Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
568/11.6TBCN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RECURSO
CONCLUSÕES
DANOS CAUSADOS PELO IMÓVEL
LOCADOR FINANCEIRO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - CONDEIXA-A-NOVA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS, 639 CPC,493 CC, DL Nº 149/95 DE 24/6
Sumário: 1. A apresentação de “conclusões”, consistentes na reprodução integral, e ipsis verbis, do alegado no corpo alegações de recurso, dificilmente poderá ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.
2. Peticionando os autores a condenação da 1ª ré no pagamento de uma indemnização pelos danos causados no seu apartamento, a condenação solidária de ambas as rés no pagamento de tal indemnização, indo para além do que foi pedido, integra uma nulidade da sentença.

3. O locador financeiro, faltando-lhe o domínio da coisa locada e a consequente obrigação de a vigiar, que é pressuposto da obrigação de indemnizar prevista no citado artigo 493º do CC, não poderá ser responsabilizado pelos danos causados por aquela.

Decisão Texto Integral:                                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

PA (…) e PM (…)  , intentam a presente ação declarativa de condenação contra:

- M (…), Lda., e

- T (…),

Pedindo:

a) a condenação da 1ª Ré a pagar aos autores, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, o valor total de 7.945,00 €;

b) a condenação da 1ª e 2ª Rés a comprovar nos autos que foram realizadas as reparações na fração, ou se assim não se entender, que sejam condenadas a permitir que se possa aceder acesso à fração em causa por terceiros que possam verificar se ainda se mantém algum fundamento que justifique a reparação de componente que possa causar humidade no interior da garagem e, em caso positivo sejam obrigados à sua reparação definitiva.

Alegando, para tal e em síntese:

os AA. são donos e proprietários de uma fração composta por apartamento e garagem, que se encontra localizada por baixo da fração que a 2.ª ré deu em locação financeira à 1.ª ré, sendo que em 2008 detetaram escorrências na referida garagem, com incidência nas zonas de tubagens provenientes da fração dos réus;

tendo a situação sido comunicada por várias vezes aos réus, por diversas vezes foi prometida a sua solução, o que não chegou a acontecer; quando solicitado o acesso à fração para vistoria, este sempre foi negado, quer aos autores, quer ao condomínio;

em consequência da inação das rés, os autores sofreram danos nos bens que se encontravam guardados na garagem, bem como tiveram que ter um desumidificador em  permanência a trabalhar para minimizar os danos e terão, uma vez que as obras estejam realizadas, que proceder à pintura e reparação das paredes e tetos;

o estado da garagem é um fator de desvalorização para a fração dos autores, que os impede de a venderem para, eventualmente, adquirirem uma propriedade maior.

A Ré M (…), Lda., veio apresentar contestação, alegando, em síntese:

 na data em que foi recebida a comunicação dos danos a casa de banho da sua fração estava encerrada, com a água fechada na torneira de segurança e não era usada há vários meses;

contactou o administrador de condomínio para que fosse aferida a origem dos danos, não tendo depois recebido qualquer comunicação;

a Ré é parte ilegítima, uma vez que transferiu a sua responsabilidade civil para a Seguradora Generali, a qual deveria ter sido demandada em seu lugar.

O Réu T (…) S.A. contesta, alegando que, tendo dado a fração em causa, em locação financeira, à ré M (…) Lda., é parte ilegítima por, havendo danos na referida garagem, tais danos apenas àquela poderem ser assacados.

Foi proferido despacho saneador no qual as Rés foram julgadas partes legítimas para a presente ação.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente, a:

a) condenar as rés solidariamente no pagamento aos autores das quantias de:

- 2.500,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais;

- quantia a apurar em execução de sentença a título de desvalorização da fração;

- 1.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais;

b) condenar as rés a proceder às obras de reparação das infiltrações, devendo, no prazo de 6 meses, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença vir comprovar aos autos a concretização das mesmas;

c) fixar a sanção pecuniária compulsória de 50,00€ diários, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação após o referido trânsito em julgado.

Não se conformando com a mesma, a Ré M (...) , Lda., dela interpõe recurso de apelação, cujas conclusões são a fiel reprodução do corpo das respetivas alegações de recurso.

Também o Réu Banco (…) T , dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

(…)
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Apelação da ré m (...)
1.2. Questão prévia: admissibilidade do recurso de apelação interposto pela Ré M (…), por incumprimento da obrigação de apresentação de conclusões.
1.3. Se o terraço é parte comum do edifício.
1.4. Fixação de uma sanção pecuniária compulsória a partir do trânsito em julgado da sentença.
2. Apelação da ré locadora
2.2. Responsabilidade da Ré locadora, pela indemnização a pagar aos autores e pela realização das reparações necessárias:
2.3. Se a condenação da Ré no pagamento da indemnização foi para além do pedido.
2.4. Se a ré, na qualidade de locadora, pode ser responsabilizada pelos danos causados pelo imóvel.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Recurso de apelação interposto pela Ré locatária.

1. 1. Questão prévia: se as alegações contêm conclusões e admissibilidade do recurso de apelação.

Segundo o nº1 do artigo 639º, do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.

Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o nº2 do artigo 639º, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afetada.

A falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso (artigo 641º, nº2, al. b), do CPC).

Quanto ao sentido a dar à “omissão absoluta” de conclusões, para o efeito de o juiz proceder ao convite ao aperfeiçoamento ou, desde logo, à pura e simples rejeição do recurso, afirma António Abrantes Geraldes:

“Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso, sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação[2].”

No caso em apreço, depois de desenvolverem, após uma pequena introdução, as suas alegações de recurso – nas quais procedem, ao longo de 43º artigos, à impugnação da matéria de facto, reproduzindo excertos do depoimento de algumas das testemunhas ouvidas em audiência, bem como aduzindo discordâncias de direito relativamente ao decidido na sentença recorrida –, os apelantes reproduzem, ipsis verbis, o que foi afirmado, quer na referida introdução, quer no corpo das alegações, incluindo os referidos excertos dos depoimentos das testemunhas, limitando-se a substituir a ordenação numéria de cada um dos artigos por letras. Os Apelantes denominam de “conclusões” esta segunda parte das suas alegações, assim obtida mediante um mero e exclusivo “copy/paste”, do até aí alegado, sem eliminar ou acrescentar uma linha ao texto anterior[3].

A nosso ver, o critério delimitador entre a existência, ou não, de conclusões passará mais pela substância do que pela forma.

Assim sendo, casos haverá em que, não existindo, embora, uma verdadeira separação entre a motivação e a sintetização das pretensões, ou em que a motivação, pelo modo como se encontra estruturada, acaba por conter, em termos substanciais, as referidas conclusões[4]. Em tais casos, ainda que o Apelante, formalmente não denomine tal sintetização de “conclusões”, tal omissão não prejudicará a inteligibilidade do recurso, entendendo-se que, apesar de tal falha formal, o objetivo visado pela exigência das conclusões se mostra cumprido[5].

Como tal, para que se considere verificada a existência de conclusões, também não será suficiente que o apelante nas suas alegações de recurso a palavra “conclusões”, sendo ainda necessário que a mesma seja seguida de algo que, de algum modo, se assemelhe a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas (ainda que deficientes, obscuras ou complexas).

A referida reprodução integral, e quando se afirma aqui “integral” é mesmo “integral”, do por si alegado no corpo das suas alegações dificilmente poderá ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.

A ausência de conclusões – enquanto indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente – levaria a que o recurso não pudesse ser conhecido por falta de objeto, de um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito[6].

Como tal, a considerar-se que as alegações apresentadas pela recorrente M (…) não contêm verdadeiras conclusões, uma das soluções passaria pela rejeição, pura e simples, do recurso por si interposto, ao abrigo do disposto no art. 641º, nº2, al. b), do CPC (solução da preferência da relatora).

Outra solução, passaria pelo convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 639º (solução da preferência dos adjuntos), caso se entendesse que havia algo a aperfeiçoar.

De qualquer modo, a simplicidade das questões levantadas pela apelante (é impugnado um único ponto da decisão sobre a matéria de facto, sendo deduzidas duas únicas questões de direito), leva-nos a questionar a utilidade de tal convite que, como tal, nos surge como desnecessário.

Como tal, optamos por conhecer de tal apelação.

1. 2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:

a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões ;

b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. 

A criação de um tal ónus de alegação a cargo do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do Dec. Lei nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.

No caso em apreço, impugnando a apelante a decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente ao ponto 9 da matéria dada como provada – “tais infiltrações e escorrências tiveram origem numa fuga de águas nas tubagens do WC do espaço comercial referido em 2” –, e expondo ao longo de 35 artigos, as razões pelas quais não concorda com tal decisão (misturando por vezes os factos com o direito), acaba por omitir qual a resposta a dar a tal ponto da matéria de facto.

  Assim sendo, incumprida que se mostram a condição de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto prevista na al. c) do nº1, do artigo 640º, do CPC, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela 1ª Ré apelante.

1.3. Se o terraço é parte comum do edifício.

Segundo a Ré M (…), “apesar das tentativas dos autores de tentarem demonstrar que o terraço do estabelecimento comercial da Ré era propriedade exclusiva da Ré, a verdade é que, nos termos do artigo 1421º do CC, o terraço é parte comum.”

Ora, para além de não se atingir qual a relevância da questão – o que está dado como provado relativamente à origem das infiltrações é que as mesmas “tiveram origem numa fuga de águas nas tubagens do WC do espaço comercial” locado à ré, e não no tal terraço –, nunca a ré, nos seus articulados, havia levantado tal questão, que, pura e simplesmente, não foi discutida nos autos, pelo que sempre configuraria uma questão nova, só agora levantada em sede de alegações de recurso, e que, como tal, o tribunal não poderá conhecer.

Como é entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência, o tribunal de recurso não pode conhecer questões novas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso – o recurso não serve para rejulgar o litígio (não se trata de reexaminar), mas apenas para apreciar se a decisão recorrida está ou não correta em face dos elementos de que o tribunal a quo dispunha para o julgamento da causa conhecer[7].

O tribunal ad quem apenas pode apreciar questões que tenham sido submetidas ao tribunal a quo e que tenham sido expressamente submetidas à sua apreciação pela interposição do recurso[8]”.

Por outro lado, também o princípio da preclusão assim o imporia: o réu tem o ónus de contestar, o que abarca não só o ónus de impugnar mas igualmente o de deduzir todas as exceções que, não sendo de conhecimento oficioso, tenha contra a pretensão do autor, sob pena de perder a possibilidade de delas se valer contra a posição do autor.

Assim sendo, não se conhecerá de tal questão, só agora introduzida em sede de alegações de recurso.

1.4. Fixação de uma sanção pecuniária compulsória a partir do trânsito em julgado.

Insurge-se a Apelante M (…) na parte em que fixou “a sanção pecuniária compulsória de 50,00 € diários, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação após o referido trânsito em julgado”, uma vez que, sendo fixado um prazo de seis meses, para comprovar a concretização das obras, não se entende a fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso após o trânsito em julgado. Conclui pedindo a revogação da decisão da sanção pecuniária compulsória após o trânsito em julgado.

A condenação da ré em sanção pecuniária compulsória terá de ser interpretada no contexto em que foi decidida:

Relativamente às obras de reparação das infiltrações, vão as rés condenadas a proceder à sua realização, nos termos requeridos, devendo, no prazo de 6 meses a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença, vir comprovar aos autos a concretização das mesmas.

Não sendo comprovada a realização das obras no prazo indicado, fixa-se a sanção pecuniária compulsória de 50 € diários por cada dia de atraso no cumprimento da prestação após o trânsito em julgado da sentença.”

Ora, se à primeira vista parece haver contradição entre as duas ultimas determinações da parte decisória da sentença, a leitura da respetiva fundamentação, permite-nos concluir ser o seguinte o sentido a dar-lhes:
1. As rés são obrigadas a proceder à realização das obras de reparação das infiltrações.
2. São obrigadas a, no prazo de seis meses, a contar da data de trânsito em julgado, da sentença, virem comprovar a realização das mesmas.
3. Se, decorridos os seis meses (a contar do trânsito em julgado), as rés não tenham vindo comprovar a realização das obras a que foram condenadas, vão então condenadas na sanção pecuniária compulsória de 50 € por cada dia de atraso no cumprimento da prestação após o referido trânsito em julgado.

Não se verifica, assim, qualquer contradição ou incompatibilidade entre as duas referidas injunções: transitada em julgada a sentença, as rés encontram-se de imediato obrigadas à realização de obras em causa; o prazo de 6 meses que aí é concedido não é um prazo para o início das obras, mas, tão só, para virem comprovar nos autos terem executado as obras em conformidade com o aqui ordenado; daí a condenação das mesmas numa sanção pecuniária compulsória diária a partir da data do transito, se decorrerem 6 meses sem que tenham vindo demonstrar terem executado as obras a que foram condenadas.

A apelação da Ré M (...) será de improceder na sua totalidade.


*

2. Recurso de Apelação interposto pela 2ª Ré locadora.

São os seguintes, os factos dados como provados pela sentença recorrida:

1 – Os autores são proprietários da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, destinado a habitação e à segunda garagem norte, no sentido esquerda-direita, localizada na cave, do prédio urbano lote B27, sito na Urbanização (...) , freguesia de (...) , Condeixa-a-Nova.

2 – A primeira ré, “M (…), Lda”, e a 2.ª ré, “ T (…) S.A.”, celebraram entre si um “contrato de locação financeira”, mediante o qual esta adquiriu, por indicação daquela, e entregou-lhe, em “locação financeira”, a fração autónoma, designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro rés-do-chão norte, no sentido esquerda-direita, destinado a comércio, e à sexta garagem norte, no sentido esquerda-direita, localizada na cave, do prédio urbano lote B 27, sito na Urbanização (...) , freguesia de (...) , Condeixa-a-Nova.

3 – O espaço comercial referido em B) situa-se sobre a garagem referida em A), que faz aresta com a laje do terraço anexa ao espaço comercial e a fachada poente do mesmo.

4 – A ré “ T – (…), S.A.” foi incorporada por fusão no “Banco (..:) T , S.A.”.

5 – Em meados de 2008, apareceram escorrências e manchas de infiltração na parede e no teto da garagem descrita em 1.

6 – Com incidência na zona da tubagem proveniente da fracção descrita em 2.

7 – Situação que se mantinha em setembro de 2009, altura em que aumentaram as infiltrações e escorrências em toda a largura da garagem, nomeadamente na parede esquerda, zona central do tecto e parede direita.

8 – E que perdurou até Fevereiro de 2011.

9 – Tais infiltrações e escorrências tiveram origem numa fuga de água nas tubagens do WC do espaço comercial referido em 2.

10 – Entre meados de 2008 e Fevereiro de 2011, os autores, por diversas vezes, solicitaram à 1.ª ré, verbalmente e por escrito, que solucionasse os referidos problemas.

11 – As infiltrações e escorrências provocaram: o apodrecimento de tábuas em madeira, que os autores tinham adquirido para construir prateleiras...

12 – …A inutilização de roupas e calçado, nomeadamente um blusão de camurça, um blusão de cabedal, e calçado, tudo de valor não concretamente apurado.

13 - …A oxidação de prateleiras metálicas, no valor de 300,00€ de uma bicicleta, no valor de 100,00€ e de um aparelho de ginástica, no valor de 300,00€...

14 – … a deterioração de brinquedos, e de livros antigos (escolares) dos autores, tudo de valor não concretamente apurado.

15 – Os autores deixaram de poder colocar lenha e roupas na garagem.

16 – Em consumo de eletricidade, devido ao funcionamento de um desumidificador na garagem, os autores despenderam, desde junho de 2008, pelo menos 100,00€.

17 – É necessário proceder a uma pintura da garagem com obras de raspagem de paredes de impermeabilização, e afastamento de fungos, tudo no valor de, pelo menos, 1.250,00€.

18 – Acrescido de despesas em mudanças, limpeza, remoção e transporte, no montante de, pelo menos, 150,00€.

19 – Os autores tiveram que alterar o seu quotidiano, com a colocação de recipientes na garagem para recolher águas, verificação do seu estado e sua substituição com regularidade.

20 – Situação que os impossibilitou também de gozarem dias de descanso com a família.

21 – Na garagem sente-se um cheiro a mofo e a podre.

22 – Os autores sentem-se frustrados por as infiltrações e as escorrências se terem prolongado durante, pelo menos, dois anos.

23 – Os autores vivem com a preocupação constante de vigiar e cuidar dos pertences colocados na garagem.

24 – Por causa das infiltrações e escorrências, a fração descrita em 1. sofreu uma desvalorização no seu valor de mercado.


*

2.1. Condenação para além do pedido.

Segundo a Apelante, a sentença recorrida, ao condenar o aqui apelante a pagar solidariamente a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização de danos patrimoniais, a quantia que se vier a apurar em execução de sentença a título de desvalorização da fração e a quantia de € 1.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, foi para além dos pedidos formulados pelos AA, o que traduz uma violação flagrante do disposto no art. 609º do CPC e do princípio do dispositivo consagrado por esta disposição legal.

Neste segmento, teremos de dar inteira razão à Apelante.

A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (nº1 do artigo 661º do CPC).

O objeto da sentença coincide com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido, constituindo a violação de tal princípio uma nulidade da sentença, prevista na al. e) do nº1 do artigo 609º do CPC.

Os autores, fundamentando as suas pretensões, contra a 1ª Ré na qualidade de locatária e quanto à 2ª na qualidade de locadora financeira, e na mora por parte desta em proceder à reparação da componente que está a causar a humidade no interior da garagem, concluem a sua petição inicial pedindo unicamente a condenação da 1ª Ré a proceder ao pagamento das indemnizações por si peticionadas na presente ação, formulando como única pretensão contra essa 2ª Ré, a sua condenação a proceder às reparações em falta.

A condenação solidária da 2ª Ré no pagamento da indemnização peticionada pelos autores vai, assim, para além do que foi pedido nos presentes autos, constituindo uma condenação “ultra petitum”, fere a sentença da nulidade prevista na al. e), do nº1 do artigo 609º, havendo que dar sem efeito, nessa parte, a condenação proferida pelo tribunal a quo.

2.2. Se o R. Banco T , na qualidade de locador financeiro, pode ser responsabilizado pelos danos causados pelo imóvel de que é proprietário.

A sentença recorrida fez assentar a responsabilidade civil das rés na obrigação de vigilância nos termos do nº1 do artigo 493º do Código Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa (…) imóvel, com o dever de a vigiar (…) responde pelos danos que a coisa (…) causar (…), salvo se se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[9], o nº1 estabelece uma importante restrição à responsabilidade. Ela só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel está obrigada a vigiá-la. Pode tratar-se do proprietário do proprietário da coisa ou animal; mas não tem necessariamente que ser o proprietário. É a pessoa que tem as coisas ou animais à sua guarda quem deve tomar as providências para evitar a lesão. Pode tratar-se de um comodatário, do depositário, do credor penhoratício, etc.

No direito português não existe uma norma geral que responsabilize os proprietários pelos danos causados pelas coisas que lhes pertencem, mas tão só regras avulsas que ligam o domínio à responsabilidade como são o caso do artigo 493º, bem como do artigo 503º do Código Civil, que faz responder aquele que tem a direção efetiva do veículo pelos riscos próprios do mesmo.

Embora o locador permaneça proprietário do bem durante o contrato de leasing financeiro, na opinião de Fernando de Gravato Morais[10] a sua situação é a de um proprietário atípico, eximindo-se a qualquer tipo de responsabilidade decorrente do seu uso. Esta propriedade assume contornos especiais, configurada na existência de uma fragmentação ou de um desmembramento do direito de propriedade típico na esfera jurídica de dois contratantes, usando-se expressões como propriedade formal (ou nua) e propriedade jurídica e propriedade económica, para expressar essa cindibilidade de tal direito de propriedade[11].

“O locador apesar de ser titular de um direito real, não suporta os riscos inerentes ao uso do bem. Obriga-se a “conceder o gozo” de uma coisa sem sequer ter tido qualquer contato material com ela”.

Segundo o artigo 15º do DL nº 149/95, e sem prejuízo de estipulação do contrário, “o risco de perda ou deterioração da coisa corre por conta do locatário”, defendendo a doutrina maioritária que tal responsabilidade permanece ainda que a causa da perda lhe não seja imputável.

A justificação para tal posição assenta na ideia de que é o locatário quem tem a guarda do em locado, sendo o locador apenas o seu proprietário jurídico[12].

Por comparação com o regime geral da locação, em que o locatário só responde pela perda da coisa ou pela sua deterioração anormal quando elas resultem e facto que lhes é imputável (artigo 1044º do CC), há, na locação financeira, uma inversão do princípio res suo domino perit, o que se justifica pela configuração peculiar que o direito de propriedade do locador aqui assume e pelo facto de, do ponto de vista económico, o domínio da coisa, pertencer ao locatário[13].

Como sustenta Fernando Gravato Morais[14], a ratio legis é a de fazer com que o locador financeiro permaneça à margem de qualquer vicissitude que afete a coisa, transferindo para o locatário qualquer responsabilidade não decorrente de facto do locador.

Assim sendo, privado do gozo da coisa locada, e reduzido o seu direito de propriedade à componente jurídica, falta ao locador financeiro o domínio da coisa e a consequente obrigação de vigiar a coisa locada, que é pressuposto da obrigação de indemnizar prevista no citado artigo 493º do CC.

Em consequência, não poderá a Ré locadora ser responsabilizada pela reparação da origem das infiltrações e escorrências ocorridas na garagem dos autores, relacionadas com uma fuga de água nas tubagens do WC do imóvel locado, o que acarretará a sua absolvição dos pedidos contra si formulados (e não a sua ilegitimidade, como a apelante defende nas suas alegações de recurso).

A questão dada a estas duas questões, levando à absolvição total da Ré do pedido, prejudicará o conhecimento das demais questões colocadas pela apelante, nomeadamente a impugnação da matéria de facto por si deduzida, acarretando a sua inutilidade.

A apelação da 2ª R. será de proceder, revogando-se a sentença recorrida, quanto à condenação proferida relativamente a esta.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em:
a) Julgar improcedente a apelação da 1ª RéM (…);
b) Julgar a apelação do Réu Banco (…) procedente, revogando-se a decisão recorrida, na parte respeitante a esta ré, julgando-se a ação improcedente quanto a esta ré, que vai absolvida dos pedidos contra si formulados.

A 1ª Ré suportará as custas da sua apelação.

As custas da apelação deduzida pela 2ª Ré serão suportadas pelos apelados.

                                                                                Coimbra, 5 de maio de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Luís Cravo

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

1. A apresentação de “conclusões”, consistentes na reprodução integral, e ipsis verbis, do alegado no corpo alegações de recurso, dificilmente poderá ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.

2. Peticionando os autores a condenação da 1ª ré no pagamento de uma indemnização pelos danos causados no seu apartamento, a condenação solidária de ambas as rés no pagamento de tal indemnização, indo para além do que foi pedido, integra uma nulidade da sentença.

2. O locador financeiro, faltando-lhe o domínio da coisa locada e a consequente obrigação de a vigiar, que é pressuposto da obrigação de indemnizar prevista no citado artigo 493º do CC, não poderá ser responsabilizado pelos danos causados por aquela.
 


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 116.
[3] Tendo as alegações sido elaboradas por meios informáticos, para além de substituir os números por letras, limitou-se a mudar o estilo de letra.
[4] Neste sentido, Abrantes Geraldes, obra e pág. citadas.
[5] A tal respeito, se pronunciam Salazar Casanova e Nuno Salazar Casanova, in Apontamentos Sobre a Reforma dos Recursos”, ROA, Ano 65, T1, pág. 68:
“Se a parte, na minuta de recurso, formulou conclusões, embora de forma não autonomizada mas inegavelmente como tal reconhecíveis, deverá o recurso não ser admitido ou pode o tribunal considerar que as conclusões foram formuladas?
Parece-nos que à lei importa que haja conclusões que sejam como tal suscetíveis de ser consideradas embora não surjam, na minuta, de um modo autonomizado. No entanto, para que assim se entenda, impõe-se uma cognoscibilidade isenta de dúvidas quanto ao sentido conclusivo do texto. Há casos em que as alegações, sucintas e bem fundamentadas, valem como conclusões. O Tribunal assim o pode entender salvo se houver alguma razão justificada, invocada nas contra-alegações, que o não permita. Mas o contrário também se pode dar e infelizmente é caso frequente: a parte, sob a designação “conclusões”, reproduz integralmente a minuta. Se nada se conclui, só formalmente estamos diante de conclusões. A prática é a de, em benefício do direito ao recurso, considerar que estamos diante de conclusões, seguindo-se, assim, um critério estritamente formal.
O critério estritamente formal vale, portanto, para se considerar a existência de conclusões e também a inexistência. No entanto, o rigor que o critério pode originar em determinados casos leva a que o Tribunal releve as conclusões que inequivocamente decorram da minuta ainda que não batizadas pelo recorrente.”

[6] Fr., neste sentido, Cardona Ferreira, “Guia dos Recursos em Processo Civil”, 5ª ed., Coimbra Editora, pág. 163.
[7] Cfr., entre outros, Fernando Amâncio Ferreira, “Manual de Recursos em Processo Civil”, 9ª ed., Almedina, pág. 156 e 157, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex Lisboa 1997, pág. 395, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, T1, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 8, e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 3ª ed., Almedina, 2009, págs. 103 e 104.
 
[8] Elisabeth Fernandez, “Princípio do Dispositivo e Objecto de Decisão de Recurso”, in “As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos”, Coimbra Editora, 2010, págs. 334, 336 e 337.
[9] “Código Civil Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 495.
[10] “Manual de Locação Financeira”, 2ª ed., Almedina 2011, pág. 233.
[11] Segundo Rui Pinto Duarte, “De um ponto de vista económico, durante a locação financeira, a propriedade fica dividida entre locador e locatário” – “O Contrato de Locação Financeira – Uma Síntese”, 2010, pág.9, estudo disponível in http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/rpd_ma_12952.pdf
[12] Neste sentido, Fernando Gravato Morais, obra citada, pág. 235.
[13] Neste sentido, Rui Pinto Duarte, “O Contrato de Locação Financeira (…)”, pág. 37.
[14] Obra citada, pág. 235.