Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98/07.0IDACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PELAS MULTAS E COIMAS
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 8º, DO R.G.I.T.
Sumário: 1. Embora os n.ºs 1 e 7, do art.º 8º, do R.G.I.T., se inscrevam, conforme epígrafe, no âmbito da “responsabilidade civil pelas multas e coimas”, é distinto o campo de aplicação de um e de outro, tendo a disposição do n.º 7 um domínio específico e autónomo de intervenção, operando sem a intermediação do n.º 1.
2. Diversamente do que se estabelece no n.º 1, no n.º 7 não se está perante responsabilidade subsidiária relativamente aos agentes da infracção, mas sim em solidariedade em primeiro plano, podendo as dívidas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção.

3. No caso, tendo os representantes legais (sócios gerentes) da sociedade arguida sido condenados, como co-autores materiais, da prática do crime de abuso de confiança fiscal, por força do disposto nos n.ºs 7 e 8, do referido art.º 8º, do R.G.I.T., são solidariamente responsáveis pela multa (penal) imposta ao referido ente colectivo, nos termos do art.º 7º, do mesmo compêndio legislativo.

4. O referido n.º 7, do art.º 8º, do R.G.I.T., não é inconstitucional.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 3.º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, após julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, por sentença de 17 de Fevereiro de 2009, transitada em julgado, os arguidos A..., B... e “W..., , Lda.”, todos melhor identificados nos autos, foram condenados nos seguintes termos:
Os arguidos A... e B..., cada um, pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 19.º a 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, al. c), 40.º, n.º 1 e 71.º do CIVA, dos artigos 6.º, 7.º, n.º 3 e 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 7, do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), e dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º e 30.º, n.º 2, do Código Penal, ex vi artigo 3.º, al. a), do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, sob condição de aqueles procederam ao pagamento, no prazo de 4 (quatro) anos, das prestações tributárias atinentes aos meses de Julho, Agosto e Dezembro de 2004, Abril e Junho a Novembro de 2005 e ao 1.º trimestre de 2006, no valor global de 145.993,21 € (cento e quarenta e cinco mil novecentos e noventa e três euros e vinte e um cêntimos), e respectivos acréscimos legais, nos termos do artigo 50.º do CP (na redacção anterior à Lei n.º 59/07, de 04-09) e do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT;
• A sociedade arguida, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 19.º a 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, al. c), 40.º, n.º 1 e 71.º do CIVA, e dos artigos 7.º, n.º 1, 12.º, n.ºs 2 e 3 e 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, do RGIT, com referência ao artigo 30.º, n.º 2, do CP, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à razão diária de 25 € (vinte e cinco euros), perfazendo o montante global de 12.500 € (doze mil e quinhentos euros).
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2. Dado que a sociedade arguida não procedeu ao pagamento da multa supra referida, foi proferido, em 5 de Abril de 2011, despacho que considerou os arguidos A... e B...solidariamente responsáveis pela dita multa, nos termos do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, e determinou a notificação dos mesmos para procederem ao respectivo pagamento.
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3. Inconformados, os arguidos B...e A... interpuseram, cada um deles, em separado, recurso desse despacho, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
A) Arguido B...:
1.ª - Alega o Tribunal recorrido no despacho em causa nos presentes autos, que não tendo a sociedade efectuado o pagamento da multa à qual foi condenada, com fundamento na prática do crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do RGIT, nos termos do artigo 8.º, n.º 7 do mesmo diploma, os gerentes devem ser notificados para proceder ao pagamento da mesma multa, desde que a sociedade não disponha de bens para efectuar o pagamento do crédito em causa.
2.ª - Nos termos do artigo 491.º do CPP, findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento seja efectuado, o Tribunal deverá proceder à execução patrimonial do Arguido que tenha sido condenado, ou seja, deverá instaurar processo de execução contra a sociedade satisfazendo o seu crédito através do pagamento coercivo.
3.ª - Neste sentido, resulta do disposto no artigo 491.º do CPP que o Ministério Público poderia e deveria ter ordenado a instauração de processo de execução contra a sociedade Arguida, de forma a apurar se a mesma dispõe de património suficiente para pagar coercivamente a multa em causa, sendo ilegal e inconstitucional qualquer despacho que determine a transmissão da pena da sociedade para os respectivos gerentes, sem que seja apurada a insuficiência de bens.
4.ª - Conforme refere o despacho recorrido, a responsabilidade prevista no artigo 8.º, n.º 7 do RGIT constitui uma mera responsabilidade civil aplicável exclusivamente aos co-autores e cúmplices a qual depende da declaração da verificação dos pressupostos legais deste tipo de responsabilidade. Ao contrário do que alega o despacho recorrido, uma vez que a epígrafe do artigo 8.º é a “responsabilidade civil pelo pagamento de multas e coimas”, a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes das sociedades comerciais depende da aplicação do n.º 1 da norma, ainda que tal responsabilidade seja independente da responsabilidade pela prática da infracção.
5.ª - Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT, para que os Arguidos sejam responsáveis civilmente pela falta de pagamento da multa criminal, os pressupostos seguintes deverão estar preenchidos: (i) os gerentes da sociedade condenada deverão ter exercido a gerência de facto; (ii) a multa deverá ter sido aplicada na sequência de infracções praticadas durante o período em que os mesmos exerceram a gerência, e por fim (iii) deverá ser por culpa sua (dos gerentes) que a sociedade não possui bens para efectuar o pagamento da multa, maxime através do processo de execução instaurado nos termos do artigo 491.° do CPP.
6.ª - Assim, os pressupostos de responsabilidade civil previstos no artigo 483.º do CC à semelhança dos pressupostos de responsabilidade civil previstos no artigo 8.º, n.º 1 do RGIT referem-se à culpa dos gerentes na insuficiência de bens da sociedade, para efectuar o pagamento da multa nos termos do artigo 491.º do CPP.
7.ª - No despacho recorrido, o Tribunal não aprecia se qualquer um dos pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 8.º do RGIT bem como os pressupostos gerais relativos à responsabilidade civil extracontratual previstos no disposto no artigo 483.º do CC, designadamente a culpa do Recorrente na insuficiência de bens da sociedade para proceder ao pagamento da multa.
8.ª - Na sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Alcobaça em 17 de Fevereiro de 2009, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 15 de Julho do mesmo ano, não foi considerado como provado que a sociedade não disponha de bens para satisfazer os respectivos créditos, não tendo sido igualmente demonstrado que a alegada insuficiência de bens da sociedade tenha decorrido de culpa do Recorrente.
9.ª - Neste sentido, bastará ao Tribunal analisar o teor da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida no processo com o n.º 454/08.7BELRA (2.ª Unidade Orgânica) ora junta aos autos como doc. 1, a qual tem por objecto a legalidade das coimas liquidadas ao Recorrente por falta de entrega nos cofres do Estado de IVA relativo aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, na qual aquele Tribunal decidiu que: “No caso sub judice, não foi provado pela Administração Fiscal que a insuficiência patrimonial daquela é imputável ao ora oponente. Deste modo, atenta a carência de prova necessária à responsabilização do oponente, a título subsidiário, pelo pagamento das coimas fiscais exequendas, a reversão operada é ilegal devendo ser extinta a execução fiscal na parte revertida contra ele”.
10.ª - Resulta, desta forma, do exposto nas presentes alegações, que além de não estar demonstrada a insuficiência de bens da sociedade para efectuar o pagamento da multa à qual foi condenada, nos termos expostos, não está igualmente demonstrada a culpa do ora Recorrente na alegada insuficiência de bens. Termos em que, com os fundamentos expostos, não estão preenchidos os pressupostos legais de que depende a responsabilização civil do ora Recorrente pela falta de pagamento da multa à qual a sociedade Canal Sol Lda. foi condenada, devendo assim ser revogado o despacho recorrido, por o mesmo ser manifestamente ilegal.
11.ª - Ainda no que respeita à interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, considerando que o próprio Tribunal recorrido assume que se trata de uma responsabilidade de natureza civil, ou seja, de uma responsabilidade que deverá respeitar os pressupostos do artigo 8.º do RGIT e ainda os pressupostos do artigo 483.º do Código Civil, por aplicação do princípio do contraditório bem como por aplicação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, o Recorrente não pode ser responsabilizado civilmente sem que lhe seja dada a oportunidade de exercer o respectivo direito de defesa, sobretudo considerando que a alegada insuficiência de bens da sociedade constitui um facto posterior à emissão da sentença de condenação do Recorrente.
12.ª - Mais uma vez, reitera o Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal de Alcobaça em 2009 (já referenciada supra) não refere a insuficiência de bens da sociedade, nem a culpa do Recorrente na verificação de tal insuficiência, o que significa que não foi produzida qualquer prova relativamente a tais factos que são essenciais para a responsabilização do Recorrente nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT.
13.ª - Ademais, note-se que a sentença proferida em 28 de Abril de 2011 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria reitera que naquele processo a DGCI não demonstrou a culpa do Recorrente na insuficiência de património da sociedade; neste sentido, não existindo qualquer indício da culpa do Recorrente, o Tribunal não pode condenar o mesmo em sede de responsabilidade civil sem que no processo penal seja discutida e provada a insuficiência de património da sociedade bem como a culpa do Recorrente na alegada insuficiência patrimonial.
14.ª - Note-se que, nos termos do artigo 8.º, n.º 7 do RGIT, a responsabilidade civil do Recorrente é independente da sua responsabilidade pela falta pela prática da infracção, o que significa que a prova a produzir deverá incidir sobre a culpa do Recorrente na insuficiência de património da sociedade, sendo que para que seja produzida tal prova deverá ser concedida ao Recorrente a possibilidade de exercer o direito fundamental ao contraditório.
15.ª - Uma vez que a falta de pagamento da multa e a recusa do Ministério Público em executar os bens do Recorrente com fundamento na alegada insuficiência de bens ocorreu após a prolação de sentença pelo Tribunal de primeira instância, a culpa do Recorrente na insuficiência de património não pode ser apreciada no processo civil, devendo sê-lo obrigatoriamente no processo civil, através de meios processuais autónomos adequados.
16.ª - Neste sentido, sem que seja judicialmente declarada a responsabilidade civil do Recorrente pelo pagamento solidário da multa à qual a sociedade foi condenada, será ilegal a notificação do Recorrente para o pagamento da mesma prestação pecuniária, por violação do disposto no artigo 20.º da Constituição que prevê o princípio da tutela jurisdicional efectiva, bem como por violação do princípio do contraditório, vícios que conduzem à nulidade do despacho recorrido nos termos expostos.
17.ª - Nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 3 da Constituição “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”, sendo esta regra denominada como princípio da intransmissibilidade das penas. O princípio da intransmissibilidade das penas é aplicável no processo penal/contra-ordenacional tributário, designadamente, no que respeita à cobrança aos sócios e gerentes das sociedades comerciais das multas às quais as sociedades suas representadas sejam condenadas.
18.ª - A cobrança ao Recorrente da multa à qual a sociedade foi condenada, ainda que seja provada a insuficiência de bens da sociedade bem como a culpa do Recorrente no facto de se ter verificado a alegada insuficiência, constitui em termos materiais uma transmissão da multa (responsabilidade penal) à qual a sociedade foi condenada, a qual é proibida pelo disposto no artigo 30.º da Constituição.
19.ª - Ainda no mesmo sentido, e caso alguma sombra de dúvida exista, o Tribunal poderá consultar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Setembro de 2010 (processo n.º 186/10), bem como o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Abril de 2010 (processo n.º 64/10), e inúmeros outros Acórdãos no mesmo sentido, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
20.ª - Por aplicação do mesmo princípio, em conjugação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, é jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo que a responsabilidade contra-ordenacional/penal das sociedades comerciais pela falta de pagamento das coimas não é transmissível para os gerentes, não sendo as mesmas por conseguinte cobráveis através de processo de reversão.
21.ª - Nos termos expostos, ainda que fosse provada a insuficiência patrimonial da sociedade bem como a culpa do Recorrente, a notificação do Recorrente para o pagamento da mesma constitui juridicamente uma transmissão da pena à qual a sociedade foi condenada, a qual é proibida pela Constituição e pela lei penal. Por conseguinte, o despacho recorrido é manifestamente ilegal, assumindo o mesmo uma interpretação do disposto no artigo 8.º do RGIT inconstitucional, vícios estes constitutivos da ilegalidade do mesmo despacho, que deverá levar à anulação do mesmo com base nos fundamentos oportunamente expostos.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem declarar o presente recurso procedente por provado, e por conseguinte, que se dignem revogar o despacho recorrido, sendo o mesmo substituído por outro que determine a não notificação do recorrente para efectuar o pagamento da multa à qual a sociedade Canal Sol Lda. foi condenada, fazendo V. Exas. a tão acostumada justiça!

B) Arguida A...:
1.ª - Alega o Tribunal recorrido no despacho em causa nos presentes autos, que não tendo a sociedade efectuado o pagamento da multa à qual foi condenada, com fundamento na prática do crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do RGIT, nos termos do artigo 8.º, n.º 7 do mesmo diploma, os gerentes devem ser notificados para proceder ao pagamento da mesma multa, desde que a sociedade não disponha de bens para efectuar o pagamento do crédito em causa.
2.ª - Nos termos do artigo 491.º do CPP, findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento seja efectuado, o Tribunal deverá proceder à execução patrimonial do Arguido que tenha sido condenado, ou seja, deverá instaurar processo de execução contra a sociedade satisfazendo o seu crédito através do pagamento coercivo.
3.ª - Neste sentido, resulta do disposto no artigo 491.º do CPP que o Ministério Público poderia e deveria ter ordenado a instauração de processo de execução contra a sociedade Arguida, de forma a apurar se a mesma dispõe de património suficiente para pagar coercivamente a multa em causa, sendo ilegal e inconstitucional qualquer despacho que determine a transmissão da pena da sociedade para os respectivos gerentes, sem que seja apurada a insuficiência de bens.
4.ª - Conforme refere o despacho recorrido, a responsabilidade prevista no artigo 8.º, n.º 7 do RGIT constitui uma mera responsabilidade civil aplicável exclusivamente aos co-autores e cúmplices a qual depende da declaração da verificação dos pressupostos legais deste tipo de responsabilidade. Ao contrário do que alega o despacho recorrido, uma vez que a epígrafe do artigo 8.º é a “responsabilidade civil pelo pagamento de multas e coimas”, a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes das sociedades comerciais depende da aplicação do n.º 1 da norma, ainda que tal responsabilidade seja independente da responsabilidade pela prática da infracção.
5.ª - Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT, para que os Arguidos sejam responsáveis civilmente pela falta de pagamento da multa criminal, os pressupostos seguintes deverão estar preenchidos: (i) os gerentes da sociedade condenada deverão ter exercido a gerência de facto; (ii) a multa deverá ter sido aplicada na sequência de infracções praticadas durante o período em que os mesmos exerceram a gerência, e por fim (iii) deverá ser por culpa sua (dos gerentes) que a sociedade não possui bens para efectuar o pagamento da multa, maxime através do processo de execução instaurado nos termos do artigo 491.º do CPP.
6.ª - Assim, os pressupostos de responsabilidade civil previstos no artigo 483.º do CC à semelhança dos pressupostos de responsabilidade civil previstos no artigo 8.º, n.º 1 do RGIT referem-se à culpa dos gerentes na insuficiência de bens da sociedade, para efectuar o pagamento da multa nos termos do artigo 491.º do CPP.
7.ª - No despacho recorrido, o Tribunal não aprecia se qualquer um dos pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 8.º do RGIT bem como os pressupostos gerais relativos à responsabilidade civil extracontratual previstos no disposto no artigo 483.º do CC, designadamente a culpa do Recorrente na insuficiência de bens da sociedade para proceder ao pagamento da multa.
8.ª - Na sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Alcobaça em 17 de Fevereiro de 2009, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 15 de Julho do mesmo ano, não foi considerado como provado que a sociedade não disponha de bens para satisfazer os respectivos créditos, não tendo sido igualmente demonstrado que a alegada insuficiência de bens da sociedade tenha decorrido de culpa da Recorrente.
9.ª - Neste sentido, bastará ao Tribunal analisar o teor da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida no processo com o n.º 454/08.7BELRA (2.ª Unidade Orgânica) ora junta aos autos como doc. 1, a qual tem por objecto a legalidade das coimas liquidadas à Recorrente por falta de entrega nos cofres do Estado de IVA relativo aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, na qual aquele Tribunal decidiu que: “No caso sub judice, não foi provado pela Administração Fiscal que a insuficiência patrimonial daquela é imputável ao ora oponente. Deste modo, atenta a carência de prova necessária à responsabilização do oponente, a título subsidiário, pelo pagamento das coimas fiscais exequendas, a reversão operada é ilegal devendo ser extinta a execução fiscal na parte revertida contra ele”.
10.ª - Resulta, desta forma, do exposto nas presentes alegações, que além de não estar demonstrada a insuficiência de bens da sociedade para efectuar o pagamento da multa à qual foi condenada, nos termos expostos, não está igualmente demonstrada a culpa da ora Recorrente na alegada insuficiência de bens. Termos em que, com os fundamentos expostos, não estão preenchidos os pressupostos legais de que depende a responsabilização civil da ora Recorrente pela falta de pagamento da multa à qual a sociedade … Lda. foi condenada, devendo assim ser revogado o despacho recorrido, por o mesmo ser manifestamente ilegal.
11.ª - Ainda no que respeita à interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, considerando que o próprio Tribunal recorrido assume que se trata de uma responsabilidade de natureza civil, ou seja, de uma responsabilidade que deverá respeitar os pressupostos do artigo 8.º do RGIT e ainda os pressupostos do artigo 483.º do Código Civil, por aplicação do princípio do contraditório bem como por aplicação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, a Recorrente não pode ser responsabilizada civilmente sem que lhe seja dada a oportunidade de exercer o respectivo direito de defesa, sobretudo considerando que a alegada insuficiência de bens da sociedade constitui um facto posterior à emissão da sentença de condenação da Recorrente.
12.ª - Mais uma vez, reitera a Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal de Alcobaça em 2009 (já referenciada supra) não refere a insuficiência de bens da sociedade, nem a culpa da Recorrente na verificação de tal insuficiência, o que significa que não foi produzida qualquer prova relativamente a tais factos que são essenciais para a responsabilização da Recorrente nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT.
13.ª - Ademais, note-se que a sentença proferida em 28 de Abril de 2011 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria reitera que naquele processo a DGCI não demonstrou a culpa dos gerentes na insuficiência de património da sociedade; neste sentido, não existindo qualquer indício da culpa da Recorrente, o Tribunal não pode condenar a mesma em sede de responsabilidade civil sem que no processo penal seja discutida e provada a insuficiência de património da sociedade bem como a culpa da Recorrente na alegada insuficiência patrimonial.
14.ª - Note-se que, nos termos do artigo 8.º, n.º 7 do RGIT, a responsabilidade civil da Recorrente é independente da sua responsabilidade pela falta pela prática da infracção, o que significa que a prova a produzir deverá incidir sobre a culpa da Recorrente na insuficiência de património da sociedade, sendo que para que seja produzida tal prova deverá ser concedida à Recorrente a possibilidade de exercer o direito fundamental ao contraditório.
15.ª - Uma vez que a falta de pagamento da multa e a recusa do Ministério Público em executar os bens da Recorrente com fundamento na alegada insuficiência de bens ocorreu após a prolação de sentença pelo Tribunal de primeira instância, a culpa da Recorrente na insuficiência de património não pode ser apreciada no processo civil, devendo sê-lo obrigatoriamente no processo civil, através de meios processuais autónomos adequados.
16.ª - Neste sentido, sem que seja judicialmente declarada a responsabilidade civil da Recorrente pelo pagamento solidário da multa à qual a sociedade foi condenada, será ilegal a notificação da Recorrente para o pagamento da mesma prestação pecuniária, por violação do disposto no artigo 20.º da Constituição que prevê o princípio da tutela jurisdicional efectiva, bem como por violação do princípio do contraditório, vícios que conduzem à nulidade do despacho recorrido nos termos expostos.
17.ª - Nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 3 da Constituição “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”, sendo esta regra denominada como princípio da intransmissibilidade das penas. O princípio da intransmissibilidade das penas é aplicável no processo penal/contra-ordenacional tributário, designadamente, no que respeita à cobrança aos sócios e gerentes das sociedades comerciais das multas às quais as sociedades suas representadas sejam condenadas.
18.ª - A cobrança à Recorrente da multa à qual a sociedade foi condenada, ainda que seja provada a insuficiência de bens da sociedade bem como a culpa da Recorrente no facto de se ter verificado a alegada insuficiência, constitui em termos materiais uma transmissão da multa (responsabilidade penal) à qual a sociedade foi condenada, a qual é proibida pelo disposto no artigo 30.º da Constituição.
19.ª - Ainda no mesmo sentido, e caso alguma sombra de dúvida exista, o Tribunal poderá consultar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Setembro de 2010 (processo n.º 186/10), bem como o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Abril de 2010 (processo n.º 64/10), e inúmeros outros Acórdãos no mesmo sentido, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
20.ª - Por aplicação do mesmo princípio, em conjugação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, é jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo que a responsabilidade contra-ordenacional/penal das sociedades comerciais pela falta de pagamento das coimas não é transmissível para os gerentes, não sendo as mesmas por conseguinte cobráveis através de processo de reversão.
21.ª - Nos termos expostos, ainda que fosse provada a insuficiência patrimonial da sociedade bem como a culpa da Recorrente, a notificação da Recorrente para o pagamento da mesma constitui juridicamente uma transmissão da pena à qual a sociedade foi condenada, a qual é proibida pela Constituição e pela lei penal. Por conseguinte, o despacho recorrido é manifestamente ilegal, assumindo o mesmo uma interpretação do disposto no artigo 8.º do RGIT inconstitucional, vícios estes constitutivos da ilegalidade do mesmo despacho, que deverá levar à anulação do mesmo com base nos fundamentos oportunamente expostos.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem declarar o presente recurso procedente por provado, e por conseguinte, que se dignem revogar o despacho recorrido, sendo o mesmo substituído por outro que determine a não notificação da recorrente para efectuar o pagamento da multa à qual a sociedade … Lda. foi condenada, fazendo V. Exas. a tão acostumada justiça!
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4. O Ministério Público respondeu aos recursos, conclusivamente nos termos infra transcritos:
1. Vêm os presentes recursos interpostos pelos arguidos A... e B... do douto despacho de fls. 764 a 766 que, depois de cumprido o disposto no artigo 61.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, deferindo o promovido pelo Ministério Público a fls. 747 a 748, ordenou a sua notificação para procederem ao pagamento da multa criminal na qual a sociedade arguida “W... - Lda.” foi condenada, por serem solidariamente responsáveis pelo seu pagamento, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias.
2. Tendo os arguidos A... e B... sido condenados nos presentes autos, como co-autores do crime de abuso de confiança fiscal, do qual a sociedade arguida “W... -, Lda.” também foi julgada responsável, são aqueles, perante a inexistência de bens desta última, solidariamente responsáveis pelo pagamento da multa criminal na qual a sociedade arguida foi condenada, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias.
3. O disposto no artigo 8.º, n.º 7, do R.G.I.T., não padece do vício de inconstitucionalidade pois nele não se prevê transmissão de uma pena aos arguidos, mas sim uma forma de responsabilidade civil, solidária, dos administradores e gerentes que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
4. Ao ter decidido como se decidiu no douto despacho a quo nele se procedeu à correcta interpretação das normas legais aplicáveis, nele não se tendo aplicado qualquer norma em desconformidade com os ordenamentos constitucional, fiscal e penal.
Em consequência, deverão os presentes recursos ser julgados improcedentes, devendo ser integralmente mantido douto despacho a quo.
Contudo, V.ªs Exas. decidirão conforme for de Lei e justiça.
*
5. A Mm.ª Juíza do Tribunal de 1.ª Instância sustentou o despacho que proferiu, referindo para tanto:
«Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 414.º do CPP, e porque efectuado no estrito cumprimento das normas legais aplicáveis, entende-se, salvo melhor e mais douta opinião, ser de manter o despacho recorrido nos seus precisos termos.
Contudo, V. Exas. sempre farão a costumada justiça».
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6. Nesta Relação, em douto parecer a fls. 147/153, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto manifestou-se, de igual modo, no sentido da improcedência dos recursos.
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7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, os recorrentes não exerceram o seu direito de resposta.
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8. Colhidos os vistos, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:
Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
No caso dos autos, os recorrentes circunscrevem os recursos às seguintes questões:
A) Se o Ministério Público deveria ter ordenado a instauração de processo de execução contra a sociedade arguida, de forma a apurar se a mesma dispõe de património suficiente para pagar coercivamente a multa em que foi condenada no âmbito dos presentes autos, antes de ter sido determinado “a transmissão dessa pena” para os ora recorrentes;
B) Se a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes das pessoas colectivas, prevista no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT depende da aplicação do n.º 1 da mesmo artigo;
C) Se os recorrentes não podem ser responsabilizados civilmente, nos termos do n.º 7 do artigo 8.º, do RGIT, sem que lhe seja dada a oportunidade de exercerem o respectivo direito de defesa, sobretudo considerando que a alegada insuficiência de bens da sociedade constitui um facto posterior à emissão da sentença condenatória;
D) Uma vez que a falta de pagamento da multa e a recusa do Ministério Público em executar os bens da sociedade arguida com fundamento na alegada insuficiência de bens ocorreu após a prolação da sentença condenatória, a culpa dos recorrentes na insuficiência de património não pode ser apreciada no processo penal, devendo sê-lo obrigatoriamente no processo civil, através de meios processuais autónomos adequados?
E) Neste sentido, sem que seja judicialmente declarada a responsabilidade civil dos recorrentes pelo pagamento solidário da multa em que a sociedade arguida foi condenada, é ilegal a notificação dos recorrentes para o pagamento da mesma prestação pecuniária, por violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, padecendo o despacho recorrido de nulidade?
F) Se a interpretação do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, efectuada no despacho sob recurso, viola a norma do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição.
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2. Extraem-se dos autos os seguintes elementos relevantes:
a) Os arguidos ora recorrentes e a arguida sociedade foram condenados nas penas acima indicadas no ponto 1. do relatório do presente acórdão;
b) Na “informação sobre a situação económica e bens susceptíveis de penhora” de fls. 742 do processo principal, prestada pelo arguido B...a Agente de Polícia, consta que a sociedade “W..., Lda.” possui: “instalações/imóvel” que se “encontram cedidas” e “hipotecadas”, “devido ao empréstimo que foi efectuado”; um veículo “Citroen Jampy”, já penhorado; e “computadores e secretárias”.
c) Em face dessa informação, o Ministério Público declarou não instaurar execução por multa criminal e custas contra a arguida “W... -, Lda.”, atento o disposto no artigo 35.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, e promoveu fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 61.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal e, após, se notificassem os arguidos A... e B... para procederem ao pagamento da multa criminal na qual a sociedade arguida foi condenada, por serem solidariamente responsáveis pelo seu pagamento, em face do disposto no artigo 8.º, n.º 7, do R.G.I.T. (cfr. fls. 748 do processo principal).
d) Em despacho de fls. 749, datado de 11-02-2011, a Mm.ª Juíza determinou a notificação dos arguidos A... e B...nos termos promovidos, acima concretizados, a qual foi realizada (cfr. fls. 749/753).
e) Seguidamente, em 05-04-2011 foi proferido o despacho recorrido, que ora se reproduz:
«Nos presentes autos, a sociedade comercial “W... - Equipamentos Energéticos, Lda.” foi condenada na pena de 500 dias de multa, à taxa diária de €25,00, totalizando €12.500,00, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105.º, n.ºs 1, 4 e 7 do RGIT e 7.º n.º 1 do RGIT (conforme Ac. do TRC constante de fls. 662 e ss., que negou provimento ao recurso interposto da sentença de fls. 540 e ss.).
A sociedade não procedeu ao pagamento da multa em que foi condenada.
O Ministério Público não instaurou execução para cobrança coerciva da multa, pelos fundamentos constantes de fls. 747.
Notificados os arguidos pessoas singulares da promoção do Digno Magistrado do MP, no sentido de serem responsabilizados pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida, vieram os arguidos alegar que, não tendo sido declarada judicialmente a responsabilidade civil dos arguidos pelo pagamento da multa criminal aplicada à sociedade arguida, será ilegal a notificação dos mesmos para que procedam a tal pagamento, por violação do princípio da intransmissibilidade de penas previsto no art. 30.º da CRP e ainda por violação do disposto no art. 20.º do mesmo texto fundamental.
Cumpre decidir.
Atentemos na fundamentação constante do douto Acórdão da Relação do Porto, de 12-01-2011 (in www.dgsi.pt P. 243/05.0IDPRT-A.P1), do qual transcrevemos os seguintes excertos: “(...) Assente que em causa, no art. 8.º/RGIT, está o exercício de um direito indemnizatório civilista, cujo valor a própria lei fixa, não pode a norma ser sindicada à luz de princípios constitucionais próprios do direito penal substantivo, pelo que não enferma de inconstitucionalidades daí decorrentes e, designadamente, das imputadas na motivação de recurso, nas contra-alegações e no parecer emitido ao abrigo do art. 417.º/CPP. (...).
Da natureza da obrigação de que a norma cuida resulta, igualmente, que a responsabilidade das entidades nela previstas como potencialmente responsáveis pelo pagamento da indemnização não provém necessariamente da prática de factos que configurem os crimes de infidelidade ou de insolvência dolosa. Provém da prática de factos ilícitos, imputáveis ao agente a título de culpa, que determinaram a insuficiência do património societário para o cumprimento da sanção aplicada, numa perspectiva meramente civilística. Esta norma mais não diz que determinadas pessoas são civilmente responsáveis pela colocação da sociedade ou pessoa colectiva na situação de impossibilidade de cobrança do valor das penas ou coimas aplicadas, nos termos aplicáveis à responsabilidade civil por facto ilícito (art. 483.º/CC), com duas grandes diferenças, no que no caso concreto relevam: uma decorrente da responsabilização automática dos agentes da infracção, solidariamente com a sociedade e outra relativa ao valor da indemnização que está pré-fixada no valor da sanção não cobrada.
Ainda decorrentemente da natureza civil da indemnização resulta a competência dos tribunais comuns para a apreciação dos seus pressupostos e bem assim para a sua execução, de onde emerge a competência dos tribunais penais desde que respeitados os limites inerentes ao princípio de adesão. Sendo a indemnização, de que cuida a norma, civil, por sua natureza, o seu exercício faz-se nos seguintes termos:
1 - No caso de responsabilidade subsidiária, o detentor do direito de indemnização (no caso, o Ministério Público em representação da Administração Fiscal, mas nada obsta a que o faça também, por exemplo, a Segurança Social nos crimes em que é titular do interesse protegido) tem que intentar a acção indemnizatória junto do Tribunal comum civil - num momento posterior à condenação por terem ocorrido os pressupostos da responsabilidade subsidiária, que pressupõem uma actividade danosa e culposa posterior;
2 - Na hipótese de responsabilidade solidária, ou o titular do direito indemnizatório deduz pedido de indemnização civil, em enxerto civil, ao abrigo do art. 129.º/CP e 71.º/CPP, ou, não o fazendo, essa obrigação de indemnizar é fixada, ex officio, por imposição legal (negrito e sublinhado nossos).
Não estamos, no caso do n.º 7, perante um direito indemnizatório disponível, mas perante um caso de fixação obrigatória da indemnização, face à constatação da insuficiência do património social. Porque se trata de uma questão de direito, desde que verificado o facto de que depende, a norma é de aplicação oficiosa do Tribunal, não carecendo do impulso processual de qualquer lesado.
Daqui várias consequências decorrem, no caso em apreço, a saber:
- O processo penal é o competente para a declaração da responsabilidade civil a efectivar por força do art. 8.º/7, do RGIT;
- A fixação da indemnização por força do art. 8.º/7, do RGIT, não depende do impulso do Ministério Público (...)”.
No caso dos autos, e ao contrário do alegado pelos arguidos, não está em causa a aplicação do n.º 1 do art. 8.º do RGIT, mas, como alega o Digno Magistrado do MP, o n.º 7 do mesmo preceito legal, já que resultou da factualidade provada na decisão, já transitada em julgado, que os arguidos pessoas singulares colaboraram dolosamente na prática da infracção tributária pela qual a sociedade arguida veio a ser punida.
Assim, não atentamos na hipótese da responsabilidade subsidiária dos arguidos pessoas singulares, mas antes da responsabilidade solidária dos mesmos.
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Em face do exposto, considero os arguidos A... e B... solidariamente responsáveis pelo pagamento da multa a que a sociedade “W... -, Lda.” foi condenada nos presentes autos, no valor de € 12.500,00. - art. 8.º n.º 7 do RGIT.
Em consequência determino a notificação dos mesmos para que procedam ao pagamento da quantia em questão.
Notifique».
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3. Mérito do recurso:
As questões postas à apreciação deste tribunal, excluindo as que versam as suscitadas inconstitucionalidades, são, como é bem de ver, insusceptíveis de autonomização, porquanto se reconduzem à configuração e interpretação do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT e à interligada problemática sobre o modo de exercício do direito do contraditório por parte dos recorrentes.
Daí que, a partir da estrutura dos segmentos normativos relevantes do artigo 8.º do RGIT, procuraremos dar uma resposta clara e inequívoca em relação à globalidade das referidas questões.
Dispõe aquele artigo:
«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas às infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
3 - (…).
4 - (…).
5 - (…).
6 - (…).
7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
8- Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade».
Como se vê pela simples leitura das partes do preceito legal ora transcrito, embora os n.ºs 1 e 7 se inscrevam, conforme epígrafe, no âmbito da “responsabilidade civil pelas multas e coimas”, é distinto o campo de aplicação de um e de outro. Em contrário da tese interpretativa dos recorrentes, a disposição do n.º 7 tem um domínio específico e autónomo de intervenção, operando sem a intermediação do n.º 1.
A propósito, escrevem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos Regime Geral das Infracções Tributarias Anotado, Áreas Editora, 2008, pág. 98 e ss.:
«(…) Em qualquer das situações» previstas no n.º 1, «não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser imputável a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento.
(…).
No n.º 2, a solidariedade aparece apenas num segundo plano, para as situações em que as dívidas não são pagas pela pessoa colectiva ou entidade fiscalmente equiparada. Assim, é uma responsabilidade que é subsidiária em relação à entidade que é agente da infracção, existindo a responsabilidade solidária apenas entre os devedores subsidiários.
Por isso, a dívida de multa ou coima apenas pode ser exigida, originariamente, à pessoa colectiva ou entidade agente da infracção, só podendo ser exigida aos responsáveis subsidiários se aquela não dispuser de bens suficientes para assegurar o seu pagamento.
(…)».
O preceito legal em análise está em sintonia com o artigo 24.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro.
Trata-se de dívidas tributárias da pessoa colectiva, em que os directores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração podem vir a responder, por via subsidiária, por tais dívidas, desde que tenham agido como culpa na diminuição do património social, tornando-o insuficiente para a satisfação dessas dívidas.
Tal pressupõe a violação, por parte de qualquer dessas entidades, de disposições legais e contratuais aplicáveis à protecção dos credores, fazendo-os incorrer num juízo de desvalor da Administração Tributária, sendo a sua conduta censurável à luz daquela disposição Cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 136 e ss.)..
É evidente que, para a efectivação de tal responsabilidade, se exige a formulação de um juízo de censura ou de culpa, em contraposição ao fundamento de responsabilidade objectiva, como a que vigorava no ordenamento jurídico-tributário desde 1929 (artigo 1.º do Decreto n.º 17730, de 7 de Dezembro) e só viria a ser alterada no referido sentido subjectivo com o DL n.º 68/87, de 19 de Fevereiro.
Assim, dentro dos pressupostos actuais, “a gestão tem de traduzir-se em factos ilícitos e culposos, implicando a violação de normas concretas de protecção dos credores sociais” Cfr. António Lima Guerreiro, idem, pág. 141..
Porém, reitera-se, o que está em causa neste tipo de responsabilidade são dívidas tributárias da própria pessoa colectiva, pelas quais responde em primeira linha o património social e, em via subsidiária, os patrimónios das pessoas físicas concretas, que desempenham cargos de direcção, gestão e administração, quando desrespeitem culposamente normas concretas de protecção dos credores sociais.
A designação “responsabilidade subsidiária” consubstancia a forma como se articulam entre si as responsabilidades, a que vincula a pessoa colectiva e a que vincula os administradores, gerentes e as outras pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º do RGIT. O nascimento da segunda está dependente da não satisfação do direito do credor no seio da primeira, pelo que esta situação funciona como uma espécie de pressuposto negativo da constituição da responsabilidade que passa a recair (ou a recair também) sobre os referidos entes, já que estes são chamados a responder na decorrência da constatada impossibilidade de realização coactiva, à custa do património do devedor originário, da obrigação de pagar a multa ou a coima Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 207/10, de 12 de Janeiro de 2011, in www.tribunalconstituional.pt..
Se é assim no âmbito substantivo, no contexto adjectivo a responsabilidade subsidiária se afirma através da figura da reversão do processo de execução fiscal, em consonância com o disposto no artigo 23.º da Lei Geral Tributária.
Sobre a extensão da legitimidade passiva na execução fiscal, mais concretamente sobre o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, rege o n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26-10, republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 15/2001.
Tal chamamento depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, ou fundada na insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
E de acordo com o artigo 159.º do CPPT, reproduzindo textualmente o que constava do artigo 245.º do anterior CPT, no caso de substituição tributária e na falta ou insuficiência de bens do devedor, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários.
Com a figura da reversão o que ocorre é uma modificação subjectiva da instância, uma ampliação do âmbito subjectivo da instância executiva, através da intervenção de um terceiro [à luz do título executivo extrajudicial donde promana a execução fiscal - certidão extraída do título de cobrança - artigo 162.º, al. a), do CPPT], mas que também é sujeito passivo da relação tributária, como “responsável” [artigo 18.º, n.º 3, in fine, da LGT], vinculado ao cumprimento da prestação tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º da LGT e artigo 153.º, n.º 2, do CPPT, ou seja, no caso de não haver bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
A execução reverte assim contra pessoa distinta da que figura no título executivo como devedor, ocorrendo quanto a ela, não os pressupostos do facto tributário, mas da responsabilidade, operando-se a extensão da obrigação de cumprimento da prestação tributária a pessoa diversa do contribuinte directo Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, publicado no sítio www.dgsi.pt..
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Diversamente, no que tange ao n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, não se está perante responsabilidade subsidiária relativamente aos agentes da infracção, mas sim em solidariedade em primeiro plano, podendo as dívidas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção.
«No n.º 7 deste artigo (…), prevê-se uma responsabilidade solidária, de natureza civil, de quem colaborar com a prática de infracções tributárias, independentemente da responsabilidade própria, criminal ou contra-ordenacional, que for imputada àquele que presta a colaboração.
Incorrerão nesta responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade» Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, ob. cit., págs. 100, 102 e 103..
No mesmo sentido, escreve Germano Marques da Silva Responsabilidade Penal das Sociedade e dos seus Administradores e Representantes, págs. 443/448.:
«(…) O n.º 6» (actual n.º 7) « dispõe que quem colaborar dolosamente na prática de crime tributário é solidariamente responsável pelas multas aplicadas pela prática do crime, independentemente da sua própria responsabilidade criminal, quando for o caso.
Assim, se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do n.º 6, ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, sendo que a regra do n.º 1 tem como pressuposto não a responsabilidade criminal do administrador, mas a sua culpa pelo não pagamento, quando tiver sido por culpa sua que o património do ente colectivo se tornou insuficiente para o seu pagamento ou por culpa sua não tiver sido efectuado.
(…) No n.º 6 deste artigo (…) o fundamento da responsabilidade solidária é a colaboração na prática do crime tributário e por isso que respondem solidariamente pelas consequências jurídicas do crime os seus agentes, ou seja, os agentes do crime, e se esses agentes forem administradores ou representantes do ente colectivo não respondem nos termos do n.º 1, mas do n.º 6.
(…) Enquanto que o n.º 1 segue o disposto no artigo 24.º da LGT, já o n.º 6 se afasta desse regime, embora se trate ainda de responsabilidade também por dívida de outrem, mas agora a responsabilidade é solidária porque o administrador colaborou dolosamente na prática da infracção e, por isso, vai responder solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade, porque foi o seu comportamento a causa da multa aplicada à pessoa colectiva pela prática do facto ilícito penal. Tenha-se, porém, presente que a responsabilidade de que trata o n.º 6 do artigo 8.º do RGIT se refere exclusivamente às consequências decorrentes da prática do crime enquanto o artigo 24.º se reporta às consequências decorrentes do não pagamento do imposto devido».
Em razão do exposto, é evidente que, no caso dos autos, tendo os recorrentes, enquanto representantes legais (sócios gerentes) da sociedade arguida, sido condenados, como co-autores materiais, na prática do crime de abuso de confiança fiscal acima referido, por força do disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 8.º do RGIT, são solidariamente responsáveis pela multa (penal) imposta ao referido ente colectivo nos termos do 7.º do mesmo compêndio legislativo.
E dada a natureza da responsabilidade dos recorrentes, solidária, a sua efectivação é assegurada no âmbito do processo penal, independentemente da averiguação da existência de bens no património da sociedade arguida ou da instauração contra esta de prévio processo executivo.
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E quanto ao princípio do contraditório, mostra-se o mesmo violado como asseveram os recorrentes?
Esta errada ilação provém seguramente da incorrecta interpretação do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT.
Ainda assim, não deixaremos de tecer algumas considerações sobre a questão.
Dispõe o n.º 5 do artigo 32.º da CRP:
«O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».
O princípio do contraditório constitui uma das garantias de defesa e consiste no direito que, quer a acusação, quer a defesa, têm de se pronunciar sobre os actos processuais da iniciativa de cada um deles, por forma a que a audiência e os actos instrutórios revistam a forma de debate ou discussão entre a acusação e a defesa, parificando o mais possível o respectivo posicionamento jurídico ao longo do processo, o qual deve ter uma estrutura basicamente acusatória mitigada pelo princípio da investigação.
Como se tem enfatizado na doutrina e na jurisprudência, o direito a ser ouvido, enquanto direito a dispor de oportunidade processual efectiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer decisões, traduz um dos aspectos fundamentais do direito de defesa.
Como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/2000 Publicado no DR, 2.ª série, de 7 de Novembro de 2000., «o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisto se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição (…)».
Ora, no decurso do processo em causa, inclusive na fase de julgamento e, posteriormente, através de recurso que interpuseram, os ora recorrentes tiveram amplo direito ao contraditório.
Acresce ainda que, antes da prolação da decisão recorrida, também lhes foi dada a oportunidade de se pronunciarem sobre a promoção do Ministério Público no sentido da efectivação da sua responsabilidade (solidária) em relação à multa penal imposta à sociedade arguida.
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Perante tudo o que fica dito, é ainda evidente que nenhuma nulidade se detecta no despacho recorrido, nulidade essa genericamente invocada, ou seja, sem referência a qualquer preceito legal.
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Como vem repetidamente acentuando o Tribunal Constitucional, a suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a questão da validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da invocação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta Ac. do Tribunal Constitucional n.º 146/2010, de 14/04/2010..
Ora, na conclusão n.º 16.ª, os arguidos não cumpriram de todo esse ónus, tendo apenas referido a violação do artigo 20.º da Constituição.
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Quanto à suscitada inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, por violação do artigo 30.º, n.º 3, da CRP, não temos conhecimento de nenhum aresto do TC que verse sobre esta precisa questão.
A jurisprudência do referido Tribunal tem-se debruçado, em variadas decisões dissonantes, sobre a constitucionalidade material do n.º 1 daquele artigo.
Inter alia, nos acórdãos n.ºs 481/2010, de 9-12-2010 (proc. n.º 506/09), 24/2011, de 12-01-2011 (proc. n.º 551/10) e 207/10, de 12-01-2011 (proc. n.º 207/10) Todos publicados, em texto integral, no sítio www.tribunalconstitucional.pt., foi julgada inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artigo 8.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.
Ex adverso, foi sustentado nos Acs. n.ºs 129/2009, de 12-03-2009 (proc. n.º 649/08), e 150/2009, de 25-03-2009 (proc. n.º 878/08) Ambos publicados em www.tribunalconstitucional.pt., foi decidido não julgar inconstitucional a norma do artigo 7º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (correspondente ao actual artigo 8.º do RGIT), na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal.
Perante a controvérsia, foi interposto, pelo Ministério Público, recurso para o Plenário, ao abrigo do artigo 79.º-D da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), tendo ficado decidido «manter a decisão recorrida no sentido de não julgar inconstitucional o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora».
A nosso ver, o preceito em causa não é inconstitucional.
Ficou dito no já citado Ac. do TC n.º 129/2009:
«No caso vertente, importa ter em consideração, antes de mais, que não estamos perante uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou tão pouco de transmissão de responsabilidade contra-ordenacional.
O que o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.
A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional.
Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cfr. artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.
É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.
Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender - o que não é líquido - que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações».
Aderimos a esta fundamentação.
O acórdão em causa pronunciou-se, é certo, sobre os casos de responsabilidade subsidiária previstos nas alíneas a) e b) do artigo 8.º, n.º 1, do RGTI, mas por maioria de razão, como é referido no Ac. do da Relação do Porto de 23-06-2010 Proferido no proc. n.º 248/07.7IDPRT-A.P1 e publicado in www.dgsi.pt., o seu entendimento é aplicável ao caso do artigo 8.º, n.º 7. Nestas hipóteses, em que a responsabilidade é solidária (e não subsidiária), ainda é mais flagrante a sua natureza civil, fundada na “colaboração dolosa” dos recorrentes na prática da infracção tributária.
*
4. Responsabilidade pelas custas:
Face à improcedência do recurso, incumbe aos arguidos/recorrentes o pagamento de custas, ao abrigo do disposto nos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e arts. 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais.
Tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica dos arguidos, fixa-se, para cada um, a taxa de justiça de 2 UC.
*
III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos, mantendo-se, na íntegra, o despacho recorrido.
Custas pelos recorrentes: solidariamente, os encargos; individualmente, a taxa de justiça, de 2 UC.
*
Alberto Mira (Relator)

Elisa Sales