Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
301/21.4T8MGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OBRIGAÇÃO DO INQUILINO DE FACULTAR AO LOCADOR O EXAME DA COISA LOCADA
DEVERES DE CUIDADO E ZELO NO USO DO LOCADO
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 265.º, 2, DO CPC
ARTIGOS 1038.º, B); 1048.º, 1 E 1083.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Se em consequência de inspecção técnica ao locado, se verifica a existência de humidades e infiltrações provenientes da casa de banho do mesmo e o locador pretende pôr fim à causa que as origina, cosntitui obrigação do inquilino facutar ao senhorio o acesso ao locado, a fim de se inteirar do seu estado, sob pena de poder ver resolvido o contrato de arrendamento, com esse fundamento.
Decisão Texto Integral:

Processo: 301/21.4T8MGR.C1

Referência: 10720514

Relator: Falcão de Magalhães

1.º Adjunto: Des. Pires Robalo

2.º Adjunto: Des. Sílvia Pires

Apelação n.º 301/21.4T8MGR.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:

I - A) – 1) - 2«[…] A Autora AA, solteira, maior portadora do CC ..., válido até 17/12/2029 e do NIF ..., residente em Rua ..., ... ..., instaurou ACÇÃO DE DESPEJO, sob a forma de Processo Comum, contra, BB, divorciada, portadora do CC ..., NIF ..., residente em Rua ..., ..., ... freguesia de concelho ... (...),

Pedindo:

1º. Se declare resolvido, por culpa da R., o contrato de arrendamento dado ao processo, pelos factos supra alegados; e,

2º. Se condene a R. a reconhecer que, ao não franquear a porta à A. e não fazer as reparações urgentes para evitar danos em prédio terceiro, foram causados danos em prédio de terceiros que poderão ser indemnizáveis e na parte em que decorram da conduta omissiva da R. Caso assim se não entenda, o que só por dever de patrocínio se admite,

3º. Se reconheça a resolução do contrato de arrendamento sem termo dado ao processo, nos termos da comunicação resolutiva com efeitos a 31 de Dezembro de 2021;

Em qualquer dos casos que venha a julgar-se fundamento de 

resolução do contrato,

4º. Se condene a R. a restituir à A. o locado no estado de conservação e limpeza previsto no contrato de arrendamento celebrado;

Alegando, em apertada síntese, que na sequência de contrato de arrendamento, sem termo, celebrado com a Ré, que declarou ser divorciada e viver sozinha, após queixa apresentada pela proprietária da fracção imediatamente inferior à sua, reportou à seguradora contratada, tendo acompanhado a vistoria realizada no dia 20 de Julho de 2020, na sequência da qual verificou pela degradação do imóvel dado em arrendamento, designadamente na ausência de uma porta de um armário roupeiro, infiltrações com origem na casa de banho do locado, por inexistência de silicone a vedar o poliban. Alegou ter enviado comunicação à Ré para nova vistoria, inicialmente para 11 de Agosto de 2020 e posteriormente alterada para 12 de Setembro de 2020, vistoria que não se realizou porque a Ré não abriu a porta, tendo chamado a PSP para tomar conta da ocorrência. Mais correspondência foi enviada, por Autora e Ré, sem que a Autora pudesse vistoriar o interior do locado e averiguar se a reparação recomendada pelo técnico tinha sido realizada. Alega ainda que foi acordado aquando a celebração do contrato de arrendamento, que a Ré não pagaria a primeira renda, na condição de, com esse valor, proceder à pintura interior do prédio. Mais alega que quando a obrigação de confinamento, consequência da declaração do Estado de Emergência, a Ré contactou a Autora por Whatsapp informando que seria colocada em situação de layoff e que não conseguiria pagar a renda, o que a Autora aceitou, sendo certo que até ao presente a Ré não procedeu ao pagamento das duas rendas em atraso.

*

A Ré contestou a acção, alegando que habita o locado desde o dia 1 de

Outubro de 2013, sempre tendo cuidado da casa como se fosse sua, de forma zelosa e cuidadosa. Mais alegou ter contratado um canalizador para lhe vedar, com silicone, o poliban, assim como já diligenciou pela colocação da porta do roupeiro, após ter conseguido adquirir as peças necessárias, esgotadas à data no Leroy Merlin, pugnando pela improcedência da acção. Apresentou ainda Reconvenção, pedindo a condenação da Autora em indemnização, por ter comentado em toda a vizinhança que a Ré não zelava, nem tinha cuidados de higiene com o locado, enviando correspondência com alegações falsas, apenas com o propósito de fazer pressão para a Ré abandonar o locado.

*

A Autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.

*

Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, não admitindo a reconvenção, por ilegal. Foram identificados o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

(…)

Em audiência de julgamento, a Autora requereu a ampliação do pedido, o qual, por deferido, passou a ter seguinte configuração:

1º - falta culposa de pagamento de 3 (três) rendas;

2º - violação do dever de facultar ao locador o exame do locado nos termos do artº 1038º, al. b), do Código Civil;

3º - violação do dever de não fazer do locado um uso imprudente nos termos da al. c), do artº 1038º, do Código Civil;

4º - Violação do dever de tolerar as reparações urgentes nos termos do artº 1038º, al. e), do Código Civil;

Mais se pede a condenação da ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a €150,00 (cento e cinquenta euros) por cada dia em que não tolere a realização da vistoria para efeitos de apuramento de danos e reparações urgentes quer do locado quer do imóvel que se situa no piso inferior;

Mais se pede que a condenação da Ré no pagamento de todos os custos e despesas de qualquer natureza que a autora comprovadamente tiver que suportar para repor a sua fracção e a do r/chão no estado de conservação adequado a um uso normal dos imóveis, tudo a apurar em sede de liquidação de sentença. […]».

2)        – Na ocasião do saneador, definiu-se o seguinte objecto do processo: “Saber se a Autora poderá resolver o contrato por incumprimento culposo da Ré dos deveres de cuidado e zelo do locado.”;

Nessa mesma ocasião os temas de prova enunciados foram os seguintes:

1.         Saber se a Ré impossibilitou o acesso ao locado apesar de notificada da vistoria, em 12 de Setembro de 2020;

2.         Saber se as infiltrações nas fracções vizinhanças têm origem no locado;

3.         Saber se os danos verificados pela Autora na casa de banho do locado (humidade e falta de silicone vedante nas loiças da causa de banho) são causa adequada de infiltrações na fracção inferior;

4.         Saber se a porta do roupeiro foi reposta;

5.         Saber se a Ré já tinha avisado a Autora de problemas de humidade na casa de banho do locado;

6.         Saber se Autora e Ré acordaram na realização de pintura no interior do locado, e se a Ré a realizou.

3)        – A Autora veio reclamar, pretendendo que, o objecto do litígio fosse o seguinte: “Saber se a Autora poderá resolver o contrato por incumprimento culposo da Ré dos deveres de cuidado e zelo do locado e o de facultar à Autora o exame do locado”;

E que aos temas de prova se adicionasse este: “Saber se a Ré franqueou a porta do locado à Autora para que o examinasse nas datas que a mesma lhe comunicou pelas cartas juntas ao processo ou, caso o não tenha feito, se justificou a impossibilidade ou propôs datas alternativas.”.

4)        – Por despacho de 21/2/2022 foi deferida a aludida reclamação, considerando-se o objecto do litígio e os temas de prova alterados nos termos reclamados.

5)        – Na sessão de 17/5/2022, da audiência final, foi requerida a ampliação do pedido acima referida, tendo a mesma sido deferida por despacho proferido para a acta dessa sessão.

6)        – Pronunciando-se sobre tal requerimento, posteriormente a ter sido proferida a supra mencionada decisão a admitir a ampliação requerida, a Ré sustentou:

“(…) que se opõe a tal pretensão, nomeadamente no que respeita à falta culposa de pagamento de três rendas e à violação do dever de facultar ao locador o exame do locado.., na justa medida que tais ampliações não resultam do desenvolvimento nem são consequência do pedido primitivo, cfr. alegado pela A. na sua PI nos pontos 48. a 50, e 20. e 21. da mesma peça processual.

Por outro lado,

Não se opõe às restantes ampliações dos pedidos, não obstante a R. entender que tais ampliações não têm qualquer utilidade para o processo, na justa medida em que a R. sempre fez um uso prudente do locado e tolerou sempre as reparações urgentes no locado (…). (os sublinhados são nossos).

*

- Em 31/8/2022 foi proferida sentença pelo Juízo de Competência Genérica ..., tendo-se consignado, na respectiva parte dispositiva, o seguinte:

«[…] decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e em consequência:

I           – Declarar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Ré, sobre fracção autónoma, designada pela letra ..., tipologia ..., do prédio urbano em regime propriedade horizontal, sito em Rua ..., lugar de ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...03 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ...25, com fundamento em incumprimento grave e reiterado da obrigação de facultar ao locador o exame da coisa locada, condenando-se a Ré a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens;

II         – Absolver a Ré do demais peticionado;

III        – Condenar Autora e Ré no pagamento das custas, na proporção de metade para cada. […]».

*

B)        – 1) - Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso desta decisão, oferecendo, no final da sua alegação recursória, as seguintes “conclusões”:

«1.

A ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal “a quo” que julgou Procedente o procedimento especial de despejo.

2.

A questão central é demonstrar que efectivamente a R. não violou qualquer dever de facultar ao locador o exame do locado.

3.

Uma vez que sempre cumpriu, de forma constante, a obrigação que lhe impõe de facultar ao senhorio o exame da coisa locada, cfr. factos julgados provados, a saber:

4.         Em finais de Junho, início de Julho de 2020, a proprietária do andar inferior, CC, exigiu que a Autora reportasse ao seu seguro as infiltrações que tinha em sua casa e que admitia provir do andar superior, o que a Autora fez;

5.         Em 20 de Julho de 2020, a Autora deslocou-se ao prédio dado de arrendamento à Ré, para acompanhar a vistoria realizada pelo técnico, tendo a Ré cedido a chave à vizinha de baixo, CC, que abriu a porta do locado;

6.         Na sequência da vistoria realizada em 20 de Julho de 2020, foi realizado relatório pelo técnico, no qual conclui o seguinte: “após deslocação a fracção segura, em conjunto com Administrador do condomínio foi realizado teste no R/c esq que apresenta danos na parte inferior das paredes, já secas, derivado a insuficiência de isolamentos, na base, no qual já se apresenta reparados. No 1.º esq verificou-se humidade na parte inferior da parede em volta do WC, no WC verificou-se insuficiência de isolamento na base que estão a provocar danos na mesma fracção e no vizinho de baixo, rente ao tecto, na sala.

No 2.º esq não se verificou danos nem rupturas”;

7.         Em 30 de Julho de 2020, a Autora enviou comunicação, por correio registado com AR, recebida pela Ré em 15/8/2020, a denunciar desconformidades verificadas aquando a vistoria de 20 de Julho, designadamente: falta de uma porta de roupeiro no quarto da frente, humidade nas paredes do quarto junto da casa de banho e marquise, casa de banho, com falta de silicone no duche e falta de pintura nas paredes; e a solicitar a reparação das desconformidades até 31 de Agosto de 2020, bem como a abertura da porta, para vistoria, no dia 11 de Agosto de 2020;

8.         No dia 18 de Agosto de 2020, a Autora enviou comunicação por correio registado, com AR, a alterar a data da vistoria para o dia 12 de Setembro de 2020;

9.         A Ré nada disse à Autora, a propósito das visitas, fosse dando nota da sua impossibilidade, fosse demonstrando a realização de qualquer das obras;

10.       No dia 12 de Setembro de 2020, a Autora deslocou-se ao imóvel, tocou à campainha e ninguém abriu a porta.

11.       A Autora chamou a polícia para tomar conta da ocorrência;

12.       No dia 31 de Agosto de 2020, a Ré escreveu à Autora, assinalando que, como é do conhecimento da Autora, a humidade decorre do normal uso do locado, que aguardava a visita de técnico para reparar o roupeiro, negando falta de limpeza do locado, solicitando a regularização e registo do contrato, com a respectiva emissão de recibos desde 2013, sob cominação de participar à ATA;

13.       A Ré, em carta datada de 18 de Setembro de 2020, declarou não ser responsabilidade realizar obras de reparação por alegada insuficiência do isolamento, obras da responsabilidade do senhorio ou da seguradora, negando qualquer responsabilidade pelo pagamento de qualquer reparação em caso de recusa de assunção de responsabilidade pela seguradora;

14.       No dia 28 de Setembro de 2020, a Autora escreveu à Ré, através de carta registada, com AR, a proceder a novo agendamento para vistoria, para o dia 17 de Outubro de 2020, pelas 17 horas;

15.       A Autora, por carta registada, com AR, de 21/10/2020, fixou o prazo de 5 dias úteis para colocar o silicone no poliban;

16.       A Autora, por carta registada, com AR, datada de 27 de Outubro de 2020, escreveu “nada mais resta do que remeter para a cláusula 5.ª do contrato de arrendamento e exigir que cumpra as suas obrigações, pois está a causar danos e não admitimos que a situação se mantenha por mais tempo. Nada fazendo, iremos resolver unilateralmente o contrato que nos vincula”;

4.

Conforme resulta da matéria provada nos presentes Autos nos pontos 5 e 6, dúvidas não subsistem que a A. esteve presente no locado, facultando inclusive a R. uma chave do imóvel objeto dos presentes Autos à sua vizinha que juntamente com a A. estiveram assim presentes no interior do aludido imóvel.

5.

Sendo certo ainda que a R. esteve sempre disponível para colaborar com todos os intervenientes, na justa medida em que procedeu de imediato à colocação do silicone de modo a vedar o poliban do quarto de banho;

21.       Em data não concretamente apurada, a porta do roupeiro foi reposta;

22.       Em data não concretamente apurada, a Ré colocou silicone a vedar o poliban do quarto de banho;

26. Em data não concretamente apurada, a seguradora da Autora procedeu à reparação da infiltração verificada em finais de Junho de 2019 na fracção inferior, pertencente a CC.

6.

Daí a inexistência da violação do preceituado no art. 1083º, nºs 1 e 2, 1ª parte do Cód. Civil por parte da R. já que nunca impediu a A. de aceder ao locado nos termos da Lei. Aliás,

7.

Conforme resulta dos Autos, nomeadamente no seu ponto 23 dos fatos dados como provados, dúvidas não subsistem que a A. desde o ano de 2019 pretende a resolução do contrato de arrendamento aqui em causa à força, no entanto alegando sempre vários motivos menos a violação por parte da R. de qualquer dever de facultar o exame do locado. Pelo que,

8.

Quem incumpriu com os preceitos legais que norteiam a matéria do arrendamento foi a A. que desde 2019 dirigiu várias correspondências à A. invocando uma série de motivos para que esta abandone o imóvel aqui em questão.

9.

Não existiu qualquer incumprimento grave, de tal modo que se torna inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento, e que justifique a procedência da ação e a restituição pela R. do imóvel devoluto de pessoas e bens que por sua vez corresponde à sua casa de morada de família desde 2013.

10.

Ademais, não será proporcional face aos interesses em causa e conforme à equidade, admitir que pelo facto da ré não ter aberto a porta por duas vezes num arrendamento com cerca de dez anos de duração, num contexto de pandemia e ainda num contexto com constantes correspondências de denúncias de contrato, etc, se tornou inexigível à senhoria a manutenção do mesmo ou seja que tal conduta neste contexto assume um nível de gravidade e gera consequências tais que não seja razoavelmente exigível à outra parte (de um ponto de vista objetivo) a manutenção do contrato.

11.

Daí que no nosso modesto entender não haver motivo para a resolução do contrato assente na violação do especial de despejo com fundamento em incumprimento grave e reiterado da obrigação de facultar ao locador o exame da coisa locada, violando assim a Sentença o disposto no artigo art. 1083º, nºs 1 e 2, 1ª parte do Cód. Civil.

12.

Por último ainda se diz que a correspondência enviada pela A. à R. junta com a Pi sob o doc 11 demonstra efetivamente que a A. entrou no locado de modo a examinar o locado, ora veja-se:

(….)

1. Entrámos na N. casa porque nos abriu a porta e estávamos acompanhados de outras pessoas que viram o estado de conservação do imóvel.

13.

Pelo que enferma de nulidade nesta parte a Sentença aqui posta em crise, nos termos do art. 615º, nº1, b) e c), 684º, nº2, do Código de Processo Civil e, como tal, não pode manter-se, devendo ser anulada. Acresce ainda que,

14.

A ampliação do pedido, mesmo contra a vontade da parte contrária, é processualmente admissível se for consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo (Art. 265.º n.º 2 do C.P.C.). Pelo exposto,

15.

A ampliação do pedido feita pela A. no que tange à violação do dever de facultar ao locador o exame do locado…, é igualmente inadimissivel na justa medida que tal ampliação mereceu oposição por parte da R., (vide requerimento com a ref. 4234874 e ainda não resulta do desenvolvimento nem é consequência do pedido primitivo, cfr. alegado pela A. na sua PI nos pontos 48. a 50, e 20. e 21. Assim, 16.

O Art. 264.º do C.P.C. admite que o pedido possa ser alterado com o acordo das partes em qualquer altura do processado, desde que tal não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

17.

Sucede que o requerimento da .A. mereceu a oposição da R.. Pelo que, a admissibilidade da ampliação do pedido ficou subordinada à previsão do Art. 265.º do C.P.C., o que aqui igualmente se invoca.

18.

Em suma, todos estes fatores apontam no mesmo sentido, isto é, do indeferimento da pretensão da Autora quanto à aludida ampliação do pedido por ausência de fundamento legal. Mais,

19.

A ampliação do pedido efetuada pela A., contempla factos que eram do conhecimento da A. antes da propositura da ação, mas a mesma nem sequer justificou a sua não inclusão na petição inicial;

20.

Justificação essa que terá de ser razoável e aferida tendo por base o padrão de diligência exigível a um homem médio perante a situação concreta, o que efetivamente igualmente não aconteceu, violando-se assim claramente nesta parte o preceituado nos artigos 260.º, 264.º e 265.º do CPC.

21.

Andou mal o tribunal “a quo” ao admitir as ampliações ao pedido efetuadas pela A.

22.

Pelo que ao decidir como fez o TRIBUNAL “A QUO” violou, entre outras, as disposições legais plasmadas nos artigos 1083.º n.º 1 e 2, 1ª parte do C.C., 260.º, 264.º e 265.º do C.P.C., que desde já se invocadas, pelo que ser revogada e substituído a presente Sentença.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Exas doutamente suprirão, deve a ser presente sentença recorrida revogada […]».

*

2) – A Autora, no corpo da alegação que apresentou em resposta à alegação de recurso, veio defender que o mesmo não fosse admitido, mas, para ocaso de o vir a ser, disse “…requerer a ampliação do âmbito do recurso, para que sejam apreciados os outros fundamentos da acção que o não foram (…)”.

Todavia, concluiu essa alegação assim:

“(…) 1º. Entende a Recorrida que o recurso interposto dever ser rejeitado e assim imediatamente transite em julgado a D. Sentença Recorrida, por o recurso interposto não respeitar as regras a tanto respeitantes quer se trate de impugnação da matéria de facto, quer da matéria de Direito;

Caso assim se não entenda,

2º. Por ter feito uma correcta apreciação da matéria de facto e respectiva subsunção ao direito, deve a D. Sentença proferida pelo tribunal a quo ser mantida nos seus exactos termos. (…)” (os sublinhados são nossos).

*

C)        – 1) – Questões prévias.

A Ré não impugnou a decisão proferida quanto à matéria de facto, pretendendo, em suma, demonstrar com os factos dados como provados que discrimina, que “…não violou qualquer dever de facultar ao locador o exame do locado…”. Assim, não há que proceder a qualquer rejeição do recurso âmbito de uma “inexistente” impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto.

A Recorrente observou o disposto na alínea a) do nº 2 do artº 639º do novo Código de Processo Civil - aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, e doravante designado NCPC –3, já que indicou as normas que, no seu entender, foram violadas na sentença sob recurso.

Por outro lado, como vimos, apresentou “conclusões”, a findar a sua alegação de recurso.

Ora, a falta das especificações previstas no citado artº 639º, nº 2, ou a existência de “conclusões” que não observem a síntese a que alude o nº 1 desse, dando motivo a que o relator formule um convite no sentido dessas faltas serem supridas (nº 3 do citado 639º), não determinam a não admissão do recurso, como pretende a Apelada.

Não ocorre, pois, tal como já se inferia do despacho do relator, de 16/12/2022 (que confirmou o despacho de admissão da 1ª Instância), motivo para a rejeição do recurso, e portanto, para o não conhecimento do respectivo objecto, sem prejuízo do que se dirá adiante e que respeita exclusivamente à impugnação do despacho interlocutório que admitiu a ampliação do pedido da Autora.

Por outro lado, a Autora ampliou o âmbito do recurso, nos seguintes termos:

«[…] Conforme resulta da D. Sentença que a Recorrente põe em crise, foram vários os fundamentos da acção, sem que o Tribunal a quo tenha conhecido de todos eles, por ter procedido o primeiro dos alegados.

Não obstante, considerando o supra alegado e o recurso interposto, a Recorrida vem, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 636º, n.º

1 do CPC, a título subsidiário e para a hipótese que se tem por académica de tal recurso primeiro ser admitido e ainda assim proceder, requerer a ampliação do âmbito do recurso, para que sejam apreciados os outros fundamentos da acção que o não foram pelo exposto. […]».

Ora, quanto aos restantes fundamentos da acção que não foram apreciados, isso sucedeu, efectivamente, porque o Tribunal “a quo” entendeu que tal apreciação ficava prejudicada em função da procedência da acção fundada num outro fundamento que foi invocado pela Autora.

Por isso, a Autora, parte vencedora, não decaiu quanto aos restantes fundamentos da ação - pois que o tribunal não os julgou improcedentes - decaimento esse que é pressuposto necessário da ampliação do âmbito do recurso de que trata o artº 636º, nº 1, do NCPC.

O exposto justifica o indeferimento do pedido de ampliação requerido pela Autora, sem prejuízo de esta Relação, caso julgue que, escorada no fundamento utilizado para o efeito pela 1ª Instância, a acção improcede, apreciar, nos termos do artº 665º, nº 2, do NCPC, os restantes fundamentos da acção cuja conhecimento o Tribunal “a quo” teve por prejudicado (Cfr. Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª Edição, Almedina, Março 2022, págs. 73 e 74 e Abrantes Geraldes, “in” “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 96).

Sem prejuízo do disposto no artº 665º, nº 2, do NCPC, indefere-se, pois, a ampliação do recurso requerida pela Apelada.

No que concerne à impugnação da decisão interlocutória da ampliação do pedido, a mesma é de apreciar, mas apenas quanto aos pedidos fundados na falta culposa de pagamento de três rendas e na violação do dever de facultar ao locador o exame do locado.., já que a Ré, posteriormente a ter sido proferida tal decisão, no requerimento em que se pronunciou quanto à requerida ampliação, só se opôs “…no que respeita à falta culposa de pagamento de três rendas e à violação do dever de facultar ao locador o exame do locado…”, referindo não se opor “…às restantes ampliações dos pedidos, não obstante a R. entender que tais ampliações não têm qualquer utilidade para o processo, na justa medida em que a R. sempre fez um uso prudente do locado e tolerou sempre as reparações urgentes no locado (…)”.

Significa isto que a Ré, tirando o atinente aos pedidos fundados na falta culposa de pagamento de três rendas e na violação do dever de facultar ao locador o exame do locado, aceitou, quanto à parte restante da ampliação, a decisão que a deferiu “in totum”, motivo esse que leva a que, nessa parte, se entenda que a Ré aceitou essa decisão interlocutória, daí resultando que, quanto à parte que aceitou, não possa impugnar tal decisão (cfr. artº 632, nº 2, do NCPC), não sendo de conhecer do objecto do recurso a ela respeitante, o que ora se decide.

Diga-se, no entanto, que, em termos rigorosos, a Ré, para ver excluída da sentença a temática da violação do dever de facultar ao locador o exame do locado, haveria de ter impugnado, nesta apelação, o despacho de 21/2/2022, pois foi neste – sem o amparo de qualquer ampliação de pedido, que ocorreu muito posteriormente - que, deferindo-se a reclamação da Autora, se redefiniu o objecto do litígio, que passou a ser o de “Saber se a Autora poderá resolver o contrato por incumprimento culposo da Ré dos deveres de cuidado e zelo do locado e o de facultar à Autora o exame do locado”, bem como os temas de prova, de onde passou a constar o seguinte tema de prova: “Saber se a Ré franqueou a porta do locado à Autora para que o examinasse nas datas que a mesma lhe comunicou pelas cartas juntas ao processo ou, caso o não tenha feito, se justificou a impossibilidade ou propôs datas alternativas.”.

*

2) – Questões a decidir.

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos NCPC, para se distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC -, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”4 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

Assim, para além das nulidades invocadas pela Recorrente (artº 615º, nº1, b) e c), do NCPC), importa, no presente caso, decidir:

- Se foi legal a decisão interlocutória, de ampliação do pedido, alicerçado na falta culposa de pagamento de três rendas e na violação do dever de facultar ao locador o exame do locado;

-          Se foi acertada a decisão de julgar a acção procedente, com fundamento em incumprimento grave e reiterado da obrigação de facultar ao locador o exame da coisa locada;

-          Se, no caso de a acção não poder ser julgada procedente, escorada no fundamento que alicerçou a decisão da 1ª Instância, a acção procede com base em algum dos restantes fundamentos invocados pela Autora para o efeito (excepcionados, evidentemente, aqueles que se julguem erradamente admitidos por força da ampliação decidida no despacho interlocutório).

*

II - A) - Na sentença da 1.ª Instância consignou-se o seguinte no que respeita à decisão da matéria de facto provada e não provada:

«Foram julgados provados, os seguintes factos5:

1.         A Autora encontra-se registada como titular do direito de propriedade, pela Ap. n.º ...82, de 2008/04/30 da fracção autónoma, designada pela letra ..., tipologia ..., do prédio urbano em regime propriedade horizontal, sito em Rua ..., lugar de ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...03 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ...25;

2.         Em 20 de Setembro de 2013, a Autora como primeira outorgante, e a Ré como segunda outorgante, subscreveram com o seu punho escrito particular epigrafado “Contrato de Arrendamento para Habitação”, acordando na cedência temporária, sem termo, para habitação da Ré, do prédio descrito em 1., com início no dia 1 de Outubro de 2013, mediante o pagamento pela Ré, à Autora, de quantia no valor de €4.500,00 anuais, a pagar em duodécimos de €375,00, a pagar até ao oitavo dia do mês a que disser respeito, para o IBAN da Autora;

3.         Acordaram Autora e Ré, na cláusula 5ª do escrito particular epigrafado “contrato de arrendamento para habitação: “o 2.º contratante deve fazer um uso prudente do arrendado, ficando a seu cargo as obras de beneficiação e as de manutenção do bom estado de funcionamento das instalações de rede de distribuição de água, electricidade e esgotos e saneamento que sirvam o arrendado”;

4.         Em finais de Junho, início de Julho de 2020, a proprietária do andar inferior, CC, exigiu que a Autora reportasse ao seu seguro as infiltrações que tinha em sua casa e que admitia provir do andar superior, o que a Autora fez;

5.         Em 20 de Julho de 2020, a Autora deslocou-se ao prédio dado de arrendamento à Ré, para acompanhar a vistoria realizada pelo técnico, tendo a Ré cedido a chave à vizinha de baixo, CC, que abriu a porta do locado;

6.         Na sequência da vistoria realizada em 20 de Julho de 2020, foi realizado relatório pelo técnico, no qual conclui o seguinte: “após deslocação a fracção segura, em conjunto com Administrador do condomínio foi realizado teste no R/c esq que apresenta danos na parte inferior das paredes, já secas, derivado a insuficiência de isolamentos, na base, no qual já se apresenta reparados. No 1.º esq verificou-se humidade na parte inferior da parede em volta do WC, no WC verificou-se insuficiência de isolamento na base que estão a provocar danos na mesma fracção e no vizinho de baixo, rente ao tecto, na sala. No 2.º esq não se verificou danos nem rupturas”;

7.         Em 30 de Julho de 2020, a Autora enviou comunicação, por correio registado com AR, recebida pela Ré em 15/8/2020, a denunciar desconformidades verificadas aquando a vistoria de 20 de Julho,

designadamente: falta de uma porta de roupeiro no quarto da frente, humidade nas paredes do quarto junto da casa de banho e marquise, casa de banho, com falta de silicone no duche e falta de pintura nas paredes; e a solicitar a reparação das desconformidades até 31 de Agosto de 2020, bem como a abertura da porta, para vistoria, no dia 11 de Agosto de 2020;

8.         No dia 18 de Agosto de 2020, a Autora enviou comunicação por correio registado, com AR, a alterar a data da vistoria para o dia 12 de Setembro de 2020;

9.         A Ré nada disse à Autora, a propósito das visitas, fosse dando nota da sua impossibilidade, fosse demonstrando a realização de qualquer das obras;

10.       No dia 12 de Setembro de 2020, a Autora deslocou-se ao imóvel, tocou à campainha e ninguém abriu a porta;

11.       A Autora chamou a polícia para tomar conta da ocorrência;

12.       No dia 31 de Agosto de 2020, a Ré escreveu à Autora, assinalando que, como é do conhecimento da Autora, a humidade decorre do normal uso do locado, que aguardava a visita de técnico para reparar o roupeiro, negando falta de limpeza do locado, solicitando a regularização e registo do contrato, com a respectiva emissão de recibos desde 2013, sob cominação de participar à ATA;

13.       A Ré, em carta datada de 18 de Setembro de 2020, declarou não ser responsabilidade realizar obras de reparação por alegada insuficiência do isolamento, obras da responsabilidade do senhorio ou da seguradora, negando qualquer responsabilidade pelo pagamento de qualquer reparação em caso de recusa de assunção de responsabilidade pela seguradora;

14.       No dia 28 de Setembro de 2020, a Autora escreveu à Ré, através de carta registada, com AR, a proceder a novo agendamento para

vistoria, para o dia 17 de Outubro de 2020, pelas 17 horas;

15.       A Autora, por carta registada, com AR, de 21/10/2020, fixou o prazo de 5 dias úteis para colocar o silicone no poliban;

16.       A Autora, por carta registada, com AR, datada de 27 de Outubro de 2020, escreveu “nada mais resta do que remeter para a cláusula 5.ª do contrato de arrendamento e exigir que cumpra as suas obrigações, pois está a causar danos e não admitimos que a situação se mantenha por mais tempo. Nada fazendo, iremos resolver unilateralmente o contrato que nos vincula”;

17.       Em data não concretamente apurada, após o dia .../.../2013, Autora e Ré acordaram que o valor correspondente a uma renda, ao invés de ser pago, seria utilizado pela Ré para pintar o interior da fracção;

18.       Até ao presente a Ré não pintou a fracção;

19.       A Ré, via whatsapp solicitou à Autora o não pagamento de duas mensalidades da renda, relativas aos meses de Abril e Maio de 2020, em virtude de se encontrar em layoff, o que foi por esta aceite;

20.       Até a presente, a Ré não pagou as rendas relativas aos meses de Abril e Maio de 2020;

21.       Em data não concretamente apurada, a porta do roupeiro foi reposta;

22.       Em data não concretamente apurada, a Ré colocou silicone a vedar o poliban do quarto de banho;

Mais se provou:

23.       A Autora, por carta registada, com AR, datada de 27 de Dezembro de 2019, comunicou à Ré a intenção de pretender denunciar o contrato de arrendamento, ao abrigo do preceituado no artigo 1101.º, al. c) do CC, solicitando a entrega do imóvel no dia 31 de Dezembro de 2021;

24.       A Autora, por carta datada de 31 de Janeiro de 2020, correio registado, com AR, comunicou à Ré a intenção de denunciar o contrato, nos termos descritos em 23., solicitando a entrega do imóvel, no dia 31 de Dezembro de 2021;

25.       Em data não concretamente apurada, no final do mês de Abril de 2022, a proprietária da fracção inferior CC, viu uma mancha de humidade no tecto falso em pladur, seguido de um fio de água a escorrer pela parede, constatando pela lã de vidro molhada e ainda pelo chão de madeira já deformado pela humidade e o rodapé inchado a descolar da parede;

26.       Em data não concretamente apurada, a seguradora da Autora procedeu à reparação da infiltração verificada em finais de Junho de 2019 na fracção inferior, pertencente a CC.

*

3.2 – FACTOS JULGADOS NÃO PROVADOS:

a)         Que a Ré sempre tenha dito à Autora que era divorciada e vivia sozinha;

b)        Que se encontrem cumpridas todas as obrigações fiscais inerentes à celebração do contrato descrito em 2.;

c)         Que aquando da celebração do arrendamento, Autora e Ré tenham acordado que esta não pagaria a primeira renda, na condição de, com esse valor, proceder à pintura interior do prédio.»6.

*

B) - 1) – Para valer quando não há acordo das partes na matéria em causa, o artº 265º do NCPC (art.º 273.º NCPC 1961), dispõe o seguinte:

«1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo

autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2          - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá- lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3          - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.

4          - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.

5          - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6          - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.».

Ora, a ampliação em causa foi requerida e admitida, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 265º do (novo) CPC, na acta da sessão de 17/5/2022 da audiência final, tendo a ampliação, pois, por fundamento, ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

Resultando do que já acima foi dito que, no que concerne à impugnação do despacho interlocutório, a ampliação nele decidida é de apreciar apenas quanto aos pedidos fundados na falta culposa de pagamento de três rendas e na violação do dever de facultar ao locador o exame do locado, lembremos que o articulado inicial da Autora terminou com a formulação do seguinte pedido:

«[…] Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, pede a A., se julgue a presente causa totalmente procedente por provada e em consequência:

1º. Se declare resolvido, por culpa da R., o contrato de arrendamento dado ao processo, pelos factos supra alegados; e,

2º. Se condene a R. a reconhecer que, ao não franquear a porta à A. e não fazer as reparações urgentes para evitar danos em prédio terceiro, foram causados danos em prédio de terceiros que poderão ser indemnizáveis e na parte em que decorram da conduta omissiva da R.

Caso assim se não entenda, o que só por dever de patrocínio se admite,

3º. Se reconheça a resolução do contrato de arrendamento sem termo dado ao processo, nos termos da comunicação resolutiva com efeitos a 31 de Dezembro de 2021;

Em qualquer dos casos que venha a julgar-se fundamento de resolução do contrato,

4º. Se condene a R. a restituir à A. o locado no estado de conservação e limpeza previsto no contrato de arrendamento celebrado; […]».

Portanto, sendo o 3º pedido de natureza subsidiária, os pedidos principais são:

-          O de declarar “…resolvido, por culpa da R., o contrato de arrendamento dado ao processo, pelos factos supra alegados…”; - - O de condenar a Ré “…a reconhecer que, ao não franquear a porta à A. e não fazer as reparações urgentes para evitar danos em prédio terceiro, foram causados danos em prédio de terceiros que poderão ser indemnizáveis e na parte em que decorram da conduta omissiva da R.”;

-          O de condenar a Ré a restituir à A. o locado no estado de conservação e limpeza previsto no contrato de arrendamento celebrado.

Assim, na formulação do 1º pedido, em que se requereu que fosse declarado resolvido, por culpa da R., o contrato de arrendamento dado ao processo, “…pelos factos supra alegados…”, a Autora não fez aí uma indicação dos específicos fundamentos que erigia como motivo de resolução; ou seja, os que, preenchendo alguma das situações que a lei descreve nas diversas alíneas do nº 2 do artº 1083.º, do CC, ou, outros que, não estando aí consignados, justificassem, como se também exige aos constantes dessas alíneas, a resolução, por incumprimento culposo por parte do inquilino, sendo que ante tal incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, deve resultar tornar-se inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (nº 1 e corpo do nº 2 do citado artº 1083º).

Verificamos, contudo, que no corpo da petição se refere entre o mais:

«[…] 8. “O prazo de duração do arrendamento é sem termo, com início a 01 de Outubro de 2013” (cláusula Terceira, do Doc. 3),

9.         A renda convencionada foi de regime livre, no montante de 4.500,00 € anuais, a pagar em duodécimos de 375,00 € (trezentos e setenta e cinco euros) mensais - Cláusula Quarta do Doc. 3),

10.       Renda que deveria ser “(…) até ao oitavo dia do mês a que disser respeito” (cláusula Quarta, n. º 4 do Doc. 3).

11.       Por força do disposto na cláusula 5ª do contrato que se junta como Doc. 3, a R. tinha por obrigação “(…) fazer um uso prudente do arrendo (…)”,

(…)

48.       No âmbito da situação pandémica provocada pelo vírus chinês - Covid19, a aqui R. comunicou via Whatsapp à A. que ia entrar em situação de lay off e, por causa disso, não conseguiria pagar a renda.

49.       Pese embora a informalidade da comunicação, a Autora aceitou-a, com comunicação relativa ao regime excepcional aplicável em matéria de arrendamento e pagamento de rendas.

50.       A R não pagou duas rendas mensais na data do respectivo vencimento e nada entregou a esse

propósito à Autora até esta data.

(…)

25.       Logo nessa comunicação, e antevendo a A. que a R. nada fizesse, fixou-lhe data para nova visita - 11 de Agosto de 2020, que entretanto foi alterada para 12 de Setembro seguinte - Doc. 9

26.       A R. recebeu as cartas que se juntam, mas nada comunicou a propósito das visitas, fosse dando nota da sua impossibilidade, fosse demonstrando a realização de qualquer das obras;

27.       Certo é que, em 12 de Setembro de 2020 a A. deslocou-se ao imóvel, tocou à campainha e ninguém abriu a porta.

(…)

30. A A. foi impossibilitada pela R. de exercer o seu direito de vistoria do imóvel que é dela e que deu de arrendamento,

(…)

32.       Uns dias mais tarde a R. remeteu carta registada dirigida à A., que datou de 31 de Agosto mas apenas foi recebida em 14 de Setembro de 2020, ou seja, já depois de ultrapassada a data fixada para a vistoria. - Doc. 10.

33.       Perante a comunicação da R., entendeu a A. proceder a novo agendamento de dia e hora - 17 de Outubro de 2020, pelas 17 horas, para exame do prédio, o que comunicou à R. por carta registada com aviso de recepção que a R. nem sequer se dignou levantar - Doc. 11, pelo que foi devolvida pelos serviços postais.

34.       Pese embora a R. não ter levantado a comunicação junta como Doc. 11, o que não porque não quis uma vez que foi dirigida para o locado, a R. remeteu nova carta dirigida à A. - Doc. 12, que só foi recebida em Outubro de 2020.

35.       E a esta respondeu a A. por carta registada com AR de 21/10/2020, fixando um último prazo para a realização das reparações - colocação de silicone, etc., conforme comunicação que se junta e aqui dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos - Doc. 13.

36.       Também esta comunicação a Ré não recebeu, porque apesar de ter sido dirigida para o locado, nem sequer se deu ao trabalho de levantar a correspondência que a proprietária lhe dirige.

37.       Mais, a esta comunicação junta como Doc. 13, ainda a A. se deu ao cuidado de tentar sensibilizar a Ré para a reparação a fazer, comunicação expedida em 27 de Outubro de 2020, que ora se junta e dá por integralmente reproduzida - Doc. 14, e que, como a anterior, a Ré também nem sequer se deu ao trabalho de levantar.

(…)

39. Pese embora todas as considerações que a R. tece nas suas comunicações, nunca abriu a porta (excepção feita àquela visita que levou á elaboração do relatório que se junta), sequer indicou data em que estava disponível para o fazer, para que a A. pudesse proceder às reparações necessárias à eliminação das infiltrações.

(…)

41.       Perante o facto de a Ré nem sequer se dar ao cuidado de levantar a correspondência que a Autora lhe dirige, fazendo-o para o locado, faz perigar toda e qualquer relação de confiança que tem de se achar subjacente à relação de arrendamento,

42.       O que se torna tanto mais grave quando a Ré, sem levantar a correspondência da Autora, sequer contactá-la para se inteirar do seu conteúdo, acaba a responder-lhe, sem nunca mostrar qualquer tipo de preocupação com a proprietária, as preocupações desta relativas ao imóvel e, bem assim, o próprio imóvel

(…)

54.       Ao descrito acresce o facto de a R., ao não abrir a porta à proprietária, aqui A., impede-a de realizar a reparação, independentemente de quem pudesse vir a ser julgado responsável pela sua realização.

55.       A R. impede, porque assim quer e nada faz para o contrariar, a A. de examinar o prédio - direito do senhorio previsto no art. 1038º, al. b) do C.Civ.

56.       A conduta da R. prolonga-se desde Agosto de 2020 e, até à presente data, nunca a mesma R. se mostrou disponível para fazer o que quer que fosse para se conformar com as regras mínimas de respeito pelos contratos - fosse franquear a porta ao senhorio, permitir-lhe as reparações urgentes, e do contrato de arrendamento em particular.

57.       A actuação da R., que se prolonga pelo hiato de tempo referido, os danos que a sua não acção causa e a própria postura que assume nas comunicações que se juntam - as que subscreve e aquelas que nem sequer se digna levantar, violam o dever de boa-fé obrigatoriamente subjacente a este como a

todos os contratos,

58.       E inquinam irremediavelmente a relação de confiança subjacente à relação trazida a este processo.

59.       Para além da violação do dever de boa-fé que constitui fundamento de resolução geral dos contratos, aplicável ao caso por força do disposto no art. 1083º, n.º 1 do C.Civ., a conduta da R. viola as regras de boa vizinhança, o que igualmente é fundamento de resolução do contrato pelo senhorio, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1083º, n.º 2, al. b) do mesmo diploma legal,

(…)

Por mera cautela e dever de patrocínio, mais se aduz que,

60.       Caso se não declare resolvido o contrato de arrendamento pelos factos supra expostos, o que só por mera hipótese académica e dever de patrocínio se admite, considerando o contrato celebrado sem termo, vem a A. invocar a respectiva resolução nos termos de comunicação resolutiva já expedida para o locado e dirigida à R., conforme documento que protesta juntar;

61.       Pede-se assim que, não procedendo a resolução pelos motivos supra alegados, declare o tribunal o mesmo contrato resolvido por força da comunicação a que se alude no precedente e, em consequência, se condene a R. na desocupação do locado e sua restituição à A. na data constante da mesma

comunicação - 31 de Dezembro de 2021. […]».

Ora embora de forma imperfeita, afigura-se não haver dúvidas, que, o alegado no corpo da petição, aludindo à norma do artº. 1038º, al. b) do CC e acusando a Ré de impedir a A. de exercer o seu direito de examinar o prédio, funda o pedido de resolução do arrendamento, no incumprimento culposo, por parte da Ré, da obrigação de facultar ao locador o exame da coisa locada, obrigação esta, cujo incumprimento, aliás, já se entrevê na formulação do 2º pedido, na expressão “…ao não franquear a porta à A…”.

Depois, no âmbito do saneador, um dos temas de prova, foi mesmo o de “Saber se a Ré impossibilitou o acesso ao locado apesar de notificada da vistoria, em 12 de Setembro de 2020”.

A isto acresce que, tendo sido fixado como objecto do litígio “Saber se a Autora poderá resolver o contrato por incumprimento culposo da Ré dos deveres de cuidado e zelo do locado.”, em resultado da reclamação da Autora nesse sentido, o objecto do litígio foi, sem oposição da Ré, alterado para “: “Saber se a Autora poderá resolver o contrato por incumprimento culposo da Ré dos deveres de cuidado e zelo do locado e o de facultar à Autora o exame do locado”.

Portanto, afigurando-se-nos que o pedido de resolução do arrendamento, com base no incumprimento culposo da Ré, do dever de facultar à Autora o exame do locado, já estava formulado, embora que de forma imperfeita, na petição inicial, não temos dúvida em considerar que, assim, não se entendendo, tem, pelo menos, que se concluir, que a ampliação requerida e deferida na sessão da audiência de 17/5/2022, foi acertada, face ao disposto no artº 265º, nº 2, do NCPC, no que concerne à admissão do pedido de resolução do contrato de arrendamento dado ao processo, por violação, pela Ré, do dever de facultar ao locador o exame do locado, nos termos do artº 1038º, al. b), do Código Civil, já que tal pedido é desenvolvimento do peticionado no articulado inicial da Autora, e, em particular do pedido aí elencado em 2º lugar.

Já assim não entendemos quanto ao pedido de resolução do arrendamento por falta culposa, da Ré, de pagamento de 3 (três) rendas.

É certo que a Autora, a petição, referiu o não pagamento de rendas por parte da Ré, mas nunca o caracterizou como consistindo uma violação contratual por parte desta, muito menos assentando nessa putativa violação, a peticionada resolução do contrato, sendo que, em qualquer dos casos em que o alegou, o não pagamento da renda sempre ocorreu em resultado de acordo entre a Autora e a Ré.

Assim:

- Aquando da celebração do arrendamento – 20/9/2013 - Autora e Ré acordaram que esta última não pagaria a primeira renda, na condição de, com esse valor, proceder à pintura interior do prédio - Doc. 7 (cfr. artº 43º);

- No âmbito da situação pandémica provocada pelo vírus Covid19, a

R. comunicou via Whatsapp à A. que ia entrar em situação de lay off e, por causa disso, não conseguiria pagar a renda, o que a Autora aceitou, com comunicação relativa ao regime excepcional aplicável em matéria de arrendamento e pagamento de rendas. (cfr. artº 48º da p.i.) Ora, quanto à 1ªdas situações, para além de não se ter alegado o prazo em que Ré teria de efectuar a referida pintura, não se alegou, de todo o modo, que a Autora, a ter concluído que a Ré desrespeitara o acordado, a tivesse interpelado para proceder ao pagamento da renda em causa

Por outro lado, também não se vislumbra a alegação da interpelação da Ré, quanto ao pagamento das rendas atinentes à 2ª das apontadas situações.

E assim, porque por via do acordado, não se pode dizer, ao menos como fundamento de resolução, que a Ré “não pagou duas rendas mensais na data do respectivo vencimento” e nada foi alegado, na petição, quanto à interpelação da Ré para o pagamento das três rendas de que se fala nesse articulado, entendemos que não foi formulado qualquer pedido de resolução do arrendamento com base na falta de pagamento de rendas.

Ademais, sendo evidente que, na parte da petição epigrafada “Do direito”, nenhuma alusão se faz à violação da obrigação do locatário em pagar a renda acordada, também não é despiciendo lembrar a necessidade de ser inequívoco o alicerçar da resolução do arrendamento na falta de pagamento de rendas, até porque, só assim, confrontado com tal pedido, sem a possibilidade de dúbias interpretações nesse conspecto, pode o locatário, nos termos do artº 1048º, nº 1, do CC, fazer caducar o direito à resolução alicerçada em tal fundamento .

Do exposto resulta, que não pode ser erigido como consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, a ampliação requerida na sessão de julgamento de 17/5/2022, da resolução do contrato por falta culposa de pagamento de 3 (três) rendas, sendo, nessa parte, de revogar o despacho que deferiu essa ampliação.

*

Tendo-se concluído ter sido correcta a admissão do pedido de resolução do contrato de arrendamento dado ao processo, por violação, pela Ré, do dever de facultar ao locador o exame do locado, nos termos do artº 1038º, al. b), do Código Civil, passamos a transcrever o que, essencialmente, quanto mérito desse pedido, se disse na decisão recorrida.

«[…] No que respeita às normas atinentes à cessação da relação de arrendamento, ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do CC e artigo 14.º, n.º 5 da Lei n.º 13/2019, de 12/02, tendo em consideração que as comunicações tendentes a denunciar o contrato, ao abrigo do artigo 1101.º, al. c) do CC, foram realizadas em Dezembro de 2019 e Janeiro de 2020, e em face do silêncio da norma temporária, é aplicável a norma do Código Civil, na versão dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02 (no mesmo sentido Ac. STJ de 30-11-2021, processo n.º 19/20.5YLPRT.L1.S1).

Face à factualidade julgada provada, verifica-se terem as partes celebrado contrato de locação, na modalidade de arrendamento para fim habitacional, de duração indeterminada (artigos 1022.º, 1023.º, 1027.º, 1099.º do CC). (…)

No que respeita às solicitações da Autora, com vista a visitar e examinar a fracção dada em arrendamento, constatamos que inexiste qualquer

formalidade especial para a sua comunicação entre locatário e senhorio, aplicando-se a regra prevista no artigo 9.º, n.º 1 do NRAU.

Nesse domínio, constatamos pela validade das comunicações realizadas pela Autora nos dias 30 de Julho de 2020, 18 de Agosto de 2020, 28 de

Setembro de 2020, 21 de Outubro de 2020 e 27 de Outubro de 2020. (…)

Nos termos do artigo 1038.º, al. b), do CC, constituem obrigações do locatário facultar ao locador o exame da coisa locada.

Resulta da matéria de facto julgada provada pretender a Autora – na sequência de sinistro com origem no locado – infiltração de água da casa de banho, na fracção inferior – propriedade de CC – verificar se a Ré tinha procedido à reparação da desconformidade verificada aquando a visita de 20 de Julho de 2020: vedar com silicone a estrutura do poliban. (…)

No que respeita à obrigação de manter o silicone vedante no poliban da casa de banho, por se tratar de desconformidade causada pelo uso normal da casa de banho, a que acresce a sua insignificância, na onerosidade associada ao tempo necessário para reparar e custo, concluímos pela inserção sistemática nas pequenas obras de manutenção, da obrigação do locatário, semelhantes à lavagem frequente das paredes da casa de banho, manutenção de chãos com cera, ou até, reparação da porta do roupeiro, com a aquisição e colocação de rolamentos.

Salientamos ainda, que a referida desconformidade – apesar de pequena – se encontrava associada à infiltração de água na fracção inferior, sendo urgente a sua reparação. Dito isto, verificamos que a Ré, por cartas enviadas em 31 de Agosto de 2020 e 18 de Setembro de 2020 recusou assumir qualquer responsabilidade pela reparação, nada tendo comunicado à Autora relativamente à reparação do poliban – que se veio a apurar em julgamento

ter sido posteriormente realizada, não tendo também proposto qualquer outra data para assegurar à Autora o exame da coisa locada.

Nos termos do artigo 1083.º, n.º 1 e n.º 2 do CC, constitui fundamento de resolução o incumprimento pela contraparte, que pela sua gravidade ou consequência torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. O elenco previsto no artigo 1083.º, n.º 2 do CC constitui enumeração de causas de resolução expressamente previstas pelo legislador, para o locador, de carácter exemplificativo, como o demonstra a utilização do advérbio de modo “designadamente”.

Geralmente o acto de não facultar ao locador o exame da coisa locada não se reveste de gravidade suficiente para constituir causa de resolução do contrato de arrendamento, exigindo-se violação grave das obrigações decorrentes da lei e do contrato.

Constatamos que a Autora intentou em três ocasiões, usando o meio de comunicação previsto no contrato, visitar o locado, dando para o efeito prazo razoável superior a 10 dias (cartas de 30 de Julho, 18 de Agosto e 28 de Setembro).

Constatamos igualmente que a Ré, enviou duas comunicações por escrito, sem que tivesse assumido o ónus da reparação que lhe era exigido, nem proposto data alternativa para a visita ao locado. Sem prejuízo da validade das comunicações por carta registada com AR, constatamos igualmente que Autora e Ré tinham os números de contacto telefónico uma da outra, não tendo a Ré tido qualquer problema em usar esse meio, através da plataforma de comunicação “whatsapp”, para solicitar o diferimento no pagamento de duas rendas, durante o período de confinamento obrigatório, por se encontrar em situação de layoff, significativo que a Ré não quis permitir à Autora o exame da coisa locada, em flagrante violação da lei.

Por outro lado, a associação à necessidade do exame da coisa locada, à existência de danos causados por infiltração de água, com origem no locado,

obras que a própria Ré recusou a assumir a responsabilidade, conforme o comprova as cartas enviadas nos dias 31 de Agosto e 18 de Setembro de 2020, nunca confirmando se as realizou, nem indicando data alternativa para facultar à Autora o exame do locado, pela reiteração no comportamento impeditivo, analisado em conjunto com o fundamento subjacente à necessidade de exame, constitui violação grave dos deveres do locatário e nesses termos fundamento da resolução do contrato de arrendamento.

Salientamos ainda a conduta contraditória da Ré, que apesar de posteriormente ter colocado o silicone no poliban, nunca informou a Autora da realização dessa reparação, negando à Autora o acesso e exame da coisa locada para fazer as obras de reparação necessárias ao evitamento de danos na fracção inferior, quer as obras de reparação se circunscrevessem à colocação do silicone previamente diagnosticado como causa provável da infiltração, quer realizando diligências adicionais de apuramento de desconformidade no sistema de canalização de água e saneamento, diligências que pela sua gravidade se reportam a defeitos estruturais da coisa e são, nos termos do artigo 1031.º, b) e 1036.º do CC da responsabilidade do locador.

Em face do supra exposto, impõe-se concluir pela procedência do pedido de resolução do contrato de arrendamento, por violação culposa dos deveres, por parte da arrendatária e Ré, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 1038.º, b) e 1083.º, n.º 1 e n.º 2 e 1043.º do CC, impondo-se em consequência condenar a Ré na entrega imediata do locado, livre e devoluto de pessoas e bens (em sentido semelhante cfr. Ac. TRP de 14-01-2020, processo n.º 5544/19.8T8PRT.P1). […]».

Vejamos.

A obrigação do locatário, de que ora tratamos, já se encontrava consagrada, enquanto tal, na redação originária do artº 1038 b), do Código Civil de 1966.

Esta obrigação, com mais ou menos variações, encontra-se, consagrada noutras legislações estrangeiras, como, por exemplo, na Legislação Francesa – artº 7º da Lei n° 89-462 de 6 Julho de 19897 – e na Lei das Obrigações Suíça, com as especialidades e complementos vigentes nas legislações de alguns Cantões.

E se na Lei Francesa o chamado direito de visita do locador (“bailleur”), que mais será, propriamente, um direito de acesso ao locado, está bastante limitado e regulamentado, só sendo permitido, em determinados dias e condicionado na respectiva duração, para executar trabalhos especificados na lei, ou para permitir a visita aos potenciais compradores ou futuros arrendatários do locado, já no nº 2 do artº 257h do Código das Obrigações Suíço,8 complemento do respectivo Código Civil, se preceitua que o locatário deve autorizar a visita do locador a inspeccionar a coisa na medida em que esse exame seja necessário à sua manutenção, à venda ou a uma locação ulterior.

Por seu turno, o nº 3 do mesmo artigo exige que, atempadamente, o locador avise atempadamente das inspecções a fazer.9

Na doutrina nacional, sobre este dever do arrendatário e as consequências do respectivo incumprimento, diz Pinto Furtado:

«[…] Tradicionalmente, entre os casos taxativos de resolução pelo senhorio, não se estabelecia, no arrendamento urbano, nenhum poder de resolução do contrato, por ele, em face da violação desta norma pelo arrendatário — mas certo é que não podíamos, já nessa época, retirar daqui a ilação de que não estaríamos em presença de uma verdadeira obrigação do arrendatário.

Sobre ele impendia, na verdade, um efectivo dever jurídico de facultar o exame do prédio arrendado, cuja infracção, não dando o direito de resolução à contraparte, porque esta, no arrendamento urbano, só era facultada nos casos então taxativamente enumerados na lei, mas poderia ser fonte de responsabilidade civil nos termos gerais.

Hoje em dia, com a passagem da taxatividade à natureza enunciativa das causas de resolução, operada pelo NRAU, já, pelo contrário, poderá a violação deste dever do arrendatário conferir ao senhorio um poder de resolução do contrato.

É o que acontecerá quando, pelas circunstâncias em que tenha ocorrido, seja possível configurar essa violação como um “incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” (art. 1083-2 CC). […]». (“MANUAL DO ARRENDAMENTO URBANO”, Vol 1º, 4ª edição actualizada, pág. 543).

Já Edgar Alexandre M. Valente, escreve sobre esta matéria: (“in” Manual de Arrendamento e Despejo, págs. 89 e 90): […] Deve o senhorio, após a celebração do contrato de arrendamento com o arrendatário, através do qual proporciona o gozo do imóvel a este, abster-se de perturbar a respetiva utilização que o inquilino faz do locado, constituindo tal dever de abstenção uma das suas obrigações mais elementares. Não obstante, tal obrigação conhece exceções uma vez que o senhorio tem o direito e, por vezes, o dever, de proceder ao exame do imóvel arrendado, sendo diversas as razões que presidem à realização de tal exame, com o qual o arrendatário, não se podendo opor, deverá colaborar e tolerar, uma vez que um dos principais motivos da sua realização respeita precisamente ao apuramento de necessárias obras ou reparações que deverão ser realizadas pelo senhorio e que o mesmo, apenas mediante a respetiva perceção presencial, poderá tomar as medidas adequadas à resolução efetiva do problema, sendo que após tal exame, também a respectiva mora do senhorio poderá ser valorada pelo arrendatário no sentido de se encontrar legitimado a realizar reparações e despesas urgentes, nos termos do artigo 1036.º e dos artigos 22.º -A e seguintes do RJOPA.

Além deste, outros motivos estão na génese da realização do exame da coisa locada, designadamente o de apurar se o arrendatário se encontra em incumprimento com as obrigações assumidas na data da celebração do contrato, como sejam, entre outras, as seguintes:

a)         Preservação e manutenção do estado do imóvel;

b)        Regras de higiene, sossego, boa vizinhança, bem como as normas constantes de regulamento de condomínio;

c)         Utilização do locado contrária à lei, bons costumes ou ordem púbica;

d)        Uso do locado para fim diverso daquele a que se destina;

e)         O uso efetivo do locado;

f)         O uso por terceiros não consentidos pelo senhorio; (…)

Pese embora a lei não defina qualquer periodicidade necessária ou facultativa na realização do exame ao locado, deverá tal prerrogativa ser utilizada pelo senhorio com prudência, a ela recorrendo apenas e somente quando se revele necessário ou quando demandado pelo arrendatário nesse sentido, isto é, quando existam motivos suficientes para a realização de uma vistoria, sob pena de intromissão desnecessária na esfera privada do arrendatário e respetivo agregado familiar. […]

O Acórdão da Relação do Porto, de 14/01/2020, Apelação nº 5544/19.8T8PRT.P1,10 citado na sentença recorrida, julgou um recurso em que a situação aí versada assentou, em síntese, na seguinte factualidade:

-          O senhorio, autor, solicitara, por diversas vezes, a visita ao locado mas o réu, inquilino, sempre se havia oposto à mesma;

-          Sempre que o autor falara com o réu, havia-o feito à porta de casa, sem que tivesse sido possível fazer uma vistoria do imóvel;

- Da entrada da casa era possível sentir o cheiro nauseabundo que emanava de dentro do imóvel, sendo perceptível que, o imóvel estava sujo, com as paredes completamente pretas, vendo-se lixo espalhado no chão e cheirando muito mal.

Ora, ante o pano de fundo factual, de onde destacámos o que se acabou de referiu, considerou a Relação do Porto:

«[…] a matéria fáctica considerada assente, onde se consigna a existência de um cheiro muito mau, o aspeto degradado do locado, as paredes completamente pretas, a sujidade do imóvel e o lixo espalhado no chão, mostra-se vaga, genérica, pouco concreta, e, pela sua singeleza, não permite concluir que tenha havido da parte do locatário uma utilização imprudente do locado.

Porém, é igualmente obrigação do locatário facultar ao locador o exame da coisa locada (art. 1038º, al. b) do Cód. Civil). Com esta obrigação visa-se permitir ao senhorio controlar o bom estado do imóvel, e eventualmente suprir deficiências ou exigir responsabilidade pelos danos a este causados. Trata-se de um direito do senhorio que, no entanto, tem que ser exercido em termos moderados, uma vez que constantes e sucessivos exames da coisa locada corresponderiam a uma perturbação do gozo pelo arrendatário.

Acontece que da factualidade considerada assente flui que:

-          o réu sempre impediu o autor de aceder ao locado (nº 15);

-          o autor solicitou, por diversas vezes, a visita ao locado mas o réu sempre se opõe à mesma (nº 16);

-          sempre que o autor falou com o réu, fê-lo à porta de casa, sem que fosse possível fazer uma vistoria do imóvel (nº 17).

Manifesto é que o réu/inquilino vem incumprindo, de forma constante, a obrigação que lhe impõe facultar ao senhorio o exame da coisa locada e esse incumprimento configura-se como grave, de tal modo que se torna inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento.

Por isso, o autor, face ao preceituado no art. 1083º, nºs 1 e 2, 1ª parte do Cód. Civil, pode resolver o contrato de arrendamento, o que significa, nesta parte, a procedência da ação e a restituição pelo réu do imóvel devoluto de pessoas e bens. […]».

Ora, no nosso caso, a solicitação que a Autora fez à Ré, para proceder ao exame do locado, não teve a justificá-la uma mera precaução imotivada quanto ao estado do locado, mas antes decorreu do apurado na sequência de um relatório técnico de 20/7/2020, em que se verificou humidade na parte inferior da parede em volta do WC e insuficiência de isolamento na base do WC, circunstâncias estas que, segundo o relatório, estavam a provocar danos quer na fracção habitada pela RÉ e na fracção da vizinha de baixo, rente ao tecto, na sala.

E é na sequência disso que, em 30 de Julho de 2020, a Autora enviou comunicação, por correio registado com AR, recebida pela Ré em 15/8/2020, a denunciar desconformidades verificadas aquando a vistoria de 20 de Julho, designadamente, a falta de uma porta de roupeiro no quarto da frente, humidade nas paredes do quarto junto da casa de banho e marquise, casa de banho, com falta de silicone no duche e falta de pintura nas paredes, solicitando a reparação das desconformidades até 31 de Agosto de 2020, bem como a abertura da porta, para vistoria, no dia 11 de Agosto de 2020, vistoria esta, cuja data, depois, foi reagendada para o dia 12 de Setembro de 2020.

Note-se que, não obstante ter discordado – sem explicação motivada - da aparente génese das infiltrações, atribuindo a humidade ao normal uso do locado (carta de 31 de Agosto de 2020) e ter vindo a negar à Autora , também sem o conforto de qualquer alicerce fundamentador, a sua responsabilidade na realização de obras de reparação por alegada insuficiência do isolamento (carta datada de 18 de Setembro

de 2020), a Ré nunca negou a existência de infiltrações que afectavam, quer o locado que habitava, quer a fracção que se situava imediatamente abaixo da sua, habitada pela respectiva proprietária, CC, sendo do conhecimento geral da pessoas, por ser inferência retirada da experiência comum em situações semelhantes, que as consequências das infiltrações de humidade nas casas, têm tendência a piorar com o decorrer do tempo.

É ante este quadro, de deterioração do locado “sub judice”, da propriedade da Autora, e da fracção inferior a ele, pertencente e habitada pela vizinha da Ré, CC, que se entende que a conduta da Ré para com a Autora, ao não possibilitar a esta o exame do locado, que nos leva a concordar com o Tribunal “a quo” quando conclui na sentença impugnada, que “…o comportamento impeditivo, analisado em conjunto com o fundamento subjacente à necessidade de exame, constitui violação grave dos deveres do locatário e nesses termos fundamento da resolução do contrato de arrendamento…”, pelo que se impõe “…concluir pela procedência do pedido de resolução do contrato de arrendamento, por violação culposa dos deveres, por parte da arrendatária e Ré, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 1038.º, b) e 1083.º, n.º 1 e n.º 2 e 1043.º do CC, impondo-se em consequência condenar a Ré na entrega imediata do locado, livre e devoluto de pessoas e bens”.

A Apelante sustenta que a sentença enferma das nulidades previstas no artº 615º, nº1, b) e c), 684º, nº2, do NCPC, porquanto, diz: «[…] a correspondência enviada pela A. à R. junta com a Pi sob o doc 11 demonstra efetivamente que a A. entrou no locado de modo a examinar o locado, ora veja-se:

(….)

1. Entrámos na N. casa porque nos abriu a porta e estávamos acompanhados de outras pessoas que viram o estado de conservação do imóvel. […]».

Ora, a referida entrada “na casa” nada tem a ver com a impossibilidade da Autora de efectuar o exame do locado nas vezes que o solicitou à Ré, já se sabendo que anteriormente a essa impossibilidade, teve lugar uma vistoria, tendo sido nessa 1ª e única ocasião, que a Ré franqueou a porta à Autora, como aliás, se diz expressamente no artº 17º da petição inicial (cfr. t.b., ponto nº 5 dos factos provados).

Não se vislumbra, assim, matéria que integre qualquer das nulidades previstas no artº 615º, nº1, b) e c), do NCPC.

A Apelação improcede, pois, com confirmação da sentença, ficando prejudicado, assim, o conhecimento das restantes questões não apreciadas e enunciadas em I-D)-2) “supra”.

A revogação parcial do despacho impugnado neste recurso, que deferiu a ampliação do pedido requerida acta de 17/5/2022, da audiência final, carece, assim, de efeito prático, já que a apreciação do pedido constante dessa ampliação, afectado por essa revogação, ficou prejudicada.

*

IV- Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, embora revogando, parcialmente, nos termos preditos, o despacho impugnado, de 17/5/2022, julgar a Apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC);

 

14/3/202311

Luiz José Falcão de Magalhães

António Domingos Pires Robalo

Sílvia Maria Pereira Pires

1 Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Extracto do relatório da decisão recorrida.

3 A sigla “CPC” será utilizada para referir o código pretérito, só não tendo esse significado, excepcionalmente, nos casos em que transcrevemos texto onde a mesma foi já utilizada para identificar o novo Código de Processo Civil.

4 Cfr. Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, ou com uma outra, vierem a ser citados adiante.

5 Exclui-se qualquer referência a afirmações conclusivas, de direito e/ou irrelevantes para a decisão a proferir, designadamente com base na sua natureza meramente instrumental, tendo presidido à selecção dos factos relevantes as regras da repartição do ónus da prova, em concreto, tendo em atenção a sua natureza constitutiva, modificativa, impeditiva ou extintiva do direito reclamado pela autora.

6 No texto da sentença, a nota de rodapé constante da decisão proferida quanto à matéria de facto tinha o número 1.

7 Consultável em https://www.legifrance.gouv.fr/loda/id/JORFTEXT000000509310.

8 Consultável em “https://www.fao.org/faolex/results/details/es/c/LEX-FAOC209630”.

9 Tradução (apenas parcial, no que respeita ao nº 3), da responsabilidade do relator. No original: “(…) 2 Le locataire doit autoriser le bailleur à inspecter la chose dans la mesure où cet examen est nécessaire à l’entretien, à la vente ou à une location ultérieure.

3 Le bailleur doit annoncer à temps au locataire les travaux et les inspections et tenir compte, lors de leur accomplissement, des intérêts de celui-ci; les prétentions éventuelles du locataire en réduction du loyer (art. 259d) et en dommages-intérêts (art. 259e) sont réservées. (…)”.

10 Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”. 11 Processado e revisto pelo Relator.