Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
784/08.8TBCTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ALIMENTOS
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
REQUERENTE
AGREGADO FAMILIAR
CAPITAÇÃO
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 75/98 DE 19/11,DL Nº 164/99 DE 13/5, DL Nº 70/2010 DE 16/6
Sumário: 1. Para efeitos do apuramento da capitação a que se refere o art.º 5º do DL n.º 70/2010, de 16.6, e estando em causa a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM), em substituição do progenitor/devedor, o menor a que respeitam as prestações é que deve ser considerado como requerente.

2. Nos termos do art.º 4º do mesmo DL, o “agregado familiar” integra ou compreende, para além do requerente (menor), as pessoas que com ele vivam em economia comum (as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos), situação que poderá abranger, apenas, o(s) requerente(s) menor(es) e os respectivos avós consigo residentes, excluindo-se, por exemplo, o progenitor requerente no incidente de incumprimento da obrigação alimentar (suscitando a intervenção do FGADM) mas que integra outro agregado familiar.

Decisão Texto Integral:            
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           

            I. Nestes autos de incumprimento das responsabilidades parentais instaurados[1] por M (…) contra S (…), progenitores dos menores T (…) e I (…) o requerente, concluindo pelo preenchimento dos requisitos legais para a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM), em substituição da requerida/devedora, pediu que fossem encetadas as diligências necessárias para o cumprimento coercivo da decisão de regulação das responsabilidades parentais, mormente da obrigação de pagamento das pensões de alimentos em débito (€ 6 300) [a)] e fixado o montante da prestação de alimentos que o Estado Português, através do FGADM, em substituição da devedora/requerida, deve prestar aos menores [b)].

            Realizadas as diligências consideradas necessárias, o Tribunal a quo, por sentença de 04.02.2014, decidiu condenar o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) “a pagar mensalmente, a título de prestação alimentícia devida aos menores T (…) e I (…), a quantia total de € 100 (cem euros) - € 50 por cada menor -, com efeitos a partir da data da notificação da presente decisão” e ordenou, designadamente, a notificação do pai/requerente “para vir informar o N.I.B. dos avós paternos, a quem deverá ser paga a pensão, já que é com os mesmos que os menores residem”.

            O IGFSS, IP, na qualidade de Gestor do FGADM, inconformado e visando a “revogação” do decidido, interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 3º do DL n.º 164/99, de 13.5, um dos requisitos legalmente previstos para que possa determinar-se a intervenção do FGADM é o de que «o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre”, sendo que tal se verifica quando «a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor» [cf. n.º 2 do mesmo art.º].

            2ª - O conceito de agregado, rendimentos a considerar e capitação são definidos no DL n.º 70/2010, de 16.6, que estipula no art.º 3º que «deverão ser considerados os rendimentos do requerente e do seu agregado familiar»,

            3ª - Determinando-se no art.º 4º do DL n.º 70/2010 que integram o conceito de “agregado familiar”, para além do requerente, «(…) as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes (…)».

            4ª - Sendo que a cada elemento do agregado familiar é atribuído um “peso” distinto, previsto no art.º 5º do DL n.º 70/2010, que terá repercussões no cálculo a efectuar pelo Tribunal, de forma a apurar se o rendimento per capita do agregado familiar do menor é inferior ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS).

            5ª - O Tribunal recorrido considerou que o agregado familiar a ter em conta seria o constituído pelos avós paternos e os dois menores que com eles vivem; contudo, nos termos do art.º 4º do DL n.º 70/2010, de 16.6, o Tribunal teria de ter considerado que o mesmo era composto pelo progenitor requerente, pela sua “actual companheira” [desde que cumprisse o requisito da união de facto há mais de dois anos previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 4º do DL n.º 70/2010, de 16.6], pelos dois filhos desta [desconhecendo-se se são maiores ou menores] e pela filha do casal.

            6ª - Para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar, considerou o Tribunal a quo, os rendimentos auferidos pelos avós (com quem os menores vivem) e pelo progenitor requerente, quando, nos termos dos art.ºs 3º e 5º do DL n.º 70/2010, de 16.6, teria de ter considerado o agregado familiar do progenitor/requerente.

            7ª - O agregado familiar a considerar, nos termos legais, será sempre o do requerente (estando ou não os menores a viver com o mesmo), não podendo o progenitor/requerente ser integrado no agregado familiar dos seus pais (e dos dois menores que com estes vivem).

            8ª - Não tendo sido considerado o agregado familiar correcto (o do progenitor requerente) e havendo omissão quanto à idade de todos os elementos do agregado familiar do progenitor (o que condicionará o peso para efeitos de cálculo de capitação – art.º 5º do DL n.º 70/2010, de 16.6), o cálculo efectuado pelo Tribunal a quo, de forma a apurar se o rendimento per capita do agregado familiar do menor era inferior ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), baseou-se em variáveis (n.º de elementos do agregado familiar) que não correspondem à realidade material.

            9ª - Face a esta factualidade, o Tribunal incorrido não aplicou o conceito de agregado, rendimentos a considerar e capitação definidos no DL n.º 70/2010, de 16.6, e que terão sempre de ser considerados para efeitos de verificação do pressuposto previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 3º do DL n.º 164/99, de 13.5.

            10ª - A decisão proferida pelo Tribunal a quo incide sobre o mérito da causa, pelo que se impõe nova decisão que se debruce sobre os elementos de facto (sobre os quais não se pronunciou) e os normativos que foram interpretados e aplicados, de forma errónea, pelo Tribunal a quo.

            O M.º Público respondeu pugnando pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir, apenas, qual o concreto agregado familiar a considerar, natural pressuposto do apuramento dos rendimentos e correspondente capitação.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) T (…) e I (…) encontram-se registados como filhos de M (…) e S (…).            b) Nasceram no dia 10.3.2006.

            c) Por sentença homologatória de 18.11.2010 ficou a requerida obrigada a contribuir mensalmente com a quantia de € 50 (cinquenta euros), a título de alimentos devidos a cada filho, a entregar directamente ao pai, até ao dia 8 de cada mês.

            d) A requerida não paga a pensão alimentar em causa nos autos.

            e) Reside em parte incerta do território português.

            f) Não lhe são conhecidos quaisquer rendimentos.

            g) Os menores residem com os avós paternos, em (...), em casa própria destes.[2]

            h) O avô trabalha em programa ocupacional na Junta de Freguesia de (...) e a avó é doméstica, auferindo € 485 de vencimento ilíquido e € 84,40 de subsídio de alimentação.

            i) Fazem agricultura de subsistência e criação de animais para consumo próprio.

            j) A família recebe duas vezes no ano alimentos do P.C.A.A.C. da Segurança Social e mensalmente do Exército da Salvação.

            k) O pai dos menores entrega aos avós a quantia mensal de abono de família que lhes é paga, no valor de € 70,38.

            l) As despesas mensais fixas do agregado familiar são, em média, no valor de € 150.

            m) T (…) e I (…) frequentam o 1º ano de escolaridade, beneficiando de apoio educativo.

            n) O requerente encontra-se a trabalhar na empresa A (…), ACE, auferindo o valor mensal de € 485.

            o) Reside com a actual companheira, dois filhos desta e uma filha do casal[3], em (...).

            p) A sua companheira trabalha como empregada doméstica em casas particulares.

            q) Recebe, a título de rendimentos mensais, o valor de € 150, e, a título de abono de família, pensão de viuvez e pensão de sobrevivência da sua filha, o montante mensal de € 332,12.

            r) O agregado gasta, em média, mensalmente, o valor de € 590.

            s) Por decisão datada de 17.9.2013, complementada em 16.01.2014, transitada, foi julgado procedente o incidente de incumprimento deduzido pelo pai, fixando-se em € 3 400 a quantia em dívida respeitante às pensões alimentares devidas pela requerida aos seus filhos, enquanto menores, acrescida das respectivas actualizações.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

À situação em análise aplicam-se, principalmente, a Lei n.º 75/98, de 19.11 (na redacção conferida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12), o DL n.º 164/99, de 13.5 (na redacção dada pela Lei n.º 64/2012, de 20.12) e o DL n.º 70/2010, de 16.6 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2011, de 3.5 e pelos DL n.ºs 113/2011, de 29.11 e 133/2012, de 27.6).

O primeiro diploma, referente à garantia dos alimentos devidos a menores, prevê que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 189º do DL n.º 314/78, de 27.10 [OTM], e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação (art.º 1º, n.º 1).

                  Por seu lado, o DL n.º 164/99, de 13.5, que regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19.11 (art.º 1º), estabelece:

                  É constituído, no âmbito do ministério responsável pela área da solidariedade e da segurança social, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.).

                  Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos art.ºs 1º e 2º da Lei n.º 75/98, de 19.11 (art.º 2º).

                  O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:

                  a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 189º do DL n.º 314/78, de 27.10; e

                  b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

                  Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor.

                  O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no DL n.º 70/2010, de 16.6, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3.5, e pelos DL n.ºs 113/2011, de 29.11, e 133/2012, de 27.6 (art.º 3º, n.ºs 1 a 3).

                  O DL n.º 70/2010, de 16.6, estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito a diversas prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade (art.º 1º, n.º 1), também aplicáveis aos apoios sociais ou subsídios, quando sujeitos a condição de recursos, entre os quais, o pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores [art.º 1º, n.º 2, alínea c)].

                  3. Referindo-se, no preâmbulo deste último diploma, o propósito, ao nível do sistema de segurança social, da criação de um quadro harmonizado de acesso às prestações sociais não contributivas e centrando-se esta harmonização em aspectos fundamentais na verificação da condição de recursos, independentemente dos apoios públicos em causa, assente em três esferas distintas, como o conceito de agregado familiar, com uma tendência de aproximação ao conceito de agregado doméstico privado, como os rendimentos a considerar, mediante a introdução de uma maior efectividade na determinação da totalidade dos rendimentos, assim como a consideração dos rendimentos financeiros e da respectiva situação patrimonial, e finalmente a definição de uma capitação entre as definidas pela OCDE, em função da composição dos elementos do agregado familiar, tais princípios e objectivos são depois explicitados e desenvolvidos no quadro legal que ficou estabelecido.

                  Assim, nos termos do seu art.º 2º, a referida condição de recursos corresponde ao limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter uma prestação de segurança social ou apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição (n.º 1); a condição de recursos de cada prestação de segurança social ou apoio social consta do respectivo regime jurídico (n.º 2), sendo que na verificação da condição de recursos são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5º (n.º 3).

                  E preceitua o art.º 3º do mesmo diploma legal (sob a epígrafe “rendimentos a considerar”) que para efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se como rendimentos do requerente e do seu agregado familiar, designadamente, os rendimentos de trabalho dependente, pensões, prestações sociais e apoios à habitação com carácter de regularidade (n.º 1), reportados, em princípio, ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis (e, quando tal se não verifique, reportam-se ao ano imediatamente anterior àquele, sem prejuízo do disposto no número seguinte) (n.º 2).

                  Dispõe o art.º 4º (sob a epígrafe “conceito de agregado familiar”) que, para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar, entre outras, as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes: a) Cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos; b) Parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau; c) Parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral; d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito; e) Adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar (n.º 1); consideram-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos (…) (n.º 2); considera -se equiparada a afinidade, para efeitos do disposto no presente decreto-lei, a relação familiar resultante de situação de união de facto há mais de dois anos (n.º 4); a situação pessoal e familiar dos membros do agregado familiar relevante para efeitos do disposto no presente decreto-lei é aquela que se verificar à data em que deva ser efectuada a declaração da respectiva composição (n.º 6); as pessoas referidas no número anterior não podem, simultaneamente, fazer parte de agregados familiares distintos, por referência ao mesmo titular do direito a prestações (n.º 7).

                  Por último, prevê o art.º 5º (sob a epígrafe “Capitação do rendimento do agregado familiar“), que, no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a seguinte escala de equivalência (Elementos do agregado familiar/Peso): Requerente - “1”; Por cada indivíduo maior – “0,7”; Por cada indivíduo menor – “0,5”.

                  4. O Tribunal recorrido, atenta a factualidade dada como provada [cf., nomeadamente, II. 1. alíneas c), f), g), h), k) e n), supra], concluiu por uma capitação de 3,4 [requerente, avós e os menores – 1 + 2 x 0,7 + 2 x 0,5], pelo rendimento mensal do agregado de € 1 124,78 (que integra os rendimentos auferidos pelo progenitor) e pelo rendimento bruto mensal per capita de € 330,82, valor inferior ao IAS (actualmente fixado em € 419,22).

                  Demonstrados os demais requisitos para a intervenção do FGADM, nomeadamente, no tocante à progenitora, a situação de incumprimento e a inexistência de bens ou rendimentos, a Mm.ª Juíza a quo veio a fixar “o montante prestacional no valor total de 100€ (cem euros), €50 por cada menor”, a suportar pelo FGADM.

                  5. O recorrente não questiona a sua obrigação de pagar a prestação de alimentos em substituição da progenitora devedora; porém, invocando o “princípio da legalidade”, diz impugnar o modo de interpretação e aplicação - pelo Tribunal a quo - das regras supra transcritas, principalmente, as relativas à composição do agregado familiar.

                  Refere que o Tribunal a quo não podia ter considerado que o “agregado familiar” era composto pelos dois menores e pelos avós, mas, sim, pelo progenitor/requerente, pela sua “actual companheira” [desde que cumprisse o requisito da união de facto há mais de dois anos previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 4º do DL n.º 70/2010, de 16.6], pelos dois filhos desta e pela filha do casal, e seria com base neste agregado familiar que teria de ser apurada a respectiva capitação do rendimento.

                  Conclui que o agregado familiar a considerar, nos termos legais, será sempre o do requerente (estando ou não os menores a viver com o mesmo), não podendo o progenitor/requerente ser integrado no agregado familiar dos seus pais (e dos dois menores que com estes vivem); o requerente nunca poderia ser considerado em dois agregados familiares, em simultâneo (cf. o n.º 7 do artigo 4.º do DL n.º 70/2010, de 16.6); não tendo sido considerado o agregado familiar correcto e havendo omissão quanto à idade de todos os elementos do agregado familiar do progenitor, o cálculo efectuado pelo Tribunal a quo baseou-se em variáveis que não correspondem à realidade, importando, assim, apurar toda a factualidade exigida para aplicar e interpretar o direito que regula a intervenção do FGADM.

                  6. Perante o descrito enquadramento é de considerar duvidosa a utilidade prática do presente recurso[4], pela simples razão de que o recorrente não enjeita, minimamente - e bem -, estar obrigado a pagar as prestações alimentares em substituição da progenitora (devedora).

                  Na verdade, a recorrente discorda, apenas, da perspectiva do Tribunal a quo quanto ao agregado familiar a considerar [pois a “capitação” é mero resultado da composição do agregado, dos respectivos rendimentos - que se aceitam - e dos demais e consequentes factores de cálculo legalmente estabelecidos], sendo que, face aos rendimentos apurados e às pessoas que integram os possíveis “agregados” em causa [cf. II. 1., supra], é por demais evidente que, independentemente dos factores de cálculo que possam ser considerados, os eventuais resultados da “capitação” seriam/serão sempre muito inferiores ao valor do indexante dos apoios sociais/IAS[5]

                  Não obstante, admitindo que alguma utilidade prática poderá advir da reapreciação das questões suscitadas – tanto mais que se trata de problemática que a lei pretende seja comprovada e eventualmente reavaliada/revista com uma periodicidade anual (cf. os art.ºs 3º, n.º 6, da Lei n.º 75/98, de 19.11 e 9º, n.º 4, do DL n.º 164/99, de 13.5) –, analisar-se-á, de seguida, a matéria em causa, cingindo-nos à problemática da composição do agregado familiar.

                  7. Decorre do apontado regime jurídico que o conceito de “agregado familiar” relevante integra ou compreende, para além do requerente, as pessoas que com ele vivam em economia comum, considerando-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos [cf. art.º 4º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 70/2010, de 16.6].

                  Assim, e não envolvendo o caso vertente a situação excepcional prevista no n.º 3 art.º 4º da Lei n.º 70/2010[6], face
                  à matéria provada, dúvidas não restam de que
                  o agregado familiar onde estão inseridos os menores é composto por eles próprios e pelos avós paternos[7] - os parentes que integram o seu agregado familiar (cf. o art.º 4º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 70/2010) -, apontando os mesmos elementos para a existência de um outro (distinto) agregado familiar constituído pelo progenitor, a sua companheira, os filhos que esta teve de uma anterior ligação e a filha de ambos, o que, de resto, vemos referido e assumido nos “relatórios sociais” juntos aos autos (cf., designadamente, fls.  20 e 45 e seguinte).

                  Por conseguinte, e dadas as já destacadas particularidades da matéria em discussão, afigura-se que este aspecto do objecto do recurso se encontra suficientemente esclarecido e não se antolha necessário ou conveniente qualquer indagação suplementar, podendo-se concluir que, nos factores das operações de cálculo efectuadas pelo tribunal a quo, importava excluir as parcelas envolvendo o progenitor (como elemento do agregado) e respectivo rendimento do trabalho.

                  8. Na leitura das disposições do DL n.º 70/2010, de 16.6, devemos ter presente o seu largo campo/objecto de aplicação, a saber, a definição e o preenchimento dos requisitos que conferem o direito a diversas prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade, também aplicáveis aos apoios sociais ou subsídios, quando sujeitos a condição de recursos, entre os quais, o pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores (cf. art.º 1º).

                  É neste contexto que se afigura defensável o entendimento de que, na aplicação das regras de capitação dos rendimentos previstas no art.º 5º do DL n.º 70/2010 - onde se determina que, no apuramento da capitação dos rendimentos em causa, o requerente da prestação tem o peso de 1, cada indivíduo maior tem o peso de 0,7 e cada indivíduo menor tem o peso de 0,5 -, e estando em causa o pagamento das prestações de alimentos através Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, o requerente será sempre o menor credor da prestação [apontando neste sentido, cf., por exemplo, o disposto no art.º 4º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 70/2010][8], o que, naturalmente, também se repercutirá no resultado da “capitação” para efeitos de atribuição da respectiva prestação social. [9]

                  Para os mesmos efeitos não será assim “requerente” quem suscita o incidente em representação do menor e na qualidade de membro do agregado familiar em que o menor se insere, e também o não será quem actue como na situação dos autos (o progenitor/requerente no incidente não reside com o menor nem integra o agregado familiar deste) ou, obviamente, as entidades dotadas de legitimidade para agirem em representação dos menores (nomeadamente, o Ministério Público).

                  9. Este, pois, o entendimento que se afigura razoável e correcto ante o descrito regime jurídico, improcedendo, desta forma, a perspectiva contrária constante da apelação (sobretudo, nas “conclusões 5ª, 6ª, 7ª e 8ª”) sendo que já não subsistia qualquer dúvida quanto à verificação de todos os pressupostos da intervenção do FGADM, nomeadamente, o incumprimento da progenitora, a impossibilidade de cobrança coerciva dos alimentos e a capitação (de rendimentos do agregado familiar em que os menores estão inseridos) de valor inferior ao indexante social!


                  *

                  III. Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com fundamentação parcialmente diversa.

                  Sem custas (art.º 4º, n.º 1, alínea g), do Regulamento das Custas Processuais).


                  *

                  21.10.2014


                  Fonte Ramos ( Relator )

                  Maria João Areias

                  Fernando Monteiro

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

                             

                             


                  [1] Em 08.01.2013.
                  [2] Consta ainda do relatório social de fls. 19, de 24.5.2013, que o requerente/progenitor, reportando-se aos menores T (…) e I (…), referiu, então, “que os vê com frequência”… (fls. 20).
                  [3] Que à data da elaboração do relatório social de fls. 19 (24.5.2013) teria cerca de ano e meio de idade (cf. fls. 20).
                  [4] Sobre esta problemática, vide, entre outros, F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pág. 130 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 63 e seguinte.
                  [5] Que se “fixou” no montante de € 419,22 [cf. os art.º 3º do DL n.º 323/2009, de 24.12; 67º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12; 114º da Lei 66-B/2012, de 31.12 e 113º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, bem como as Portarias n.ºs 320-B/2011, de 30.12 e 432-A/2012 de 31.12]
                  [6] Com o seguinte teor: “Considera-se que a situação de economia comum se mantém nos casos em que se verifique a deslocação, por período igual ou inferior a 30 dias, do titular ou de algum dos membros do agregado familiar e, ainda que por período superior, se a mesma for devida a razões de saúde, estudo, formação profissional ou de relação de trabalho que revista carácter temporário, ainda que essa ausência se tenha iniciado em momento anterior ao do requerimento.”
                  [7] Em idêntico sentido e numa situação com alguma similitude, cf., entre outros, o acórdão da RC de 10.7.2013-processo 3007/03.2TBLRA-A.C1, publicado no “site” da dgsi.
                  [8] Cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos da RE de 19.01.2012-processo 859/08.37TMFAR.E1 [escreveu-se neste aresto: “Não decorre, porém da Lei 70/2010, que disciplina genericamente a forma de capitação dos rendimentos do agregado familiar para efeitos da concessão de prestações sociais não contributivas, que sendo o beneficiário da prestação social um menor o mesmo não deva ser considerado o requerente, com peso 1 na capitação dos rendimentos do agregado familiar: O que decorre da lei é, a nosso ver, o contrário. Demonstrando. A capitação dos rendimentos do agregado familiar destina-se a verificar as condições de recursos (art.º 1º, n.º 1), a condição de recursos corresponde ao limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter a prestação ou o apoio social (art.º 2º, n.º 1), na verificação da condição de recursos são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar (art.º 2º, n.º 3), o direito às prestações e apoios depende ainda de o valor do património mobiliário do requerente e do seu agregado familiar não ser superior a 240 vezes o valor indexante dos apoios sociais (art.º 2º, n.º 4), para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum … parentes … adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa [(art.º 4º, n.º 1, als b) e d)]. Como se vê os rendimentos e o valor dos bens relevantes para efeitos de capitação são em primeira linha os do requerente e depois os do seu agregado familiar e nada muda quando o beneficiário é menor; quando assim é, ele continua a ser o requerente e os parentes, adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa integram o seu agregado familiar. (…). A circunstância da fixação dos alimentos devidos a menores (ou a alteração dos anteriormente fixados) dever ser requerida pelo representante legal do menor, pelo curador, pela pessoa à guarda de quem se encontra ou do director do estabelecimento de educação ou assistência a quem tenha sido confiado (art.º 186º da OTM)], por carecerem aqueles, em princípio, de capacidade de exercício dos seus direitos (art.ºs 123º, do Cód. Civil, 5º, 9º e 10º, do CPC e 186º da OTM), não significa que o beneficiário dos alimentos não seja o menor, actuando aqueles em nome deste e como consequência seja este, e não aqueles, o requerente.”] e da RC de 11.12.2012-processo 1184/11.8TBMGR.C1 [reportando-se, sobretudo, ao citado acórdão da RE] e de 10.7.2013-processo 3007/03.2TBLRA-A.C1, publicados no “site” da dgsi.
                    Em sentido contrário, vide o acórdão da RC de 05.11.2013-processo 31/12.8TBOLR.C1, publicado no mesmo “site”
                  [9] Diga-se que, considerando-se o menor como requerente, na ponderação global a atender, haverá sempre um incremento de 0,2 [(1-0,5) - (1-0,7)]; no caso vertente, porém, traduzir-se-ia num acréscimo de 0,7, porquanto temos dois menores/requerentes, com igual “peso” [0,2 + (1-0,5)]…