Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
68/08.1GAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
TENTATIVA
CÔNJUGE
DANO
ARRENDATÁRIO
TITULAR DO DIREITO DE QUEIXA
Data do Acordão: 04/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º J COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 22º, 23º, 131º E 132º, N.º1 E N.º2 AL. B) E 212º, 1 DO CP
Sumário: I - Comete um crime de homicídio qualificado, na forma tentada p. e p. pelos artºs 22º, 23º, 131º e 132º, n. º1 e n.º 2 al. b do CP, aquele que, com o propósito de ir ver as filhas, sabendo que ia igualmente encontrar a sua mulher, se mune de uma faca, tipo navalha, de uso doméstica, articulada, com cabo em madeira, lâmina em bico, de um só gume, com 3 cm de largura máxima e 9 cm de comprimento, que trazia no bolso, e desfere na vítima, sua mulher, de quem estava separado há cerca de um mês, e na presença das duas filhas de ambos, várias facadas ao nível do pulso e da palma da mão esquerda, na face anterior esquerda do pescoço e na região sub-clavicular esquerda, que só não lhe causaram a morte por ter siso prontamente assistida
2. O arrendatário é titular do direito de queixa, quanto aos danos voluntariamente causados, por terceiro, na porta de entrada da casa de habitação/residência do prédio locado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:


I.
Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, com exercício pleno do contraditório, foi proferida decisão na qual o Tribunal Colectivo decidiu, a final:
a) Condenar o arguido IC…, melhor identificado nos autos, como autor material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p e p pelos artigos 131º, 22º e 23º, todos do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando o arguido, durante tal período, ao acompanhamento do regime de prova, cujo plano assentará num plano de reinserção social a definir pelo IRS, num período de 30 dias após o transito da decisão, ouvido o arguido, de acordo com o expresso nos artigos 50º, n.ºs 1 e 5, 53º, n.º2 e 3, 54º do C. Penal e 494º, n.º3, do C.P.P.;
b) Absolver o arguido da prática de dois crimes de ameaça agravada p e o pelo art. 153º n.º1 e 155º n.º1 a) do C. Penal por que vinha acusado;
c) Absolver o arguido de um crime de dano p e p pelo art. 21º, nº1 do C. Penal, pelo qual vinha acusado;
d) Julgar parcialmente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos por PC…, condenando-se o arguido a pagar-lhe a quantia de € 111,80 (cento e onze euros e oitenta cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-se o arguido do mais peticionado;
e) Declarar perdida a favor do Estado, nos termos do art. 109º do C. Penal a faca aprendida a fls. 8.
*
Não se conformando com tal decisão, dela recorre o MºPº, formulando, na respectiva motivação, as seguintes CONCLUSÕES:
1. Os factos provados, mormente a circunstância de a vítima ser cônjuge do arguido e as agressões terem ocorrido na presença das duas filhas de ambos, revelam uma especial censurabilidade da conduta do arguido, justificando, no caso dos autos, um juízo acrescido de culpa, com a consequente qualificação do crime de homicídio na forma tentada, nos termos do disposto nos artigos 22º, 23º, 131º e 132º, n.º1 e n.º2 al. b) do C. Penal;
2. Ao convolar o crime de homicídio qualificado para o crime de homicídio simples, o tribunal interpretou incorrectamente tais disposições incriminadoras, devendo o arguido ser condenado pelo crime previsto no art. 132º nºs 1 e 2 alínea b) pelo qual vinha acusado;
3. Da matéria fáctica apurada resulta, também, que o arguido cometeu o crime de ameaça agravado, porquanto, as expressões verbalizadas pelo mesmo em matar o ofendido BL... e, quando este já se encontrava refugiado em casa, traduzem uma intenção de causar um mal futuro que não iminente, caso contrário, a conduta do arguido teria de ser enquadrada na tentativa de um crime de homicídio na pessoa do ofendido BL... o que não corresponde à realidade volitiva do arguido;
4. Tendo-se provado que o arguido provocou danos na porta de entrada da residência dos ofendidos, é irrelevante saber a que título o prédio era por estes habitado, nomeadamente, se o mesmo era propriedade destes, pois, a legitimidade para o exercício do direito de queixa no crime de dano pertence também e, desde logo, a quem frui o bem ou exerce a mera posse, como é o caso dos autos;
5. Pelo crime de homicídio na forma tentada em que o tribunal condenou o arguido deveria ter sido aplicada uma pena não inferior a cinco anos de prisão, ou se inferior, não suspensa na sua execução, atenta a gravidade deste ilícito e as exigências quer de prevenção geral, quer de punição mínima que a ordem jurídica e a comunidade reclama nestes casos e que o Estado deve assegurar;
6. O acórdão recorrido não aplicou, pois, correctamente, o direito à matéria de facto provada, infringindo, por erro de interpretação, as normas dos artigos 132º nºs 1 e 2 alínea b), 153°, 155° nº l, al. a), 212°, nº l, 113° nº 1, 71º e 50º n.º1, todos do C. Penal;
7. Deve, assim revogar-se o acórdão recorrido substituindo-o por outro que condene o arguido pelos crimes de que vinha acusado e numa pena nunca inferior a cinco anos de prisão, ou, se inferior, não suspensa na sua execução.
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Respondeu o arguido louvando-se na argumentação da decisão recorrida, desenvolvendo-a, concluindo no sentido de que o recurso não deve ser provido.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual sufraga a motivação do recurso, salvo na parte relativa ao crime de ameaça, em relação ao qual sustenta que, não tendo existido ameaça com um mal futuro e não resultando provado que tenha condicionado a liberdade de determinação do ofendido, deve ser mantida a decisão recorrida.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos foi realizado o julgamento, em conferência, com observância do formalismo legal.
Não se verifica a existência de nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
Cumpre decidir.

***

II.

1. Tendo em vista as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, estão em causa, no presente recurso, apenas questões de direito, a saber:
Qualificação do crime de homicídio;
Verificação dos pressupostos do crime de ameaça;
Legitimidade / crime de dano;
Pena / suspensão.
Para proceder à apreciação, vejamos a matéria de facto provada.
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2. A MATÉRIA DE FACTO PROVADA (não impugnada) é a seguinte:
1. No dia …, o arguido, com o propósito de ver as filhas dirigiu-se, cerca das 20h.30m., à Rua …, residência de BL... e de PC..., mulher do arguido.
2. Ao avistá-la de mão dada com o companheiro BL..., que trazia uma das filhas ao colo, encaminhou-se na sua direcção.
3. E à sua aproximação, agarrou-lhe um braço.
4. Imobilizou-a.
5. Empunhou uma faca, tipo navalha, de uso doméstica, articulada, com cabo em madeira, lâmina em bico, de um só gume, com 3 cm de largura máxima e 9 cm de comprimento, que trazia no bolso e desferiu-lhe duas facadas ao nível do pulso e da palma da mão esquerda, uma facada na face anterior esquerda do pescoço e uma facada na região sub-clavicular esquerda.
6.Com o que a quis matar.
7. Pois bem sabia tratarem-se de zonas vitais.
8. Por aí se alojarem órgãos essenciais à vida.
9. Só não o conseguiu, por, com os gritos da PC... ter surgido PX....
10. Que lhe implorou para largar a mulher.
11. A qual, de seguida, logrou encaminhar-se para um estabelecimento comercial, onde foi desencadeado processo de auxilio.
12.Tendo sido prontamente conduzida para as urgências do Hospital de ... em ....
13.E aí ter sido submetida, de imediato a procedimentos médicos de urgência, nomeadamente com administração de uma unidade de sangue, drenagem toráxica e controlo de hemorragia interna (hemotórax).
14. Com a descrita conduta causou, ainda na PC... ferida ao nível da região supra-clavicular esquerda (ferida penetrante toractica) com 4 cm de comprimento, com hemotórax ligeiro e feridas do pescoço e da mão esquerda, bem como cicatriz da face esquerda do pescoço com 1 cm de comprimento, cicatriz com 3 cm de comprimento do hemitorax esquerdo superior, cicatriz da axila esquerda com 1 cm de diâmetro e cicatriz da face palmar da mão esquerda com 1,5 cm de comprimento, que foram causa directa e necessária de 12 dias de doença, 10 dos quais com afectação da capacidade para o trabalho em geral e profissional.
15. Na altura, após ter desferido a primeira facada na Pc..., dirigiu-se a BL..., apontou-lhe a faca e disse-lhe "a seguir és tu, também te mato"
16. O que fez com foros de seriedade.
17. Perturbando-lhe dessa forma, a quietude de espírito, o seu sossego e tranquilidade.
18.Fazendo-o recear que pudesse vir a concretizar o aludido propósito de atentar contra a sua vida.
19.Na ocasião já a filha mais velha do arguido chorava.
20.Razão pela qual o BL... correu na direcção da residência de ambos.
21. Levando consigo as duas filhas da Pc....
22.Logrando dessa forma refugiar-se.
23.Ainda assim, após ter largado a PC..., o arguido foi no encalço de BL....
21.E junto da residência gritou dizendo que matava o BL....
22. O que mais uma vez fez com foros de seriedade.
23. Perturbando-lhe, dessa forma, a quietude de espírito, o seu sossego e tranquilidade.
24. Fazendo-o recear que pudesse vir a concretizar o aludido propósito de atentar contra a sua vida.
25.Ao mesmo tempo desferiu facadas e pontapés na porta de entrada da residência.
26. Com O que a inutilizou parcialmente.
27. E provocou prejuízos não concretamente apurados.
28.Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas.
29.A demandante foi internada no Hospital de ... em ... no dia …, onde permaneceu durante 5 dias, tendo alta no dia … .
30. A demandante precisou fazer pensos diariamente no Centro de Saúde, situação que terminou com o retirar dos pontos no dia 19.05.08, obtendo nesse mesmo dia a alta do sector de enfermagem.
31. Da guia de tratamento da ofendida constam os seguintes tratamentos: mobilização articular manual, parafinoterapia, outras técnicas de terapia ocupacional, treino de destreza manual, reeducação da sensibilidade, treino de actividades de vida O, fortalecimento muscular manual.
32. No boletim de informação médica-avaliação da incapacidade pode ler-se "doente com incapacidade para actividades manuais a nível da mão esquerda, nomeadamente que exijam força e destreza manual".
33. Em consequência directa e necessária dos factos descritos perpetrados pelo arguido, a assistente durante 15 dias teve que se deslocar de … a …, para fazer tratamentos, designadamente em: 15.01.2009, 16.01.2009, 19.01.2009, 20.01.2009, 21.01.2009, 22.01.2009, 23.01.2009, 26.01.2009, 27.01.2009, 28.01.2009, 29.01.2009, 30.01.2009, 02.02.2009, 03.02.2009 e 04.02.2009.
34.A que acresce as idas aos Centros de Saúde de … e … para mudança de penso e retirada dos pontos.
35. Em consequência directa e necessária dos factos descritos perpetrados pelo arguido a assistente efectuou deslocações a ... com carro próprio, com o que despendeu em combustível 30,00 euros e em viagens de autocarro 4,60.
36.Em consequência directa e necessária dos factos descritos perpetrados pelo arguido a assistente pagou a título de taxas moderadoras no dia 11.05.2008 cerca de 77,20 €.
37. A demandante sentiu pavor, angústia, sofrimento, incapacidade e revolta por ser o arguido não só seu ex-marido como também pai dos seus filhos.
38. O arguido encontra-se separado da assistente PC... de quem tem quatro filhos, três dos quais menores.
39.É bombeiro voluntário de profissão, desempenhando funções na Corporação dos Bombeiros Voluntários de … .
40.Cargo pelo qual aufere mensalmente a importância de 640,00 euros.
41. Presentemente vive com a sua companheira e dois filhos menores daquela, bem como com o seu filho de 11 anos.
42. O arguido é pessoa respeitada e bem considerada no meio social e profissional onde se insere.
43.Tem boa formação moral e cívica, é educado e pessoa de bons costumes.
44. O arguido é pessoa séria, trabalhadora. e considerada no meio em que se insere.
45. No relatório social do arguido, consta escrito para além do mais que:
(....) IC... permanece à data actual a residir com a sua companheira, de 40 anos, solteira, artesã em part-time, pelos dois filhos desta ultima de 16 e 8 anos de idade, estudantes, e pelo filho do arguido de 11 anos, estudante. O filho mais velho de IC…, de 16 anos de idade, trabalha como empregado de mesa, possuindo uma vida autónoma, mantendo contudo contactos frequentes com, o progenitor. Os dois filhos mais novos do arguido de 9 e 4 anos de idade residem na companhia da progenitora, e têm também mantido contactos com o pai embora de forma irregular. O relacionamento do arguido com a sua actual companheira é caracterizado como sendo gratificante, e o ambiente familiar considerado harmonioso, sendo notória a existência de um espírito de cooperação e inter-ajuda entre os seus elementos.
Ao nível profissional, IC... desempenha a actividade profissional de bombeiro, nos Bombeiros Voluntários de …, onde permanece, desde há cerca de 11 anos.
(....) Do ponto de vista social, IC... é considerado uma pessoa sociável gozando na comunidade de uma imagem satisfatória. Nos seus tempos livres, é do agrado do mesmo assistir a jogos de futebol, andar de bicicleta e conviver com familiares e amigos, constando-se na comunidade que IC... ingira bebidas alcoólicas, por vezes em excesso, em situações de convivia social, não assumindo porém o mesmo possuir problemas de alcoolismo.
(...) No meio social aparentemente não são notórios os impactos significativos decorrentes desta situação, sendo esta do conhecimento generalizado da população.
O arguido ao longo do seu processo de desenvolvimento vivenciou alguma instabilidade ao nível familiar, advinda principalmente do falecimento primeiramente de sua mãe e depois de sua avó paterna, aparentando contudo os modelos educativos ter-lhe transmitido adequadas normas e regras de vivência em sociedade.
(....) Actualmente, IC... aparenta encontrar-se estabilizado ao nível familiar e bem inserido ao nível profissional, gozando também de uma imagem satisfatória ao nível comunitário.
46.Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

Mais se provou que:
47. À data dos factos o arguido e a assistente não viviam juntos há cerca de um mês.
48. A assistente encontrava-se a viver com BL... e com duas filhas.
49. No dia em que os factos ocorreram foi a primeira vez que o arguido os viu juntos como casal.
50. O arguido admitiu a prática dos factos na sua essencial idade.
51. O arguido afirmou-se arrependido do seu comportamento e pediu desculpa às filhas.
***

3. Apreciação

3. 1. Qualificação do crime de homicídio
Alega o digno recorrente que “a circunstância de a vítima ser cônjuge do arguido e as agressões terem ocorrido na presença das duas filhas de ambos, revelam uma especial censurabilidade da conduta do arguido”. Sustentando, por isso que deve o crime ser qualificado, nos termos do disposto no artigo 132º, n.º1 e n.º2 al. b) do C. Penal.
A qualificativa prevista na al. b), ora em questão, refere-se à circunstância de “o agente praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa com quem mantenha relação análoga à dos cônjuges…”.
No artigo 132º nº1 do CP está previsto o tipo legal de homicídio que o legislador entendeu punir com uma moldura penal agravada, resultante do facto de a morte ser causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Por sua vez o nº 2 procede a uma enumeração, não taxativa, das circunstâncias susceptíveis de revelar a referida especial censurabilidade ou perversidade a que se reporta o n.º1. Sendo a enumeração meramente exemplificativa, poderão existir outras, não descritas, mas igualmente reveladoras da apontada situação, dando origem aos casos do homicídio qualificado atípico.
Em contrapartida pode suceder que a verificação de qualquer uma dessas circunstâncias não implique, por si só, a qualificação do crime, pelo que então deixará de se operar tal qualificação, isto porque as circunstâncias apontadas, nas várias alíneas do nº 2 do artigo 132º, não são de funcionamento automático.
De qualquer forma, dentro do critério legal da interpretação das leis (art. 9º do C. Civil) não pode o intérprete ignorar a tipicidade dos casos expressamente previstos pelo legislador, ignorando-os ou procedendo a uma interpretação que os esvazie de sentido. Chegando, por via interpretativa, a uma aplicação violentadora da letra e ratio do preceito.
Constituindo os exemplos padrão definidos pelo legislador o critério de valoração segura que, como tal, “por regra” devem levar à qualificação do crime.
No fundo, o legislador considerou que, na medida em que o agente do crime pratique o facto da forma tipificada, e que revele uma especial censurabilidade (atendendo à forma especialmente desvaliosa de realização do facto ou perversidade do agente), incidindo sobre o especial desvalor da personalidade do agente, documentado no facto, resulta uma imagem global do facto agravada atento o tipo de culpa mais gravoso - Jorge de Figueiredo Dias, Homicídio Qualificado, in CJ, ano XII, tomo IV, pág. 50 e ss.; bem como Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 29; Cristina Líbano Monteiro, Anotação ao Ac. STJ 05.02.1992, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6 (1996), fasc. 1, pág. 113 e ss.; Ac. STJ 01.03.2000, CJSTJ, ano VIII, tomo I, pág. 219; Ac. RP 18.10.2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 234 e ss.; Ac. RP 21.02.2001, CJ, ano XXVI, tomo I, pág. 237 e ss.
Face ao funcionamento não automático e à não taxatividade, as referidas circunstâncias só podem ser compreendidas enquanto elementos da culpa, exigindo-se, por isso, que no caso concreto, elas exprimam, insofismavelmente, uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Acompanhando Teresa Serra (Homicídio Qualificado, Ed. Almedina, p. 63 e 64), pode-se dizer que estamos perante a especial censurabilidade, quando as circunstâncias em que a morte é causada, são de tal modo graves ou reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal com os valores e, por outro lado, a especial perversidade supõe um atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada a constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade.
Fundamental é que se trate de um homicídio qualificado em circunstâncias tais que possam desencadear o efeito de indício de maior culpa, cfr. Teresa Serra, ob. cit., p. 70 a 75.
Subjacente à especial censurabilidade ou perversidade está um maior grau de culpa que o agente manifesta em tais circunstâncias, o que motiva a agravação. A agravação da culpa tem, afinal, a ver com a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples - Figueiredo Dias, CJ, ano XII, IV, 52.
A qualificativa ora em questão, como se disse, refere-se à circunstância de “a vítima ser cônjuge do arguido”.
Tendo em vista a especial relação de proximidade existencial entre o agente e a vítima, os especiais deveres de colaboração e respeito inerentes à comunhão de vida.
Sobre a verificação da agravante no caso dos autos, pondera a decisão recorrida: “embora se concorde que, no caso de verificação do referido laço afectivo a regra seja a de que tal especial censurabilidade se indicia, o certo é que há que ponderar toda a estrutura valorativa envolvente, nomeadamente quando se alinha, em princípio, um quadro de circunstância susceptíveis de produzir uma menor censurabilidade. No caso, a especial valoração decorrente do facto de o agente ser marido da vítima, aparece esbatida pelo facto de ter sido por esse motivo que se teceu a tensão vivida ao ver a mulher com o companheiro, de mão dada e com a filha de ambos ao colo, projectando nele um sentimento de perda da sua própria família para outrem, susceptível de desencadear a situação de alteração em que o arguido agiu e que o deixou fora de si, turvando-o, tendo o arguido agido como que impulsivamente- reprodução com sublinhado do relator.
Ora, antes de mais, não consta do elenco da matéria provada a referida “situação de alteração em que o arguido agiu e que o deixou fora de si, turvando-o, tendo o arguido agido como que impulsivamente”.
Pelo contrário, a circunstância de o arguido se encontrar separado da mulher há cerca de um mês (facto n.º 47) revela que não constituiu, surpresa para o arguido a “perda da família” uma vez que a alegada perda tinha, pelo menos, um mês de duração! Do mesmo modo que afasta a impulsividade do acto a circunstância e o arguido saber, de antemão, que ia encontrar-se com a mulher (decorre do ponto 1 da matéria provada) e ir “preparado” com a navalha.
Falece, pois, o fundamento essencial invocado pela decisão recorrida para a desqualificação do homicídio tentado que, pelo contrário, é afastado pela matéria de facto provada.

Em contrapartida, com relevo para a formulação do falado juízo sobre a imagem global do facto, é evidente que o motivo que esteve na base da agressão foi precisamente a especial relação existente entre arguido e vítima. Com efeito, resulta da matéria provada: (…) o arguido, com o propósito de ver as filhas dirigiu-se (…) à residência de BL... e de PC..., mulher do arguido. Ao avistá-la de mão dada com o companheiro BL..., que trazia uma das filhas ao colo, encaminhou-se na sua direcção. E à sua aproximação, agarrou-lhe um braço. Imobilizou-a. Empunhou uma faca (…) que trazia no bolso e desferiu-lhe duas facadas ao nível do pulso e da palma da mão esquerda, uma facada na face anterior esquerda do pescoço e uma facada na região sub-clavicular esquerda.
Resultando ainda do quadro global do facto, que actuou não só na presença do companheiro de então da mulher, como ainda das filhas comuns do arguido e da ofendida.
O arguido actuou como represália por a mulher não aceitar, mais, a vida em comum (que cessara cerca de um mês antes – facto n.º7), castigando-a, no fim de contas, na qualidade de marido, no sentido de que “não seria de mais ninguém”. Tanto que se foi apresentar na GNR convencido de que a matara.
Existe, pois um efeito de “fixação” do arguido á vítima decorrente da relação matrimonial está ainda patente na circunstância de ter praticado o acto na presença das filhas de ambos e do actual companheiro da ofendida. Sabendo o arguido, de antemão, que ia encontrar-se com a mulher, indo já “preparado” com a navalha com a qual de pronto a esfaqueou repetidas vezes.
Assim, em conclusão, a relação matrimonial existente, querendo o arguido por termo á sua vida por não se conformar com a saída de casa cerca de um mês antes, pela presença das filhas do casal, pelo encontro que sabia que ia ter com a mulher, pela preparação decorrente da ausência de qualquer troca de palavras, entende-se que preenche o aludido juízo sobre a imagem global do facto agravada atento o tipo de culpa mais gravoso. E, como tal, integra a previsão da al. b) do n.º2 do art. 132º do C. Penal.
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Da requalificação do crime, com a consequente alteração da moldura penal abstracta, decorre a necessidade de reajustamento da pena aplicada e este crime.
A moldura abstracta da pena correspondente ao crime agravado consumado passa de 8 a 16 anos de prisão (art. 131º) para 12 a 25 anos de prisão (art. 132º, n.º1).
Estando em causa a prática do crime na forma tentada, é aplicável a pena do crime consumado especialmente atenuada – art. 23º, n.º2. Pelo que, aplicando o critério do art. 73º, encontramos a pena abstracta aplicável: - 2 anos, 4 meses e 24 dias (mínimo) a 16 anos e 4 meses (máximo) de prisão.
Enquanto a decisão recorrida partiu da pena abstracta de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão.

O art. 71º do CP estabelece no n.º1 o critério geral segundo o qual a determinação da medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigência de prevenção”.
Critério que é explicitado depois, no nº2, que estabelece: na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele. Exemplificando-as (“nomeadamente”) nas sua várias alíneas.
Reconduzindo-se a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpam sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.
O modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena é determinado ainda pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que se reconduz a dois princípios, enunciados no art. 40º do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95): 1 A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Disposição que consagra o entendimento do Prof. Figueiredo Dias sobre os fins das penas (cfr. Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra editora, 2ª ed., e Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, p. 227, este tendo já por referência o projecto que veio a ser plasmado no art. 40º da redacção actual do Código Penal): “A justificação da pena arranca da função do direito penal de protecção dos bens jurídicos; mas esta função de exterioridade encontra-se institucionalmente limitada pela exigência de culpa e, assim, por uma função de retribuição como ressarcimento do dano social causado pelo crime e restabelecimento da paz jurídica violada; o que por sua vez implica a execução da pena com sentido ressocializador – só assim podendo esperar-se uma capaz protecção dos bens jurídicos”.

Como circunstâncias não valoradas na definição do tipo legal de crime salienta-se que não houve, sequer, qualquer troca de palavras com a vítima, que pudesse ter desencadeado uma reacção da parte do arguido.
Por outro lado, além de ir “preparado” o arguido apunhalou repetidamente (4 vezes) a vítima, de forma intensa. Tendo uma das facadas sido dirigida, cirurgicamente”, ao coração - na região subclavicular esquerda! Por isso que o arguido ficou convencido de que consumara a morte da mulher - depois de esfaquear a mulher da forma que fez foi entregar-se na GNR convencido de que a tinha matado.
Aliás a vítima salvou-se apenas porque “conduzida para as urgências do Hospital de ... em ..., aí foi submetida, a procedimentos médicos de urgência, “nomeadamente com administração de uma unidade de sangue, drenagem toráxica e controlo de hemorragia interna (hemotórax)” – facto n.º13.
Evidenciando a necessidade e a urgência da transfusão de sangue decorrente das 4 facadas, a crueza, primária, da actuação do arguido.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, tendo por referência a pena aplicada em 1ª instância, cujo critério, dentro da moldura abstracta em que se moveu não é questionado, apenas em função da alteração decorrente da alteração dos limites abstractos, entende-se proporcionada ao caso concreto a pena de 6 Anos e meio de prisão.


3. 2. Crimes (2) de Ameaça
Nos termos previstos no artigo 153º, n.º1 do C. Penal (redacção introduzida pela reforma de 1995 - DL n.º 48/95, de 15.03 - mantida inalterada pela revisão de 2007 – Lei 59/2007 de 04.09) pratica o crime de ameaça “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.
Com a revisão de 1995 este crime deixou de ser um crime de resultado passando a constituir um crime de mera acção e perigo concreto - cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal tomo 1, pág. 348/349.
Não se exige que tenha sido provocado, em concreto, o medo ou inquietação. Mas apenas que a ameaça seja adequada, em termos de juízo de causalidade adequada, a provocar no visado medo ou inquietação ou afectar a sua paz individual ou liberdade de determinação.
Por outro lado o nexo de causalidade adequada deve “ser referido ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do resultado não se tivesse ainda verificado, isto é de um juízo ex ante. Este juízo deve ser feito segundo as regras da experiência comum aplicadas às circunstâncias concretas da situação, segundo as regras da experiência normais e as circunstâncias concretas em geral conhecidas, não se devendo porém abstrair, para a sua determinação, das circunstâncias que o agente efectivamente conhecia” – cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, I vol., p. 257 “
O critério da relevância da ameaça pode assim ser qualificado de objectivo-individual; objectivo no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é produzida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar qualquer pessoa; individual no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada conhecidas do agente.
Daí falar-se de um critério objectivo-individual para determinar a adequação da ameaça: - objectivo, na medida em que se deve considerar adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); - individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada.
Constituindo assim elementos do tipo (objectivo e subjectivo) do crime de ameaça previsto e punido no art. 153º do CP:
a) o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime, tanto podendo ser pessoal (vg integridade física) como patrimonial (vg destruição de um objecto);
b) o mal anunciado é futuro, ou seja não pode ser iminente;
c) a ocorrência do mal tem que estar na dependência da vontade do agente, não bastando o simples aviso ou advertência para se considerar cometido o crime de ameaça.
A que acrescem os elementos do tipo subjectivo: actuação dolosa que se basta com a representação e conformação com a adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.
No caso dos autos, como bem refere o douto Parecer, não existiu ameaça com um mal futuro e não resulta provado que (as expressões proferidas pelo arguido tendo em vista BL...) tenham condicionado a liberdade de determinação do ofendido.
Mais do que a falta de ameaça de mal futuro o que se verificou foi a vontade, manifestada de, naquele momento, “acertar contas” com o ofendido, tal como acabara de fazer com a mulher – repare-se que o arguido disse “a seguir és tu” …, no sentido de “já de seguida, depois dela”. Como tal “agora”.
A própria actuação objectiva do arguido assim o evidencia, uma vez que “foi no encalço de BL...” – facto n.º23.
E somente não “acertou contas” com ele porque “o BL... correu na direcção da residência (…) logrando dessa forma refugiar-se” – factos n.º 20 e 21.
O próprio dano (na porta da casa, não podendo chegar a BL...) demonstra a mesma perspectiva.
A ter relevo criminal, tal matéria relevaria, pois, no quadro de actos preparatórios ou tentativa do crime de homicídio do visado. Que não como crime de ameaça.
Assim, em conclusão, traduzindo-se na prática de actos com vista à agressão imediata, actual do ofendido, não existindo a manifestação de um mal futuro causal de um condicionamento da vontade ou poder de disposição do visado, não se mostram verificados os pressupostos dos crimes de ameaça imputados ao arguido.


3.3. Legitimidade / crime de dano
O tribunal recorrido, considerando provados os pressupostos do crime, absolveu o arguido com o fundamento de que “não resulta que os ofendidos PC... e BL... fossem proprietários do imóvel objecto do crime”, concluindo assim pela não titularidade do direito de queixa pelos arrendatários, residentes na casa cuja porta foi danificada.
A propósito da titularidade do bem jurídico em questão, enquanto Costa Andrade (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 237) entende que o direito de queixa deve ficar restrito ao proprietário, já Figueiredo Dias (As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 669) defende que no crime de dano, tanto o proprietário como o possuidor são titulares do direito de queixa.
No crime de dano a propriedade é o bem jurídico protegido, abrangendo a utilidade da coisa em sentido o amplo – cfr. Carlos Alegre, Crimes contra o Património, Cadernos da Revista do Ministério Público, n°3, 1988, pág. 93.
Afigura-se que esta última posição é a que mais se harmoniza com a ratio do preceito e a própria letra da lei.
Desde logo porque o tipo abrange não só a destruição corpórea da coisa, mas ainda o “tornar não utilizável” a coisa alheia. Bastando-se com que a coisa seja “alheia” em relação ao arguido, mas sem se preocupar com a definição do proprietário em concreto. Colocando a tónica na fruição/utilidade/funcionalidade da coisa não pertencente ao arguido.
O legislador ao utilizas as expressões “destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável”, centra a sua atenção naquele que se apresente como quem detém o gozo, a fruição ou poder de utilização do bem destruído na sua substância, funcionalidade ou aparência (“desfigurar”).
E não faria qualquer sentido, salvo o devido respeito pela opinião contrária, deixar apenas na disponibilidade do proprietário pleno o direito exclusivo de queixa relativamente a um facto que afecta em primeira linha aquele que goza e frui o bem, habitando o prédio – no caso do arrendamento urbano – mormente quando, como á o caso dos autos, a pessoa do proprietário é de todo estranha à actuação do arguido e o dano é praticado, antes, para afectar, pessoalmente, o arrendatário.
Pois que, estando no gozo imediato da coisa, é este que é directamente atingido no poder de fruição e uso, devendo poder defender o prejuízo sofrido, sem estar na dependência de uma eventual queixa do proprietário pleno que nem se apercebeu nem foi afectado, de forma imediata, pelo dano.
Esta perspectiva jurídico-penal vai ao encontro da valorização da posição do inquilino, centrada no direito à habitação, no caso do arrendamento urbano. Com efeito, é sabido que, para parte da doutrina, o direito do arrendatário assume a natureza de verdadeiro direito real, dadas as garantias, como o direito de sequela, característica dos direitos reais, por comungar, precisamente das características tradicionalmente associadas ao jus in re – cfr., entre nós Meneses Cordeiro, Da Natureza do Direito do Locatário, na R.O.A, ano 40, p. 61 e segs..
E se é certo que no arrendamento existem poderes sobre a coisa arrendada que competem ao proprietário (vg. sobre os elementos estruturais do prédio) outros há que se encontram na disponibilidade do gozo diário do arrendatário, na fruição corrente deste, como é o caso da porta danificada nos autos. Em que nem o senhorio foi a pessoa visada (o arguido actuou contra os queixosos) nem o senhorio irá suportar, seguramente, a reparação da porta danificada pelo arguido
A lei penal não tem em vista, especificamente, o titular jurídico do direito de propriedade, mas antes aquele que – sob o ponto de vista de quem pratica o crime, prevendo os seus elementos - se apresenta com o poder de fruição/disponibilidade imediata da coisa, no fim de contas a pessoa que sofre o prejuízo com o dano causado.
Conclui-se assim, no caso dos autos, que estando em causa danos causados na porta de entrada da casa de habitação/residência (cfr. Ponto 25 da matéria provada), na disponibilidade imediata dos arrendatários, pessoas visadas pela conduta do arguido, lhes assiste o direito de queixa.
Impondo-se pois a condenação do arguido pelo crime, dado que se mostram verificados os respectivos pressupostos materiais.
De onde resulta a necessidade de aplicação da pena correspondente.

A Pena é de prisão até 3 anos ou multa (art. 212º, 1 do CP).
Estando o arguido condenado, como sucede no caso, por outro crime que só admite pena de prisão, deve ser aplicada a mesma pena a este outro. Não fazendo sentido, sendo a personalidade do arguido a mesma, aplicar penas de natureza diferente. Sufragando-se a este respeito, o expendido no Ac. STJ de 14.12.2006, CJ/STJ, Tomo III/2006, p.247, que se reproduz: “(…) tendo em conta que o arguido já se acha encontra condenado em pena de prisão (por ouro crime), a pena de multa é aqui e agora de desaconselhável aplicação face os inconvenientes associados às «penas mistas». A propósito da manutenção desse tipo de penas no Código Penal então vigente, escreveu o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, § 192): Uma tal pena «mista» é, numa palavra, profundamente dessosializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: esta quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado á sua situação existencial adequado á sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão! (…) A situação, não sendo a mesma, é no entanto equivalente. Daí com os mesmos inconvenientes em concreto. Aplica-se a pena de prisão, portanto”.
Visto o critério definido pelo art. 71º do C.P., perspectivado no critério dos fins das penas previsto no art. 40º do mesmo diploma, atento o valor e consequências do dano (factos n.º 26 e n.º 27) e que o arguido tinha em vista, em primeira linha, chegar ao ofendido, para o atingir fisicamente, tem-se como proporcionado fixar a pena de prisão próximo do respectivo limite mínimo: - 45 dias de prisão.


4. Cúmulo/suspensão
Na avaliação global dos factos e a personalidade do arguido no seu conjunto, nos termos do art. 77º, n.º1 do C. Penal, atentas as penas parcelares aplicadas, entende-se ajustado aplicar em cúmulo, a pena de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão.
A pena aplicada em cúmulo não admite, legalmente, a suspensão. De qualquer forma, num crime de sangue desta natureza, entende-se que nunca seria de suspender por não acautelar as necessidades mínimas de tutela do ordenamento jurídico.
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III. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:
1. - Julgar o recurso improcedente no que toca aos crimes de ameaça.
2. - Conceder parcial provimento ao recurso, nos termos sobreditos e assim:
- condenar o arguido, pelo crime de dano p e p pelo art. 212º, n.º1 do C. Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão; ----
- alterar a qualificação jurídica do crime de homicídio na forma tentada operada pelo tribunal recorrido, qualificando-o como crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p e p nos termos do artigo 132º, n.º1 e n.º2 al. b), com referência aos artigos 22º, 23º e 131º do C. Penal, e condenando o arguido, pela sua prática, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; ----
- efectuar o cúmulo jurídico das duas penas ora definidas, condenando o arguido na pena única de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão. ----
Sem tributação.

Belmiro Andrade (Relator)
Abílio Ramalho