pela parede (art. 23º da p.i.).

21- A chaminé referida em 11) constitui, esteticamente, um corpo estranho na unidade arquitectónica do edifício, sendo de material (metal), cor (prateada) e formato (cilíndrico) inexistentes em todo o demais exterior daquela construção (art. 32º e 33º da p.i.).

22- No dia 5 de Julho de 2014, pelas 15 Horas, no edifício referido em 1) e 2), reuniram-se as seguintes pessoas:

(…)

23- As pessoas que na mesma participaram tomaram conhecimento da realização da reunião referida em 22) por telefonema e por contacto pessoal.

24- O A. não teve conhecimento antecipado da realização da reunião referida em 22) e não mandatou (…) para aí o representar (art. 5º, 8º, 10º e 11º da réplica).

25- Não foi enviada ao A. cópia do documento junto como n.º 8 com a contestação (fls. 126) (art. 12º da réplica).

26- A fracção “E” (1º esq.) está inscrita a favor de J (…), casado com M (…) ob o regime da comunhão geral, o qual em 5-7-2014 já falecera, deixando a suceder-lhe a esposa, que é cabeça-de-casal da respectiva herança e os seus dois filhos, um dos quais é J (…)

27- A cabeça-de-casal da herança por óbito de J (…) não mandatou J (…) para aí a representar.

28- Relativamente à reunião referida em 22), foi elaborado um documento com o seguinte teor:

“Prédio (…), (...)

No dia 5 de Julho do presente ano pelas 15 Horas, foi realizada uma reunião de condomínio na qual estiveram presentes:

(…)

Nesta reunião ficou decidido:

 Criação de Condomínio;

 Abertura de conta na CGD;

 Pedir contador de água;

 Contratação de empresa para limpeza do prédio;

 Alteração da luz das escadas para o condomínio;

 Execução por parte do proprietário das lojas, de um sistema de extração de fumos para o restaurante. Sendo este sistema aplicado pela parte lateral do prédio;

 Administração ficaria a cargo dos seguintes condóminos: A (…) (3º esq.) e J (…)(1º dto).

(…)

Por falta de comparência do condómino do 2º dto., ficou este em dívida com a referida condómina no valor de 10,13€.

Assinaturas: (constam as assinaturas de A (…) e E (…)(art. 19º da contestação).

29- Em 20-12-2016, a Câmara Municipal de (...) deferiu a legalização referente à alteração das fachadas com a fixação de um tubo de extracção de fumos na parede exterior do prédio referido em 1) e 2) sem licença municipal.

*

Factos não provados:

- que em funcionamento, a chaminé tenha trepidação ou zumbido (art. 22º da p.i.);

- que o Réu E(…) tenha procedido à verificação do sistema de extracção de fumos do estabelecimento por volta do mês de Junho de 2014, aquando das negociações preliminares que antecederam a reabertura do restaurante instalado na fracção “G” (art. 9º da contestação);

- que algum tempo antes, alguns utilizadores do prédio se tenham queixado da existência de cheiros e fumos nocivos, difusos, que invadiam as zonas comuns e os interiores dos próprios apartamentos (art. 10º da contestação);

- que nessa ocasião, os RR. tenham constatado que havia indícios de escorrências gordurosas no exterior do alçado posterior do prédio, provocadas pelo caudal de fumos expelidos do interior da fracção para o referido ramal de conduta que proporcionava a sua irradiação para o exterior (art. 11º da contestação).

- que as escorrências se verificavam a partir da abertura técnica existente na parede junto ao limite superior da mesma fracção, cujo dispositivo permitia a ligação do equipamento instalado no seu interior ao aludido ramal de conduta (art. 11º da contestação).

- que aquando da verificação desse ramal de conduta constatou-se que o mesmo se encontrava obstruído, danificado ou destruído, devido ao retorno dos fumos e gases expelidos pelo sistema de exaustão que, por esbarrarem com o interior obstruído do ramal, originavam as escorrências gordurosas a partir da abertura técnica e a existência de cheiros e a percepção de fumos nas zonas interiores e comuns do edifício (art. 15º e 16º da contestação).

- que os 1ºs. Réus tenham solicitado a (…), filha do Autor, na qualidade de Administradora do Condomínio, autorização para alterarem o ramal de conduta para a extracção de fumos e aplicá-lo na “parte lateral do prédio” (art. 17º da contestação).

- que os condóminos presentes na reunião referida em 22) tenham exigido que a aplicação da conduta e respectiva chaminé fosse concebida, executada e aplicada de acordo, quer com as dimensões que foram observadas para o efeito, quer mediante a aquisição de materiais próprios e adequados à instalação dessa estrutura (art. 20º da contestação).

- que os condóminos tenham autorizado a instalação da conduta/chaminé, sob a condição da mesma ser executada com recurso à adopção de tubagem, curvas, braçadeiras e chapéu de finalização em material inox, com fixação através de buchas metálicas e utilização de fita isolante nos encaixes dos elementos, prevenindo-se desta maneira o derrame de gorduras ou fumos para o exterior (art. 22º da contestação).

- que o sistema de exaustão não produza qualquer ruído (art. 35º da contestação).

- que, numa perspectiva de alienação da fracção “A”, a conduta/chaminé a desvalorize ou não (art. 28º da p.i. e 37º da contestação);

- que na reunião referida em 22), o Autor se tenha feito representar pela sua filha A (...) (art. 23º e 47º da contestação).

- que na reunião referida em 22) tenha sido deliberado ou decidido pelos presentes autorizar a “Execução por parte do proprietário das lojas de um sistema de extracção de fumos para o restaurante, sendo este sistema aplicado pela parte lateral do prédio” (art. 48º da contestação).

*

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

*

Das conclusões de Recurso - ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

I

— A Decisão que no entender da aqui Recorrente deveria ser proferida no âmbito dos pontos de facto, infra referidos, que se consideram incorretamente julgados, atenta a impugnação e a motivação que antecede, deverão agora em sede recurso observar e corresponder à seguinte redação, caso a caso:

Ponto 3:- Provado que no dia 5 de julho de 2014, pelas 15H00, no edifício referido nos Pontos 1 e 2, as pessoas referidas no Ponto 22 decidiram que a administração ficaria a cargo de (…) [filha dos Autor] e de (…)

Na circunstância em causa, neste específico e nuclear segmento, este ponto 3 encontra efectivo respaldo na verificada “narrativa” de «todos os proprietários de fracções no referido prédio inquiridos na presente acção o haverem afirmado de forma unânime».

Tal, uma vez que - o assim impetrado - não pode sair travejado na circunstância de «que aquela decisão sobre a matéria de facto seja alterada com base num documento que se encontra assinado apenas por duas das pessoas presentes em tal reunião e que não são, nenhuma delas, sequer condóminas do prédio – a referida A (…) (filha do autor / recorrido) e o marido da ré / recorrente». O que, por tal maneira, se lhe haverá, mesmo, de contrapor e, desse modo, funcionar como impossível categórico de outro entendimento, e, assim, de atendimento.

 Daí a sua resposta ser negativa.

Ponto 5:- Provado que a fração “G” do prédio referido no Ponto 1, correspondente ao r/c esquerdo (lado poente), é composta por “estabelecimento”, encontrando-se registada a favor da Ré B (…) por efeito da apresentação / Ap.1 de 2003/01/07 – Aquisição.

Ponto 6:- Provado que a fração “H” do prédio referido no Ponto 1, correspondente ao r/c direito (lado nascente), é composta por “estabelecimento”, encontrando-se registada a favor da Ré B (…) por efeito da apresentação / Ap.1 de 2003/01/07 – Aquisição.

O que se consagrou - e ora se impugna -, mais não decorre senão:

 “- do ponto 5) dos factos provados: considerou-se o teor da cópia de registo predial, que constitui o documento de fls. 83;

- do ponto 6) dos factos provados: considerou-se o teor da cópia de registo predial, que constitui o documento de fls. 84”;

Como, em correspondência não poderia deixar de acontecer, assim resistindo a qualquer outro tipo de semântica ou hermenêutica interpretativa de não adequação/conformidade, na emergência de tal literalidade. Reconhecendo, pois, que o referencial de “as fracções em causa se destinam a nelas funcionar um “estabelecimento”, em função da descrição genérica do edifício - ao prever fracções destinadas a habitação e fracções destinadas a comércio -, necessariamente se reporta a “estabelecimento”… “comercial” (vide, também, documento atestador, junto com contestação, com o nº 2.1; sendo que, também, infra, na análise das questões de direito, confluentemente, a explicação mais sedimenta a resposta consagrada, no sentido da intangibilidade de tais pontos).

Daí a sua resposta ser negativa.

Ponto 16:- Provado que os Réus estavam confrontados com as dificuldades técnicas que obstaculizavam a reposição ou recuperação do primitivo ramal de conduta da exaustão por contender com o subsolo de uma garagem pertencente a um outro condómino.

A consideração do ponto 16) dos factos provados, na redacção consumada em decisório, decorre, como não poderia deixar de ser, do depoimento prestado pela testemunha (…)proprietário da garagem que constitui a fracção “I” do edifício em questão nos presentes autos, ao explicar que «a conduta original foi executada por um irmão seu, anterior proprietário da fracção “G”, tendo a testemunha alugado a sua garagem ao irmão e autorizado aquele a fazer desembocar a conduta na sua garagem, o que não se verifica actualmente». Nenhum outro tipo de inferência, a este respeito, objectivamente, pode formular-se em função da prova produzida. Como consequência, haverá de permanecer intangível.

Daí a sua resposta ser negativa.

Ponto 21:- Provado que a solução referida no Ponto 11 é muito utilizada em casos semelhantes existentes na cidade [ (...) ], enquadrando-se no tecido urbano envolvente.

Declaradamente, não! A amostragem reveladora das “fotografias que constituem os docs. 4, 6 e 7, de fls 23, 30 e 31” (ver também a de fls 319, esta a cores), sustenta a resposta atribuída. Sendo incontroverso que não se verifica, assim não ocorrendo, em qualquer outra geografia, ou expressão anatómica singular, do edifício em questão, onde tal acontece. Nessa circunstância, tipo de excrescência que não provém da sua originalidade e concepção constitutiva, ou, aqui, constituída em problema..

Daí a sua resposta ser negativa.

Ponto 22:- Provado que no dia 5 de julho de 2014, pelas 15H00, no edifício referido nos Pontos 1 e 2, reuniram-se em assembleia de condóminos as seguintes pessoas … [mantendo-se o subsequente teor sem mais alterações].

Ponto 28:- Provado que relativamente à assembleia referida no Ponto 22, foi elaborado um documento [fls.126] com o seguinte teor: …… [mantendo-se o subsequente teor sem mais alterações].

De novo, se visa a semântica, na literalidade utilizada, com extrapolação para considerações, ainda que legítimas, de conveniência, marcadamente, subjectivas. Inalterável - sem mais -, a formulação em causa. Em particular, havendo em consideração tipologia categorial classificatória, que só em sede estrita de apreciação de direito, se poderia (e poderá, assim, infra, sucedendo), equacionar. Continua, pois, por isso, a considerar-se elemento vectorial de adequada sustentação à formulação decisória (em tais números/pontos que se pretendem controvertidos), a que decorreu, e decorre, do documento de fls. 126.

-

Tanto, que a decisão em causa se revela particularmente explícita e rigorosa ao fazer ressumar - assim espelhando o acontecido e nos Autos revelado -, assim saindo comprovado, por adequação, (vide fls. 457-459 dos Autos – em decisão), a justificar a remissão intertextual expressiva que:

«(…) Relativamente às pessoas que estiveram presentes na reunião referida em 22), a forma de convocação e o respectivo conteúdo, atendeu-se:

- ao depoimento de parte do R. (…) que referiu que no próprio dia da reunião, se deslocou ao imóvel e foi abordado pelas Sr.ªs (…), que o informaram de que iria ocorrer uma reunião, algumas horas mais tarde. Quanto aos presentes na reunião, referiu as Sr.ªs Dr.ª (…) e que havia pessoas em representação de outras.

Quanto ao momento em que se apercebeu da existência de problemas na conduta de exaustão, na contestação refere-se que tal ocorreu em Junho de 2014, depois de uma locatária que explorou o estabelecimento comercial durante anos ter de lá saído (art. 9º a 16º da contestação); ouvido em depoimento de parte, referiu só ter tomado conhecimento do estado em que o sistema de exaustão do estabelecimento se encontrava na própria reunião de 5-07-2014, através dos demais condóminos/participantes;

estes, questionados quanto a tal matéria, revelaram não se recordar de quem partiu a iniciativa de abordar tal questão na referida reunião (vd. depoimento de (…) (condómino do 2º direito), (…) (do 3º direito). Não foi, assim, possível dissipar a dúvida quanto à autoria da iniciativa de debater a questão da exaustão do estabelecimento.

A testemunha (…) (3º dto) afirmou que não esteve presente na reunião; a testemunha (…) (3º dto) esteve presente e a ideia que tem da reunião é a de que nada foi decidido ou autorizado, tendo os condóminos ficado de se reunir novamente; mais referiu recordar-se de que o Sr. (…)esteve igualmente presente;

a testemunha J (…), herdeiro, juntamente com a mãe e com o irmão, do titular inscrito do direito de propriedade da fracção correspondente ao 1º esq. – sendo a mãe a cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai –, esteve presente na referida reunião, que se realizou por iniciativa sua, nada tendo sido decidido relativamente à conduta de exaustão de fumos, porquanto o proprietário das lojas teria que falar com todos e nem todos os condóminos estavam presentes;

a testemunha J (…) (2º direito) afirmou ter estado presente por ter sido contactado por (…), tendo prestado um depoimento confuso, quanto às conclusões/autorizações concedidas nessa ocasião relativamente ao sistema de exaustão.

A testemunha (…), que referiu ser a única que ali reside em permanência, foi convocada para a referida reunião telefonicamente, pela esposa de (…) do 1º esquerdo, tendo-lhe sido transmitido que o objectivo era a constituição do condomínio.

Que, com excepção dos condóminos das garagens (que não pensou que tivessem que ser informados), estavam presentes ou representados todos os condóminos, com excepção de um – que a testemunha pensava ser (…)

Que na mencionada reunião, foram distribuídas tarefas por várias pessoas, tendo a testemunha ficado incumbida de criar um número de contribuinte do condomínio. Quanto à chaminé, refere que todos os presentes concordaram que o Réu a fizesse em inox, nas traseiras do prédio, não se recordando de terem sido discutidas questões técnicas.

Relativamente ao documento de fls. 126, respondeu com muita hesitação quanto à autoria (pensa ter sido elaborado pela D. A(…) e enviado para si via e-mail);

explicou que do mesmo consta a aplicação pela parte lateral do prédio porque, em momento posterior à reunião, alguns condóminos acharam que era perigoso, numa perspectiva de alguém poder subir pela conduta, estando a mesma situada junto aos quartos;

a D. (…) comprometeu-se a contactar os demais condóminos para obter o respectivo consentimento, quanto a esta alteração e disse-lhe que estavam todos de acordo.

No que respeita à existência de uma concreta deliberação, extrai-se da conjugação dos depoimentos das pessoas presentes na reunião que uns entendem que nenhuma autorização foi concedida nesta matéria ao R., outros, que a conduta foi colocada em localização diversa da que foi autorizada; tendo a testemunha A(…) dado uma explicação para a existência da referida discrepância.

Não pode, assim, dar-se como provado ter havido qualquer acordo, sequer dos presentes, na autorização de execução da referida conduta pelo Réu e respectivo conteúdo.

As testemunhas (…)não tiveram conhecimento da realização da referida reunião».

Daí a sua resposta ser negativa.

Ponto 29:- Provado que a Câmara Municipal de (...) deferiu a legalização referente à alteração das fachadas com a fixação de um tubo de extração de fumos na parede exterior do prédio referido nos Pontos 1 e 2.

As apreciações anteriores, aqui se projectam, com a mesma abrangência.

Deste modo, também, em termos de estrita interpretação objectiva do elemento redactorial utilizado, outro não pode ser senão que se procedeu à referida “legalização das obras, que, efectivamente, tinham sido realizadas sem licença municipal”. O que, com tal alcance - e outro não poderia ser, neste condicionalismo -, encontra adequado arrimo e sustentação no referido documento de fls. 285v. e 286.

Daí a sua resposta ser negativa.

Amplitude de eleição e retenção factual conformadora, por tal forma revelada impeditiva, tornando impossível conceder - ao invés do que vem pretendido recursivamente -, com o seguinte alcance:

- “dever ser retirada dos factos não provados a parte referente à deliberação ou decisão tomada na assembleia referida no Ponto 22, cujo âmbito recaiu sobre a execução do sistema de extração de fumos, devendo este segmento fáctico corresponder ao teor constante do Ponto 28 dos factos provados”.

Consubstanciação equivalente à formulada pela seguinte via:

Outros factos:

- Deverá ser retirada dos factos não provados a parte referente à deliberação ou decisão tomada na assembleia referida no Ponto 22, cujo âmbito recaiu sobre a execução do sistema de extração de fumos, devendo este segmento fáctico corresponder ao teor constante do Ponto 28 dos factos provados.

Cuja resposta - tendo em consideração a recorrência da formulação da questão -, haverá de ser, igualmente, negativa.

Devendo ainda considerar-se como provados os seguintes factos:

- Provado que a conduta de exaustão é imprescindível ao bom funcionamento do restaurante.

- Provado que a entrada de fumos e cheiros através das janelas do sótão provenientes da chaminé, poderão ser evitados ou atenuados, mediante a melhor vedação dos componentes da mesma chaminé, a qual terá de ser prolongada pelo menos 0,50 metros acima do cume do telhado do edifício.

Esta formulação consubstancia, verdadeiramente, um excurso que -reconheça-se -, não colhe inserção resolutiva, na sua essencialidade, nos temas de prova, em função dos pedidos e respectivas causas de pedir expressas.

Perante tal realidade, o próprio discurso de contraditório, que lhe foi dirigido evidencia obstáculo de qualquer outra consideração diferenciada, na parte - que se revela, para o efeito, suficiente -, na correspondência, a que não pode deixar de, nesta especificidade, aquiescer. Ou seja:

« (…) não é isso o que se discute no processo – que alterações podem ou não os réus fazer na obra que fizeram no prédio. O que aqui se discute é se podiam ou não fazer a obra que fizeram e, na negativa, o que tem que suceder a tal obra. Daí que não façam parte dos “temas de prova” quaisquer eventuais alterações que os réus defendam para a obra que levaram a cabo. O que ali se indaga são as “repercussões da existência, tal qual se mostra edificado, do tubo (...)” (sublinhado do signatário). Tal qual se mostra edificado! A decisão a proferir nos presentes autos tem, obviamente, que se basear na situação existente, não em qualquer situação hipotética. Os únicos factos com relevo são os existentes, os que agora se verificam, não aqueles que poderiam ocorrer se a chaminé em causa tem sido construída doutra forma, com outros materiais, com outra altura, enfim, de forma diferente».

Circunstância que próprio “relatório pericial” não almeja ultrapassar.

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Apreciação que assim decorre, por imperativo discurso de referência, pois que o Tribunal da Relação (só) altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido do interessado, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do NCPC).

Conferidos os elementos assinalados pela Recorrente, confrontados os depoimentos referidos, se entende não ocorrer erro de julgamento sobre os factos.

Lembrando que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta, necessariamente, com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação, nem para a respectiva transcrição.

É a imediação da prova que permite detectar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade (Cf. Ac. RC, de 04.04,2017, Proc. nº 4190/05.8TBLRA-A.C1, Relator: Fernando Monteiro).

Assinalando-se, nesta dimensão, que a Recorrente - mesmo pela maneira utilizada -, impõe a análise de depoimentos específicos, não fazendo a sua indispensável análise crítica e plural dos mesmos, no conjunto da prova considerada, e, portanto, na sua imprescindível dimensão holística, para lá da sua marcada subjectividade interpretativa, capaz de derribar a apreciação deles feita na sentença.

O tribunal, por sua vez, baseia - como lhe compete, e não pode deixar de ser -, a sua convicção positiva (e negativa) nos documentos juntos e nos depoimentos referenciados, que travejam a sua apreciação, na perspectiva eminentemente “universalista” dos autos.

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Particularizando, sempre que impugne a matéria de facto, incumbe, efectivamente, aos recorrentes, observar o ónus da discriminação fáctica e probatória, ou seja, especificar obrigatoriamente, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo (ou do registo de gravação), que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados de modo diferente.

O que a recorrente efectivou através da singular metodologia patente nas suas conclusões, para mostrar insatisfação e não convencimento com a decisão. O que - reconheça-se -, lhe assiste, em perfeita legitimidade.

Porém, o que deixa dito, em particular, não alcança o seu escopo.

A matéria de facto apurada - revisitada a sua produção, com o que os Autos espelham -, reflecte a prova efectivamente produzida, no universo concentracionário dos Autos.

O juiz tem que fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da sua segurança e da forma como se exteriorizam.

Mas, uma coisa é a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, que se compreende, mas não se acolhe, é a vontade subjectiva da parte, no sentido de alcançar a sua própria verdade.

No caso vertente, o reexame possível das provas produzidas, não conduz a qualquer outro resultado que não o apurado nos autos, nada justificando - pelas razões que se deixam indicadas -, a alteração dos pontos em apreço.

Adequação que mais se intensifica a partir do inevitável confronto com a consagração do dizer, em eminência narrativa, das testemunhas ouvidas, nos termos destacados em decisório.

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 Fazendo-se notar que as próprias alegações/conclusões, tendo em conta o seu carácter fragmentário e - nessa dimensão -, inconcludente, também não possuem virtualidade para contrariar a consagração decisória, neste segmento. De resto, nem sequer de absoluta conformidade - como, v.g., se faz notar no Ac. do STJ de 19.02.2015, no proc. n° 299/05.6TBMGD.P2.S1, - destacando,  que:

«1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.°. n.ºs 1 e 2, e 662.°, n.º 1, do CPC,  (pois) importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.

2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.° do CPC».

Em tais termos, pois, e no enquadramento referido, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da verdade material dos factos, o art. 662.° do CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos, valorá-las e ponderá-Ias, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção (Ac. RG. de 23.4.2015. Proc. 372/10: dgsi.Net).

Deste modo, em função do que se revela e aprecia, pode-se concluir que, fundamentando o juiz a sua convicção, v.g., na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada por grupo individualizado das testemunhas (Ac. RE, de 14.5.2015: Proc. 1246/1I.TBLGS.E1.dgsi.Net), por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente.

Assim, decorrência, também, de a Relação haver formado uma convicção verdadeira - e fundamentada -, sobre a prova produzida na 1.ª instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se devendo limitar a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício dessa prova, salvo os casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo (o que, aqui, não sucede). Sendo que, no caso, a apreciação da prova decorreu sob o signo da probabilidade lógica - de evidence and inference -. i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm, a partir das provas disponíveis (Cf. Ac. RC. de 23.6.2015: Proc. 1534/09.7TBFIG.C1.dgsi.Net), nos Autos reveladas e consagradas.

-Podendo, pois, neste caso concluir-se - o que não deixa de se projectar, sequentemente -, que a mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais, que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem (Ac. STJ. de  12.5.2016. Proc. 1738/04: Sumários, Maio12016. p. 43).

O que, igualmente, decorre da supremacia e da absoluta dominância influenciadora do integral cotejo dos demais depoimentos produzidos, tal como assinalado em decisório.

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Com este alcance - aqui, também, se impondo, ainda, referir -, por ser consabido que a prova testemunhal, ela própria, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, como ensinava o Senhor Professor Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 614). Acrescentando que «se a vida moderna, por uma questão de segurança, tende a documentar um número cada vez maior de actos jurídicos, continua a ser enorme o contingente dos factos imprevistos e dos próprios factos previsíveis, com relevância para o julgamento dos litígios, em que o único meio de prova utilizável é o recurso ao depoimento das pessoas (terceiros) que tiveram acidentalmente percepção desses factos ou de ocorrências a ele ligados por qualquer nexo de instrumentalidade» (ibidem). O citado Professor rematava apelando ao particular cuidado - «o prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda» (Ac. STJ, de 17.11.20111:Proc. 2190/07.2TBFAT.G1.S1.dgsi.Net). O que - tal como expresso -, não deixou de ser observado, com adequação e no seu enquadramento e análise no conjunto da demais prova, de cariz manifestamente holístico, produzida. Servindo tal apreciação para significar - e para que dúvidas não restem -, inexistir qualquer indevida apreciação de depoimentos, mesmo indirectos, ou erro na apreciação da prova testemunhal (ou outra) produzida.

-Assim, pois todas as testemunhas foram ouvidas em 1ª Instância, o que permitiu aquilatar do sentido do seu depoimento, alcance intrínseco e razão sustentada de ciência.

O que voltou a ser, no Tribunal da Relação, objecto de renovo probatório adrede, na forma legalmente convencionada, e perante os elementos disponíveis nos Autos. Por sua vez, em análise e apreciação de conformidade, expressa nos termos transactos.

Tal equivale a dizer, mais uma vez, que, em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu eventualmente maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

Tanto mais que, quanto ao "sentido do depoimento", aí devem funcionar - como se fizeram funcionar -, as regras gerais das declarações (arts. 236.º e ss., do Cód. Civil), devidamente adaptadas, por não se tratar de declarações negociais, mas de declarações de ciência (cf. ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.); J. P. REMÉDIO MARQUES, Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, em CDP, n.º especial 01/Dez. de 2010, pp. 80 a 90).

Razões determinantes de os factos identificados, acima descritos, permanecerem na redacção que em decisório lhes foi atribuída, com inteira sustentação na prova produzida e destacada, em função do que os Autos revelam.

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Numa outra específica mirada prospectiva, de confluência, consigne-se que o novo meio de prova por declarações de parte, instituído no art. 466.º do Novo CPC veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte, ainda que sem carácter confessório, e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade.

Se tal meio de prova ganha particular interesse em matérias do foro íntimo ou pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, à partida, de mais difícil demonstração, também é certo que a lei não restringe a sua admissão a esses casos, antes estabelecendo como requisito de admissibilidade, no que respeita à incidência, que as declarações da parte respeitem a factos em que o litigante interveio pessoalmente ou de que teve conhecimento directo.

Estamos no âmbito mais amplo do direito que assiste à parte de provar os factos por si alegados e que sustentam a sua pretensão, ou mesmo de fazer a contraprova dos factos contra si invocados, no quadro do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.° da CRP), pelo que, nessa medida, é a cada uma das partes que incumbe eleger os meios de prova adequados à demonstração com que está onerada ou que, de algum modo, convém à prossecução dos seus interesses.

Tal não significa que não devam impor-se certas limitações aos meios de prova utilizáveis em cada caso, mas essas limitações devem mostrar-se materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade (Cf. Ac. RL de 29.4.2014: CJ, 2014. 2.º-325).

Não sem cuidar que as declarações de parte (art. 466.º do novo CPC) - que divergem do depoimento de parte - devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos (Ac. RP, de 15.9.2014: Proc. 216/11.dgsi.Net).

Isto porque, presentemente, à luz do art. 466.°. n.º 1, do NCPC, a própria parte detém legitimidade para, até ao inicio das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a factos favoráveis ao declarante é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu prudente critério. Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz (Ac. RL de 12.3.2015: Proc. 1/12.6TBTPTM.E1.dgsi.Net).

Naturalmente, em horizonte prospectivo em que a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.° n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade (Ac. RG. de 2.5.2016: Proc. 2745/15. 1T8VNF-A.G1.dgsi.Net).

A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie (Ac. RL, de 13.10.2016. Proc. 640/13: dgsi.Net).

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Ainda, a propósito da admissibilidade das declarações de parte com factos favoráveis ao declarante, em situações insusceptíveis de outros meios de prova, REMÉDIO MARQUES assinala que "(…) a recusa, nestas raras eventualidades, em admitir e valorar livremente ou apenas como base de presunções judiciais as declarações favoráveis ao autor, volve-se, desde logo, numa concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro do direito de acesso aos tribunais e ao direito e de uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20º, n.º1, da Constituição)". Acompanhamos sem reservas este raciocínio, sendo que - no nosso entender - esta argumentação abrange também a relevância e a atendibilidade do depoimento indirecto, na precisa medida em que, nas situações insusceptíveis de outros meios de prova, o julgador apenas se poderá socorrer das declarações de parte e das testemunhas indirectas.

Deste modo, e no limite, admitimos que o juiz possa fundar a sua convicção quanto a tal tipo de factualidade apenas nas declarações de parte e/ou nos depoimentos indirectos. Necessário é que a valoração dos mesmos, feita segundo as singularidades do caso concreto e as máximas da experiência convocáveis, permitam ao julgador atingir o patamar da convicção suficiente” (Luís Filipe de Sousa, in op. cit. pág. 198) (Cf. Ac. RL de 23.05.2014, Proc. nº 3069/06.0TBALM.L2-2, Relator: EZAGUY MARTINS).

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Desta forma, pois, se a parte a quem incumbe o “onus probandi” fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (Manuel de Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.ª ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus (art. 342º Código Civil) respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto - trazida, ou não, pela mesma parte (Cf., de novo,Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 1979, 196).

O que, em si, inviabiliza a (plena) conversão da retórica argumentativa (operada em termos recursivos proactivos), de parte - perfeitamente compreensível, sempre se dirá, da defesa de individualizado “interesse” (justamente o que inter est as pessoas e os bens), de consequência específica determinada -, em elemento de objectivação que só pode ter correspondência, como se equacionou, na verdade “real” consubstanciada naquilo que a revelação processual intra-diegética possibilitou. E que, pelas razões indicadas, não pode ir além do que se consagrou em decisório.

Não podendo deixar de colherem, por isso, nesta abrangência, outro tipo de resposta que não a negativa, as questões perfiladas em I..

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CONCLUSÕES SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

II.

1.- A Sentença recorrida conheceu e decidiu quanto à questão da invalidade ou ineficácia da deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 5 de julho de 2014 como se a mesma tivesse sido formalmente impugnada, e não foi, nos termos do artigo 1433º., nº.4, do Código Civil, mediante a competente ação de anulação, que inexiste, atento o âmbito restrito do pedido formulado pelo Autor / Recorrido.

— Logo, ao pronunciar-se a Mª. Juíza e ao ter decidido no pressuposto erróneo que a deliberação referida se considerava impugnada, quando nunca o foi, nem tal foi pedido, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, o que constitui causa de nulidade da sentença face ao disposto no artigo 615º., nº.1, alínea d), do Código de Processo Civil.

2.- Em alternativa ou cumulativamente ao expendido na conclusão anterior, face ao pressuposto erróneo invocado, mais se conclui pelo desacerto das razões que fundamentam a Decisão, cujo equívoco e excesso de pronúncia inculca o erro de julgamento.

Neste segmento específico, refira-se – em função do que, precisamente, se consagra no art. 1433º do Código Civil (impugnação das deliberações) -, se os condóminos tomarem deliberações de conteúdo contrário a normas imperativas a sanção é a da nulidade (Cf. Henrique Mesquita, RDES, 23.°-140).

Com efeito, da conjugação do disposto nos n.ºs 1, 2, 4 e 6 do art. 1433.º do CC., resulta com meridiana clareza que a legitimidade - activa ou passiva - para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos se radica nos próprios condóminos, sendo os demandados representados judiciariamente pelo administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito. São eles efectivamente os titulares do interesse em demandar (legitimidade activa) ou em contradizer (legitimidade passiva), na definição do art. 26.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (30º NCPC), e não os seus representantes, uma vez que estes agem em nome e no interesse do representado sobre quem se reflectem os efeitos dos actos de representação (cfr. acórdão RL, de 8 de Fevereiro de 1990, Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo I, pág. 161) (Cf. Ac. RL, 10-7-1997: BMJ, 469.°-637).

Por sua vez, ainda que o art. 1433.º, n.º 5, do Cód. Civil e o art. 398.º do Cód. Proc. Civil (383º NCPC) se refiram apenas a deliberações anuláveis, nada obsta a que seja requerida a suspensão de deliberações afectadas pelo vício da nulidade (Cf. Ac. RL, 18-4-2002: CJ, 2002, 2.º-109).

Sem olvidar - em termos de enquadramento -, que «a assembleia de condóminos é o órgão colegial de administração das partes comuns do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal (art. 1430-1 CC). Sendo as suas deliberações anuláveis, quando contrárias à lei ou ao regulamento do condomínio (art. 1433-1 CC), mediante ação judicial proposta depois de ter sido suscitada a questão em nova reunião da própria assembleia de condóminos (art. 1433 CC, n.ºs 2 e 4), a providência cautelar de suspensão da deliberação desta assembleia desempenha, perante essa ação, a mesma função conservatória e antecipatória que a suspensão da deliberação social desempenha perante a respetiva ação de declaração de nulidade ou anulação. É, aliás, expressamente admitida pelo art. 1433-5 CC.

Embora se refira apenas a figura da anulabilidade, também a nulidade (derivada, por exemplo, da tomada de deliberação sobre matéria alheia ao condomínio) e a ineficácia (por exemplo, tomada de deliberação maioritária quando é exigida a unanimidade: art. 1432-5 CC) podem dar lugar à providência de suspensão (ver art. 380).

Tem legitimidade para requerer a suspensão quem a tem para propor a ação de anulação: qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação (art. 1433-1 CC). A suspensão há-de ser pedida contra os restantes condóminos, representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designe para efeito (n.º 2 e art. 1433-6 CC). Na falta desta designação, é, pois, citado para procedimento cautelar o administrador do condomínio.

Enquanto a ação de anulação da deliberação da assembleia deve ser proposta no prazo de 20 dias (art. 1433-4 CC), a suspensão há-de ser requerida no prazo de 10 dias do art. 380-1. Também aqui se aplica o art. 380-3, quanto ao dies a quo do cômputo do prazo; também este prazo, embora tenha natureza substantiva, se conta nos termos do art. 138, n.ºs 1 a 3, mas não se suspendendo nas férias; tão-pouco ele é de conhecimento oficioso, estando sujeito ao regime da caducidade de direito substantivo» (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 383-384).

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Ora, dito isto, não pode deixar de funcionar como elemento obsidiante de vinculação, a circunstância de, no caso dos Autos (como destacado em decisório - fls 464-465 dos Autos):

«o A. (acompanhado dos demais Condóminos, cuja intervenção foi admitida) pretende a remoção do tubo de exaustão de gases colocado pelos Réus nas paredes exteriores do prédio, repondo a referida parede e alçado no estado em que se encontravam antes.

Os Réus contrapuseram que a colocação do referido tubo foi autorizada pela Assembleia de Condóminos.

Ora, a concluir-se pela concessão da referida autorização, ao A. competiria instaurar acção de impugnação da deliberação, na medida em que é esse o iter imposto aos condóminos que considerem que as deliberações tomadas violam regras legais que se imponham ao condomínio urbano, ao invés de atacarem os actos materiais realizados em execução das referidas deliberações tomadas em Assembleia. Ou, em alternativa, propor acção que tivesse como causa de pedir a desconformidade entre a deliberação tomada e a obra executada.

Contudo, no caso dos autos, a invocada deliberação revestiu contornos assaz peculiares, não se podendo considerar, salvo melhor opinião, que teve lugar uma Assembleia de Condóminos e que na mesma foi tomada qualquer deliberação.

Efectivamente, o prédio constituído em propriedade horizontal no qual se insere a fracção A do Autor não tem, nem nunca teve, administrador do condomínio.

Assim, não se tendo apurado de quem partiu a iniciativa para a realização e uma reunião de condóminos, no dia 5 de Julho de 2014, pelas 15 Horas, reuniram-se as seguintes pessoas:

(…)

Tais pessoas tomaram conhecimento de que iria ocorrer a respectiva realização, por telefonema e por contacto pessoal, não tendo o A. tido conhecimento antecipado da mesma. Tampouco lhe foi enviada cópia do documento junto como n.º 8 com a contestação (fls. 126) – factos provados 23 a 25).

Relativamente à referida reunião, foi elaborado um documento do qual consta que “nesta reunião ficou decidido (…) Execução por parte do proprietário das lojas, de um sistema de extração de fumos para o restaurante. Sendo este sistema aplicado pela parte lateral do prédio” – facto provado 28).

Ora, analisada a factualidade provada a propósito da mencionada reunião, e independentemente da (in)validade da sua convocação e da (ir)regularidade da respectiva acta, apenas assinada por duas pessoas, constata-se que os únicos condóminos presentes foram (…) proprietária das fracções B e L (3º dto.) e J (…), proprietário das fracções D e M (2º dto.) – que totalizam 332/00.

Efectivamente, nem A (…) é proprietária da fracção A, nem foi mandatada pelo A. para aí o representar. Tampouco E (…)iva é proprietário das fracções G e H (cuja propriedade foi inscrita a favor da Ré B (…), quando ainda era solteira, pelo que constituem bens próprios da mesma, atento o regime de bens do casamento) ou foi mandatado pela proprietária para aí a representar. O mesmo se diga de (…) (factos provados 26) e 27).

Relativamente ao conteúdo do aí decidido, no que respeita à autorização para a realização de obras, tampouco se provou corresponder ao constante do documento referido no ponto 28) dos factos provados – vd. último ponto dos factos não provados.

Termos em que se pode afirmar que os Réus não foram autorizados pela Assembleia de Condóminos a executar a conduta/chaminé destinada à extracção de fumos e gases a partir da fracção “G”, tal como se encontra actualmente instalada e aplicada no alçado exterior do edifício».

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Serve isto, em termos de revelação de evidência processual, do mesmo modo, para mais dizer que a nulidade do excesso de pronúncia a que alude a 2.ª parte da aI. d) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC apenas incide sobre as questões colocadas pelas partes e não sobre os fundamentos que possam ou não ter sido invocados (Cf. Ac. RG, de 17.12.2014: Proc. 447/08.dgsi.Net). Na medida em que, como as questões em sentido técnico não podem ser confundidas com factos, a falta de consideração de um facto tido pela recorrente como demonstrado ou um suposto erro na apreciação da prova, não integra a nulidade prevista na primeira parte da aI. d) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013). O mesmo se podendo afirmar relativamente a argumentos ou invocações que não integram os fundamentos da causa de pedir (da acção ou da reconvenção) ou de excepções (Cf. Ac. STJ, de 8.1.2015, Proc. 129/11: Sumários, Jan./2015, p. 6). Assim, a significar que a simples discordância da parte, com o sentido de qualquer decisão judicial, que desatenda a respectiva pretensão, não pode, de modo algum, legitimar a imputação da prática de um acto que a lei processual não admite, a arguição de nulidade processual ou (até), de eventual lapso fundamento de reforma (Cf. Ac. STJ, de 13.1.2015, Proc. 810/13: Sumários, Jan./2015, p. 12).

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Se o decisor de facto da 1.ª Instância formou a sua convicção sobre a veracidade e a irrealidade dos factos cujo julgamento é impugnado no recurso, também na prova testemunhal, deve exigir-se aos documentos nos quais o recorrente funda a impugnação um valor probatório tal que imponha para os aqueles factos uma decisão diversa que não possa ser destruída por aquela prova pessoal.

Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer uma distinção entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, da qual decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.

Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão, ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância (art. 662.º. n.º 2. c) e d) do NCPC) (Cf. Ac. RC, de 20.1.2015: Proc. 2996/12.0TBFIG.C1.dgsi.Net). Sendo que - como supra se evidenciou -, nenhuma censura se considerou, ou considera, existir relativamente ao modo como essa matéria (de facto) foi apreciada e fixada em probatório.

Não pode concluir-se, pois, por qualquer erro de julgamento.

O que determina responder por forma negativa às questões em II.

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III.

3.- Ademais:- Atenta a inexistência de danos e prejuízos materiais ou qualitativos, eventualmente condicionantes da utilização da fração “A”, mas em concreto não alegados, violou a decisão recorrida o princípio da proporcionalidade [artigo 18º., nº.2, da Constituição da República Portuguesa], já que sempre é possível conjugar os direitos de personalidade do Autor / Recorrido com a melhor aplicação do sistema de exaustão, face ao disposto nos artigos 335º./1 do Código Civil e 113º. do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

Neste pretendido enquadramento, perante a decisão proferida, nos seus precisos termos não ocorre - a tal pretexto -, qualquer violação do invocado art. 18º CRP (força jurídica). Para o efeito, leva-se me consideração que «este artigo integra o essencial do regime constitucional específico dos «direitos, liberdades e garantias», referido no artigo anterior. Mas é igualmente uma das normas constitucionais que mais profundamente implica com os limites da relevância da Constituição no contexto da ordem jurídica global. Designadamente, ao fazer aplicar directamente nas relações entre particulares (e não apenas nas relações entre estes e o Estado) os preceitos relativos aos «direitos, liberdades e garantias» - com a extensão que este conceito tem no art. 17º -, este preceito transforma a Constituição em estatuto fundamental da ordem jurídica geral, das relações sociais em geral e, não apenas da ordem jurídica do Estado e das suas relações com a sociedade.

As normas contidas neste artigo condensam princípios fundamentais de uma doutrina ou teoria geral de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente adequada. No n° 1 especifica-se a força normativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias; nos nºs 2 e 3 estabelece-se o estatuto global das leis restritivas, individualizando-se os princípios constitucionais heteronomamente vinculativos das intervenções do legislador na esfera dos direitos, liberdades e garantias.

(…)

O primeiro e decisivo sentido da imposição constitucional da aplicabilidade directa das normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias é o de que elas não são normas «enfraquecidas», «imperfeitas» ou programáticas que só adquirem operacionalidade jurídica através de leis de regulamentação. Os direitos, liberdades e garantias não estão, prima facie, dependentes de lei concretizadora. Em termos jurídico-dogmáticos, os direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis porque: (1) concebem-se e valem constitucionalmente como norma concretamente definidora de posições jurídicas (norma normata) e não apenas como norma de produção de outras normas jurídicas (norma normans); (2) prima facie, isto é, numa primeira aproximação, aplicam-se sem necessidade de interposição conformadora de outras entidades, designadamente do legislador (interpositio legislatoris); (3) também em princípio, constituem direito actual e eficaz e não apenas directivas jurídicas de aplicabilidade futura.

O facto de serem directamente aplicáveis não dispensa, porém, a investigação dos pressupostos de aplicabilidade directa. Com efeito, e em primeiro lugar, a aplicabilidade directa não significa que as normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias configurem, desde logo, direitos subjectivos absolutos e autónomos susceptíveis de poderem valer como alicerce jurídico necessário e suficiente para a demanda de posições jurídicas individuais. A aplicabilidade directa não dispensa, em segundo lugar, um grau suficiente de determinabilidade, isto é, um conteúdo jurídico suficientemente preciso e determinável, quanto aos pressupostos de facto, consequências jurídicas e âmbito de protecção do direito invocado, sendo a própria Constituição a dizer que, em certos casos, se torna indispensável uma lei concretizadora. Em terceiro lugar, a aplicabilidade directa transporta, em regra, direitos subjectivos, o que permite: (1) invocar as normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias na ausência de lei; (2) invocar a invalidade dos actos normativos que, de forma directa, ou mediante interpretação, infrinjam os preceitos consagradores de direitos, liberdades e garantias, impondo-se, assim, na solução dos casos concretos, contra a lei e em vez da lei, ou contra determinada interpretação da lei» (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, 2007, pp. 381-383). Exactamente, porque, nos termos explicitados e em função dos normativos referidos, não acontece - em tal nível de consagração -, qualquer tipo de violação ou desrespeito legal objecto de pronúncia decisória.

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Sendo que o próprio art. 335º Código Civil (colisão de direitos) contém duas soluções, consoante os direitos são ou não iguais ou da mesma espécie: no primeiro caso, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes; no segundo, prevalece o direito que deva considerar-se superior. A colisão dos direitos pressupõe a existência e validade dos direitos concorrentes (Cf. Pessoa Jorge, Pressupostos da Responsabilidade Civil, 201).

Certo sendo que o critério indicado no art. 335º do Código Civil não é de observar quando a lei forneça a solução concreta de um conflito de interesses (Cf. Ac. RE, de 10.5.1984:BMJ, 339-477), como acontece na regulamentação de tal tipo procedimental em apreço, em relação de condomínio, em regime de propriedade horizontal).

Em todo o caso - e para que dúvidas não possam restar -, destacando, por imperativo referencial, que o direito à integridade física e à saúde, prevalece, também, nos termos do art. 335º, nº 2, Código Civil, sobre o direito de propriedade e o exercício de uma actividade comercial, ou outra, que lesem tais direitos (Cf. Ac. STJ, de  6.5.1998: CJ, 1998, 4º-77).

Daí que, no caso, se não vislumbre qualquer lesão ou violação - como vem invocado em termos recursivos -, “face ao disposto nos artigos 335º./1 do Código Civil e 113º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas”.

É, por isso, negativa a resposta às questões em III.

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IV.

4.- Por outro lado, tendo a Mª. Juíza conhecido de forma implícita da questão da impugnação da referida deliberação e, neste conspecto, considerado desnecessária a apreciação da questão da violação do disposto no artigo 1422º., nº.2, alínea a) do Código Civil, ou seja, não tendo conhecido da questão relacionada com a inovação inerente ao novo sistema de exaustão, não poderia também julgar procedente, perante a inexistência de danos ou prejuízos, o pedido de remoção do mesmo sistema por óbvia e manifesta falta de objeto do litígio.

Por isso, constitui tal ambiguidade causa de nulidade da sentença recorrida nos termos do artigo 615º., nº.1, alínea c), do Código de Processo Civil.

Neste segmento, considera-se que só a absoluta falta de fundamentação - e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade -, integra a previsão da aI. b) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.

 O vício a que se refere a primeira parte da aI. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC radica na desarmonia lógica entre motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diversa.

A obscuridade e a ambiguidade mencionadas na segunda parte desse preceito verificam-se, respectivamente, quando alguma passagem da decisão seja ininteligível, ou quando se preste mais do que um sentido (Cf. Ac, STJ. de 2.6.2016. Proc. 781/11: dgsi.Net). Não sendo esse, de todo, o caso! Já que a nulidade de sentença prevista na aI. d) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013) ocorre quando a mesma omite o conhecimento de alguma questão de que devesse conhecer, em incumprimento do dever de processual a que alude o art. 608.°. n.º 2, do mesmo Código. Não padecendo do vicio de nulidade referido a decisão em causa, uma vez que procedeu a uma apreciação individualizada e circunstancial de todas as questões, sem, também, deixar de as perspectivar na sua globalidade e confluência (Cf. Ac. STJ. de 5.5.2015. Proc. 2419/07: Sumários. 2015. p. 260).

O que acarreta resposta negativa para as questões em IV (o que, do mesmo modo, dimana da resposta, em sequência, atinente).

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V.

5.- Ao contrário do entendimento expendido pela Mª. Juíza o conceito de comércio radica lato sensu na etiologia decorrente do artigo 230º. Do Código Comercial.

6.- A exploração dos estabelecimentos de restauração encontra-se regulada e conceptualizada através do respetivo Regime Jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração [Decreto Lei nº.10/2015 de 16 de janeiro], constituindo ponto inequívoco que o conceito de comércio abrange neste âmbito a atividade de restauração. — De resto, a zona de cozinha destinada à confeção de alimentos, sem secções acessórias, não é de fabrico [artigos 2º. / bb; 128º., nºs.1 e 2, Listas V e VI do referido regime]. — Consequentemente, mercê do licenciamento administrativo que foi concedido ao estabelecimento instalado na sua fração, tem a Ré o direito de o explorar como restaurante.

7.- Compete à entidade pública competente que licenciou o referido estabelecimento aferir da sua compatibilidade com a menção do fim que lhe atribuiu aquando da aprovação do respetivo projeto e apreciação prévia do atinente título constitutivo da propriedade horizontal, sendo que tal licenciamento nunca foi objeto de qualquer ação administrativa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,

para além do que o Tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria para apreciar a questão e a eficácia do aludido licenciamento conferido pela Câmara Municipal de (...) .

8.- Constituindo, por fim, um clamoroso paradoxo a procedência do pedido de reposição da parede e alçado do prédio no estado em que se encontrava antes da colocação do novo sistema de exaustão, cujo efeito se traduz na remoção de uma solução moderna que poderá ser melhorada, para tornar a ressurgir o velho estado anómalo que anteriormente se verificava.

(Nota: A presente questão aprecia-se nesta geografia processual tendo em conta a sequência que lhe é atribuída nas alegações/conclusões, nessa postulação, aqui, como outro excurso, e não, antes, como se imporia, em perfil - inicial e pressuponente -, de excepção arguida).

O Tribunal civil é materialmente competente para apreciar os pedidos em questão! Nem outro o poderia ser, neste preciso condicionalismo. Com efeito, para além do respeito pelas regras estabelecidas para o licenciamento administrativo, há direitos à qualidade de vida, à saúde e segurança, desde logo emergentes da Lei Fundamental, que têm protecção jurídica. A significar, do mesmo modo, que este também particular direito a um ambiente de salubridade existencial prevalece, em tal postulação, até sobre o dano económico, nos termos do art. 335º, nº 2, do Código Civil (Cf. Ac. STJ, de 2.7.1996:BMJ, 459º-444). Nenhuma dos elementos, aqui invocados, o condiciona ou subalterniza. Já que, relativamente ao thema decidedum, não é confundível o licenciamento (até de um qualquer apodado) de “estabelecimento com, noutro campo jurídico, o prejuízo que possa trazer ao ambiente (entenda-se, ecossistema específico), e à qualidade de vida das pessoas que vivem junto dele (Cf. Ac. RL, de 27.2. 1997, 1º-145).

Tanto mais que o momento processual em que se fixa o pressuposto processual da competência do tribunal em razão da matéria é o da instauração da acção, com a modelação da causa de pedir e do respectivo pedido da acção. A recensão da relação jurídica plasmada na causa de pedir reverbera e recorta o imo em que se alberga a jurisdição - comum ou administrativa - para conhecer do litígio proposto (Cf. Ac. STJ. de 26.5.2015: Proc. 1798/ 09.6TBCSC.L1.S 1.dgsi.Net).

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Depois, também a levar em consideração que o direito comercial aplica-se indistintamente ao comércio e à indústria (cfr. o art. 230.º do Cód. Com.) - e o industrial é também comerciante, no sentido jurídico da palavra (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1973, 1.º-4). Em todo o caso, sem descurar que a enumeração do art. 230.º do Código Comercial deve considerar-se taxativa: trata-se aí, afinal, duma enumeração de actos qualificados como comerciais não podendo recorrer-se à analogia para qualificar certa matéria como comercial (neste sentido, Cf. Fernando Olavo, Direito Comercial, I, pág. 254 e segs).

Com este alcance, do mesmo modo, a reconhecer a adequação com que, na decisão, se apreciou, de reso com respaldo no citado Ac. STJ, de 13/4/2014, Proc. nº 373/04.6 TBVFR.P2.S1.dgsi., a consignar que. «assente que é o título constitutivo da propriedade horizontal que estabelece o fim a que se destina a fracção, por maior latitude que se queira conferir ao conceito de actividade comercial, a verdade é que a restauração, sendo uma actividade transformadora, deve ser qualificada como industrial».

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No mais, sem poder deixar, igualmente, de considerar - sem paradoxo -, que sempre que entre o título constitutivo da propriedade horizontal e o projecto de construção, licenciado pela entidade competente, surgirem discrepâncias, prevalece o que resultar do título constitutivo. As obras de inovação aludidas no art. 1425.º do Cód. Civil não podem deixar de referir-se a obra nova, posteriores ao título constitutivo de propriedade horizontal (Cf. RL, 7-10-1993: CJ, 1993,4.°-145).

Consequentemente, revela-se, de conformidade o se haver considerado em decisório que:

«Tendo as inovações sido introduzidas sem a aprovação prévia da Assembleia de Condóminos e lesando o direito do Autor à utilização da sua fracção, a consequência não poderá deixar de ser a respectiva remoção e a reposição do prédio no estado anterior (reconstituição natural) (Cf. art. 1422º, n.º 2, alínea a) do Código Civil».

Reconhecendo-se que:

«a sanção natural para a execução de obras ilícitas é, conforme também vem sendo entendido, a sua demolição».

Com efeito, tal como se faz consignar em Ac. deste  Tribunal da Relação de Coimbra de 2-02-2016, processo n.º 309/07.2TBLMG.C1, Relatora: Maria Domingas Simões, em www.dgsi.pt:

         «I – O regime das fracções autónomas é disciplinado pelas regras da propriedade sobre imóveis, ao passo que as partes comuns se encontram subordinadas ao regime estabelecido para a compropriedade, conforme resulta do preceituado, respectivamente, nos art.ºs 1405º e 1406º do C. Civil.

II - Nos termos destes último preceito, a qualquer comproprietário é lícito servir-se da coisa comum, contanto que a não use para fim diverso daquele a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

III - Resulta da disposição legal em análise que ao condómino é consentido o uso da coisa comum, mas não a sua ocupação, ainda que parcial, na medida em que dela sempre resultaria a privação do uso por banda dos demais comproprietários.

IV - O art.º 1425º do C. Civil, na redacção em vigor ao tempo, impunha, em relação às obras que constituíssem inovações, a sua aprovação pela maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio (vide nº 1).

V - A regra é, portanto, a de que ao condómino está vedada a realização de quaisquer inovações nas partes comuns, a menos que outra coisa tenha ficado consignada no título constitutivo, relativamente a parte cujo uso lhe seja afectado em exclusivo. Tais inovações referem-se a obra nova, no sentido de que deverão ser posteriores ao título constitutivo.

VI - A sanção natural para a execução de obras ilícitas é, conforme também vem sendo entendido, a sua demolição.

VII - Assente que é o título constitutivo da propriedade horizontal que estabelece o fim a que se destina a fracção, por maior latitude que se queira conferir ao conceito de actividade comercial, a verdade é que a restauração, sendo uma actividade transformadora, deve ser qualificada como industrial.

VIII - O instituto do abuso do direito visa obtemperar às situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que, objectivamente, atentas as específicas e concretas circunstâncias do caso, conduz a um resultado que repugna ao sentimento de justiça prevalecente».

O que sai pressuposto, a pretexto, igualmente, de «as (próprias) restrições de origem negocial fazerem parte integrante do estatuto do condómino (…). Prevalecem sobre qualquer negócio obrigacional que com elas se não harmonize, permitindo reagir contra toda a violação, provenha ela de um condómino ou de terceiro» (Cf. Henrique Mesquita, RDES, 23º-114, ss.).

Em decorrência, são negativas as questões em V.

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Razões conjugadas que levam a considerar que (VI) «9.- A Sentença recorrida não violou em síntese algumas das disposições legais supracitadas, designadamente e em especial as seguintes:

• Artigos 344º., 1346º., 1425º, nº.7, e 1433º., nº.4, alínea a) /excesso de pronúncia, do Código Civil;

• Artigo 615º., nº.1 / c) e d) do Código de Processo Civil;

• Artigo 230º. do Código Comercial;

• Artigo 18º., nº.2, da Constituição da República Portuguesa;

• Artigos 1º., nº.1 / 9, 2º. / bb, 15º., 128º., nºs.1, 2 e 3, e Listas V e VI do Decreto-Lei 10/2015 de 16 de janeiro [RJACSR]».

Mantendo-se o «efeito meramente devolutivo (art. 647º, nº 1, do Código de Processo Civil», atribuído ao recurso, nos termos consagrados, no despacho de fls. 52 dos Autos, uma vez que se revela de conformidade ao alcance dos normativos aí convocados, que permanece.

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Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº 7, NCPC), que:

1.

A prova testemunhal, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos. O «prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova -, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda», não deixou de ser observado, com adequação.

2.

O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”. A que decisão não deixou de fazer jus.

3.

Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil), é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

4.

A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

5.

Em horizonte prospectivo em que a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.° n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade. A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.

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6.

Como as questões em sentido técnico não podem ser confundidas com factos, a falta de consideração de um facto tido pela recorrente como demonstrado ou um suposto erro na apreciação da prova, não integra a nulidade prevista na primeira parte da aI. d) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013). O mesmo se podendo afirmar relativamente a argumentos ou invocações que não integram os fundamentos da causa de pedir (da acção ou da reconvenção) ou de excepções. Assim, a significar que a simples discordância da parte, com o sentido de qualquer decisão judicial, que desatenda a respectiva pretensão, não pode, de modo algum, legitimar a imputação da prática de um acto que a lei processual não admite, a arguição de nulidade processual ou (até), de eventual lapso fundamento de reforma.

7.

A obscuridade e a ambiguidade mencionadas na segunda parte desse preceito verificam-se, respectivamente, quando alguma passagem da decisão seja ininteligível, ou quando se preste mais do que um. Não sendo esse, de todo, o caso! Já que a nulidade de sentença prevista na aI. d) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013) ocorre quando a mesma omite o conhecimento de alguma questão de que devesse conhecer, em incumprimento do dever de processual a que alude o art. 608.°. n.º 2, do mesmo Código. Não padecendo do vicio de nulidade referido a decisão em causa, uma vez que procedeu a uma apreciação individualizada e circunstancial de todas as questões, sem, também, deixar de as perspectivar na sua globalidade e confluência.

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8.

O Tribunal civil é materialmente competente para apreciar os pedidos em questão! Nem outro o poderia ser, neste preciso condicionalismo. Com efeito, para além do respeito pelas regras estabelecidas para o licenciamento administrativo, há direitos à qualidade de vida, à saúde e segurança, desde logo emergentes da Lei Fundamental, que têm protecção jurídica. A significar, do mesmo modo, que este também particular direito a um ambiente de salubridade existencial prevalece, em tal postulação, até sobre o dano económico, nos termos do art. 335º, nº 2, do Código Civil. Nenhuma dos elementos, aqui invocados, o condiciona ou subalterniza. Já que, relativamente ao thema decidedum, não é confundível o licenciamento (até de um qualquer apodado) de “estabelecimento com, noutro campo jurídico, o prejuízo que possa trazer ao ambiente (entenda-se, ecossistema específico), e à qualidade de vida das pessoas que vivem junto dele.

9.

Tanto mais que o momento processual em que se fixa o pressuposto processual da competência do tribunal em razão da matéria é o da instauração da acção, com a modelação da causa de pedir e do respectivo pedido da acção. A recensão da relação jurídica plasmada na causa de pedir reverbera e recorta o imo em que se alberga a jurisdição - comum ou administrativa - para conhecer do litígio proposto.

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10.

A enumeração do art. 230.º do Código Comercial deve considerar-se taxativa: trata-se aí, afinal, duma enumeração de actos qualificados como comerciais não podendo recorrer-se à analogia para qualificar certa matéria como comercial. Com este alcance, do mesmo modo, a reconhecer a adequação com que, na decisão, se: «assente que é o título constitutivo da propriedade horizontal que estabelece o fim a que se destina a fracção, por maior latitude que se queira conferir ao conceito de actividade comercial, a verdade é que a restauração, sendo uma actividade transformadora, deve ser qualificada como industrial».

11.

Sempre que entre o título constitutivo da propriedade horizontal e o projecto de construção, licenciado pela entidade competente, surgirem discrepâncias, prevalece o que resultar do título constitutivo. As obras de inovação aludidas no art. 1425.º do Cód. Civil não podem deixar de referir-se a obra nova, posteriores ao título constitutivo de propriedade horizontal. Consequentemente, revela-se, de conformidade o se haver considerado em decisório que:

«Tendo as inovações sido introduzidas sem a aprovação prévia da Assembleia de Condóminos e lesando o direito do Autor à utilização da sua fracção, a consequência não poderá deixar de ser a respectiva remoção e a reposição do prédio no estado anterior (reconstituição natural) (Cf. art. 1422º, n.º 2, alínea a) do Código Civil».

12.

Reconhecendo-se que:

«a sanção natural para a execução de obras ilícitas é, conforme também vem sendo entendido, a sua demolição».

12.1.

Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e d) do CPC - 615° NCPC).

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Coimbra, 5 de Novembro de 2019.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo