Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL FACTOS NÃO ALEGADOS PELAS PARTES PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM RECUSA DA PROVIDÊNCIA PREJUÍZO QUE EXCEDE CLARAMENTE O DANO | ||
Data do Acordão: | 05/25/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SANTA COMBA DÃO DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 5.º, N.º 2, E 368.º, N.º 2, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL. | ||
Sumário: | I) Os factos não alegados pelas partes, mas que representem um complemento ou concretização dos alegados, só podem ser atendidos pelo tribunal se, cumulativamente: i) resultarem da instrução da causa; ii) a parte interessada em prevalecer-se do facto o declare em 1.ª instância ou que o juiz dê conhecimento às partes de que o poderá tomar em consideração; iii) a parte a quem é oposto tal facto tiver a possibilidade de se pronunciar sobre ele, para o admitir ou impugnar e, no caso de o impugnar, para opor contraprova destinada a torná-lo duvidoso. II) Apesar de existir uma probabilidade séria de o requerente do procedimento cautelar comum ser titular do direito que invoca e de se mostrar suficientemente fundado o receio da sua lesão, a providência requerida pode ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar. III) O prejuízo a ponderar na decisão de recusa da providência tem de ser futuro, isto é, terá de ocorrer do decretamento da providência e por causa do decretamento. IV) Além disso, só releva o prejuízo patrimonial ou não patrimonial que atinge a esfera jurídica daquele contra quem é requerida a providência, sendo irrelevante aquele que atinja quem não é parte no procedimento. V) Finalmente, é necessário que o prejuízo resultante da providência exceda em muito o dano que se quer evitar, razão pela qual a providência não será de recusar quando os factos não permitam afirmar o referido excesso. VI) A alteração de forma e substância de um prédio causada pela exploração de uma pedreira que se pretende evitar representa um dano claramente superior ao prejuízo consistente no não recebimento de rendas que o arrendamento desse prédio poderia proporcionar e que, no máximo, atingem, num período de sete anos, um valor de 16 mil euros. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª secção do tribunal da Relação de Coimbra
P…, residente na …, requereu contra M…, residente na …, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança de A…, e contra I…, Lda, com sede na …., as seguintes providências cautelares: Para o efeito alegou: A requerida M… deduziu oposição, pedindo se julgasse improcedente o pedido. Para o efeito alegou: A requerida I… deduziu oposição, pedindo: Para o efeito alegou: Findos os articulados, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo notificou as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de o tribunal proferir, de imediato, decisão final no âmbito dos presentes autos, mormente por falta do requisito do periculum in mora, exigido para o decretamento das providências requeridas. Os requeridos pronunciaram-se a favor da prolação imediata de decisão final, por falta do mencionado requisito. Por sua vez, o requerente opôs-se à prolação imediata de decisão final, não deixando, no entanto, de sustentar que se verificava, no caso, o indicado requisito. Por decisão proferida em 14 de Maio de 2020, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo, considerando que os autos dispunham já de elementos suficientes para a prolação de decisão final, proferiu decisão, julgando totalmente improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, indeferiu as providências requeridas. O requerente não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação. As recorridas responderam ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Por acórdão proferido por este tribunal da Relação em 21 de Setembro de 2020, o recurso foi julgado procedente e, em consequência, revogou-se a sentença e substituiu-se a mesma por decisão a julgar suficientemente fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito do requerente. Ao abrigo do n.º 2 do artigo 665.º determinou-se que o tribunal a quo, depois de apurar os elementos necessários para tanto, se pronunciasse sobre a recusa das providências por o prejuízo delas resultante exceder consideravelmente o dano que com ela o requerente pretendia evitar. Remetidos os autos à 1.ª instância e após a designação de dia para a audiência, em 24-11-2020, o requerente, sob a alegação de que a matéria do artigo 65.º da oposição da requerida M… e a dos artigos 86.º a 104.º da oposição da requerida I…, Lda, eram susceptíveis de configurar matéria de excepção e que ele, requerente, tinha o direito de se pronunciar sobre tais matérias, o que decorria do n.º 4 do artigo 3.º do CPC, apresentou articulado de resposta à matéria dos mencionados artigos das oposições, concluindo no sentido de os pedidos de recusa das providências requeridas serem julgados improcedentes. Com o requerimento apresentou dois documentos, a saber: 1) ofício datado de 18/11/2020, emitido pelo Município de ….; 2) parecer emitido por F…, com data de 22/11/2020. Notificada deste requerimento, M… opôs-se à dedução do requerimento e à junção dos documentos, pedindo o respectivo desentranhamento dos autos. Para o efeito alegou: I…, Lda, também se opôs à dedução do requerimento e à junção dos documentos, pedindo: Para a hipótese de serem admitidos os requerimentos e a junção dos documentos, ambas as requeridas impugnaram os factos alegados e os documentos juntos. O requerente requereu ainda junção aos autos de um documento denominado “breve nota curricular” sobre o autor do parecer, junto em 24-11-2020. A requerida M… opôs-se à junção da denominada “breve nota curricular”. Para o caso de não se rejeitada a junção, pediu se lhe não desse qualquer valor probatório. A requerida I… opôs-se à junção do documento e, para o caso de o mesmo ser admitido, impugnou o teor do mesmo. A Meritíssima juíza do tribunal a quo decidiu: Os autos prosseguiram os seus termos e após a realização da audiência foi proferida sentença que decidiu: Os recursos A requerida M… não se conformou com a sentença e com os despachos proferidos sobre nulidades e admissão de documentos, juntos pelo requerente, e interpôs recurso de apelação pedindo: A requerida I… também não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo se declarasse nula a sentença, por omissão de pronuncia e por excesso de pronuncia, e se substituísse a mesma por decisão que não enfermasse de nulidade e que decidisse pelo não decretamento das providencias requeridas. O requerente, ora recorrido, respondeu aos recursos, sustentando a manutenção da decisão recorrida. No despacho liminar, o ora relator entendeu que não podia conhecer-se do recurso na parte em que ele tinha por objecto o despacho que admitiu o requerimento, entrado em 24-11-2020, e que admitiu os documentos, uma vez que ele, recurso, foi interposto fora de prazo. As razões pelas quais o ora relator entendeu que não podia conhecer-se do recurso foram as seguintes: Notificadas as partes, ao abrigo do n.º 1 do artigo 655.º do CPC, para se pronunciarem sobre o não conhecimento do objecto do recurso na parte acima identificada, a recorrente M… veio alegar o seguinte: A alegação da recorrente não procede. Em primeiro lugar, o documento junto pelo requerente da providência sob a designação de “parecer” foi apresentado para demonstrar o alegado, por ele, nos artigos 5º, 7º, 8º e 28º do requerimento de 24-11-2020 e os documentos apresentados para demonstrar a realidade dos factos alegados são, segundo o artigo 341.º do Código Civil, meios de prova. Em segundo lugar, embora o currículo do autor do parecer não tenha sido apresentado para demonstrar directamente a realidade de factos alegados, a sua função foi ainda a de meio de prova, embora de uma forma indirecta. Com efeito, o currículo foi apresentado para convencer o tribunal da credibilidade de quem elaborou o “parecer”. Ora os documentos que a parte junta para convencer o tribunal da credibilidade de um certo meio de prova são de considerar também meios de prova, pois eles, embora de forma indirecta, visam a demonstração da realidade dos factos. Pelo exposto é de afirmar que o recurso, na parte em que teve por objecto o despacho que admitiu o requerimento, entrado em 24-11-2020, e que admitiu os documentos foi interposto fora de prazo. Visto que a interposição do recurso dentro do prazo previsto na lei é uma das condições necessárias ao conhecimento do recurso, na falta desta condição não deve o tribunal conhecer do objecto do recurso. Pelo exposto decide-se não conhecer do recurso na parte em que ele tem por objecto o despacho, proferido em 7 de Janeiro de 2021, que admitiu o requerimento, entrado em 24-11-2020, e que admitiu os documentos. Subsiste, assim, para apreciação, o recurso na parte em que ele teve por objecto a decisão que indeferiu a arguição de nulidade e a decisão que decretou as providências. * Questões suscitadas pelos recursos O recurso de apelação interposto pela requerida M… contra o despacho que indeferiu a arguição de nulidade e contra a decisão que decretou as providências suscita, em síntese, as seguintes questões: Por sua vez, o recurso interposto pela requerida I… suscita, no essencial, as seguintes questões: * Ordem de conhecimento das questões por eles suscitadas Visto que nos recursos estão em causa questões de facto, questões relativas à regularidade formal da sentença, questões relativas à legalidade de um despacho interlocutório e questões relativas à legalidade da decisão recorrida, sob o ponto de vista da precedência lógica, impõe-se conhecer, em primeiro lugar, do recurso contra o despacho interlocutório e de seguida: 1) das questões respeitantes à nulidade da sentença; 2) das questões de facto; 3) das questões relativas à legalidade da decisão recorrida. * I) Impugnação da decisão que indeferiu a arguição de nulidade Como resulta do exposto, a requerida M… alegou que a exposição de novos factos, pelo requerente, no articulado que apresentou em 24 de Novembro de 2020, constituía nulidade prevista nos artigos 195., 197.º e 199.º do CPC. A Meritíssima juíza do tribunal a quo indeferiu a arguição de nulidade. Laborando no pressuposto de que a alegação das requeridas relativa à questão da proporcionalidade das providências configurava matéria de excepção, a Meritíssima juíza do tribunal a quo afirmou que assistia ao requerente a faculdade de responder a tal matéria no início da audiência final. Concluiu que o requerimento apresentado pelo requerente em que se pronunciava sobre a matéria de excepção deduzida pelas requeridas, por ter sido apresentado em momento anterior ao início da audiência final, era, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, tempestivo e, como tal, legalmente admissível. No recurso, a recorrente especifica quais os factos constantes do requerimento apresentado em 24 de Novembro de 2020 cuja alegação não era admissível. São eles os alegados sob os artigos 4.º a 8.º e 12.º a 27.º. Estão em causa as seguintes alegações: Entrando na apreciação da questão de saber se, ao indeferir a arguição de nulidade, a decisão proferida violou o disposto nos artigos 195.º, 197.º e 199.º, do CPC, cabe dizer o seguinte. Dos factos acima transcritos, o único que foi tido em consideração na fundamentação da decisão foi o articulado sob o artigo 8.º, onde se afirmou que o valor actual do terreno rondava os 117 000 euros e que o valor do terreno, findos os 4 anos de exploração, valeria 6 148,00 euros. Os restantes, que compreendem, além do mais, declarações de impugnação de factos alegados na oposição e interpretações destes factos, não foram tidos em conta na sentença recorrida para sustentar que o prejuízo resultante do decretamento das providências era inferior ao dano que a requerente pretendia evitar com elas. E não tendo sido tomados em conta, é inútil responder à questão de saber se o requerente tinha a faculdade de os alegar, pois, ainda que fosse ilegal a sua alegação, tal ilegalidade não teria qualquer influência na decisão do recurso. E assim é de aplicar ao caso o artigo 660.º do CPC, na parte em que dispõe que “o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão”. Deste modo, a questão que importa solucionar é tão só a de saber se o requerente tinha a faculdade de alegar, na resposta à oposição das requeridas, a matéria do artigo 8.º. A resposta é negativa. Vejamos. A matéria da oposição das requeridas que justificava a resposta do requerente ao abrigo do n.º 4 do artigo 3.º do CPC era tão só a que compreendia a alegação de que as providências deviam ser recusadas pelo tribunal por o prejuízo delas resultantes para os requeridos exceder consideravelmente o dano que com elas o requerente pretendia evitar. Tal matéria fora alegada no artigo 65.º da oposição da requerida M… e nos artigos 86.º a 104.º da oposição da requerida I…. Ao alegar, no artigo 8.º, que o valor actual do terreno rondava os 117 000,00 euros e que o valor do terreno, findos os 4 anos de exploração da pedreira, valeria, quando muito, 6 148 euros, o requerente procurou demonstrar a desvalorização que o prédio sofreria se o mesmo fosse explorado. Sucede que esta alegação releva para a determinação do prejuízo que o requerente pretende evitar com as providências. Ora, resulta do n.º 1 do artigo 365.º do CPC que os factos relativos aos prejuízos que o requerente quer evitar com as providências devem ser alegados na petição inicial. Deste modo, estava vedado ao requerente alegar tal matéria na resposta. Sucede, como resulta do exposto, que esta infracção processual só adquiriu relevância por o tribunal a quo se ter socorrido deste facto na decisão. Visto que um dos fundamentos do recurso da apelação, tendo por objecto a sentença recorrida, consistiu precisamente na alegação de que o tribunal tomou indevidamente em consideração tal facto, apreciaremos a legalidade da decisão quando apreciarmos tal fundamento do recurso. II) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia A recorrente I… acusou a sentença de ter incorrido em omissão de pronúncia sob a alegação de que não tomou posição sobre a matéria do artigo 100.º da oposição, sendo que tal matéria se encontrava expressamente indicada no elenco dos factos relativamente aos quais o tribunal da Relação determinara que o tribunal a quo centrasse o seu julgamento. Mais alegou que a omissão de pronúncia era contraditória com os factos constantes do artigo 24.º, através dos quais se divisava que o tribunal a quo fez incidir a sua análise sobre os lucros expectáveis da recorrente, o que concorria para que se fizesse essa ponderação, tendo em conta, como se refere na motivação, o plano da pedreira de fls. 79-128 dos autos. Apreciação do tribunal Em primeiro lugar cumpre dizer que não é inteiramente exacto o pressuposto de que parte a recorrente, ou seja, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a matéria do artigo 100.º da oposição. Para ser inteiramente exacto, seria necessário que o tribunal a quo não tivesse declarado tal matéria provada ou não provada, nem justificasse a sua omissão de pronúncia. Ora, se é certo que tal matéria não foi objecto de uma declaração de “provada” ou “não provada”, já não é exacto que o tribunal não tenha justificado tal posição. Com efeito, ao afirmar, depois de discriminar os factos que considerava indiciariamente provados e os que considerava não provados: “Consigna-se que quanto ao mais constante das oposições, por se tratar de alegações de direito, conceitos conclusivos ou repetidos para a decisão da causa, o Tribunal não responde, por tal resposta se encontrar legalmente vedada”, o tribunal a quo explicou que a matéria em causa estava compreendida entre as alegações de direito, conceitos conclusivos ou repetidos para a decisão da causa e por, estas razões, não era julgada nem provada nem não provada. Em segundo lugar, mesmo que se labore no pressuposto em que labora a recorrente, ou seja, que cabia ao tribunal a quo pronunciar—se sobre a mencionada alegação, julgando-a provada ou não provada, a omissão de pronúncia não cai sob a alçada da 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Com efeito, a omissão de pronúncia que é tida em vista por esta alínea está relacionada com o dever de o juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras 81.ª parte do n.º 1 do artigo 608.º do CPC]. Para estes efeitos, questões são, no essencial, as pretensões e os meios de defesa deduzidas pelas partes. E, assim o que constitui a causa de nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º é a omissão de pronúncia sobre tais pretensões ou meios de defesa. Já não constitui tal causa de nulidade a omissão de pronúncia sobre os factos alegados como fundamento dessas pretensões ou meios de defesa. Quando o tribunal não se pronuncia sobre um facto alegado como fundamento da acção ou da defesa, não o declarando provado ou não provado, estamos, é certo, perante uma omissão de pronúncia e uma omissão de pronúncia ilegal. Ilegal porque o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe ao juiz o dever de se pronunciar sobre tais factos. Porém, a consequência desta ilegalidade não é a nulidade da sentença prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. A consequência será a anulação da decisão proferida em 1.ª instância, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, na parte em que dispõe que a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto. E será a anulação desde que, saliente-se, o facto seja indispensável para a decisão da causa. Observe-se que as consequências da anulação ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC são diferentes das da anulação amparada na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. Enquanto ao abrigo daquele preceito, cabe ao tribunal de recurso conhecer da questão que não foi objecto de pronúncia (n.º 1 do artigo 665.º do CPC), na hipótese de anulação da decisão proferida em 1.ª instância ao abrigo do segundo preceito, a consequência é a repetição parcial do julgamento da matéria de facto (alínea c) do n.º 3 do artigo 662.º do CPC), seguida da prolação de nova decisão pelo tribunal recorrido. Uma vez que o tribunal a quo justificou a decisão de não se pronunciar em sede de facto sobre a matéria do artigo 100.º da oposição, a questão que importa resolver é a de saber se tal justificação tem cobertura na lei. A resposta a esta questão é afirmativa. Vejamos. Sob o artigo 100.º da oposição, a requerida, ora recorrente, alegou: “Caso seja decretado o procedimento cautelar e a requerida I… seja impedida de iniciar a actividade de exploração de pedreira, serão de especial monta os prejuízos diretos supra expostos, e os indirectos, advenientes da não rentabilização da actividade, a título de lucros cessantes, cujo montante não é possível ainda apurar”. A alegação que se acaba de transcrever, partindo da hipótese de ser decretado o procedimento cautelar, afirma que a requerida sofrerá prejuízos directos (expostos nos artigos anteriores) e indirectos, consistentes em lucros cessantes, cujo montante, diz, não é possível ainda de apurar. Esta última alegação – a única que interessa - compreende um juízo conclusivo com dizeres próprios do direito (“lucros cessantes). Ora, não cabe aos meios de prova dizer, caso seja impedida de iniciar a actividade de exploração, que os prejuízos indiretos da requerida são de monta, advenientes da não rentabilização da actividade, a título de lucros cessantes”. É ao julgador, socorrendo-se de factos e de preceitos jurídicos, que cabe dar resposta a tal questão. À prova caberia demonstrar os factos necessários para se concluir que os prejuízos indiretos da requerida são de monta, advenientes da não rentabilização da actividade, a título de lucros cessantes”. Pelo exposto, a circunstância de o tribunal a quo não se ter pronunciado, em sede de fundamentação de facto, sobre a matéria do artigo 100.º da oposição da requerida I… não configura a omissão de pronúncia prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC nem está ferida de ilegalidade. * III) Excesso de pronúncia da sentença A recorrente I… acusa, em segundo lugar, a decisão recorrida de ter incorrido em excesso de pronúncia por ter conhecido da matéria que julgou provado sob o ponto n.º 25, uma vez que tal matéria não foi alegada pelo requerente da providência e não era de conhecimento oficioso. A matéria em causa é a seguinte: “Do parecer técnico junto aos autos a fls. 277-280, que aqui se dá por reproduzido consta além do mais o seguinte: Esta matéria remete para o documento junto aos autos sob a designação de parecer técnico e também para o que foi alegado no artigo 8.º da resposta do requerente à oposição da requerida M…. Apreciação do tribunal Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença por excesso de pronúncia A sentença é nula por excesso de pronúncia quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC). O excesso de pronúncia previsto neste preceito está directamente relacionado com o dever de o juiz não se ocupar das questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento delas [2.ª parte do n.º 1 do artigo 608.º do CPC]. À semelhança do que se disse a propósito da omissão de pronúncia, questões, para efeitos de excesso de pronúncia, são, no essencial, as pretensões e os meios de defesa deduzidas pelas partes. E, assim, o que constitui a causa de nulidade prevista pela 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 618.º é a pronúncia do tribunal sobre tais pretensões ou meios de defesa. Fora do âmbito do preceito está a pronúncia indevida sobre um facto. Nesta hipótese, a decisão não é nula; a decisão incorre em erro de julgamento. Socorrendo-nos das palavras de Alberto dos Reis, em comentário ao artigo 668.º do CPC de 1939 [correspondente ao artigo 615.º do CPC em vigor], a propósito do excesso de pronúncia “… mesmo quando o juiz tome conhecimento de factos de que não podia servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (…), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do artigo 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão” [Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, Limitada, páginas 144 e 145]. Se, na realidade, a matéria em causa não podia ser tomada em consideração pelo juiz na decisão e se o foi, o vício em que incorre a decisão é o da ilegalidade. E será nesta sede que a questão será apreciada. Apreciando a questão sob o ponto de vista da legalidade, cabe dizer que estava vedado ao tribunal tomar em consideração tal facto. Vejamos. A resposta à questão de saber que factos é que o juiz pode tomar em conta na decisão é dada pelo artigo 5.º, n.ºs 1 e 2. Para o caso interessam-se os números 1 e 2, alínea b). As restantes alíneas do n.º 2 do artigo 5.º não interessam para o caso. Com efeito, elas dizem respeito aos factos instrumentais que resultam da instrução da causa e aos factos notórios e àqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções e o facto em causa não cabe em nenhuma destas categorias. Resulta do artigo 5.º, n.º 1, e n.º 2, alínea b), que o tribunal pode tomar em consideração na decisão os seguintes factos: Como resulta do acima exposto, embora o facto tenha sido alegado pelo requerente, foi alegado num momento processual em que tal lhe não era consentido. Deste modo, estava vedado ao tribunal a quo servir-se dele como facto alegado pela parte. Como lhe estava vedado servir-se dele como facto resultante de um documento junto aos autos. Vejamos. Embora o tribunal possa tomar em consideração factos, cuja fonte sejam meios de prova que tenham sido produzidos no processo, a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC faz depender essa tomada em consideração das seguintes condições: No caso, falece logo a primeira condição. Com efeito, a Meritíssima juíza do tribunal a quo não deu a conhecer às partes, antes de proferir a decisão, a intenção de tomar em consideração tal facto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC. Segue-se do exposto, que estava vedado ao tribunal servir-se de tal facto na decisão. Ao fazê-lo, a sentença recorrida violou o artigo 5.º, n.º 1, e n.º 2, alínea b) do CPC. Esta decisão prejudica o conhecimento da impugnação da decisão de julgar provado o ponto n.º 25, deduzida pela ora recorrente. * Apreciadas as nulidades da sentença, iremos conhecer, de seguida, das questões de facto. Começaremos pelas suscitadas pela recorrente M…. Visto que algumas delas também foram suscitadas pela recorrente I…, a apreciação delas será feita em conjunto. * IV) Recurso de facto de M… A recorrente começa por pedir se julgue provado que “o terreno em causa é apenas apto para a exploração de pedreira” [o terreno em causa é o que está descrito nos fundamentos de facto da sentença sob o n.º 6.1: prédio rústico sito no lugar da …, composto por pinhal e terreno rochoso, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o artigo 4082, concelho de …]. Para o efeito alegou: Apreciação do tribunal Pelas razões a seguir expostas, a pretensão da recorrente é de julgar improcedente. Em primeiro lugar, cabe dizer que o facto em causa não foi alegado pela requerida, ora recorrente, na oposição à providência. Deste modo, não tem sentido pedir se julgue provado o mesmo com o fundamento de que não foi impugnado pelo requerente. Com efeito, a regra do n.º 2 do artigo 574.º do CPC, segundo a qual se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, aplica-se apenas em relação à não impugnação de factos que hajam sido alegados. Em segundo lugar, a circunstância de tal facto resultar da prova produzida (documentos, declarações e depoimentos) não é suficiente para esta Relação o tomar em consideração. Com efeito, resulta da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC que os factos que resultem da instrução da causa podem ser tomados em consideração pelo juiz na decisão desde que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Como resulta do acima exposto, a possibilidade de pronúncia de que fala o preceito implica: No caso, falece logo a 1.ª condição. Com efeito, a requerida, ora recorrente, não manifestou em 1.ª instância a vontade de se prevalecer deste facto e a Meritíssima juíza do tribunal a quo também não manifestou a intenção de o tomar em consideração. Segue-se do exposto que está vedado a este tribunal tomá-lo em consideração. E não o poendo tomar em consideração, é inútil reapreciar a prova para o julgar provado ou não provado. Improcede, em consequência, a pretensão da recorrente. * (…) * VI) Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados e não provados os seguintes factos discriminados na sentença recorrida: Factos provados Factos julgados não provados * Passemos à resolução das questões de direito suscitadas pelos recursos. VII) Recurso de M…. A recorrente pediu a revogação da decisão que decretou a providência, imputando-lhe a violação dos artigos 362.º e 368.º, n.º 2, ambos do CPC, pedindo se absolvessem as requeridas dos pedidos. Esta imputação assentou na seguinte alegação: Apreciação do tribunal A recorrente começa por censurar a decisão com a alegação de, que para proferir a decisão de procedência do procedimento, a Meritíssima juíza do tribunal a quo socorreu-se ilegalmente de factos novos e factos constantes do documento junto em 24 de Novembro de 2020, cuja junção aos autos devia ser indeferida. Os factos novos que a recorrente tem em vista são os narrados sob os artigos 4.º a 8.º e 12.º a 27.º do articulado apresentado pelo requerente em 24 de Novembro de 2020. Como resulta do exposto mais acima, destes factos o único que foi tido em consideração na fundamentação da decisão foi o articulado sob o artigo 8.º, onde se afirmou que o valor actual do terreno rondava os 117 000 euros e o valor do terreno findos os 4 anos de exploração valeria 6 148,00 euros. Como resulta do exposto também acima, estava vedado ao tribunal a quo socorrer-se de tal facto, pelo que, ao fazê-lo, a sentença recorrida violou o artigo 5.º, n.º 1, e n.º 2, alínea b) do CPC. Daqui não se segue, no entanto, a revogação da decisão, pois não resulta da restante matéria de facto que os prejuízos resultantes da providência para os requeridos excedam consideravelmente o dano que com elas o requerente pretende evitar. Vejamos. Sobre a questão do prejuízo para a requerida, ora recorrente, esta alegou em sede de recurso: Ao alegar neste sentido, a recorrente traz à discussão a questão de saber se está verificado um dos requisitos necessários ao decretamento de providências, concretamente o fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito invocado pelo requerente [n.º 1 do artigo 362.º do CPC]. Sucede que esta questão foi resolvida pelo acórdão proferido por esta Relação em 21 de Setembro de 2020, já transitado em julgado. Com efeito, tal acórdão revogou a anterior decisão proferida em primeira instância, que indeferira as providências cautelares requeridas, e substitui essa mesma decisão por outra a julgar suficientemente fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito do requerente. Segue-se daqui que a decisão do mencionado acórdão sobre a questão do receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito invocado pelo requerente passou a ter força obrigatória dentro deste processo e a vincular tanto o tribunal como as próprias partes. A única questão com relevância para o decretamento das providências requeridas, que não foi decidida pelo acórdão acima referido, por o processo não fornecer na altura os factos necessários para o efeito, foi a de saber se as providências eram de recusar ao abrigo do n.º 2 do artigo 368.º do CPC, ou seja, se eram de recusar por o prejuízo delas resultante para a herança e para a requerida I… exceder consideravelmente o dano que com elas o requerente pretendia evitar. A ora recorrente alegou, como único prejuízo, o não recebimento das rendas devidas pela cessão da exploração da pedreira (artigo 65.º da oposição). Sobre este prejuízo e sobre a relação dele com o dano que o requerente quer evitar com as providências cabe dizer o seguinte. É provável que, na hipótese de serem decretadas as providências, ficando a requerida I… impedida de iniciar a exploração da pedreira, esta não pague as rendas devidas pelo contrato de exploração da pedreira. E o não pagamento das rendas configurará uma perda de receitas para a herança. Porém, esta perda seria susceptível de fundamentar a recusa da providência ao abrigo do n.º 2 do artigo 368.º do CPC se ela fosse consideravelmente superior ao dano que com ela o requerente pretende evitar, o que não se verifica. Sobre este dano, importa recordar, como se assinalou no anterior acórdão desta Relação, que, com a providência, o requerente quer acautelar os efeitos da declaração de invalidade do contrato de cessão de exploração, a proferir na acção principal, designadamente que, no momento em que for proferida a decisão na acção principal, o prédio esteja no estado em que se encontrava antes da celebração do contrato e que assim se mantenha até à partilha. O requerente quer evitar que, quando for proferida, na acção principal, a decisão sobre a validade do contrato de cessão de exploração, o prédio não esteja alterado na sua forma e substância em virtude da exploração. Ora a alteração de forma e substância do prédio causada pela exploração da pedreira é, na avaliação deste tribunal, um dano claramente superior ao prejuízo consistente no não recebimento de rendas que, no máximo, serão no valor de 16 mil euros no período previsto para a duração do contrato (7 anos). Deste modo, mesmo não tomando em consideração o facto julgado provado sob o ponto n.º 25, é de manter a conclusão de que a matéria apurada não permite concluir que, para a requerida, ora recorrente, o prejuízo resultante do decretamento das providências é consideravelmente superior ao dano que com elas o requerente pretende evitar. Por último, a recorrente alega, em abono da revogação da decisão recorrida, que o requerente intentou o procedimento movido por ódio a ela, requerida, e que se tivesse qualquer direito sempre estaria a agir com abuso de direito. Esta alegação não procede. Em primeiro lugar, deve dizer-se que a requerida, ora recorrente, não alegou, na oposição, que o requerente, ao intentar o procedimento, moveu-se apenas por ódio a si, requerida, com o intuito de a prejudicar. Deste modo, ao invocar o abuso de direito, a requerida está a alegar, pelo primeira vez e em sede de recurso, um novo meio de defesa contra a pretensão do requerente, o que lhe não é consentido. Com efeito, apesar de não existir, nas disposições reguladoras dos procedimentos cautelares, uma disposição como a da primeira parte n.º 1 do artigo 573.º do CPC, ela também se aplica nos procedimentos cautelares e, assim sendo, toda a defesa devia ser deduzida na oposição. Por outro lado, embora o abuso de direito seja uma questão de conhecimento oficioso, o conhecimento de tal questão faz-se a partir dos factos julgados provados e não a partir de factos alegados pela primeira vez em sede de recurso. Daí que esteja votado ao fracasso a invocação de abuso de direito, pois ela assenta em factos que não estão provados. * VIII) Recurso de I…, Lda (…) * Decisão: Julgam-se improcedentes os recursos e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida. Responsabilidade quanto a custas: Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de os recorrentes terem ficado vencidos no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas. Coimbra, 25 de Maio de 2021
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