Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
517/16.5GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE;
DESIGNAÇÃO DE DATA PARA A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 152.º DO CPC; ARTS. 4.º E 400.º DO CPP
Sumário:
I – Constituem despachos de mero expediente aqueles que apenas têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual e que não importam decisão ou julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.
II – A designação de data para a realização da audiência, por efeito de adiamento em data previamente designada para o mesmo efeito, não define, não nega ou reconhece qualquer direito que constitua objecto do processo.
III - Constitui um típico ato de gestão processual, na livre resolução do juiz, no pressuposto de que não viole norma legal expressa (v.g. agendamento em dias úteis).
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
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I. RELATÓRIO

AA, arguido nos autos, interpôs o recurso sob apreciação em cuja motivação formula as seguintes CONCLUSÕES:
1) Conforme resulta de fls., o Tribunal “a quo” designou para início de julgamento o dia 16-10-2017, pelas 14 horas;
2) Nesse dia e naquela hora, o arguido esteve presente, bem como todas as suas testemunhas;
3) O Mandatário do Arguido quando estava a chegar ao Tribunal recebeu um telefonema do Infantário ----, onde frequentam os seus dois filhos, a pedir que fosse buscar os seus filhos, porque estavam a proceder à evacuação, devido ao perigo de inalação de fumo, após aviso da Proteção Civil;
4) O Mandatário do arguido informou a secção, e a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, que teria de se ausentar por aquele motivo súbito, inesperado e inadiável.
5) A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, com o intuito de não adiar o início de julgamento, questionou o arguido, na sala de audiência, se se oporia à nomeação de advogado oficioso para aquele ato;
6) O Arguido opôs-se a tal nomeação, o que fez com que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” designasse nova data para o início de julgamento, que veio a ser o dia 06-11-2017, pelas 13:30 horas;
7) Logo nesse momento, o Arguido referiu à Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que não estaria em Portugal nessa data, explicando que é Emigrante no Canadá (como é do conhecimento dos autos), e que já havia comprado bilhete de avião para ir ao Canadá, com viagem marcada para o dia 05-11-2017;
8) Não fazendo caso do que o Arguido disse, fixou a data acima referida;
9) No dia 20-10-2017, o Arguido enviou para o Tribunal “a quo” por correio eletrónico um requerimento que, para todos os efeitos acima se transcreveu;
10) Do requerimento supra transcrito recaiu o Despacho de fls. no qual consta o seguinte: “Indefere-se o requerido, considerando que o arguido esteve presente no adiamento da sessão de audiência de discussão e julgamento que foi adiada por impedimento dos dois ilustres causídicos a quem o arguido constituiu poderes para o representar (fls. 36) e ficou devidamente notificado da data, na altura, calendarizada para a realização da audiência de discussão e julgamento”;
11) O arguido não pode concordar com tal decisão.
12) A audiência de julgamento não se iniciou no dia 16 de outubro de 2017 por motivos que não são imputáveis a nenhum dos intervenientes, mas sim por motivos urgentes e de força maior;
13) Logo no dia 16 de outubro de 2017, na sala de julgamento, o Arguido referiu à Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que não poderia estar presente na data que se pretendia designar (06-11-2017) em virtude de já ter comprado uma viagem com destino a Toronto no dia 05-11-2017, e que não poderia remarcar essa mesma viagem tão em cima da hora;
14) Apenas que não tinha o comprovativo do bilhete ali consigo e que, se comprometeria a enviar posteriormente por requerimento para aquele Venerando Tribunal;
15) No requerimento de fls. enviado pelo Mandatário subscritor desta peça, juntou o respetivo comprovativo da reserva da viagem (efetuada desde abril de 2017);
16) O Arguido demonstrou (quer pessoalmente, quer documentalmente) que não poderia estar presente no Tribunal para o início de julgamento no dia 06-11-2017, pelas 13.30 horas;
17) O Arguido justificou, fundamentadamente, a sua ausência que o impossibilitaria de estar presente no Julgamento na data que o tribunal veio a designar para o efeito;
18) Consultando todo o processo, verifica-se que o Arguido (que também foi queixoso) sempre participou com empenho e sempre tudo fez para estar presente em todas as fases do processo, e sempre que foi chamado para o efeito (inquérito, instrução e julgamento);
19) O Recorrente não é uma pessoa que foge, esconde ou exerce manobras dilatórias, para atrasar o processo;
20) Não havia motivos, nem fundamentos, para o indeferimento por parte da Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” sobre o requerido – não marcação do julgamento para o dia 06-11-2017, pelas 13.30 horas;
21) Note-se que a 2ª data designada para o início do julgamento, em caso de adiamento era o dia 20-10-2017, pelas 09 horas – vide notificação de fls.;
22) Em data bem anterior ao dia da viagem marcada e comprada pelo Arguido para Toronto, e, se tivesse ficado designada essa data o Arguido poderia estar presente;
23) Pelo que não se vislumbra ser correto, justo e ponderado o Despacho proferido pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”;
24) Por tudo o que vem sendo dito e demonstrado, deve revogar-se o Despacho recorrido;
25) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
26) Não obstante do que vem sendo dito acima, e mesmo que assim se não venha a entender, o que por hipótese meramente académica se admite, e por dever de patrocínio se coloca, ainda se acrescenta o seguinte: No dia 06-11-2017, no início de julgamento, por o arguido não estar presente (com havia justificado), foi o mesmo condenado em multa;
27) O subscritor desta peça não poderá transcrever aqui, na íntegra, o Despacho ditado para a ata, uma vez que na presente data essa ata ainda não se encontra assinada e disponível às partes no CITIUS;
28) O Tribunal “a quo” não considerou justificada a ausência do Recorrente e, vai daí, condenou o Recorrente em multa;
29) O Tribunal “a quo” estava avisado atempadamente da ausência do Recorrente na data designada (06-11-2017);
30) Não havia motivos nem fundamentos legais para condenar o Recorrente em multa, por falta de comparência, quando era do conhecimento daquele Tribunal a razão dessa mesma ausência;
31) Aos Tribunais, além de se lhes pedir que procurem a legalidade (formal e não formal), é-se-lhes exigido a tomada de decisões que sejam justas, realistas, que vão ao encontro dos cidadãos (e não contra eles), quando se verifica que os cidadãos colaboram e se mostram disponíveis a colaborar com a justiça.
32) O recorrente em todo o processo nunca fugiu, nunca se escondeu ou inventou manobras dilatórias para com a JUSTIÇA;
33) Devia o Tribunal “a quo” não ter aplicado qualquer multa ao Recorrente, pela sua ausência que já era conhecida aquando da 1ª data designada para julgamento;
34) Deve este Venerando Tribunal revogar o Despacho proferido no início do julgamento do dia 06-11-2017 – que não se transcreve em virtude de a ata ainda não estar disponível, como acima se demonstrou;
35) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
36) Verifica-se que não se indica nos Despachos recorridos um único facto concreto suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do indeferimento do requerido e condenação e multa;
37) Os Despachos recorridos violam o disposto no artigo 208º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na Lei”;
38) Os Despachos recorridos também violam o disposto no artigo 207º da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;
39) Violam ainda o disposto no artigo 205º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e provados”;
40) Neste caso essa circunstância não se verifica facilmente, pelo indeferimento e condenação e multa sem levar em consideração dos factos apresentados pelo Recorrente;
41) A Meritíssima Juiz com os Despachos recorridos não assegurou a defesa dos direitos do Recorrente, e não fundamentou exaustivamente as suas decisões, e sobretudo ao não apreciar (e não levar em conta) a posição assumida pelo Recorrente no dia 16-10-2016, e posteriormente no requerimento de fls.;
42) O indeferimento do requerido, e condenação em multa é ilegal e inconstitucional, violando-se também o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;
43) Têm forçosamente de ser revogado os Despacho recorridos, nos termos do artigo 412º do C.P.P.;
44) O Recorrente não foi tratado de forma igual a outros cidadãos perante a lei;
45) Termos em que, pelos fundamentos acima expostos, e pelos melhores de Direito, se requer a V. Exas. a REVOGAÇÃO da Decisão recorrida, por ser de LEI, DIREITO E JUSTIÇA.
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Notificado do recurso, o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido apresentou resposta na qual refere, em síntese conclusiva:
1.O despacho que designou nova data para a audiência de julgamento não é passível de recurso, pelo que deve ser rejeitado.
2. Deve ser revogado o despacho que determinou a condenação do arguido em multa processual, uma vez estamos perante um motivo previsível de impossibilidade de comparência e que foi comunicado no próprio dia.
3. O despacho recorrido que designou nova data para a audiência de julgamento não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido na íntegra.
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Neste tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual observa, em síntese:
- embora o recurso devesse ter subido em separado, uma vez que não põe termo à causa, vista a simplicidade e a remessa dos autos a este tribunal, será mais eficiente e menos onerosa a sua apreciação;
- a condenação do recorrente em multa, único aspeto a que se reconduz o recurso, deve manter-se, uma vez que a comunicação da falta não obedece ao disposto no art. 117º, nº2, 2ª parte, do CPP. Sendo a necessidade de tais requisitos reforçada pelo disposto no art. 333º, nº2 do CPP.
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Notificado do douto parecer, respondeu o arguido renovando os fundamentos do recurso
Corridos vistos, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. O objeto do recurso
Vistas as conclusões, remate da motivação do recurso, definidoras das questões a apreciar pelo tribunal de recurso, o arguido recorre de dois despachos distintos – como resulta claramente da conclusão nº 43: “têm que ser revogados os despachos recorridos”.
As conclusões 1 a 25 dizem respeito ao despacho reproduzido na conclusão nº 10, que tem o seguinte teor: “Indefere-se o requerido, considerando que o arguido esteve presente no adiamento da sessão de audiência de discussão e julgamento que foi adiada por impedimento dos dois ilustres causídicos a quem o arguido constituiu poderes para o representar (fls. 36) e ficou devidamente notificado da data, na altura, calendarizada para a realização da audiência de discussão e julgamento”
E as conclusões 26 a 42 dizem respeito ao despacho proferido no dia 06-11-2017, exarado na ata da audiência de discussão e julgamento, que condenou o arguido em multa, por falta injustificada à audiência de discussão e julgamento.

2. Subida do(s) recurso(s)
O recurso da decisão que aplicou uma multa ao arguido por falta injustificada é legal, tendo subida imediata – art. 407º, nº2, al. d) do CPP. Devendo subir em separado, nos termos do art. 496º, nº1 a contrario sensu e nº 2 do CPP, uma vez que a decisão não pôs termo à causa.
No entanto, compulsando os autos verifica-se que a audiência de discussão e julgamento foi entretanto (depois da interposição do recurso em apreciação) realizada e concluída em 20.11.2017 (cfr. ata de fls. 304-305), tendo a sentença final sido lida e depositada em 30.11.2017 (cfr. ata de fls. 351 e declaração de depósito de fls.352). Sendo que não foi interposto recurso da sentença final.
Assim, por uma questão de economia e adequação processual no despacho liminar do relator, foi mantido o modo de subida – nos autos - do recurso da decisão que aplicou a multa. Pelo mesmo motivo foi relegada para a apreciação conjunta, em conferência, a questão da admissibilidade do recurso do despacho que indeferiu a alteração da data do julgamento.

3. Apreciação
3.1. - 1º despacho recorrido (cfr. fls. 265 dos autos) com data de 24.10.2017
Nos autos foi designado o dia 16.10.2017 pelas 14 horas para a audiência de discussão e julgamento.
Nessa data o arguido esteve presente mas o julgamento foi adiado para o dia 06.11.2017, com fundamento na falta do seu defensor/mandatário por ter sido chamado de urgência ao infantário frequentado pelos seus filhos, devido ao perigo de inalação de fumo causado pelos incêndios que assolavam a zona naquela data.
Posteriormente, no dia 23.10.2017 deu entrada em tribunal um requerimento (cfr. fls. 256) no qual o arguido, alegando não poder estar presente na data designada, visto ter viagem de avião marcada no dia 05.11.2017 de Lisboa para Toronto, Canadá, conforme fotocópia do bilhete que junta, pensando estar em Portugal entre 15.03.2018 e 15.07.2018 conclui que “deve o julgamento ser remarcado num dos dias compreendidos naquele período”.
Sobre tal requerimento incidiu o despacho recorrido: “Indefere-se o requerido, considerando que o arguido esteve presente no adiamento da sessão de audiência de discussão e julgamento que foi adiada por impedimento dos dois ilustres causídicos a quem o arguido constituiu poderes para o representar (fls. 36) e ficou devidamente notificado da data, na altura, calendarizada para a realização da audiência de discussão e julgamento”.
Postula o art. 400º do CPP:
1. Não é admissível recurso:
a) – De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenem actos dependentes da livre resolução do tribunal;(…)”.
Sobre o conceito de despacho de mero expediente dispõe o art. 152º do Código de Processo Civil: (…) 4 - Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, considerando-se proferidos no uso de um poder discricionário, os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
Para Rodrigues Bastos (Notas ao CPCivil, V. III, a pgs. 272-4) “Dizem-se atos praticados no uso de poder discricionário aqueles relativamente aos quais a lei atribui à entidade competente a livre escolha quer da oportunidade da prática quer da solução a dar a certo caso concreto. É o contrário do que acontece no exercício de poderes vinculados, em que se trata de aplicar a um caso concreto a vontade objetivada na lei, de tal modo que o autor do ato deve pronunciar-se sobre o pedido em determinado prazo e tem de resolver a pretensão no sentido em que lei dispuser.”
Constituem despachos de mero expediente aqueles que apenas têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual e que não importam decisão ou julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.
Ora a mera designação de data para a realização da audiência, por efeito de adiamento em data previamente designada para o mesmo efeito, não define, não nega ou reconhece qualquer direito que constitua objecto do processo. Constituindo um típico ato de gestão processual, na livre resolução do juiz, no pressuposto de que não viole norma legal expressa (v.g. agendamento em dias úteis).
Se dúvidas pudessem subsistir a este respeito, dispõe de forma perentória o art. 313º do CPP: - “4. Do despacho que designa dia para a audiência não há recurso.”
Não se admite pois o recurso, por ilegal, nesta parte.
De qualquer forma o requerimento, visando a alteração da data do julgamento, caso fosse deferido, deixava o tribunal em posição de não poder notificar devidamente o arguido para a nova data que viesse a designar – visto o termo de identidade e residência, prestado a fls. 32, com morada na área de Leiria. E o tribunal não podia conceder dilações no julgamento que pudessem comprometer a realização do próprio julgamento em tempo útil, sabendo-se que o arguido estava acusado da pática de um crime de injúria cujo prazo de prescrição do procedimento criminal é apenas dois anos.
Acresce que o recurso, nesta parte, perdeu qualquer interesse ou utilidade, face à realização superveniente do julgamento e prolação de sentença transitada em julgado.
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3.2. Segundo despacho recorrido – proferido no dia 06-11-2017 / condenação do arguido em multa processual, pela falta à audiência – cfr. conclusão 26.
Alega o recorrente – concussão 27 – que “não poderá transcrever aqui, na íntegra, o Despacho ditado para a ata, uma vez que na presente data (da interposição do recurso) essa ata ainda não se encontra assinada e disponível às partes no CITIUS”. Sustentando depois que o despacho não cumpre o dever de fundamentação das decisões judiciais, violando o disposto no art. 208º da CRP.
Ora, compulsando os autos, verifica-se que o referenciado despacho consta da ata da audiência (adiamento) de 06.11.2017, a fls. 277 e verso dos autos. Dele consta, além do mais (reprodução):
O arguido esteve presente na pretérita audiência de julgamento, dia 16 de outubro de 2017, conforme consta de fls. 245, ficou devidamente notificado do adiamento e respectivo motivo da falta de mandatário, justificada pelos incêndios que se fizeram sentir em Leiria.
O arguido prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 32, o que constitui uma medida de coacção da qual decorre a obrigação de não se ausentar da morada já indicada por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou lugar onde pode ser encontrado, conforme art. 196º do CPP, medida que foi mantida conforme fls. 207-208, aquando do recebimento da causação.
A fls. 256 vem o arguido informar que não pode comparecer à presente audiência por se ter ausentado para Toronto, documento junto a fls. 258 e ss.
Ora,
a) - nos termos do art. 196º nº3 al. a), do TIR prestado decorre a obrigação de comparecer perante a autoridade competente, ou de se manter à disposição dela, sempre que a Lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado.
b) A obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado, o que não aconteceu.
c) As posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2, exceto se o arguido comunicou uma outra através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.
d) O incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais, nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente, e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 33º do CPP.
(…)
Destarte, proceder-se-á, de imediato, ao início da presente audiência de discussão e julgamento, ficando o arguido representado pelo seu mandatário, nos termos supra referidos.
Vai o arguido Sabino Pereira condenado em 3 UCs caso não justifique a falta.”

O enunciado acabado de reproduzir evidencia a ostensiva ausência de fundamento do imputado vício de falta de fundamentação do despacho recorrido, vista a extensão da fundamentação por reporte à linearidade da questão sob apreciação e as razões, claras, aduzidas, que o recorrente bem identifica, aliás.
Do ponto de vista material, o despacho recorrido, que condenou o recorrente em multa pela falta injustificada à audiência, conexiona-se com o despacho anterior e a alegação de que o arguido tinha requerido a alteração da data por ter viagem marcada para Toronto, Canadá.
Desde logo o despacho recorrido condena o recorrente “em 3 UCs caso não justifique a falta”.
Visto o despacho, o recorrente não veio requer, a posteriori, a justificação da falta. Pretende obter essa justificação com fundamento no requerimento, previamente apresentado, no qual pedia a remarcação da data designada para o julgamento.
No entanto o requerimento de justificação da falta à audiência de discussão e julgamento em processo penal, de natureza pública, obedece a determinados requisitos, específicos, vista a necessidade de compatibilização entre o direito de defesa e de audição do arguido, de um lado, e a boa administração da justiça, com realização do julgamento em tempo razoável, de outro.
Daí que estabeleça o art. 117º do CPP: “2 – (…) Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento”.
Ora, o requerimento apresentado pelo arguido, além não dizer respeito à justificação da falta em si mas à indeferida remarcação da audiência de julgamento, não satisfaz aqueles requisitos, que o recorrente nem invoca, sequer.
Por outro lado tal requisito compatibiliza-se e encontra fundamento material nas exigências decorrentes do preceituado no art. 333º do CPP, ao proibir o adiamento da audiência com base na falta do arguido, salvo se o tribunal, em despacho fundamentado, “considerar que é absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material a presença do arguido desde o início da audiência”. No pressuposto essencial de que o arguido tenha sido “regularmente notificado” – cfr. nº1 do art. 333º.
Ora, no caso, o arguido tinha prestado Termo de Identidade e Residência nos autos cfr. fls. 32. Nele indicando como morada (cfr. fls. 32): - Rua Nª Sra. De Fátima, nº 42, Palmeiria, Caranguejeira, 2420-124 Leiria. E nunca indicou outro endereço para eventuais notificações dos termos posteriores do processo, designadamente no Canadá.
Assim, não cumprindo a comunicação (o requerimento tinha em vista a remarcação da audiência que não, directamente, a justificação da falta) o dever de indicação do local onde o faltoso pudesse ser encontrado, legalmente estabelecido como condição de justificação da falta, o recurso não pode proceder.
Carece ainda de fundamento a invocada violação do disposto no art. 205º da CRP, uma vez que o arguido não foi inibido, antes teve todas as oportunidades de do fazer, direitos, nos termos previstos na lei de processo. Foi ele que se furtou ao cumprimento dos deveres decorrentes da prestação de TIR, de indicação do local para notificação.
Também não se vê em que pudesse ter sido violado o princípio da igualdade perante a lei, que envolve a aplicação de tratamento igual a situações essencialmente iguais, pois que o despacho recorrido, além de não ter inibido o arguido do exercício dos direitos processuais, também não o discriminou em relação fosse a quem fosse, muito menos em identidade de circunstâncias, assentando numa interpretação geral e abstrata da lei. Sendo antes o arguido que não cumpriu os deveres de especificação legalmente estabelecidos para a justificação da falta.
Impondo-se assim, também por aqui, a improcedência do recurso.

III. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se:
- rejeitar o recurso interposto na parte relativa ao despacho que indeferiu a remarcação da data designada para a audiência, por legalmente inadmissível; ---
- julgar improcedente o recurso na parte relativa ao despacho de 06.11.2017, exarado em ata, que condenou o arguido / recorrente em multa por falta à audiência.
Custas pelo arguido/recorrente, nos termos do art. 513º do CPP, nº1 do CPP, fixando-se a taxa de justiça – recurso de duas decisões - nos termos da Tabela III anexa ao RCP, em 3 (três) UC.

Coimbra, 06 de Junho de 2018

Belmiro Andrade (relator)

Abílio Ramalho (adjunto)