Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
655/11.0GAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: RECURSO
PRAZO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 373º Nº 3, 332º Nº 5 E 372º Nº 5 CPP
Sumário: Não tendo o arguido comparecido à leitura da sentença, por estar dispensado de tal, a seu pedido, e estando presente o defensor, o prazo de recurso deve contar-se a partir do depósito da sentença na secretaria, a efetuar logo após essa leitura.
Decisão Texto Integral: Decisão sumária
[artigo 417.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal]


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I. Relatório:
Em processo comum, para julgamento em Tribunal singular, o Ministério Público acusou
– A..., ajudante de distribuição de bebidas, nascido a 19 de Dezembro de 1974, natural de Sé Nova, Coimbra, filho de (...) e de (...), residente na (...), Montemor-o-Velho;
imputando-lhe a prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real efectivo de:
- Um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal;
- Dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, por referência à alínea a) do artigo 255º, ambos do Código Penal;
- Dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 2 do Decreto-Lei 2/98 de 3 de Janeiro.
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Realizado o julgamento, o tribunal a quo, decidiu:
“ 1. Condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
2. Condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, por referência à alínea a) do artigo 255º, ambos do Código Penal, cada um, na pena de 1 (um) ano de prisão;
3. Condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 2 do Decreto-Lei 2/98 de 3 de Janeiro, cada um, na pena de 11 (onze) meses de prisão.
4. Procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido na pena única de dois anos e nove meses de prisão.
5. Condenar o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em duas UC, operando-se a sua redução a metade em virtude da confissão.”
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2. Não concordando com a decisão o arguido interpôs o presente recurso (fls.149/157), formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. Faltam os pressupostos da punição do crime de furto simples, o qual, enquanto crime de resultado impõe a verificação de três elementos essenciais: a subtração, de coisa alheia móvel, com intenção apropriativa, não tendo havido, no caso concreto, da parte do Arguido, uma ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outrem, de coisa alheia.
2.Não houve, da parte do Arguido, um dolo específico, não houve uma intenção apropriativa, não houve culpa, pelo que, outra solução não resta que não seja de concluir pela aplicação errónea do Art. 203º nº 1 do Código Penal, determinando, consequentemente, a absolvição do Recorrente relativamente ao Crime de Furto Simples.
3.O Tribunal a quo, na Douta Sentença, violou os Arts. 13º, 14º e 15º todos do Código Penal, bem como violou o princípio da Legalidade, prevista no Art. 30º nº 3 da CRP, face à não verificação da categoria da culpabilidade do facto punível.
4. Houve uma errónea aplicação da Lei, face à não conformidade com a aplicação da medida da pena, nos crimes de falsificação de documentos.
5. O crime de falsificação de Documentos p. e p. no Art. 256º nº 1 pressupõe, como requisito do mesmo, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, não tendo, no caso sub judice, ficado provados quais os prejuízos que a conduta do Recorrente originou nem quem foram os prejudicados, nem quem foram os beneficiados.
6. Não está preenchido o elemento subjectivo do dolo específico.
7. Em relação ao grau de ilicitude do facto, verifica-se, no caso concreto, uma ausência de consequências danosas da conduta do Arguido.
8.A Douta Sentença recorrida não aplicou a pena mais adequada, não ponderou a possibilidade de escolha de pena não privativa da Liberdade - não tendo realizado o Princípio da Preferência da pena de multa, prevista no  Art. 47º do C.Penal, ou, subsidiariamente, da pena de Prisão por dias Livres prevista no Art. 45º do Código Penal - em relação à pena de prisão.
9. A favor do Recorrente, milita a confissão, com credibilidade e coerência nas suas declarações, bem como o facto de o mesmo se encontrar económico-social e familiarmente bem inserido, com emprego certo e fixo, sendo o único garante da sustentabilidade dos seus filhos, com boa conduta e sem comportamentos criminosos subsequentes.
10. Estão preenchidos os requisitos para a aplicação da Pena de Multa ao Recorrente, atendendo, também, à situação económica e financeira do condenado e ao facto de se encontrar e frequentar as sessões teóricas/aulas de condução, circunstâncias, estas, previstas no º 3 do Art. 47º do Código Penal.
 11.Também no que tange ao crime de condução sem habilitação legal, atento o disposto no Art. 70º do Código Penal que consagra o Princípio da Preferência, verifica-se que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa pena de prisão ou pena de multa, o Tribunal deverá optar, preferencialmente, pela segunda, de modo a realizar as finalidades da punição, de forma adequada e suficiente.
12. A Douta Sentença não ponderou em relação a este crime, a possibilidade de escolha de pena não privativa da Liberdade, não realizando o Princípio da Preferência da pena de multa em relação à pena de prisão.
13. O Recorrente encontra-se a frequentar as sessões teóricas/aulas de condução no estabelecimento “Inês de Castro", em Coimbra, sendo expectável a inexistência de situações futuras semelhantes.
14. Não houve conformidade da aplicação da medida da pena no crime de condução sem habilitação legal devendo, também, ser feita a alteração da qualificação jurídica para um só crime/crime continuado.
15.A Douta Sentença violou o Art. 30º nº 2 do Cód. Penal, uma vez que se trata de um Crime Continuado, pois, perante os factos provados na Referida Decisão (factos 2. e 6. Da Fundamentação de Facto), atendendo às circunstâncias de tempo, conclui-se que o Arguido cometeu um só crime de Condução de Veículo Sem Habilitação Legal.
16.No caso em apreço, mostra-se adequada a aplicação da pena de multa prevista no Art. 47º do Código Penal ou, secundariamente, da pena de Prisão por dias Livres, prevista no Art. 45º do Código Penal, em  medida não superior a um ano, consistindo na privação da Liberdade por períodos correspondentes aos fins de semana , não podendo exceder 72 períodos, de acordo com o Art 45º nº 2 do Cód. Penal.
 17. O Tribunal a quo, na Douta sentença, violou o preceituado nos Arts. 40º, 43º, 70º e 71º nº 2, todos do Código Penal.
Termos em que, e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, ser alterado o Douto Acórdão de que se recorre, em conformidade com o alegado.
Com o que V. Exas. farão a tão acostumada
JUSTIÇA ”
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3 Em resposta, veio o Ministério Público oferecer a resposta, de fls. 177/187, onde defende que o recurso deve improceder, mantendo-se a decisão recorrida, formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões:
“I. A tendendo às molduras penais abstratas dos crimes em concurso pelos quais o arguido recorrente foi condenado, as penas aplicadas não se situam em patamar elevado.
II. De resto, para condenar o arguido recorrente em penas inferiores às concretamente aplicadas, teria a Mmª. Juiz que lhe aplicar penas que, a nosso ver, não satisfariam as exigências de prevenção e demais circunstâncias a que alude o artigo 71.º do Código Penal.
III.
Na verdade, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal, têm a função de fornecer ao Juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena.
IV. Tais elementos e critérios contribuem tanto para co-determinar a medida da pena adequada à finalidade de prevenção geral, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial.
V. Em concreto, num primeiro momento, o Tribunal a quo determinou as medidas abstractas aplicáveis ao caso concreto.
VI.
Num segundo momento, determinou as medidas concretas das penas, levando em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do arguido ou contra ele.
VII. Tudo ponderado, e tendo em conta as molduras penais em apreço, afiguram-se-nos justas, adequadas e proporcionais as penas concretas (parcelares e única) fixadas ao arguido recorrente, uma vez que a Mª Juiz a quo aplicou e bem, os critérios previstos nos artigos 40.°, 71.° e 77.°, do Código Penal, ou seja, doseou-as em função da culpa e personalidade do agente, e das exigências de prevenção, ponderando ainda de forma correcta as circunstâncias agravantes e atenuantes.
VIII. Resultando, outrossim, verificados, em concreto, todos os elementos constitutivos do crime de furto.
IX. Por outro lado, neste caso, há concurso real de crimes.
X. Não se vislumbrando, assim, a existência de diminuição considerável da culpa - e esta entendida na sua conceção normativa, e não apenas psico-fisiológica, pelo que não pode deixar de se afirmar que a cada nova conduta o agente se determinou a preencher o tipo legal de crime em causa, venceu uma e outra vez as contramotivações éticas que o tipo legal de crime transporta.
XI. Logo, a consciente procura e criação das circunstâncias pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa, como ocorreu neste caso, afasta a construção jurídica de uma única resolução criminosa, tanto mais que os crimes em apreço (falsificação de documentos e condução sem habilitação legal) não são crimes exauridos, cuja consumação se esgota com uma primeira ação.
XII. Em suma, a douta decisão não violou os artigos 30.°, n.º1, 40.º, 71.° e 77.°, todos do Código Penal, e 410.°, n.º2, alínea c), do Código de Processo Penal.
            Razões pelas quais entendemos dever ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, deverá manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos,
Com o que V. Exas. farão a costumada
JUSTIÇA!
                                        ***
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer que emitiu (fls. 199), pronunciou-se no sentido da não admissibilidade do recurso, por extemporâneo e se assim se não entender, pela improcedência do recurso.
Notificados, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, ninguém se pronunciou.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
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II. Fundamentação.
1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:
É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Por isso, temos, como

Questões a decidir: 

a) Da tempestividade ou extemporaneidade do recurso.
b)Da existências, ou não, dos crimes de falsificação e furto
c) Da medida da pena.
 
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2. Na sentença recorrida foram dados como provados, não provados e fundamentação dos mesmos, os seguintes factos (por transcrição):
“FACTOS PROVADOS
Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 6 de Outubro de 2011, em hora não concretamente apurada mas situada antes das 19h40m, o arguido apôs no veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel, modelo Corsa, de cor branca, com a matrícula 85-04-FT, sobre as chapas de matrícula originais, duas chapas de matrícula, uma na parte da frente outra na parte de trás, com o n.º 88-68-NO, com vista a ocultar as chapas de matrícula originais.
2. Cerca das 19h40m, o arguido, conduzindo o referido veículo, dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustível propriedade do “Intermarché”, sito em Vinha da Parreira, em Montemor-o-Velho.
3. Aí chegado, o arguido abasteceu o referido veículo com gasóleo no valor de € 53,69 (cinquenta e três euros e sessenta e nove cêntimos).
4. Acto contínuo, abandonou o local, sem efectuar o respectivo pagamento, conduzindo o veículo na direcção de Santo Varão, Montemor-o-Velho.
5. No dia 25 de Novembro de 2011, em hora não concretamente apurada mas situada antes das 11h20m, o arguido apôs, novamente, no veículo supra referido, sobre as chapas de matrículas originais, duas chapas de matrícula com o n.º 78-40-GV.
6. Nesse mesmo dia, cerca das 11h20m, o arguido circulou com o referido veículo na estrada nacional 111, em Montemor-o-Velho.
7. O arguido não é titular de carta de condução que o habilite a conduzir veículos motorizados, designadamente, automóveis.
8. O arguido agiu de forma livre e com o propósito concretizado de colocar sob as chapas de matrículas originais as referidas chapas de matrículas que sabia não corresponderem ao referido veículo de modo a evitar a sua identificação, colocando, desta forma, em causa a segurança e credibilidade do tráfico jurídico probatório de tal tipo de documentos, o que representou.
9. O arguido actuou ainda de forma livre e com o propósito concretizado de se apoderar do combustível supra mencionado bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do legítimo proprietário e ainda com o propósito concretizado de conduzir na via pública veículo automóvel bem sabendo que não era titular de carta de condução.
10. Sabia o arguido que todo o seu comportamento era proibido e punido por lei penal.
11. O arguido é ajudante de distribuição de bebidas auferindo o vencimento mensal de cerca de € 600,00.
12. Reside com a mãe.
13. Paga a quantia mensal de € 150,00 a título de pensão de alimentos de dois filhos menores que tem.
14. Despende € 35,00 mensais em passe para deslocação para o seu local de trabalho.
15. Do CRC do arguido constam averbadas a prática dos seguintes crimes e condenações:
- Crime de furto qualificado, cometido em Novembro de 1998, por acórdão transitado em julgado, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, tendo sido revogada em 24.03.2003 a suspensão da execução da pena de prisão, que cumpriu, tendo sido concedida a liberdade definitiva ao arguido em 26.05.2005.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 04.07.1999, em pena de multa, por sentença transitada em julgado em 20.09.1999, e já declarada extinta.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 15.11.1999, em pena de multa, por sentença proferida em 07.12.2000, transitada em julgado, e já declarada extinta.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 19.01.2002, na pena de seis meses de prisão substituída por igual número de dias de multa, por sentença transitada em julgado em 22.02.2002, e já declarada extinta.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 25.02.2001, na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, por sentença transitada em julgado em 07.04.2003, e já declarada extinta.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 09.04.2001, na pena de oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, por sentença transitada em julgado em 08.04.2003, e já declarada extinta.
- Crime de descaminho cometido em 31.03.2001, na pena de dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, por sentença transitada em julgado em 06.07.2004, e já declarada extinta.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 09.08.2002, na pena de nove meses de prisão substituída por 380 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença transitada em julgado em 03.05.2005, e já declarada extinta.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 21.08.2004, na pena de nove meses de prisão, por sentença transitada em julgado em 22.05.2006, e já declarada extinta.
- Crime de maus tratos, cometido em 08.04.2005, na pena de doze meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de doze meses, por sentença transitada em julgado em 27.07.2007, e já declarada extinta.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 10.11.2011, na pena de quinze meses de prisão, suspensa na sua execução por quinze meses, por sentença transitada em julgado em 03.02.2012.
- Crime de furto na forma tentada, cometido em 20.02.2012, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, por sentença transitada em julgado em 10.04.2012.
- Crime de condução sem habilitação legal, cometido em 17.03.2012, na pena de seis meses de prisão, substituída por trinta e seis períodos de prisão a cumprir aos fins de semana, por sentença transitada em julgado em 07.05.2012.
***
FACTOS NÃO PROVADOS:
           
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa.
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MOTIVAÇÃO
O tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica dos seguintes elementos de prova:
- Documento de fls. 5;
- Auto de apreensão de fls. 7;
- Auto de exame directo e avaliação de fls. 8;
- C.R.C. do arguido de fls. 111 e segs.;
- Ficheiro contido no D.V.D. junto aos autos a fls. 51 e fotogramas do mesmo;
- Resultado da pesquisa por matrícula de fls. 59;
- Documentos de fls. 67 a 69;
- Auto de apreensão de fls. 6 e 39 do apenso n.º 725/11.5GAMMV;
- Auto de exame directo e de avaliação de fls. 7 do apenso n.º 725/11.5GAMMV;
- Reportagem fotográfica de fls. 24 e ss do apenso n.º 725/11.5GAMMV.
- documentos de fls. 4, 5, 12, 13, 48, 49, 90 a 94;
- Declarações do arguido que confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado e relatou sobre a sua situação pessoal.”

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3. APRECIANDO.
 
Face ao disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º3 e 431.º do C.P.P., ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.
De acordo com esse dispositivo, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo de, mesmo que o recurso se limite à decisão proferida sobre a matéria de direito, se ter de conhecer oficiosamente dos vícios indicados no art. 410°, n° 2, do mesmo diploma legal.
Nos termos previstos no art.420º, nº1, al.b) do CPP, o recurso é rejeitado, sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº2 do art.414º do CPP.
Ora, no caso vertente, o recurso interposto pelo arguido foi apresentado fora do prazo legalmente estabelecido, pelo que por ser intempestivo não devia ter sido admitido, o que determina agora a sua rejeição e justifica nos termos do art.417º, nº6, al.b) do CPP a prolação da presente decisão sumária.
Tanto à data em que foi proferida a sentença recorrida, como à data em que foi interposto e admitido o recurso, nos termos dos nºs 1 e 4 do art.411º do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº48/2007 de 29 de Agosto, o prazo de interposição de recurso era de 20 ou 30 dias, consoante o recurso não tivesse ou tivesse por objecto a reapreciação da prova gravada. Se houvesse lugar a esta o prazo era de 30 dias e se não houvesse o prazo era de 20 dias
E não obstante a no passado dia 22 de Março de 2013 terem em vigor as novas alterações introduzidas ao Código do Processo Penal pela Lei nº20/2013, de 21 de Fevereiro, que no seu art.3º revogou o nº4 do art.411º e o nº2 do art.413º, passando o nº1 do art.411º a estabelecer que o prazo para interposição do recurso é de 30 dias, entendemos que tal alteração não se aplica ao caso dos autos.
Isto porque, conforme tem vindo a defender o STJ, que o direito de recorrer de certa e determinada decisão só existe depois da mesma ser proferida, pois só então se pode aferir se a pessoa em causa tem legitimidade e interesse relevante em recorrer, pelo que a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre.
No âmbito da lei aplicável à data (nºs 1 e 4 do art.411º do CPP, na redacção introduzida pela Lei nº48/2007 de 29 de Agosto), o prazo de interposição de recurso era de 20 ou 30 dias, consoante o recurso tivesse ou não por objecto a reapreciação da prova gravada. Se houver lugar a esta o prazo é de 30 dias e se não houver o prazo é de 20 dias.
A razão subjacente ao maior prazo concedido para o recurso incidente sobre matéria de facto radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, quando pretende impugnar a matéria de facto, por virtude do dever legal de especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, das provas que devem ser renovadas, com a indicação das concretas passagens em que funda a impugnação (cfr. artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP).
É que, só quando o recurso tem em vista a reapreciação da prova gravada faz sentido dilatar o prazo para interposição do recurso, precisamente para permitir ao recorrente tempo suficiente para, ouvindo as gravações, identificar as concretas passagens dos depoimentos que, na sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida.
Como é sabido e constitui jurisprudência unânime o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação (art.412º, nº1, do CPP).
Quando o recorrente pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos prescritos no nº3 do art.412, do CPP, deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) As provas que devem ser renovadas.
Acrescenta ainda o nº4 desse preceito que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações nas previstas nas alíneas a) e b) do nº3 do art.412º, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº2 do art.364º (indicação do início e termo de cada declaração), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
No caso concreto, é manifesto e evidente que o recorrente não se socorre desta forma de impugnação ampla da matéria de facto, estando por isso, os poderes de cognição deste tribunal restringidos à matéria de direito, sem prejuízo, claro está, de conhecer da impugnação da matéria de facto mas restrita aos vícios elencados no nº2 do art.410º do CPP, sendo certo que o recorrente a este propósito se limita a invocar uma suposta contradição entre factos provados e não provados e erro notório na apreciação da prova, isto é, os vícios, previstos nas al. b) e c) do nº2 do art.410º do CPP.
Na verdade, resulta à evidência da minuta do recurso, que o recorrente não pretende impugnar amplamente a matéria de facto de acordo com o prescrito nos nºs 3 e 4 do art.412º do CPP, mas apenas e tão só pretende impugnar a medida da pena e a aplicação do direito aos factos, impugnando a qualificação jurídica que o tribunal “a quo”, deu aos factos provados.
Não pretendendo o recorrente a reapreciação da matéria fáctica e não vindo a mesma impugnada, nos termos prescritos nos nº3 e 4 do art.412º do CPP, está liminarmente afastado o reexame dessa matéria, quer através da reapreciação da prova gravada, quer através da renovação da prova, sendo que nem uma nem outra vem pedida.
Assim sendo, duvidas não temos em concluir que “ in casu” o prazo para interposição do recurso é de 20 dias, contados a partir do depósito da sentença (art 411º, nº1, al.b) do CPP, aquele na redacção anterior à dada pela Lei nº20/2013, de 21 De Fevereiro).
O tribunal “a quo” procedeu à leitura da sentença em 02/10/2012, data em que foi depositada (fls.144 e a145).
O arguido não compareceu á leitura da sentença, pois estava dispensado de tal, a seu pedido (vidé fls 129 e 144).
No caso concreto, estranhamente e sem que tenha existido qualquer despacho judicial a ordenar tal o arguido foi notificado (por iniciativa do funcionário – fls 146), em 8/10/2012, de que tinha 20 dias para interpor recurso (vidé fls 148)
O recurso foi apresentado em 29/10/2012, conforme se alcança do carimbo aposto a fls. 149.
No caso vertente, pelas razões que atrás explicitámos, o prazo para interposição do recurso é de 20 e não de 30 dias.
A questão que se coloca é se o prazo de recurso começou a decorrer em 2 ou em 8 de Outubro.
Entendemos que tal prazo começa a correr em 2/10/2012.
Na verdade nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 333º e 334º do Código de Processo Pena, não há lugar a dúvida de que, em regra, se torna imprescindível uma notificação do defensor e uma notificação pessoal do arguido, iniciando-se o prazo de recurso da sentença a partir da notificação efectuada em último lugar (artigos 333º nº 5 e 113º nº 1, a) e nº 9, ambos do citado diploma legal).
Contudo, numa outra situação, distinta daquela primeira, verifica-se quando, tal como nestes autos, o julgamento decorre com a presença do arguido que, justificadamente, não se encontra fisicamente no tribunal na data da leitura pública da sentença, onde comparece o defensor. Neste caso, ter-se-á de considerar o arguido como devidamente representado e, nessa mesma data, notificado da sentença nos termos dos artigos 373º nº 3 e 332º nºs 5, ambos do Código de Processo Penal).
Ora, a notificação efectuada (fls 148), não foi ordenada, por não ter sido o recorrente julgado na ausência, nos termos do art.º 333° n.º1 e 2, em que ocorre a notificação do n.º5, do CPP, preceitos estes que afastam o disposto, em termos gerais, pelo art.º 113°, n.º 9 do CPP. (vidé Ac do TR Évora de 20-12-2012, pro nº 389/06.8GBCCH.E1, Relator: SÉNIO ALVES, in www.dgsi.pt, com citação abundante de jurisprudência no mesmo sentido)
O prazo de recurso deve, então, contar-se a partir do depósito da sentença na secretaria, a efectuar logo após a leitura, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 372.º do Código de Processo Penal [vide o artigo 411.º, n.º 1, alínea b)], isto é o dia 2/10/2012. (neste sentido vidé Ac. do TRL de 03-11-2010, proc nº211/01.1TASCR.L1-3, Relator: Maria José Costa Pinto, in www.dgs.pt
Este entendimento permite o exercício adequado dos direitos de defesa do arguido e não contende com aquele núcleo essencial que constitui o cerne do artigo 32º, n.º 1, da Constituição e se destina a acautelar que o processo permaneça como um due process of law.(neste sentido Acórdão n.º 109/99 in www.tribunalconstitucional.pt),
Assim, o aludido prazo para interposição do recurso começou a correr em 02/10/2012, e o seu termo ocorreu em 22/10/2012.
Todavia, independentemente de justo impedimento o acto poderia ainda ser praticado nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, (art.145º, nº5, do CPC, aplicável ex vi do art.107, nº5 do CPP), ou seja, até ao dia 25 de Outubro de 2012.
Mas o recurso foi interposto, em 29-10-2012.
Assim, como o recurso foi interposto depois de esgotado aquele prazo (de 20 dias) e também depois de ultrapassados os 3 dias úteis posteriores, a sua apresentação é manifestamente extemporânea, pelo que não devia ter sido admitido.
Contudo, a decisão que o admitiu não vincula este tribunal (art.414º, nº3 do CPP).
Impõe-se agora, por isso, rejeitá-lo, em conformidade com o disposto no art. 420.º n.º1, al. b), com referência ao preceituado no art. 414.º n.º2 do CPP e sancionar o recorrente nos termos do nº3 do art.420º, todos do Código de Processo Penal, ficando consequentemente prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.
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 III – Decisão.
Em face do exposto, decide-se, sumariamente, REJEITAR o recurso intentado pelo arguido A..., por manifesta intempestividade (artigos 417º, n.º 6, alínea b) e 420º, n.º 1, alínea b) – que remete para o 414º, n.º 2 – do CPP).
         Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs, a que acresce condenação no pagamento de 3 Ucs (artigo 420º, n.º 3 do CPP).
Notifique.
                                                              *
 

Coimbra, 18/12/2013.



Calvário Antunes