Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
509/17.7T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
IMPUGNAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
CASAMENTO
REGIME DE BENS
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS PRÓPRIOS
BENS SUB-ROGADOS
PROVA
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 374, 376, 1717, 1722, 1723, 1724, 1733 CC, 640 CPC
Sumário: 1. Sendo os documentos meio de prova destinados a comprovar a respectiva matéria substantiva alegada, a parte contrária com a impugnação dessa matéria acaba por efectivar uma impugnação dos mesmos documentos que visam a dita comprovação.

2.- A parte só tem que deduzir uma útil e necessária impugnação dos documentos juntos aos autos pela parte contrária se os documentos estiverem assinados por si e eles implicarem o reconhecimento da realidade de um facto que é desfavorável a tal parte, pois só nesta situação há uma confissão da realidade constante do documento particular (arts. 374º, nº 1, e 376º, nº 1 e 2 do CC);

3.-Quando se impugna a decisão da matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (art. 640º, nº 1, b), do NCPC); se o se limita a uma invocação de prova documental abstracta, a sua impugnação tem de ser rejeitada.

4.- O montante indemnizatório recebido por todos os danos causados, em virtude de acidente, na saúde e integridade física de uma pessoa, a título de incapacidade permanente e que comportou a indemnização por todos os danos futuros, é bem próprio dessa pessoa, não comunicável ao seu cônjuge.

5.- Estando em causa apenas interesses dos cônjuges, o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, pode provar por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. R (…), residente em (...) , intentou acção declarativa contra M (…)  residente em (...) , pedindo que a ré seja condenada:

1. A reconhecer que os veículos com as matrículas BMW JP ( ...) ; SMART IS ( ...) ; Citroen C2 BT ( ...) , são propriedade exclusiva do autor;

2. Em consequência, a ré condenada a entregar ao autor o referido veiculo BT ( ...) .

3. Por último, a pagar ao autor a quantia global de 85.581,72 €.

4. Tal, quantia acrescida dos juros moratórios contados desde a citação e, compulsórios até efectivo e integral pagamento.

Para tal alegou, em síntese: o autor foi casado com a ré, segundo o regime da comunhão de bens adquiridos; sofreu um acidente de viação rodoviário e foi indemnizado pela Seguradora da responsável do mesmo em 265.000 €; como autor e ré eram devedores solidários de empréstimos bancários contraídos por ambos, a seguradora amortizou parcialmente parte da dívida e como o autor e a ré, à época, enquanto casal, deviam quantia superior à instituição financeira M (…), o autor amortizou a suas expensas exclusivas, o diferencial entre o valor em divida ao Banco e o pagamento realizado pela Seguradora, no montante de 8.063,43 €, sendo por isso, o autor credor da ré na proporção de metade; por outro lado com a aludida indemnização e com vista à aquisição de determinadas quotas de uma sociedade mutuou 50.000 € à ré; ainda para a ré iniciar a sua actividade empresarial mutuou mais 4.000 €; e ainda adquiriu um veículo por 4.500 € que a ré registou a favor da sociedade em que comprou as ditas quotas; deste valor total tem a ré por pagar 38.500 €; o autor adquiriu, ainda, com o montante da referida indemnização três veículos automóveis, que identificou, sendo que a ré está na posse do veículo Citroen, desde a data da separação do casal, contra a vontade e em prejuízo do autor; emprestou ainda à ré a quantia de 2.150 €, com vista à aquisição de uma campa, para a sepultura do seu pai, nunca a ré lhe tendo restituído tal importância; já depois do divórcio a ré procedeu ao levantamento do valor exclusivo do autor de 25.000 €, de que se apropriou, relativo a aplicação financeira efectuada na sequência do recebimento da falada indemnização, assim o impedindo de receber a remuneração na data de vencimento da aplicação no montante de 15.000 €, além de ter suportado um emolumento bancário de 900 €. Valores totais de 85.581,72 € de que a ré se apoderou, pois os invocados créditos provêm da indemnização recebida e como tal sem próprio do A.

A ré contestou, e, além do mais, impugnou motivadamente parte dos factos alegados pelo autor. Deduziu reconvenção, alegando que após o acidente sofrido pelo autor passou a tomar conta dele a tempo inteiro, assim havendo ficado impossibilitada de procurar emprego e de poder ser autónoma, tendo permanecido nessa situação desde Agosto de 2007 a Janeiro de 2009, assim havendo deixado de auferir, tendo por base o salário mínimo nacional, o total de 7.577 € de retribuição. Mais defendeu que a indemnização pela perda da capacidade de ganho constitui bem comum do casal, no regime de bens supletivo da comunhão de bens adquiridos após o casamento, como era o caso do autor e da ré, pelo que, de entre o valor recebido por aquele a título de indemnização, haverá que determinar e quantificar o montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais pela perda da capacidade de ganho, sendo que metade do valor recebido pelo autor a título de perda da capacidade de ganho deverá ser considerada bem comum do casal, calculando que tal dano nunca seria de valor inferior a 200.000 €. Conclui ter direito a receber do autor a quantia total de 107.577 €, peticionando tal valor a título reconvencional, acrescido dos juros devidos à taxa legal desde a data da notificação de tal pedido.

Replicou, o autor, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo-se a R. dos pedidos, e julgou a reconvenção improcedente, absolvendo-se o A. do pedido formulado contra si.

*

2. O tribunal suscitou a eventual litigância de má fé do A., e ordenou o cumprimento do princípio do contraditório. O A. veio pugnar pela não verificação dos pressupostos da litigância de má-fé e a ré veio defender o seu preenchimento, assim como formular pretensão indemnizatória no montante de 5.076,80 € e no pagamento ao IGEFEJ do valor relativo a honorários. 

*

Foi, depois, proferido despacho que condenou o A. como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa, no valor de dez UC, no mais julgando-se improcedente a pretensão indemnizatória da R.

*

3. O A. interpõs recurso da sentença final e do despacho que o condenou em multa, concluindo que:

(…)

4. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

1. O autor e a ré contraíram casamento, sem convenção antenupcial, no dia 31 de julho de 1999, em primeiras núpcias de ambos, tendo esse casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 10 de maio de 2016, transitada em julgado em 9 de junho de 2016 (conforme documento 1 junto com a petição inicial).

2. O autor foi interveniente em acidente de viação, no dia 11 de agosto de 2007.

3. A título de indemnização por todos os danos causados, em virtude desse acidente, na sua saúde e integridade física, bem como pela incapacidade permanente, o autor recebeu, da C (…)a indemnização total de €265.000,00, que foi liquidada a 22 de abril de 2010 e comportou a indemnização por todos os danos futuros.

4. O então casal (autor e ré) era devedor de empréstimos bancários contraídos para financiamento da construção da casa de habitação própria, mais precisamente, concedidos no âmbito do contrato nº ( ...) do Banco M ( ...) , em 2004, no montante inicial de 100.000,00, reforçado, no valor de 25.000,00, nos termos do contrato nº ( ...) .

5. Existiam contratos de seguro associados a tais contratos de mútuo, tendo como seguradora Companhia de Seguros (…)SA, que garantiam ao Banco mutuante o pagamento das quantias em dívida, em caso de morte ou invalidez permanente dos mutuários.

6. Na sequência do sinistro sofrido pelo autor, foi considerada verificada a sua invalidez permanente, tendo a identificada Companhia de Seguros liquidado ao identificado Banco:

a) No âmbito do referido contrato de empréstimo nº ( ...) , em 13.03.2009, a quantia de €99.344,82;

b) Relativamente ao contrato de empréstimo nº ( ...) , o seu valor toral de €25.000,00 euros.

7. O valor referido em 6. a) não saldou a totalidade da dívida de autor e ré perante a instituição bancária mutuante, tendo o remanescente em falta sido pago, no âmbito de processo de execução, pelo montante de €7.592,71, sendo que, em 25 de outubro de 2011, para pagamento de parte desse montante, o autor deu ordem de transferência de €7.000,00.

8. O autor e a ré decidiram adquirir as quotas da sociedade V (…) Lda., com vista a explorarem o estabelecimento comercial de supermercado àquela pertencente, sendo que o respetivo contrato, por motivos não concretamente apurados, foi formalizado apenas em nome da ré, mas havendo sido o autor quem teve a principal intervenção no referido negócio.

9. Com vista ao pagamento do valor acordado, com o outro outorgante, no âmbito desse negócio, o autor emitiu um cheque no montante da quantia de €50.000,00, em 16.12.2010.

10. O autor passou, de facto, a gerir, conjuntamente com a ré, a referida sociedade.

11. O autor alienou um veículo ligeiro com a matrícula CD ( ...) da marca Smart, modelo Fortwo, quando decidiu adquirir uma viatura ligeira de mercadorias com a matrícula ZA ( ...) , da marca Fiat Doblo, para uso ao serviço da atividade daquela sociedade, em nome de quem foi registado.

12. Ao mencionado veículo Smart foi atribuído o valor de €2.000,00, tendo o autor entregue ao vendedor o remanescente de €2.500,00, para pagamento da viatura Fiat.

13. O autor passou a conduzir, com regularidade, o mencionado Fiat Doblo.

14. O autor e a ré decidiram alienar todo o ativo da sociedade, em janeiro de 2013, à sociedade C (…), Lda., pelo valor global de €20.000,00, tendo também esse negócio sido formalizado em nome da ré.

15. Foi acordado que esse montante da venda seria entregue ao autor, de forma faseada, pela compradora, o que tem vindo a suceder, havendo, mais precisamente, sido entregue ao autor, pela compradora, o valor de €5.000,00, na data da celebração do negócio, em 02 de fevereiro de 2013 e prestações no valor de €2.500,00 cada, em março de 2013, abril de 2013, janeiro de 2014, janeiro de 2015, janeiro de 2016 e estando em falta a última prestação, vencida em janeiro de 2017.

16. O autor adquiriu o veículo automóvel de marca BMW, matrícula JP ( ...) , cujo preço foi pago através de cheque datado de 13.08.2013, no valor de €46.900,00.

17. O autor adquiriu o veículo SMART IS ( ...) , por preço não concretamente apurado, tendo a respetiva propriedade sido registada em 01.10.2014.

18. O autor adquiriu o veículo Citroen C2 BT ( ...) , sendo o respetivo registo de propriedade datado de 14.09.2012.

19. A ré tem na sua posse o veículo Citroen, desde a data da separação de facto do casal e dele faz uso, contra a vontade do autor.

20. O autor, em 28.10.2010, emitiu um cheque, no valor de 2.150,00, para pagamento da aquisição de uma campa para a sepultura do seu sogro (pai da ré).

21. O autor e a ré constituíram, no Banco (…) uma aplicação financeira no valor de €50.000,00, com a designação “Note valorização Portugal Junho 2018”, com início em 25.06.2013, termo em 25.06.2018 e uma renumeração fixa anual de 6%, sendo pressuposto a capitalização de juros, na data de vencimento da aplicação, apenas acessível aquando do seu resgate.

22. A ré, sem o conhecimento do autor e contra a vontade que este veio a demonstrar, em 09 de setembro de 2016, deu ordem de resgate parcial a aplicação e embolsou a quantia de €25.000,00.

23. A ré, após o sinistro mencionado em 2., permaneceu em casa, sem trabalhar, a tomar conta do autor e a prestar-lhe a assistência de que ele, em virtude das lesões corporais sofridas, carecia, o que se prolongou durante um período de tempo não concretamente apurado.

*

Factos não provados:

a) – Que a conta existente na C (…) agência de (...) com o número de identificação bancária nºPT ( ...) , fosse unicamente provisionada pelo valor mencionado em 3. (ou apenas o fosse com dinheiro exclusivamente pertencente ao autor).

b) – Que a quantia referida em 7. haja sido paga a “expensas exclusivas” do autor.

c) – Que a ré tenha solicitado ao autor um empréstimo, de €50.000,00, com vista à aquisição das quotas da sua entidade patronal, tendo assumido a obrigação de lhe devolver esse montante.

d) – Que a explotação do supermercado acima referido haja sido exercida apenas pela ré.

e) – Que o autor haja “mutuado” à ré a quantia de €4.000,00 “para apoio à tesouraria da sociedade”, tendo-se a ré comprometido a devolver-lhe tal valor.

f) – Que tenha sido unicamente a ré quem, de facto, passou a gerir e a dispor da referida sociedade e do seu ativo “como quis e lhe aprouve”.

g) – Que o autor nunca tenha tido qualquer intervenção direta ou indireta em tal atividade empresarial.

h) – Que o veículo ligeiro com a matrícula CD ( ...) apenas pertencesse ao autor.

i) – Que o veículo Fiat acima referido fosse utilizado apenas pela ré ou mesmo que o fosse habitualmente por esta.

j) – Que o acordo referido em 15. tivesse tido em vista a “amortização do empréstimo” concedido pelo autor à ré.

k) – Que os veículos automóveis referidos em 16., 17. e 18. tenham sido adquiridos, exclusivamente, com o montante da indemnização mencionada em 3.

l) – Que o autor tenha emprestado à ré, em 02.11.2010, a quantia de €2.150,00, tendo esta assumido a obrigação de lhe restituir tal montante.

m) – Que a aplicação financeira referida em 21. tenha sido feita, exclusivamente, com dinheiro proveniente da mencionada indemnização e que, na conta bancária aberta para o efeito, a ré conste como titular apenas “por indicação do funcionário bancário”, “numa perspetiva de agilidade e com vista a formalizar a abertura de conta”, “sempre ambos reconhecendo tratar-se de capital exclusivamente pertença do autor”.

n) – Que a operação mencionada em 22. tenha gerado encargos bancários, para o autor, de €900,00

o) – Qual o concreto período de tempo por que a ré permaneceu em “situação de dedicação e ajuda ao autor”.

(….)

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as únicas questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Se ao A. deve ser reconhecida a qualidade de proprietário exclusivo dos veículos por ele identificados e se ele é credor da R. e qual o valor em concreto.

- Litigância de má fé do A.

2. O A. impugna a decisão da matéria de facto relativamente aos factos não provados a) a j) e l) a o), pretendendo que eles passem a provados, com base no depoimento das testemunhas (…) e prova documental (cfr. conclusões de recurso 6ª a 14ª, 18ª a 22ª, 24ª, 27ª a 30ª).

A julgadora de facto exarou na sua motivação, para tal decisão, o seguinte:

“Em termos de prova documental, analisaram-se e valoraram-se os diversos documentos juntos ao processo, os quais em muito pouco se revelaram idóneos e bastantes para – só por si – basearem a comprovação de factos controvertidos.

(…)

Quanto aos factos que integraram o elenco dos factos não provados, valorou-se a prova produzida como insuficiente para a respetiva confirmação.

Nomeadamente:

- O facto inserto sob a) não foi confirmado por qualquer meio de prova credível, o mesmo tendo sucedido quanto ao facto referido em b).

- Quanto aos factos c) a g), i) e j), mais do que a sua falta de demonstração, da prova produzida decorreu, mesmo, a sua firme infirmação – como supra melhor se procurou especificar.

- Acerca do facto h), nenhuma prova minimamente credível foi produzida (nomeadamente, no sentido de se poder concluir que esse bem estivesse excluído do património comum do então casal composto por autor e ré).

- Acerca do facto aludido sob k), não foi produzida prova bastante para tal confirmação.

Mais precisamente, é lícito supor, em face dos factos conhecidos, que para parte dos bens que foram adquiridos após o recebimento, pelo autor, da indemnização acima aludida, possa ter sido usado dinheiro dessa proveniência; todavia, o certo é que inexiste qualquer documento em que tenha sido, então, declarado que, aquando da compra e venda, o preço era pago, em parte ou na totalidade, com dinheiro da indemnização atribuída ao autor.

Assim sendo – isto é, na falta de tal declaração - e sabendo-se – pois tal decorreu, nomeadamente e a par das próprias versões das partes vertidas nos respetivos articulados, dos depoimentos das testemunhas 1, 2 e 5 – que o casal, já antes do recebimento daquela indemnização, tinha património e rendimentos do trabalho de ambos, não se pode concluir, sem mais, que tudo o que foi pago após abril de 2010 o foi com dinheiro de tal indemnização.

Competia, assim, ao autor ter feito a prova bastante da sua versão dos factos, nessa parte, ónus este que não cumpriu minimamente, assim se tendo imposto o julgamento negativo do factualismo ora em referência.

- Acerca do facto mencionado em l), apenas foi produzida prova por declarações de parte, a qual – pelos motivos acima elencados – se valorou como manifestamente insuficiente para a sua demonstração.

- Valorou-se, igualmente, a escassa prova produzida acerca dos factos m) e n) como sendo claramente insuficiente para convencer da respetiva veracidade (nomeadamente, que tenha sido o exclusivo património do autor a suportar quaisquer encargos).“

Em termos gerais cabe relembrar que o A. juntou aos com a sua p.i. 41 docs., alguns compostos de várias páginas, visando comprovar matéria alegada nos respectivos artigos de tal articulado, e posteriormente mais 3 docs.

Igualmente cabe salientar que a julgadora de facto ponderou para a sua decisão da matéria de facto “os diversos documentos juntos ao processo”.

Também deve ser sublinhado que os artigos da p.i., contendo matéria factual para a qual remetiam os docs. apresentados pelo A., matéria que agora está sob impugnação, foram impugnados motivadamente pela R. na sua contestação. Como os documentos são meio de prova destinados a comprovar a respectiva matéria substantiva alegada, a parte contrária com a impugnação dessa matéria acaba por efectivar uma impugnação dos mesmos documentos que visam a dita comprovação.

Por fim, a parte só tem que deduzir uma útil e necessária impugnação dos documentos juntos aos autos pela parte contrária se os documentos estiverem assinados por si e eles implicarem o reconhecimento da realidade de um facto que é desfavorável a tal parte, pois só aí nessa situação há uma confissão da realidade constante do documento particular, como emerge com nitidez do disposto nos arts. 374º, nº 1, e 376º, nº 1 e 2, 1ª parte, do CC. O que não acontece no caso concreto dos docs. apresentados pelo A.

Portanto, como primeira e importante nota de carácter geral, e ao contrário do que diz o A., não pode o mesmo afirmar que a R. não impugnou os docs. por si apresentados, e que assim a matéria impugnada estaria reconhecida pela R. com a desejada comprovação dos factos não provados que elencou.

Tem, por isso, de analisar-se especificamente a matéria de facto não provada indicada pelo A.

2.1. Em relação à o) não se compreende a sua impugnação pelo A., visto que tinha a ver com uma realidade alegada pela R. para suportar o seu pedido reconvencional, que todavia foi julgado improcedente, decisão transitada, já que a R. dela não decorreu. Por conseguinte, a impugnação deduzida acaba por reverter-se em inutilidade total.

2.2. Algumas palavras tem de ser dedicadas à não impugnação da k) – já no corpo das alegações também não vem impugnada tal alínea, pelo que não se pode falar em lapso ou deficiência impugnatória. E como sabemos e acima foi dito, sendo o âmbito objectivo dos recursos delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciando-se, apenas, as questões que ali foram enunciadas, então fica de fora da nossa apreciação a matéria da aludida k) e dos respectivos meios de prova convocados, designadamente a prova documental invocada e o depoimento da testemunha (…)

Diga-se em nota de pé de página que mesmo que fosse susceptível de apreciação a mesma estaria votada ao insucesso, dado que (nas suas conclusões de recurso 25ª e 26ª) o recorrente se limita a dizer que a “documentação junta aos autos não impugnada” e “os documentos comprovativos dos respetivos pagamentos” permitem concluir que os identificados veículos automóveis foram adquiridos exclusivamente com o montante da indemnização atribuída ao A. E já no corpo das alegações o recorrente também se referia, nos mesmos termos, a “documentação junta” e a “meios de pagamento juntos aos autos - cópia dos cheques”. É caso, porém, para perguntar, mas quais são esses documentos em concreto a que se está a referir ?

Ora, como é sabido, quando se impugna a decisão da matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (art. 640º, nº 1, b), do NCPC). O que o apelante não observou, limitando-se a uma invocação de prova documental abstracta, pelo que, repete-se, a sua impugnação, a admitir-se como deduzida, teria de ser rejeitada.   

2.3. Relativamente à b), o apelante limita-se a dizer o que consta da sua conclusão 7ª. Que o A. deu ordem de transferência dos 7.000 € já sabemos, pois está assente no facto provado 7. Mas como se descobre que o dinheiro utilizado provinha apenas da indemnização recebida ? Não sabemos, porque o A., não indica em concreto nenhum meio de prova, nem especifica o que quer que seja, em desrespeito pelo aludido art. 640º, nº 1, b), do NCPC). Motivo pelo qual se rejeita a impugnação nesta parte.

Relativamente à e), também o apelante se fica pelo que refere na sua conclusão 24ª. Mas dos documentos juntos que afirma comprovar tal facto, quais são os que especificamente o demonstram ? O A. não os concretiza, pelo que mais uma vez a impugnação vai rejeitada à sombra do mencionado art. 640º, nº 1, b).

No respeitante às l) e n), o recorrente pura e simplesmente não apresenta qualquer meio probatório concreto que justifique a pretendida alteração factual. Desta maneira vai a impugnação rejeitada a coberto do apontado art. 640º, nº 1, b).      

2.4. Quanto à a), o facto nela ínsito não esta correctamente configurado pelo tribunal na sua resposta, pois desrespeita em grande parte o alegado pelo A. Na verdade, o que o mesmo alegou na sua p.i. (art. 18º) foi que a indemnização total que recebeu foi creditada na sua conta de solteiro, aberta em 1999, titulada pelo A. na C (…), agência de (...) com o número de identificação bancária n º(…) A resposta dada pela julgadora de facto está pois desfasada do perguntado, sendo uma resposta deficiente. Assim, a prova que deve ser analisada tem de ter presente a alegação original do A. e é sobre tal redacção que incidirá a impugnação deduzida.

O A. estriba-se, para tanto, nos docs. nº 5 e 5-A (cfr. conclusão de recurso 6ª). Compulsados esses dois docs., e em articulação com o facto provado 1. apenas resulta demonstrado que a referida conta foi aberta na C(…) quando o mesmo era solteiro. O depósito dessa indemnização total não resulta de tais docs., sendo certo que este facto foi impugnado pela R. na sua contestação.

Desta maneira, apenas aquele facto seco de abertura da conta, mas não o crédito da conta com tal indemnização, pode ser dado por provado, procedendo parcialmente a impugnação. Em consequência adita-se aos factos provados sob 24. (a negrito) a seguinte factualidade (eliminando-se a a) dos factos não provados que assim ficará em letra minúscula):

24. A conta existente na C (…), agência de (...) com o número de identificação bancária nºPT(…), de que o A. é titular, foi aberta quando o mesmo era solteiro.         

2.5. No respeitante às c), d), f) a j), o A. baseia a sua impugnação em docs. e no depoimento da testemunha (…)o (cfr. conclusões de recurso 18ª a 22ª, 28ª e 29ª). Quanto a prova documental refere cheque emitido sobre a sua conta da C ( ...) (conclusão 21ª) e no corpo das alegações em “Toda, a prova documental, junta, comprova ter a Recorrida, exclusivamente, contratualizado a aquisição do estabelecimento comercial e, na posterior alienação acordado, com o Recorrente que, este, ia receber o valor da venda, com vista, a amortizar tal, empréstimo.”.

Relativamente a cheque, que o A. não concretiza qual seja, já está provado que o A. emitiu um, como decorre do facto provado 9. Nada mais. E mesmo que se aceite que que o aludido cheque tivesse sido emitido sobre a sua conta da C ( ...) isso, por si nada provaria, pois não está demonstrado que tal conta tivesse sido provisionada pelo valor indemnizatório mencionado no facto 3., ou apenas o fosse com dinheiro exclusivamente pertencente ao A.   

Na demais documentação, mais uma vez é ocasião para interrogarmos o A. Quais são os docs. em específico que demonstram o que o A. pretende ? E mais uma vez não sabemos, porque o A. nada indica, pelo que mais uma vez à sombra do já falado art. 640º, nº 1, b), a prova documental tem de ser rejeitada para o efeito da particular impugnação em apreço.

Fica tão-só o depoimento da testemunha mencionada Vítor Lourenço, professor e que era testemunha comum a ambas as partes, e que está gravado em CD e que ouvimos.

Por referência à matéria em apreço, referiu, ser amigo do A. e da R., há cerca de 7 anos. Teve um negócio com eles, de venda de um supermercado. O contrato foi feito com ele e com a R., mas depois foi concretizado por ambos. Recebeu 50.000 € por cheque passado pelo A. na presença de ambos. Ela era funcionária dele e entretanto teve necessidade de deixar o negócio e foi quando se chegou mais ou menos a acordo com a R. Depois envolveu também o A. O negócio que fez inicialmente foi com a R. Sabe que o A. teve uma indemnização, por acidente, o dinheiro poderia vir de lá, à partida, mas não sou eu que tenho de tentar justificar. No supermercado, pontualmente estava lá o R., mas quem permanecia mais tempo era a R. Aquilo era do casal. Parece que ele já era reformado. Tanto um como o outro faziam no local uma venda. Pensa que tinham uma carrinha comercial, ambos a usavam. Empréstimo do A. à R. não sabe.    

Deste depoimento não resulta de maneira nenhuma a versão do A. que ele pretende seja dada por provada, nos factos que impugna, bem pelo contrário. Esta mesma constatação foi afirmada com clareza na motivação da julgadora de facto aquando da resposta aos factos provados, quando observou que:

“Começando por fazer referência à prova testemunhal, foram ouvidos, em sede de audiência de julgamento:

(…)

3. – (…), que confirmou o negócio que teve “com eles” - expressão que, espontaneamente, usou, logo no início do seu depoimento, para se referir a autor e ré – referente à cedência das quotas e da exploração do estabelecimento de supermercado, negócio esse que confirmou ter sido celebrado em nome da ré porque, ao que pensa, o autor estava já reformado (e não era, por isso, suposto exercer atividade profissional).

4. – (…), que começou por referir, de forma absolutamente espontânea, conhecer o autor porque lhe comprou o supermercado.

Esclareceu a sua ligação à empresa (…), confirmou o negócio que efetuou, enquanto representante dessa empresa, com o autor e a esposa.

Da conjugação dos depoimentos desta testemunha e da testemunha 3 (por lapso escreveu-se 2) resultou a firme e absoluta infirmação da versão dos factos trazida ao processo pelo autor, no que se refere à aquisição das quotas da sociedade à testemunha 3 (por lapso escreveu-se 2), à exploração do supermercado e à posterior alienação de bens utilizados naquela atividade comercial, cuja inveracidade se impôs como evidente, antes se tendo ficado com a certeza de que foi o autor quem, efetivamente, impulsionou e levou a cabo os negócios havidos com aquelas testemunhas, sempre – obviamente – com o acordo (ou, pelo menos, com a adesão) da ré, em nome de quem foi formalizada a transmissão das quotas.”.

Em suma e conclusão, a versão do A. está muito longe de se ter demonstrado, de ser verdadeira, em relação às c), d), f), g), i) e j), pois quanto à h), o A. nenhum elemento probatório credível apresentou.    

Improcede, pois, esta parte do recurso.    

2.6. Relativamente à m), o A. funda a sua impugnação nos docs. 32 e 33 (juntos com a p.i.) e no depoimento da testemunha N. (…) (cfr. conclusões de recurso 8ª a 14ª).

Sobre a matéria exarou a julgadora na sua motivação que:

“Começando por fazer referência à prova testemunhal, foram ouvidos, em sede de audiência de julgamento:

1. – N (…), que começou por dizer conhecer as partes, sendo gestor de conta do autor e da ré, na agência do B (…), em (...) (nesse momento parecendo procurar fazer crer que nenhuma relação de proximidade mantinha com qualquer um deles, suscetível de pôr em causa a sua imparcialidade), sendo que, numa parte posterior do seu depoimento, acabou por afirmar ser amigo do autor.

Apenas revelou ter conhecimento pessoal e direto quanto ao facto de o autor e a ré terem procedido à abertura de uma conta no B ...) de (...) , sendo que, em relação a tudo o mais a que se referiu (nomeadamente, a fonte do dinheiro usado na abertura daquela conta, (…..), revelou um mero e impreciso conhecimento indireto, sabendo apenas aquilo que (alegadamente) lhe foi dito pelo autor, cujos interesses foi patente, ao longo de todo o seu depoimento, procurar salvaguardar.

Valorou-se este depoimento como claramente tendencioso, o que, aliado ao escasso conhecimento direto que revelou ter acerca dos factos controvertidos, levou a que se tenha julgado de escasso interesse para a formação da convicção acima vertida.

2. – T (…), que se afirmou amiga da ré e revelou também um escasso conhecimento direto e pessoal acerca dos factos integradores dos temas da prova.

(…)

Mais resultou do seu depoimento que o casal tinha rendimentos e património já antes do autor receber a indemnização referenciada nos autos, do que se extraiu a absoluta convicção de que nem tudo o que, posteriormente, foi por eles adquirido o foi com o dinheiro proveniente daquela indemnização.”.

Ouvimos o depoimento da testemunha N (…), gravado em CD. Sobre a factualidade em discussão a testemunha, conhecido/amigo do A. desde os tempos de escola, e gestor de conta do A. e R. no B ...) , disse que na altura que estava no B (…)em (...) , e após o acidente e recebimento da pelo A. este e a R. foram à agência e solicitaram-lhe a abertura de uma conta, para poderem separar aquilo que seria o dinheiro de indemnização do R (…) da conta corrente do dia-a-dia que eles usavam. Isto era para ele poder constituir uma aplicação que estivesse separada da sua conta do dia-a-dia, que não fosse de gestão diária vá, era mais uma conta poupança, onde pudesse ter aquele dinheiro guardado, para qualquer eventualidade de futuro, uma vez que o Rui andava a receber tratamentos, precisava de dinheiro para próteses, podia vir a precisar para algum internamento ou alguma situação futura. Na altura o A. e s R. transmitiram-lhe que era dinheiro que vinha da C (…) de Depósitos, mas que tinha sido proveniente da indemnização que o R(…) tinha recebido, quando teve o acidente. Na altura a quantia da abertura dessa conta foi de 100.000 €. O Sr. R (…) tinha sempre o cuidado de fazer aplicações financeiras, de curto/médio prazo no máximo, dentro das possibilidades, com garantia de capital, porque a qualquer momento podia vir a precisar, para alguma prótese, para alguma operação. Eu lembro-me de que na altura, o R (…) estava receoso porque pensava que tinha de ser intervencionado novamente à anca, para lhe cortarem mais uma parte do osso, para essas situações. Esta era uma conta destinada a poupança, mas houve o cuidado do R (…) inserir a D. C (…) na conta, porque tinha receio de uma futura hospitalização, algum tratamento, alguma coisa que precisasse e, que não pudesse ter acesso ao dinheiro, e ela ficou como segunda titular. Quando a C(…) resgatou metade da aplicação houve perda de juros.

Analisando agora.

Comece por observar-se que diversamente do afirmado na motivação da julgadora de facto, a testemunha N. (…) não revelou ser amigo do A. só numa parte posterior do seu depoimento, antes disse-o logo inicialmente, quando inquirido aos costumes, que era conhecido/amigo do A. (fazendo até uma pequena destrinça entre a condição de amigo e a de conhecido). Por outro lado, não se detectou ao longo da audição que o mesmo tivesse, patentemente, procurado salvaguardar os interesses do A., como o afirma a julgadora de facto, ou que o seu depoimento fosse claramente tendencioso, como, igualmente, afirma a mesma julgadora. Finalmente, também não conseguimos acompanhar a referida julgadora quando menciona que a dita testemunha revelou um mero e impreciso conhecimento indirecto dos factos, antes, pelo contrário, a testemunha revelou um conhecimento directo dos factos por neles ter comparticipado e por eles ter presenciado, com informação relevante transmitida directamente pelos interessados A. e R.

De outra parte, o depoimento da testemunha T (…)é inócuo sobre o particular aspecto que analisamos.      

Temos assim, prova documental, convocada pelo apelante em que se verifica que o doc. nº 32 se reporta a um cheque de 100.000 €, datado de 31.8.2010, proveniente da conta de solteiro do A., referida no facto provado 24., para abertura de conta no Banco B (…) a que se refere o doc. nº 33., sem esquecer que o A. tinha recebido pouco tempo antes (cerca de 4 meses) uma indemnização de 265.000 €, abertura de conta que a testemunha N. (…) que a efectivou, confirma ter sido feita pelo A. com dinheiro da indicada indemnização, pois isso lhe foi dito por A. e R., com o propósito de o A. ter uma espécie de conta-poupança diferente de uma conta corrente para as despesas e movimentos do dia-a-dia, para salvaguardar qualquer eventual necessidade do A. a nível físico ou de saúde, o que também lhe foi transmitido por ambos, eventualidade essa que levou a R. a ficar como 2ª titular da conta. Sendo desse bolo financeiro que saiu o dinheiro para a aplicação financeira dos 50.000 € (o que está confirmado pelo doc. nº 38, junto com a p.i., referido pela julgadora de facto na motivação da sua resposta ao facto provado 21.).

Consequentemente, formamos a convicção (nos termos do art. 607º, nº 5, 1ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2, do NCPC) que o A. tem fundado motivo para a impugnação que deduziu, no que respeita ao facto essencial (na parte sobrante já não), pelo que procede parcialmente a mesma, aditando-se um novo facto provado sob 25. (a negrito e eliminando-se a parte correspondente da m), que ficará em letra minúscula), nos seguintes termos:

25. A aplicação financeira referida em 21. foi feita, exclusivamente, com dinheiro proveniente da indemnização mencionada em 3.     

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“É incontrovertido nos autos que o casamento que foi celebrado entre autor e ré se deve considerar celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos – artigo 1717º do Código Civil.

Assim, nos termos do artigo 1722º do Código Civil:

“1. São considerados próprios dos cônjuges:

a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;

b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;

c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.

2. Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum:

a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele;

b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento;

c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade;

d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento.”

Acrescenta o subsequente artigo 1723º, regendo a matéria dos bens sub-rogados no lugar de bens próprios, que:

“Conservam a qualidade de bens próprios:

a) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges por meio de troca direta;

b) O preço dos bens próprios alienados;

c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.”

Integram-se na comunhão – artigo 1724º:

“a) O produto do trabalho dos cônjuges;

b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei.”

O artigo 1725º, estabelece a presunção de comunicabilidade, nos seguintes moldes:

“Quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.”

(…)

São sempre bens incomunicáveis, por força do estatuído no artigo 1733º, nº1, do mesmo Código, a par do mais (que aqui não importa diretamente):

(…)

“d) As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios”

(…).

“A incomunicabilidade dos bens não abrange os respetivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis”, esclarece o nº2 do mesmo artigo.

Na situação sub judice, pretende o autor ser credor da ré por ter sido com dinheiro proveniente da indemnização acima mencionada em 3., que entende ser bem próprio, que solveu dívida do casal, adquiriu determinados bens e lhe efetuou mútuos.

Sabe-se que, efetivamente, o autor recebeu determinada quantia a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais para si decorrentes de determinado acidente de viação, em que esteve envolvido, a qual entende ser bem próprio por efeito do estabelecido no artigo 1733º, nº1, alínea d), do Código Civil.

Mesmo a reconhecer-se procedência a esse entendimento do autor, quaisquer bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios deste, para conservarem a qualidade de bens próprios, nos termos do estabelecido no supra citado artigo 1723º, alínea c), sempre a respetiva proveniência do dinheiro ou valores devia ter sido “devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges” (sublinhado da signatária), o que não foi alegado nem demonstrado nos autos ter sucedido, no concernente a qualquer uma das situações integradoras da causa de pedir.

Na ausência dessa indicação e conforme jurisprudência fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.2015, proferido no processo 899/10.2VLSB.L2.S1 (disponível, nomeadamente, no respetivo site da dgsi e publicado em DR, I SÉRIE, 200, 13.10.2015, P. 8915 - 8933):

“Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal.”.

Vejamos, então, se o autor fez a prova que lhe é admitida à luz da jurisprudência acabada de citar.

Pretende o autor ser credor, perante a ré, da quantia de €4.031,72, em virtude da amortização que alegou ter feito do empréstimo ao M (…), com dinheiro proveniente da referida indemnização.

Mais pretende o autor ser o exclusivo proprietário dos três veículos automóveis adquiridos na pendência do seu casamento com a ré, por ter sido com dinheiro da mesma proveniência que pagou os respetivos preços.

Visa, ainda, o autor que seja reconhecido que também era da sua exclusiva propriedade o dinheiro que a ré resgatou do Banco (…)

Ora, em relação a todas estas situações, percorrida a matéria de facto apurada, facilmente se constata não ter o autor logrado fazer a prova que lhe competia (nos termos do artigo 342º, nº1, do Código Civil), ou seja, não emergir da factualidade provada que tenha sido com dinheiro exclusivamente seu que foi efetuado o pagamento do remanescente do empréstimo ao Banco (…) que foram adquiridos os três (ou algum dos) veículos automóveis alvo do seu pedido e que foi realizada a aplicação financeira que a ré entendeu por bem resgatar antes do respetivo termo, na proporção de metade.

Havendo dúvida sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns – como é expressamente consagrado pelo citado artigo 1725º do Código Civil -, pelo que os veículos automóveis acima identificados e a aplicação financeira também supra referida se têm de considerar também pertencentes à ré, dispondo, igualmente ela – a par do autor – do poder de gozar das coisas e, assim improcedendo também o pedido do autor à entrega do veículo que aquela tem na sua posse, assim como à restituição dos €25.000,00 que retirou de produto associado a conta bancária comum.

Sendo lícita a atuação da ré, ao resgatar parte de um produto financeiro a que tinha direito, não se constituiu na obrigação de indemnizar o autor por qualquer perda de remuneração desse produto que tenha causado ou por quaisquer despesas que hajam sido debitadas na conta comum do dissolvido casal.

Mais visa o autor que seja reconhecido ser credor da ré por valores que, alegadamente, lhe mutuou – mais precisamente e como supra melhor especificado, €38.500,00 e €2.150,00.

O contrato de mútuo, como é sabido, é aquele “pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade” – artigo 1142º do Código Civil.

Na situação em apreço, dos factos provados não decorre que o autor tenha emprestado qualquer dinheiro à ré (sendo que, em relação à situação subjacente aos €38.500,00 que ora reclama, se provou, ao invés, realidade bem diversa da por ele invocada), pelo que, desde logo com base no fracasso da prova dos inerentes factos, há que concluir também pela improcedência, nesta parte, da pretensão do autor.

Na decorrência de todo o exposto e, como acima referido, julgando-se supérfluo e desnecessário desenvolver mais profundas considerações, há que concluir pela total improcedência dos pedidos do autor.”.

Concorda-se com esta fundamentação jurídica quanto à sua tese geral e quase na totalidade em relação à sua aplicação em concreto, salvo quanto a uma situação em concreto. Vejamos, porém, melhor.

3.1. Em relação aos pedidos do A. formulados sobre 1. e 2. na sua petição, a decisão é de confirmar totalmente, visto que não logrou provar, como lhe competia (nos termos do art. 342º, nº 1, do CC), que tenha sido com dinheiro exclusivamente seu que que foram adquiridos os três veículos automóveis que identificou e que eram objecto do seu pedido – cfr. k) dos factos não provados.

3.2. Em relação ao pedido do A. formulado sobre 3. na sua petição, a decisão é de manter parcialmente, visto que, mais uma vez, não logrou provar, como lhe competia (nos termos do art. 342º, nº 1, do CC), que tenha sido com dinheiro exclusivamente seu que foi efectuado o pagamento do remanescente do empréstimo ao Banco (…), ou que tenha mutuado diversos valores à R., e de que seria credor actual em 38.500 € e 2.150 € – cfr. b), c), e), h), j) e l) dos factos não provados.

Mas em relação à aplicação financeira referida em 21. ficou provado que a mesma foi feita, exclusivamente, com dinheiro proveniente da indemnização mencionada em 3., que era dinheiro exclusivamente seu, como tal uma aplicação financeira que é um seu bem próprio, nos termos dos arts. 1733º, nº 1, d), e 1723º, c), do CC, e citado AUJ nº 12/2015.

Nesta sequência a pretensão do A. procede. No entanto, há agora que particularizar melhor a verdadeira pretensão do A., aquela que ele formula em recurso. Assim, na p.i., no bolo total dos 85.581,72 € que reclamava, o A., relativamente à dita aplicação, reclamava 25.000 € levantados pela R., o que se provou, mais 15.000 € como lucro cessante com a antecipação do vencimento da aplicação financeira e 9.000 € a título de despesa bancária cobrada. Estes 9.000 €, todavia, não os podia receber, dado que essa despesa não se provou ter sido por si efectuada – n) do elenco de factos não provados. Acontece que na parte final das suas conclusões de recurso o A. apenas reclama o valor global de 69.681,72 €, o que significa que em relação ao seu pedido inicial reclama agora menos 15.900 €, que são exactamente a soma desses valores, de 9.000 € mais os apontados 15.000 € de lucro cessante. Esta conclusão torna-se evidente, compulsadas as conclusões de recurso do A., 16ª e 17ª, pois em mais lugar algum dessas conclusões se reclama outro valor qualquer relacionado com tal aplicação, seja o de 15.000€ seja o de 9.000 €.         

Desta sorte, o A. tem direito a receber o apontado montante de 25.000 €, mais os juros moratórios civis, contados desde a citação, ocorrida em 1.2.2017 (cfr. fls. 109) à consabida taxa legal de 4%.      

4. Relativamente à litigância de má fé escreveu-se na decisão sob recurso que:

“Dispõe o artigo 542º, nº2, do Código de Processo Civil que se diz “litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

“Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir” – preceitua o nº1 desse artigo 542º - indemnização essa com o conteúdo previsto no artigo 543º do mesmo diploma legal.

O Prof. Alberto dos Reis - in Código de Processo Civil anotado, Volume II, 3ª edição – Reimpressão, páginas 262 -, ao abordar a questão da litigância de má-fé, distingue a lide, em função da conduta do litigante, em:

a) - Lide cautelosa;

b) - Lide simplesmente imprudente;

c) - Lide temerária;

d) - Lide dolosa.

Explicitando estes conceitos, o Prof. Alberto dos Reis escreve: “ No primeiro caso a parte esgotou todos os meios para se assegurar de que tinha razão”. No segundo, “cometeu imprudência, mas imprudência levíssima”. No terceiro, incorreu em “culpa grave ou erro grosseiro”. No quarto, “praticou um facto que merece censura e condenação; sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou”.

Partindo desta classificação, apenas no caso da alínea a) se pode afirmar que o litigante agiu com a prudência normal; todavia não é qualquer uma das demais situações que integra a litigância de má-fé.

E, designadamente, para o que aqui importa, conforme jurisprudência maioritária, não é a mera falta de fundamento legal do alegado pelo requerente, a título de lide temerária, que preenche os requisitos desse figura – vide, neste sentido, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2007 e de 28/02/2002, in, respetivamente, processo 07B3444 e processo 01S4429 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Revertendo estes ensinamentos para o caso dos autos, temos que os factos conhecidos, após discussão da causa, permitem – claramente – afirmar que o autor alterou a verdade dos factos, não podendo deixar de estar bem ciente do que estava a fazer.

Sendo esta decisão complementar da sentença, remete-se aqui para o julgamento de facto aí efetuado, nomeadamente, para os factos provados, os factos não provados e respetiva fundamentação.

E da leitura conjunta dessa parte da sentença emerge que, em face dos factos provados 8. a 15., o autor, na sua petição inicial, em relação à questão neles em causa, mentiu flagrantemente, tendo apresentado, nomeadamente, sob os artigos 44. e seguintes desse seu articulado, uma versão dos factos claramente oposta à verdade, por forma a, assim, conseguir sustentar alguns dos seus pedidos.

Da leitura conjunta dos articulados, dos factos provados e da respetiva motivação emerge, ao que se crê, sem margem para quaisquer dúvidas – mas mantendo o devido respeito por entendimento diverso – que o autor bem sabia que foi ele próprio quem celebrou, a par com a ré, o negócio referente à exploração do estabelecimento melhor identificado em sede de sentença, não tendo efetuado qualquer empréstimo à sua então cônjuge, ora ré, para o efeito e apenas se tendo pretendido aproveitar do facto de – pelos motivos que o próprio melhor saberá – os escritos terem sido formalizados apenas em nome desta (aqui, mais uma vez, se remetendo para os factos provados em sede de sentença e respetiva fundamentação).

Está-se, pelo sumariamente exposto e como melhor precisado em sede de sentença, perante uma situação em que o autor, necessariamente consciente de o estar a fazer, alterou a verdade dos factos essenciais, omitiu outros factos relevantes e, consequentemente, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia (ou, pelo menos, não devia) ignorar.

Litigou, assim e ao que se julga, com má-fé, impondo-se a sua condenação numa multa …..”.

A grande objecção do A. a esta fundamentação é que “A não prova de um facto não significa que, não seja verdadeiro”. Mas sem razão.

A passagem do texto que convém salientar é esta, que agora isolamos: “E da leitura conjunta dessa parte da sentença emerge que, em face dos factos provados 8. a 15., o autor, na sua petição inicial, em relação à questão neles em causa, mentiu flagrantemente, tendo apresentado, nomeadamente, sob os artigos 44. e seguintes desse seu articulado, uma versão dos factos claramente oposta à verdade, por forma a, assim, conseguir sustentar alguns dos seus pedidos.”.

E na verdade assim acontece, pois esses factos provados são opostos à versão apresentada pelo A. na sua p.i., nos arts. 44º a 73º.  

Inelutavelmente a equivaler à violação do art. 542º, nº 2, a) e b), do NCPC, e à consequente condenação como litigante de má fé.    

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Sendo os documentos meio de prova destinados a comprovar a respectiva matéria substantiva alegada, a parte contrária com a impugnação dessa matéria acaba por efectivar uma impugnação dos mesmos documentos que visam a dita comprovação;

ii) A parte só tem que deduzir uma útil e necessária impugnação dos documentos juntos aos autos pela parte contrária se os documentos estiverem assinados por si e eles implicarem o reconhecimento da realidade de um facto que é desfavorável a tal parte, pois só nesta situação há uma confissão da realidade constante do documento particular (arts. 374º, nº 1, e 376º, nº 1 e 2 do CC);

iii) Quando se impugna a decisão da matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (art. 640º, nº 1, b), do NCPC); se o se limita a uma invocação de prova documental abstracta, a sua impugnação tem de ser rejeitada;

iv) O montante indemnizatório recebido por todos os danos causados, em virtude de acidente, na saúde e integridade física de uma pessoa, a título de incapacidade permanente e que comportou a indemnização por todos os danos futuros, é bem próprio dessa pessoa, não comunicável ao seu cônjuge;

v) Estando em causa apenas interesses dos cônjuges, o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, pode provar por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal.

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso do A., assim se revogando, parcialmente, a sentença recorrida, e, em consequência, condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de 25.000 €, acrescido de juros, contados desde a citação, ocorrida em 1.2.2017, à taxa de 4%, até integral pagamento.      

*

Custas pelo A. e pela R., na proporção do vencimento/decaimento.

*

 

                                                                           Coimbra, 20.2.2019

                                                                           Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                           Fonte Ramos

                                                                           Maria João Areias