Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
367/16.9T8CVL-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA DE CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
VENDA DO BEM PENHORADO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS POR TERCEIRO
Data do Acordão: 05/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JL CÍVEL DA COVILHÃ – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 13/2016, DE 23/05; ARTºS 239º, 240º E 244º DO CPPT; 794º NCPC.
Sumário: I – A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista como resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.

II - A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente/recorrente terá que reclamar o seu crédito e o direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

III - Assim, a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

IV - Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

V - Tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º, n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.

VI - Advogamos a posição/tese de que a interpretação do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, de que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, não viola qualquer preceito legal ou constitucional.

VII - No caso presente o exequente/recorrido é um credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução fiscal, logo foi citado para os termos da mesma, nos termos dos art.ºs 239.º e 240.º do CPPT. Tendo aí reclamado o seu crédito, dúvidas não temos de que a autoridade fiscal terá de dar início ao procedimento de venda do bem penhorado, por força do n.º 1 do art.º 244.º do CPPT, embora esteja impedida de ter, com tal venda, o objectivo de pagamento coercivo dos créditos fiscais, mas não poderá ignorar o legítimo pagamento dos créditos reclamados e que venham a ser verificados, reconhecidos e graduados conforme lhes competir.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

      Proc.º n.° 367/16.9T8CVL-C.C1

                                                           1.- Relatório

1.1.- Nos autos de execução intentada pelo Banco S..., S.A., com sede na Rua ..., contra F..., residente na ..., C... e T..., ambos residentes ..., encontram-se penhorados os prédios urbanos sitos na ..., inscritos na matriz sob os artigos ... e descritos na Conservatória do Registo Predial da ... sob os n.ºs ...

No que concerne ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ..., foi penhorado em abril de 2016.

Pelo facto de sobre esse imóvel incidir uma penhora anterior a favor da Fazenda Nacional, registada em 30112/2014, foi a presente execução sustada quanto a esse imóvel, o agente de execução notificou o Serviço de Finanças da ... para informar se iria proceder à venda do imóvel penhorado, tendo esta dado nota que uma vez que o imóvel em apreço é destinado, exclusivamente, à habitação própria e permanente do agregado familiar dos executados não iria proceder à venda do mesmo, considerando o teor do artigo 244.° do CPPT, com a redação conferida pela Lei 13/2016, de 23.5.

Em face de tal informação o exequente apresentou requerimento nos autos solicitando o prosseguimento dos mesmos, com a consequente convocação de credores por parte da agente de execução, com vista à posterior venda do imóvel em causa.

A fls. 2 a 4 destes autos foi proferida decisão a determinar o levantamento da sustação da presente execução relativamente ao prédio urbano sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ..., com vista à venda do mesmo, do seguinte teor:

…A questão que se coloca nos autos reconduz-se a saber se o credor cuja execução foi sustada por existência de penhora anterior em execução fiscal, onde o bem não pode ser vendido atento o disposto no artigo 244° do CPTT, pode requerer o prosseguimento da execução para venda do bem.

Resulta dos autos que pelo facto do bem imóvel inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº ... ter sido objeto de penhora anterior em processo de execução fiscal, a presente execução foi sustada relativamente a tal bem, nos termos do disposto no artigo 794° do Código de Processo Civil.

Dispõe o art." 244° do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 13/2016, de 23/05: 1- A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n. o 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.

Assim, após a entrada em vigor da referida Lei n.º 13/2016, de 23/05 - aplicável a todos os processos de execução fiscal pendentes - foi introduzida a impossibilidade de, nos processos de execução fiscal, serem vendidos mediante impulso da Autoridade Tributária, os imóveis destinados  exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.

No caso em apreço a execução movida pelo exequente foi sustada relativamente ao bem imóvel inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ..., em virtude de penhora anterior à sua sobre o mesmo bem.

No mais, o exequente foi reclamar o seu crédito no processo de execução fiscal no qual o referido imóvel tinha sido primeiramente penhorado.

Ora, se por um lado nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis, por outro lado, mantendo-se a penhora anterior efetuada na execução fiscal é nessa execução que o exequente deveria reclamar o seu crédito e ser pago pelo produto da venda do bem penhorado.

Tal questão jurídica tem sido alvo de entendimentos divergentes, no que diz respeito ao prosseguimento da ação executiva para venda do bem imóvel primeiramente penhorado na execução fiscal, sendo que, no essencial, a questão passa por conciliar o citado artigo 244° do CPPT com o previsto no artigo 794° do Código de Processo Civil.

Assim, uns têm defendido a tese de que a impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado, prevista no artigo 244° do CPPT, não se estende aos demais credores. Entendem, assim, que nada impede um credor que no processo de execução fiscal tenha reclamado o seu crédito de promover a venda do mesmo, no âmbito da execução fiscal. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito - 244°, nº 2, do CPPT - aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/10/2017, in www.dgsi.pt e J H Delgado Carvalho, com a colaboração de Miguel Teixeira de Sousa, "As alterações introduzidas pela Lei n." 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores" publicado no Blog do IPPC em 11. 7 .201).

Por outro lado, outros têm defendido que o que se pretende impedir com o disposto no artigo 794° é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou venda dos mesmos bens, motivo pelo qual a liquidação há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar, sendo que, por isso, a ratio legis da norma do art." 794° postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual, ou seja, não é suficiente a mera pluralidade de execuções, exigindo-se ainda que ambas estejam em movimento, seguindo o curso processual normal, o que não acontece, por exemplo, quando a execução mais antiga, onde o crédito deveria ser reclamado se encontra parada por inércia do exequente ou quando ocorre a suspensão da mesma ditada por imperativos legais, retirando temporariamente (nos termos legais) a dinâmica processual à execução fiscal pendente (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2017, in www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso dos autos temos que a presente execução se encontra sustada, nos termos do artigo 794° do Código de Processo Civil, relativamente ao prédio urbano sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº ..., atendendo a que o mesmo imóvel foi penhorado numa execução fiscal, sendo esta a mais antiga.

Por outro lado, no caso em apreço aplicar-se-á o regime previsto no nº 2 do artigo 244° do CPPT, estando, assim, impedida a realização da venda do referido imóvel penhorado na execução fiscal.

Se assim é, e salvo o devido respeito por opinião contrária, tendemos a concordar com a segunda posição supra explanada, uma vez que caso a presente execução não prossiga os seus ulteriores termos relativamente ao imóvel sustado, ficará seriamente comprometida a satisfação do crédito do exequente, uma vez que esta execução está sustada quanto ao imóvel e na execução fiscal há um impedimento legal à realização da venda, do bem hipotecado e penhorado, mantendo-se a penhora do Fisco apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais, pois a venda não se irá realizar (cfr. informação prestada pelo Serviço de Finanças da ..., referência ...).

Isto é, caso assim não seja, e não nos parecendo que o credor hipotecário tenha outro meio para se fazer valer, fica o mesmo impedido de cobrar os seus créditos.

E isto porque salvo o devido respeito pela posição defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 241/10/2017, supra referido, não se alcança como é que o aqui exequente, credor no processo de execução fiscal, pode promover, no âmbito daquela execução, a venda do imóvel, quando, atento o disposto no artigo 244° do CPPT supra citado está a Administração Fiscal impedida de realizar a venda do imóvel em questão.

Assim sendo, somos do entendimento de que não resta outra alternativa senão o levantamento da sustação em apreço e o prosseguimento da presente ação executiva, tendente à realização da venda do referido imóvel no processo executivo cível, conforme requerido pelo exequente, atendendo a que já resulta comprovada nos autos a impossibilidade de se efetuar a venda no processo de execução fiscal (vide, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/10/2006, in ww.dgsi.pt, no qual se concluiu que "sustada a execução nos termos do art.º  871.º, do Código de Processo Civil [de 1961), se a execução, onde houve penhora anterior e onde foi reclamado o crédito da execução sustada, vier a ficar suspensa, interrompida ou por qualquer modo 'parada', pode prosseguir a instância na execução sustada para, assim, se evitar o impasse em ambas as execuções ").

Em face do exposto, determina-se o levantamento da sustação da presente execução relativamente ao prédio urbano sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº ..., com vista à venda do mesmo…

1.2. – Inconformada com tal decisão, dela recorreu a executada T..., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

...

1.3. Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º do C.P.C., a exequente H..., que tomou a posição do exequente anterior, respondeu terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

...

1.4.- A fls. 20 destes autos foi proferido despacho a admitir o recurso.

1.5. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                2. Fundamentação

Os factos com interesse com interesse para a decisão da causa são os constantes do relatório supra.

3. Motivação

            Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”  (cfr. Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, v.g., no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.) e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a apreciar.

Assim, a questão a decidir consiste em saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que mantenha a sustação da execução.

Segundo o recorrente a decisão recorrida errou de direito ao ordenar o levantamento da sustação da penhora, violou o preceituado no art.º 794.º do C.P.C.

Opinião oposta tem a recorrida que pugna pela manutenção do decidido.

Vejamos.

Refere-se na sentença recorrida que a questão em análise tem sido alvo de entendimentos divergentes, no que diz respeito ao prosseguimento das ações executivas cíveis e assim é de facto. Uns defendem que a execução cível deve manter-se sustada;  outros, como a decisão recorrida, o oposto.

Advogamos a posição oposta á defendida na sentença recorrida, defendida por nós no processo n.º 7389/17.0T8CBR-A.C1, acórdão datado de 13/11/2019, onde escrevemos: «Preceitua o n.º 1 do art.º 794.º do C.P.Civil que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.

Por sua vez, reza o n.º 4 do preceito: “a sustação integral da execução” equivale à extinção da execução, sem prejuízo de o exequente poder requerer a renovação da execução, indicando outros bens à penhora.

Ora, “in casu” foi o que sucedeu nos presentes autos.

Em regra, existindo uma dupla penhora, segundo o disposto no art.º 794º citado, na pendência de mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior. Caso em que o exequente da segunda execução (ou sustada), para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior, sendo, pois, nessa execução que o crédito há-de ser reconhecido, verificado e graduado, cfr. art.º 791.º do C.P.Civil, a fim de ser pago pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir, segundo a ordem de preferência das garantias reais.

No caso em apreço está provado que existe e mantêm-se vigente uma penhora em sede de processo de execução fiscal efectuada em data anterior à dos presentes autos e incidente sobre o imóvel em causa, do executado.

Perante tal situação, entendeu o tribunal “a quo”, no caso que temos entre mãos, nestes autos, ordenar o levantamento da sustação execução, ao contrário do que sucedeu no processo 7389, sublinhado é nosso no processo que temos em mãos.

(…)

No que concerne à execução fiscal, preceitua o art.º 244.º do Código do

Procedimento e do Processo Tributário, daqui em diante designado por CPPT, que:

Realização da venda”

1 – A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim”. (aditado pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio).

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afecto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado”.

A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista como resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Sendo de aplicação imediata e ainda aos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

O art.º 244.º faz parte do CPPT e dispondo sobre o processo de execução fiscal, tem subjacente, conforme se preceitua no art.º 148.º do mesmo diploma, que “o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:

a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;

b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.

c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.

2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:

a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;

b) Reembolsos ou reposições”.

Cabe salientar que esta Lei (Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio) não impede a venda da habitação no âmbito de execuções hipotecárias, por iniciativa de instituições bancárias, como a presente (cfr. art.º 4º), limitando-se, nesse caso, a prevenir que “quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível” (nº 1) e bem assim que “enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização daquela venda” (nº2).

Por conseguinte, a tutela dos direitos dos restantes credores na cobrança coerciva continua a ser assegurada.

Mas sendo assim, como é, como se concretiza?

Na execução fiscal (a primeira), ou na execução comum (a segunda)?

Nesta vertente as opiniões não são uniformes.

Uns advogam que terá de ser na primeira (execução fiscal) referindo:

A execução fiscal destina-se ao pagamento coercivo de dívidas fiscais. Logo a proibição da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim, prevista no n.º 2 do art.º 244.º do CPPT apenas diz respeito à venda a impulso da administração fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor, quanto às dívidas do devedor de outra natureza não preceitua, nem pode preceituar, o CPPT, pois nada nos indicia que o legislador quis criar, ainda que indirectamente, um entrave ao prosseguimento das execuções cíveis.

Nesta medida mantem-se vigente a penhora incidente sobre o imóvel do devedor (que esteja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do mesmo ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim) em sede de execução fiscal, até porque o dito Código não prevê, para tal situação (proibição de venda do bem para pagamento coercivo de dívidas fiscais) o levantamento dessa penhora, nem a suspensão da execução fiscal, todavia, esta “suspensão” existirá de facto.

Assim, a impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que, à partida, não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.

A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das acções executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente/recorrente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

Assim, a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.

Assim, entendem os defensores desta posição que a interpretação do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, de que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, não viola qualquer preceito legal ou constitucional (cfr. Ac. da Rel. Porto de 2019.03.08 – Proc.º n.º 11128/11.1TBVNG-C.P1, relatado por Anabela Dias da Silva e Ac. da Rel. de  Coimbra de 24 de Outubro de 2017,  proc.º n.º 249/13.6TBSPS, relatado por Sílvia Pires, bem como os citados nos mesmos arestos e doutrina citada e decisão singular proferida no processo n.º 1325/16.9T8ACB.C1 desta Relação, datada de 8/4/2019, proferida por Falcão de Magalhães.

 Outros advogam que terá de ser na segunda (execução comum) referindo:

Que para além de não se prever sequer no CPTT o impulso da execução fiscal por banda dos credores reclamantes, parece claro que a Lei nº 13/2016, de 23 de Maio,  impede efectivamente que em tais processos de execução, instaurados por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, haja lugar à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado fora dos casos aí previstos, o que se depreende das alterações ao CPTT pela mesma Lei efectuadas é que o bem permaneça penhorado e por consequência por esse motivo se conserve o direito do Estado de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art.º 822º, n.º 1 do Código Civil) mas que não se entre na fase da venda - artigos 248.º e seguintes do CPTT – e seja por essa via que se realize o valor necessário para proceder ao pagamento das dívidas (exequenda e reclamadas).

Assim, dizem os defensores desta tese que não faz sentido suspender a execução da subsequente penhora, nos termos do art.º 794.º do C.P.C., quando a execução fiscal está “suspensa” por esse motivo, ser casa de habitação própria.

É que a aplicabilidade do art.º 794º do CPC pressupõe que na primeira das execuções possam ser praticados os actos necessários para o exequente e os demais credores recebam as quantias a que têm direito.

O objectivo de tal norma é o de impedir que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens.

Se a venda não se pode legalmente concretizar no primeiro, o mesmo é dizer que nada impede que se realize no segundo, o da execução comum.

Esta é, aliás, a solução que melhor acautela, segundo estes, os interesses dos demais credores do executado que só deste modo realizarão o seu direito de serem pagos pelo produto da venda do bem (imóvel) penhorado, não tendo, por essa razão, aplicação ao caso o disposto no art.º 794º do CPC, impondo-se, em contrapartida, que a execução comum prossiga os seus ulteriores termos, promovendo-se a citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito (art.º 786º, nº1, b) do CPC) o que a suceder determinará que seja oportunamente graduado (art.º 791º do CPC) no lugar que lhe competir (cfr. neste sentido entre outros Ac. Rel. de Guimarães, 30 de maio de 2019 – Proc.º n.º 2677/10.0TBGMR.G1, relatado por Alcides Rodrigues, da mesma Relação de 17 de janeiro de 2019, proc.º n.º 956/17.4T8GMR-C.G1, relatado por Alexandra Rolim Mendes, da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc.º n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1, relatado por Fonte Ramos e Ac. Rel. de Évora, 12 de Julho de 2018, proc.º n.º 893/12.9TBPTM.E1, relatado por Maria João Sousa e Faro e os demais citados nos referidos arestos).

Advogamos a primeira posição, de se dever promover a venda na execução fiscal, por ser aquela que, em nossa opinião, melhor se coaduna com o espirito da lei.

E isto porque preceitua o art.º 239.º do CPPT - “Citação dos credores preferentes e do cônjuge” que:

“1 - Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.

2 - Os credores desconhecidos, bem como os sucessores dos credores preferentes, são citados por éditos de 10 dias”.

Continuando o art.º 240.º do CPPT –“Convocação de credores” que:

“1 - Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados.

2 - O crédito exequendo não carece de ser reclamado.

3 - O órgão da execução fiscal só procede à convocação de credores quando dos autos conste a existência de qualquer direito real de garantia.

4 - O disposto no número anterior não obsta a que o credor com garantia real reclame espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados”.

No caso presente o exequente/recorrido é um credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução fiscal, logo foi citado para os termos da mesma, nos termos dos art.ºs 239.º e 240.º do CPPT. E tendo aí reclamado o seu crédito, dúvidas não temos de que a autoridade fiscal terá de dar início ao procedimento de venda do bem penhorado, por força do n.º 1 do art.º 244.º do CPPT, embora esteja impedida de ter, com tal venda, o objectivo de pagamento coercivo dos créditos fiscais, mas não poderá ignorar o legítimo pagamento dos créditos reclamados e que venham a ser verificados, reconhecidos e graduados conforme lhes competir.

É certo que o CPPT não contém uma norma idêntica à prevista no n.º 2 do art.º 850.º do C.P.Civil, todavia trata-se de uma lacuna que terá de ser suprida por interpretação analógica, até porque segundo o disposto no art.º 246.º, n.º 1 do CPPT “Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efectuada exclusivamente nos termos dos artigos 276.º a 278.º deste código”.

Assim sendo, a resposta há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação, a venda da penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar,  mas, quanto a nós, não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Esta é a interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução, tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior».

Face ao exposto a pretensão da recorrente terá de proceder.

                                                           4. Decisão

Nos termos expostos revoga-se a decisão recorrida e julga-se procedente o recurso, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que mantenha a execução cível sustada.

Custas pela recorrida.

Coimbra, 25/5/2020

           Pires Robalo (relator)

            Sílvia Pires (adjunta)

            Jaime Ferreira (adjunto)