Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
369/10.9TBACN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 45 E 46º, AL. C) DO CPC
Sumário: I – O art.º 45º, n.º 1 do C. P. Civil determina que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

II - O acesso à acção executiva pressupõe a existência de um direito subs­tantivo, cuja existência é garantida pelo título executivo.

III – A redacção actual da alínea c) do artigo 46º do C. P. Civil, que foi con­fe­rida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, diz-nos que são títulos executi­vos os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou deter­minável por simples cálculo aritmético.

IV - Assim, quando o título é um documento particular assinado pelo devedor, o mesmo deve revelar o acto constitutivo ou meramente certificativo da existência da obrigação exequenda nos termos da lei substantiva. Se o não fizer o título apresentado é insuficiente para abrir as portas da acção executiva ao direito de crédito que o Exe­quente pretende ver satisfeito, sendo, portanto, inexequível.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Na sequência da acção executiva que lhe foi intentada veio a Exequente deduzir oposição à execução e à penhora nela efectuada, as quais foram cumuladas.
Como fundamentos da oposição à execução alegou, em síntese, que o docu­mento dado à execução como título não reveste as características necessárias para servir de título executivo, resultando da sua análise que se trata de uma mera proposta de concessão de crédito corporizada em impresso pré-preenchido na sua quase totalidade, não resultando do mesmo a constituição de qualquer obrigação pecuniária por parte da Executada
Conclui pela procedência da oposição.

A Exequente defendendo que o documento em causa, sendo um documento particular é um título executivo, porquanto traduz o reconhecimento de uma dívida por parte da executada, conclui pela improcedência da oposição.

Veio a ser proferido saneador sentença que julgou a oposição à execução nos seguintes termos:
Face às considerações expostas e entendendo-se que o documento junto na execução principal, por si só, não comporta a constituição de qualquer obrigação pecuniária por parte da executada (e muito menos os peticionados valores) não reúne tal documento os requisitos necessários a ser considerado título executivo, pelo que procede a presente oposição à execução e, em consequência:
- determino a extinção da execução;
- a entrega à executada de todos os montantes penhorados até à data.

A Exequente veio interpor recurso deste despacho, formulando as seguintes conclusões:
...
Não foi apresentada resposta.
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções da recorrente cumpre apreciar as seguinte questão:
O título apresentado pela Exequente tem força executiva, relativamente à obrigação exequenda?
2. Dos factos
Para a decisão deste recurso importa considerar os seguintes factos:
1 – No requerimento inicial da acção executiva a Exequente alegou que entre a C… e a Executada foi celebrado um contrato de crédito ao consumo em conta corrente no montante de € 1.995,20, nas condições que constam do título executivo – doc. 1 -, que  esta se comprometeu ao pagamento em prestações mensais e sucessivas no valor de € 79,80; que nunca denunciou o contrato, e que desde 7.12.2006 nada pagou, tendo nessa data sido aquele contrato resolvido.
2 – Alegou ainda que aquele contrato está assinado pela Executada.
3 – Do documento n.º 1 junto ao requerimento executivo, constam os dados de identificação da Executada, os respeitantes à sua situação profissional, à sua habita­ção, bancários, rendimentos e despesas mensais, estando na quadrícula que antecede a expressão Solicito a minha reserva de dinheiro no montante de 400.000$00 assinalado um X, seguindo-se a expressão, mensalidades de 16.000$00.
Logo a seguir e também impressa, consta:
Quero beneficiar por transferência bancária de: -- A totalidade da minha reserva ou – o montante de 400.00$00.
Na parte final deste impresso encontra-se manuscrito o nome da Executada.
4 – No verso do mesmo constam 18 cláusulas que integram as condições gerais de um contrato de crédito em conta corrente, mencionando:
Esta proposta é válida até 1.5.2001, e pode converter-se em contrato nos termos seguintes:
1ª – A adesão ao presente contrato é feita enviando à C…
2ª – A C… recebido o contrato que lhe é destinado, reserva-se o direito de confirmar ou recusar a concessão de crédito, entendendo-se aquele concluído na dada da assinatura pelo Mutuário, caso este não tenha revogado a declaração e a C… tenha confirmado a concessão de crédito.

3. O direito aplicável
Em primeiro lugar, cumpre referir que a execução à qual foi deduzida a pre­sente oposição deu entrada em juízo a 13.8.2010, pelo que lhe é aplicável o regime da acção executiva resultante da reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, por força do disposto no seu art.º 20º, n.º 1.
O art.º 45º, n.º 1 do C. P. Civil determina que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
O acesso à acção executiva pressupõe, pois, a existência de um direito subs­tantivo, cuja existência é garantida pelo título executivo.
Como disse Antunes Varela[1] o título executivo é a peça que pela sua força probatória abre directamente as portas da acção executiva. É, no plano probatório, o salvo-conduto (uma espécie de abre-te Sésamo) indispensável para ingressar na área dura do processo executivo…dir-se-á que o título executivo é uma espécie de escada magirus necessária para o portador ascender imediatamente ao andar nobre da jurisdição cível – que é o da realização coactiva da prestação a que o queixoso faz jus – em vez de entrar pelo rés-do-chão do edifício judiciário, onde normalmente se discute a existência e a violação do direito que o demandante se arroga.
Vigorando nesta matéria o princípio da legalidade, é ao legislador que com­pete definir quais são os documentos que tem essa qualidade.
Desde há muito que, além das sentenças proferidas nas acções declarati­vas, se tem conferido essa idoneidade a documentos extrajudiciais que incorporam uma declaração do devedor constitutiva ou reconhecedora da obrigação exequenda.
Nestes casos, em que o credor não viu o seu direito ser reconhecido por uma decisão jurisdicional, nem o devedor teve oportunidade de mostrar que a pretensão daquele era infundada, entendeu-se que as necessidades do comércio jurídico, nomea­damente a da rápida satisfação dos direitos de crédito, permitiam que, relativamente aos títulos extrajudiciais cujas características tornassem forte­mente plausível a existência do direito exequendo, se dispensasse o credor de percorrer o longo e árduo caminho da acção declarativa.
Quais sejam essas características que permitem promover um documento à categoria de título executivo é uma questão de política legislativa, cuja solução depen­derá sempre da ponderação que em cada momento se fizer dos interesses em conflito.
Foi o artigo 172º do Decreto n.º 21.287, de 26 de Maio de 1932, que pela primeira vez conferiu força executiva a qualquer escrito particular assinado pelo deve­dor do qual constasse a obrigação de pagamento de quantia determinada, devendo a respectiva assinatura ser feita na presença de notário.
Esta atribuição manteve-se no C. P. Civil de 1939 – art.º 46º e 52º – que se satisfez com o reconhecimento simples da assinatura do devedor relativamente às quantias de menor valor.
Com a revisão do C. P. Civil de 1995/1996 foi dispensado o reconheci­mento da assinatura do devedor em qualquer escrito particular, solução que já tinha sido consagrada relativamente às letras, livranças e cheques, de menor valor, pelo Decreto-Lei n.º 533/77, de 30 de Dezembro, e independentemente do valor, pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho.
A redacção actual da alínea c) do artigo 46º do C. P. Civil, que foi con­fe­rida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, diz-nos que são títulos executi­vos os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou deter­minável por simples cálculo aritmético.
Sendo o título executivo que determina o fim e os limites da acção exe­cutiva – art.º 45º, n.º 1 do C. P. Civil –, a obrigação que o exequente pretende execu­tar deve coincidir com aquela que o título indicia com um forte grau de probabili­dade de exis­tência.
Assim, quando o título é um documento particular assinado pelo devedor, o mesmo deve revelar o acto constitutivo ou meramente certificativo da existência da obrigação exequenda nos termos da lei substantiva. Se o não fizer o título apresentado é insuficiente para abrir as portas da acção executiva ao direito de crédito que o Exe­quente pretende ver satisfeito, sendo, portanto, inexequível.
A análise do documento que a Exequente apresenta como sendo o título exe­cutivo do mesmo é uma mera proposta de celebração de um contrato de crédito ao consumo em conta corrente, não se mostrando junta a sua aceitação pela contraparte.
Dessa proposta consta o seguinte:
Esta proposta é válida até 1.5.2001, e pode converter-se em contrato nos termos seguintes:
1ª -
2ª - A C… recebido o contrato que lhe é destinado, reserva-se o direito de confirmar ou recusar a concessão de crédito, entendendo-se aquele concluído na dada da assinatura pelo Mutuário, caso este não tenha revogado a declaração e a C… tenha confirmado a concessão de crédito.
Assim, não resulta da leitura daquele documento assinado pela Executada que a proposta de crédito por si apresentada à antecessora da Exequente tenha sido aceite, e consequentemente, lhe tenha sido mutuada qualquer quantia donde derive a obrigação da sua restituição.
Do documento em causa só se extrai que a Executada fez, na data dele constante, uma proposta de concessão de crédito – nas condições acima enunciadas – à antecessora da Exequente, ficando por se saber se a mesma foi aceite e, consequente­mente, se o crédito lhe foi concedido, não emergindo do mesmo, deste modo, a consti­tuição pela Executada de qualquer obrigação ou o reconhecimento de uma dívida[2].
Face ao exposto não reveste o título dado à execução as características exigi­das para poder ser considerado com força executiva, sendo de confirmar a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso.
Decisão
Nos termos expostos, confirmando-se a decisão recorrida, julga-se improcedente o recurso.
Custas do recurso pela Recorrente.


Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
Regina Rosa


[1] Na R.L.J., Ano 121, n.º 3770, pág. 148.
[2]  No mesmo sentido em situação idêntica foram proferidos os seguintes acórdãos:
do T. R. C., de 7.2.2011, relatado por Jorge Arcanjo, proc. 957/10.3TBTMR.C1, acessível em www.dgsi.pt;
do T. R. C., de 25.1.2011, relatado por Falcão de Magalhães, proc. 906/10.9TBACB.C1, acessível em www.dgsi.pt
do T. R. C., de 10.5.2011, relatado por Arlindo Oliveira, proc. 2713/08.0JCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt;
do T. R. E., de 18.10.2007, relatado por Almeida Santos, proc. 1223/07-2, acessível no mesmo sítio.