Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
356/11.0T4AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Data do Acordão: 12/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 551º, Nº 3 DO CÓDIGO DO TRABALHO/2009.
Sumário: A norma do nº 3 do artº 551º do Código do Trabalho de 2009 padece de inconstitucionalidade material, por violar o disposto no nº 3 do artº 30º da CRP, devendo, por esse motivo, ser recusada a sua aplicação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida/recorrente condenada pela AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DE TRABALHO (CENTRO LOCAL DO BAIXO VOUGA), na coima única de € 9.800,00 sendo condenado como responsável solidário no pagamento, B..., como sócio e gerente da empresa arguida.

Foram imputadas as seguintes infracções, a título de negligência:

1) Tipificada como grave (auto de notícia n.º C00210000773) p. e p. pelos arts. 17º, 19.º, n.º 2, als. d), e) e h) e 25.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 273/20 3, de 29 de Outubro, artº 554.º, nº 4, al. c) e 556.º ambos do Código do Trabalho (não cumpriu a obrigação de nomear coordenador de segurança em obra responsável por verificar a coordenação das actividades das empresas que intervinham no estaleiro, tendo em vista a prevenção de riscos profissionais e de promover e verificar o cumprimento do Plano de Segurança e Saúde, bem como outras obrigações das Entidades Executantes, nomeadamente, no que se refere à organização do estaleiro e aos trabalhos que envolvem riscos especiais, permitindo em concreto uma organização e manutenção em funcionamento do estaleiro com desrespeito pelas prescrições de segurança e regras técnicas: entre outras, omissão de protecção colectiva (guarda corpos) e individual contra as quedas em altura e quedas ao mesmo nível, nas áreas onde decorriam os trabalhos)

2) Tipificada como grave (auto de notícia n.º C00210000772) p. e p. pelos arts. 3º, nº 2, 42.º, n.º s 1, 2 e 3, e 43º, nº 2 do DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, conjugados com os arts. 22.º, n.º 1, al. m), e 25.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 273/2003, de 29 de Outubro, com os arts 1.º, 10.º, 21.º, 23.º e 26.º do RSTCC (Regulamento de Segurança do Trabalho na Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958), com os arts. 11.º, 12.º e 13.º da Portaria n.º 101/96, de 03 de Abril, art.º 554º, nº 3, al. c), do Código do Trabalho (não assegurou condições de segurança, e saúde aos trabalhadores, na utilização de um equipamento de trabalho – andaime – nomeadamente, as plataformas do andaime, montadas na fachada exterior do edifício, não permitiam que os trabalhadores circulassem e trabalhassem em segurança, por não existirem dispositivos de protecção colectiva contra quedas em altura nem os trabalhadores utilizavam quaisquer equipamentos de protecção individual, de modo a prevenir o risco de queda em altura);

3) Tipificada como grave (auto de notícia n.º C00210000774) p. e p arts. 21.º, n.º 2, e 25º, n.º 3,al. d), do DL n.º 273/2003, de 29 de Outubro, punível pelo do art.º 554.º, n.º 4, al. c), do Código do Trabalho (não organizou um registo que inclua, em relação aos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratado que trabalhem no estaleiro durante um prazo superior a 24 horas, os seguintes elementos: a identificação completa e a residência habitual, o número fiscal de contribuinte, o número de beneficiário da segurança social, a categoria profissional ou profissão, as datas de início e do termo previsível do trabalho no estaleiro e as apólices de seguros de acidentes de trabalho relativas a todos os trabalhadores que trabalhem no estaleiro, bem como os recibos correspondentes);

4) Tipificada como leve (auto de notícia n.º C00210000776), p. e p. pelo artº 11.º, al. e), do DL n.º 102/2000, de 02 de Junho (aprovou o Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho), punível pelo artº 552.º, n.º 1, do Código do Trabalho (não apresentou os documentos que lhe foram requisitados através da notificação para o efeito pela Srª Inspectora do Trabalho).


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II - Inconformados com tal condenação, a arguida e o seu sócio gerente dela interpuseram recurso para o Juízo do Trabalho da Comarca do Baixo Vouga, o qual decidiu manter a decisão de condenação da arguida “ A..., Ldª” pela prática das infracções que constam da decisão administrativa, bem como manteve a condenação do seu gerente B... como responsável solidário, mas reduziu a coima única para a quantia de € 5.000,00 por reformulação do cúmulo jurídico.

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É desta decisão que a arguida e o sócio gerente desta, novamente inconformados, agora interpõem recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:

1- A recorrente foi condenada por quatro infracções, todas elas respeitantes à mesma obra e ao mesmo local, no montante de 5.000€ (cinco mil euros) apurado sem que se perceba a razão por que o foi.

2 - Impõem-se verificar se se está perante um concurso real de infracções ou perante um concurso ideal de infracções.

3 - Só se pode afirmar a pluralidade de infracções quantos os concretos juízos de censura que tenham de ser formulados ao agente (cfr acórdão da Relação de Lisboa de 14.01.2044 in wwwdgsi - Exmo Senhor Desembargador Relator Ramalho Pinto).

4 - A douta sentença não avaliou que o agente não evidenciou várias resoluções delituosas, nem teve em conta o disposto no artigo 18° do RGCOC.

5 - Não havendo lugar a vários juízos de censura, não poderiam os recorrentes ser condenados por várias infracções como o foram.

6 - A infracção n° 1 diz respeito à alegada falta de coordenador de segurança: o coordenador de segurança foi ouvido em Tribunal. Testemunhou e está devidamente identificado nos autos.

7 - Não obstante isso, o Tribunal a quo deu crédito apenas à Senhora Inspectora que disse não haver coordenador de segurança, o que não se percebe e determina a nulidade da sentença.

8 - A infracção nº 2 respeita à alegada utilização incorrecta de andaimes. A utilização de andaimes era a possível e não punha em causa a segurança dos trabalhadores.

9 - O Tribunal a quo não interpretou bem, salvo o devido respeito que é muito. a fotografia em que se baseou para concluir pela prática da infracção.

10 - A infracção n° 3 respeita à obrigação de cada empregador organizar um registo de trabalhadores. A recorrente apenas não possuía registo actualizado dos trabalhadores dos subempreiteiros, porque muito variáveis e porque estes os não forneceram.

11 - Não se pode considerar que os trabalhadores dos subempreiteiros possam ser considerados trabalhadores independentes da recorrente, porque não foram por si contratados.

12 - A infracção n° 4 respeita à entrega de documentos. A documentação foi entregue, mas foi com atraso.

13 - Ao ser entregue fora de prazo não se pode dizer que a contra-ordenação se tenha verificado, nos termos em que foi decidido.

14 - A recorrente está há cerca de vinte anos na construção civil e nunca nenhum trabalhador sofreu qualquer acidente de trabalho ao seu serviço; nunca foi alvo de qualquer contra-ordenação; é uma empresa que tem tido um comportamento exemplar; apesar de estar a passar por muitíssimas dificuldades, não deixa de cumprir com as suas obrigações para com o Estado e os seus trabalhadores.

15 - Tudo isto foi invocado e dito em Tribunal, mas não foi considerado ou sequer ponderado na decisão final o que a torna nula por omissão de factos importantes para a decisão.

16             A responsabilidade subsidiária e/ou solidária dos administradores e gerentes pelas coimas aplicadas às pessoas colectivas vem sendo julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, por ser violadora do princípio da intransmissibilidade das coimas.

17 - Se o "dono da obra" fosse pessoa singular também haveria uma única contra-ordenação.

18 - O nº 2 do artigo 551° do Código de Trabalho enferma de constitucionalidade e é violador do princípio da culpa.

19 - A douta decisão de que se recorre violou as seguintes normas legais: artigos 379° nº 1 alínea c), 374° n° 2. ambos do Código de Processo Penal ex vi artigos 41°,16°,18° e 19° do RGCOC.

20 - Deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que a julgue nula ou se assim se não entender que aplique uma sanção de admoestação ou subsidiariamente especialmente atenuada.


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Os Magistrados do MºPº em ambas as instâncias entendem ser de manter o julgado.

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Corridos os vistos legais cumpre decidir.

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III- Como é sabido, em matéria contra-ordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75° n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11).

Assim, a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e que é a seguinte:

a) A arguida “ A..., Ldª, NIF 503 318 493, tem a actividade de construção de edifícios (CAE 41200), tendo sede na Rua ..., Aveiro.

b) No dia 10.03.2010, pelas 11 horas, foi efectuada visita inspectiva na obra (estaleiro temporário) de construção de moradias geminadas, compostas por cave, rés-do-chão e 1.º andar, lote 13, sita na Rua ... – Aveiro, da qual a arguida “ A..., Ldª é Dona de Obra, estando então em curso diversos trabalhos de Pedreiro.

c) Na altura decorria nomeadamente trabalho de assentamento de tijolo no 1º andar da construção, a cerca de dois metros de altura da laje desse piso e a cerca de nove metros de altura para o ponto mais baixo no interior da obra, executados pelos trabalhadores da arguida e decorriam nas seguintes condições:

-- Falta de protecção colectiva (guarda-corpos) ou protecção individual nas caixas das escadas de acesso aos vários pisos;

-- Falta de protecção colectiva (guarda-corpos) ou protecção individual nas caixas (aberturas) situadas ao lado das escadas dos diversos pisos;

-- Falta de protecção colectiva (guarda-corpos) ou protecção individual na bordadura da laje do rés do rés do chão.

-- No estaleiro existiam cabos eléctricos pelo chão em desarrumação.

d) Na altura encontravam-se a executar os supra referidos trabalhos, os seguintes trabalhadores:

-- da empresa arguida (“ A..., Ldª) encontrava-se J..., com a categoria de Pedreiro.

-- da empresa “C..., Ldª”, com o NIF ...(com sede na Rua ... Santa Maria da Feira), encontrava-se D..., com a categoria de Pedreiro.

-- da empresa “E... Ldª”, com o NIF ... (com sede na Rua ...Santa Maria da Feira), encontravam-se F.... com a categoria de Pedreiro, G... com a categoria de Servente e H... com a categoria de Pedreiro.

e) Esses trabalhadores não utilizavam qualquer equipamento de protecção individual que prevenisse risco de queda em altura.

f) Nessa data, foi assumido o procedimento previsto na alínea c), do n.º 1, do art.º 10.º, do DL n.º 102/2000, de 02 de Junho (notificação para tomada de medidas à Dona de Obra e entidade empregadora e às Entidades Executantes).

g) Os trabalhos supra referidos estavam a ser executados sob a autoridade e direcção das respectivas empresas adjudicatárias da obra (Entidades Executantes) e pela Dona de Obra.

h) A arguida, na qualidade de Dona de Obra, por intermédio do Coordenador de Segurança, era responsável por verificar a coordenação das actividades das empresas que intervinham no estaleiro, para prevenir a prevenção dos riscos profissionais e por promover o cumprimento e verificação do cumprimento do Plano de segurança e saúde, bem como outras obrigações das Entidades Executantes e, nomeadamente, no que se refere à organização do estaleiro e aos trabalhos que envolvem riscos especiais, como os existentes em estaleiro, relativos à queda em altura.

i) A arguida “ A..., Ldª não tinha nomeado o Coordenador de Segurança em obra.

j) No estaleiro não havia qualquer documentação relativa às actividades do Coordenador de Segurança em obra.

k) A arguida “ A..., Ldª nada fez na sequência da notificação para regularizar esta situação.

l) Durante a já referida acção inspectiva, o trabalhador I..., com a categoria profissional de Pedreiro de 1.ª, pertencente ao quadro de pessoal da arguida “ A..., Ldª, encontrava-se a executar trabalhos de “cerzitar” (colocar massa na parede) na lateral da citada moradia.

m) Nesses trabalhos, era utilizado um andaime, montado na fachada (parede da frente) exterior lateral do edifício, com pouco mais que dois metros de altura acima da laje.

n) Esse trabalhador executava aqueles trabalhos utilizando o andaime, estando a pouco mais de 1,5 de altura acima da laje, o qual foi montado e estava a ser utilizado sem que tivesse protecção colectiva, guarda-corpos pregados solidamente às faces interiores dos prumos, a 45 cm e a 90 cm da plataforma do andaime, e sem que tivesse tábuas de pé ou pranchas para preenchimento da totalidade da largura dos vãos entre prumos.

o) Por sua vez, o trabalhador não utilizava qualquer equipamento de protecção individual que prevenisse os riscos de queda em altura, utilizando capacete de protecção.

p) Nessa data, foi assumido o procedimento previsto na alínea c), do n.º 1, do art.º 10.º, do DL n.º 102/2000, de 02 de Junho (Notificação para tomada de medidas).

q) A arguida “A..., Ldª, em relação aos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados, que trabalhavam no estaleiro durante prazo superior a 24 horas – I... (Pedreiro de 1.ª), J... (Pedreiro) e L... (Servente) –, não tinha organizado registo que incluísse os seguintes elementos: identificação completa e residência habitual, número fiscal de contribuinte, número de beneficiário da Segurança Social, categoria profissional ou profissão, datas de início e do termo previsível do trabalho no estaleiro e as apólices de seguros de acidentes de trabalho, relativas a todos os trabalhadores que trabalhem no estaleiro, bem como os recibos correspondentes.

r) Na data da visita inspectiva, a arguida foi notificada, na pessoa do seu sócio gerente, B..., para entre outros, apresentar esse registo, o que não aconteceu na data acordada nem posteriormente, apesar das diligências efectuadas em contactos telefónicos.

s) A arguida foi ainda notificada, para entregar os documentos em falta na data acordada, constantes do doc. n.º 1 a fls. 7, tendo solicitado via telefone a alteração da data para 13.04.2010, mas não tendo comparecido.

t) Depois, solicitou de novo alteração para 30.04.2010, o que lhe foi concedido.

u) No dia 30.04.2010, a arguida não compareceu e solicitou de novo adiamento.

v) Nessa data, a arguida foi informada para enviar os documentos solicitados pelo correio, o que a mesma não fez até 12.10.2010.

w) O volume de negócios indicados no Mapa de quadro de pessoal de 2009, relativos ao ano anterior, foi no valor de € 2.717.081,75.


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IV- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.

Assim, as questões que cumpre resolver podem equacionar-se do seguinte modo:

1. Se a sentença é nula.

2. Se ocorre unidade ou pluralidade de infracções.

3. Se o montante da coima deve ser alterado.

4. Se o nº 3 do artigo 351º do Cód. do Trabalho é inconstitucional.

Da nulidade da sentença:

O recorrente convoca nesta questão o disposto nos artºs 374º e 379º do Cód. Proc. Penal.

A sentença é nula quando não contiver as menções nº 2 do artigo 74º ou quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões e que não, podia tomar conhecimento – artigo nº 1 alíneas a) e c) do Cód.Proc. Penal.

Analisando a sentença logo se alcança sem dificuldades de maior que a mesma na fundamentação fez constar os factos provados e não provados, enunciando de forma precisa e compreensível os motivos de facto e e direito que fundamentam a decisão, tendo indicado e analisado de forma critica e completa as provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Basta ler o que a propósito se deixou escrito a fls 268ª 270 dos autos.

O que a recorrente diz é que não concorda com o modo como a decisão de facto foi proferida.

Na verdade é isso mesmo que resulta das conclusões 6 a 13.

Pretende a recorrente que o tribunal “a quo”2 devia dar como provado que havia coordenador de segurança, que os andaimes cumpriam a s disposições legais sobre segurança, que a penas não possuía registo actualizado dos trabalhadores dos subempreiteiros e que a documentação foi entregue embora com atraso.

Ou seja, como se disse, a recorrente pretende questionar o modo como a matéria de facto foi decidida.

Ora, a má decisão desta matéria não constitui causa de nulidade da sentença pois desde logo tal má decisão não é enquadrável na denominada omissão de pronúncia ne tão pouco no chamado conhecimento indevido.

Por outro lado, estava vedado à recorrente impugnar o modo como a matéria de facto foi decida pois, conforme acima dito, salvo nos casos de conhecimento oficioso, a Relação não conhece da matéria de facto.

Por tudo isto, não se verifica a nulidade da sentença, o que se decide.

Da unidade/pluralidade de infracções:

O tribunal “a quo” entendeu existir pluralidade de infracções e nesta sequência procedeu ao cúmulo jurídico das coima aplicadas em concreto a cada uma das contra ordenações em concurso real ou efectivo.

Desde logo, é patente inexistir o denominado concurso aparente que se revela no concurso ou convergência de normas, em que a aplicação de umas exclui a aplicação de outras.

De facto não se observa nas normas que tipificam as contra ordenações quaisquer relações de especialidade, consumpção ou subsidiariedade.

Observando os bens jurídicos protegidos pelas normas tipificadoras das infracções, o que podemos concluir é que ocorreu a violação de uma pluralidade de tipos contra ordenacionais pois a conduta da recorrente é passível de uma pluralidade de juízos de censura, de uma pluralidade de violações do dever do dever de cuidado que impendia sobre a recorrente (trata-se de tipos negligentes e não dolosos).

Daí que bem andou o tribunal recorrido ao decidir existir concurso real, procedendo ao competente cúmulo jurídico.

Do montante da coima:

Refere a recorrente que a sentença não teve em conta o disposto no artigo 18º RGCO.

Este preceito refere-se à “determinação da medida da coima”.

Ora basta ler a sentença para se chegar à conclusão não assistir razão à recorrente.

Com efeito, lê-se na sentença impugnada que. “mantém-se, pois, as coimas parcelarmente aplicadas, que estão muito próximas do limite mínimo da respectiva moldura.

Há agora que ver a questão do cúmulo jurídico (sustentando os impugnantes estar mal elaborado).

Foram aplicadas as seguintes coimas: € 4.300,00, € 1.100,00, € 4.300,00 e € 250,00.

Porque as contra-ordenações estão em concurso, na medida em que praticadas todas antes da decisão condenatória, há que aplicar coima única dentro da moldura € 4.300,00 (a em concreto mais elevada) a € 9.950,00 (no caso a soma das coimas aplicadas porque aquém do dobro do limite máximo abstracto mais elevado) – artº 19º do RGCOC7.

A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.

Ora, assim como em relação às coimas parcelares foram aplicadas próximo do limite mínimo, também aqui não se deve distanciar muito desse limite (sem esquecer que estão em causa 4 infracções).

Tudo ponderando aplica-se a coima única de € 5.000,00 (cinco mil euros)”.

Daí que, nesta parte, o recurso tenha também de improceder.

Da constitucionalidade do nº 3 do artigo 551º do Cód. do Trabalho:

A propósito desta questão escreveu-se na decisão impugnada: “… uma última questão importa apreciar, qual seja a da constitucionalidade da norma que prevê a responsabilidade solidária pelo pagamento da coimado sócio-gerente B....

O artº 551º do Código do Trabalho, com a epígrafe «sujeito responsável por contra-ordenação laboral», estabelece no nº 3 que se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores.

Cita o impugnante Acórdão do Tribunal Constitucional (TC)[1] relativo à norma do artº 8º do RGIT.

Ora, aquilo que está ali em causa é a responsabilidade subsidiária através do mecanismo da reversão da execução fiscal (que consiste num mecanismo que determina a responsabilização de uma determinada pessoa, a título subsidiário, pelas dívidas tributárias de outrem e que surge numa fase patológica da relação jurídica tributária, de não cobrança ao devedor originário).

No caso do Código do Trabalho, está em causa a solidariedade no pagamento da coima declarada em decisão condenatória, não a responsabilização do gerente pela infracção independentemente de culpa.

Assim, salvo o devido respeito por outro entendimento, a situação subjacente ao Ac. do TC em causa não se equipara à situação destes autos, e não se alcança fundamento para a inconstitucionalidade do artº 551º do Código do Trabalho.

Deste modo, aplica-se a norma.”

Complementarmente, no que concerne às normas do RGIT e do RJIFNA, há a assinalar que jurisprudência constitucional mais recente, para cuja fundamentação se remete, contraria a jurisprudência do acórdão citado pela recorrente.

Assim, os acórdãos do TC[2] nº 437/11 de 03.10.11 (Plenário) proferido no processo 206/10 e nº 531/2011 de 09.11.11 (Plenário) proferido no processo 814/10 decidiram “não julgar inconstitucional o artigo 8º, n.º 1, do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora;

E o acórdão nº 561/2011 de 26.11.11 (Plenário) proferido no processo nº 506/09 decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal”.

Os preceitos do RGIT e do RJIFNA em questão têm, respectivamente, a seguinte redacção:

Artigo 8.º (Responsabilidade civil pelas multas e coimas) 1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

Artigo 7.º-A (Responsabilidade civil subsidiária) 1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis, em caso de insuficiência do património destas, por si culposamente causada, nas relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas àquelas entidades referentes às infracções praticadas no decurso do seu mandato. 2 - Se forem várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.

A declaração de conformidade constitucional de tais normas, embora não tenha sido pacífica, assentou fundamentalmente em considerações que podem ser resumidas do seguinte modo:

- Não há qualquer transmissão da sanção decorrente do ilícito contra-ordenacional, e sim da responsabilidade culposa pela frustração do crédito correspondente que se efectiva contra o gerente ou administrador que, incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da coima em que estava definitivamente condenada e deixou criar uma situação em que o património desta se tornou insuficiente para assegurar a cobrança coerciva.

- Prevê-se uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, cujo não pagamento lhes seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes seja atribuída a título de culpa.

- Ou seja, prevê-se uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.

- Está em causa não a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.

- a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal. É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.

- A responsabilidade dos gerentes ou administradores consagrada no artigo 8.º, n.º 1 do RGIT é titulada pelo instituto da responsabilidade civil delitual ou aquiliana: aqueles sujeitos são chamados, a título subsidiário, na exacta medida do dano que produziram à Administração Fiscal ao terem impossibilitado, pela sua administração, a realização do pagamento das coimas devidas. A imputação não prescinde da verificação dos pressupostos gerais, atinentes ao cometimento de um facto ilícito e culposo, bem como ao nexo de causalidade adequada entre a acção e o dano produzido.

Ora domínio laboral nada disto se passa.

A forma como a norma se encontra redigida (“se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores” - nº 3 do arº 551º do Cód. do Trabalho/09), leva a concluir ser inaplicável no domínio laboral a citada jurisprudência constitucional.

Na verdade, a responsabilidade destes administradores, gerentes ou directores que até é solidária e não meramente subsidiária, apresenta-se em face da norma Cód. do Trabalho como automática. Para que estes sejam responsabilizados pelo pagamento da coima basta que a pessoa colectiva seja considerada responsável, não se exigindo qualquer comportamento culposo por parte daqueles em termos de lhes ser possível assacar responsabilidade mesmo que o facto integrador do ilícito não lhes possa ser imputável.

A imputação aos administradores, gerentes ou directores prescinde da verificação dos pressupostos gerais, atinentes ao cometimento de um facto ilícito e culposo, bem como ao nexo de causalidade adequada entre a acção e o dano produzido.

A responsabilidade destes não deriva de um facto ilícito e culposo pelos mesmos praticado.

Podemos afirmar que, nesta interpretação e salvo melhor opinião, a responsabilidade solidária dos administradores, gerentes ou directores assenta, no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, e não num facto autónomo, inteiramente diverso desse.

Neste entendimento, a norma em questão consagra a possibilidade da transmissão da responsabilidade contra ordenacional, que é equiparável à responsabilidade penal, o que não é permitido pela Constituição (artigo 30º nº 2), equivalendo à punição dos administradores, gerentes ou directores em termos de responsabilidade objectiva, ou seja, sem necessidade da verificação da imputação subjectiva a título de culpa.

Por isso, consideramos que a norma do nº 3 do artigo 551º do Cód. do Trabalho/2009 padece de inconstitucionalidade material por violar o disposto no nº 3 do artigo 30º Constituição da Rep. Portuguesa, devendo por este motivo ser recusada a sua aplicação.


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V- Termos em que se delibera julgar parcialmente procedente o recurso, em função do que se decide.

a) Recusar, por materialmente inconstitucional, a aplicação da norma constante do nº 3 do artigo 551º do Cód. do Trabalho/09.

b) Absolver o gerente B... como responsável solidário pelo pagamento da coima.

c) No mais confirmar a sentença impugnada.


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Custas a cargo da recorrente Equadra, com taxa de justiça que se fixa em quatro UCs.

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Joaquim José Felizardo Paiva (Relator)

Manuela Bento Fialho


[1] Ac. nº 24/2011, de 12 de Janeiro de 2011 – consultável em www.tribunalconstitucional.pt – que decidiu: julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artº 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (aproado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho) interpretado com o sentido que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora (seguiu de perto o Ac. do TC nº 481/2010).
[2] Todos os acórdãos do TC podem ser consultados em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos