Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4970/18.4T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INDEMNIZAÇÃO A TERCEIROS EM CASO DE MORTE
DESPESAS DE FUNERAL
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 495.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: No caso de lesão de que proveio a morte, o pai da vítima, ainda que não recebesse dele alimentos, tem direito a ser indemnizado das despesas feitas com o funeral.
Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I - A) - 1) – AA, viúvo, reformado, residente em Rua ... ... andar, ..., por si e na qualidade de único e universal herdeiro de seu filho BB, intentou, em 31 de Outubro de 2018, acção declarativa, de condenação, com processo comum, contra a sociedade “S..., S.A.” anteriormente denominada T..., S.A., com sede na Avenida ..., em  ..., para efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido a .../.../2018, em consequência do qual sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes da morte desse seu filho, ocorrida em consequência dos ferimentos resultantes da queda ao solo deste, projectado que foi do reboque em que o mesmo seguia transportado, matriculado como ...1, acoplado ao tractor agrícola matriculado como ...36, segurado então na “T..., S.A.”, projecção essa que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do dito tractor, CC, por circular com o tractor desatento, de forma imprevidente e negligente, a velocidade superior a 40 km/h, provocando desequilíbrios para quem se encontrava em cima do reboque, como foi o caso do aludido BB, que aí seguia com a autorização do referido condutor.

Assim, imputando o acidente à culpa exclusiva do aludido condutor do referido tractor, o Autor peticionou da Ré, a indemnização global de € 111.508,00 (acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento), dela respeitando:

- € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, pelo sofrimento de que foi alvo o BB pelas lesões graves que padeceu até falecer e na antevisão da sua própria morte;

- Montante não inferior a € 80.000,00, pela privação do direito à vida do BB;

- € 30.000,00, pelo dano próprio do Autor, resultante da perda do seu filho;

- A quantia de € 1.508,00, a título de danos patrimoniais, entre os quais inclui, € 498,00, porquanto, dos 1785,00 que gastou relativos a despesas de funeral, já recebeu da Segurança Social a importância de 1.287,00 euros,

2) - A Ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, e, em momento processualmente posterior, veio deduzir articulado superveniente a que o autor respondeu.

Defendeu a Ré, em síntese:

- Que o condutor do tractor se recusou, inicialmente, a transportar o aludido BB e só após muita insistência deste, e por conta e risco do mesmo, é que acedeu a transportá-lo. 

- Que se deve presumir a culpa do aludido BB, já que o mesmo se encontrava se encontrar alcoolizado e sob a influência de estupefacientes.

Pugnou pela sua absolvição.

3) - Foi proferido despacho saneador, elencando-se os seguintes temas de prova:

- Dinâmica do acidente;

- Culpa do condutor do trator CC e/ou do malogrado BB (existência de álcool e estupefacientes no sangue à data do sinistro) e sua causalidade com o acidente;

- Danos invocados pelo A e causalidade com o acidente.

*
B) - Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (em 6/1/2022), pelo Juízo Central Cível de Viseu, no dispositivo da qual, assim se consignou:
«[…] , julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência
Primeiro : Condeno a R. S..., S.A. a pagar ao A. AA, a quantia de sessenta e cinco mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. No demais, julgo a ação improcedente, absolvendo a R. do demais peticionado.
Segundo : Condeno a A., e a R. no pagamento das custas do processo na proporção do respetivo decaimento. […]».
*
C) - Tendo o Autor interposto recurso desta sentença, também a Ré recorreu dessa decisão, recursos esses que foram admitidos como apelações, com efeito meramente devolutivo.
*
D) - O Autor, a terminar a alegação do respectivo recurso, ofereceu as seguintes conclusões:
«1.ª - Vem o presente recurso, por um lado, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e por outro, impugnar a determinação do quantum e natureza do montante   indemnizatório atribuído ao aqui recorrente, uma vez que quanto ao apuramento da responsabilidade pela eclosão do sinistro nenhum juízo de censura se deve imputar à sentença.
2.ª - A sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, como infra se verá.
3.ª - Não se conforma o ora recorrente com tal decisão, pois entende que da prova efetivamente produzida em audiência não é coincidente com a que foi dada como definitivamente assente.
4.ª - Salvo o devido respeito por opinião diversa, a recorrente entende que a resposta dada a determinados factos articulados não é correta e que decorre de uma interpretação da prova que não sufragamos.
São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados: No que respeita aos factos não provados:
d) Que BB teve perceção da queda;
e) Que, apos esta e antes do falecimento teve dores, sentiu ansiedade, angústia, medo da morte e sentimentos de incapacidade de evitar a sua morte;
f) Que BB mantinha ligação afetiva com as irmãs e com o A.
g) Telefonava todos os dias para o A. de quem era o melhor amigo, companheiro e confidente
h) Que o A. tinha por BB afeto e amor.
i) Que o A e BB prestavam mutuamente, consolo e apoio.
j) Que BB era uma pessoa alegre,
k) Era considerado pelo A. um filho extremoso, meigo e exemplar.
l) Que o falecimento de BB, provocou no A., dor, angústia, saudade e desgosto;
m) Que, após o falecimento de BB, o A. deixou de ter alegria e confiança no futuro,
n) Deixou de dormir e sofre de pesadelos constantes desde a morte do filho,
o) deixou de conviver socialmente e raramente sai de casa.
p) Chora diariamente e não tem vontade de falar ou conversar com outras pessoas.
q) Que antes da morte de BB, o A. era uma pessoa alegre e com vontade de viver.
r) Que o A. gastou em ramos e coroas de flores para o funeral uma quantia não inferior a € 300,00 e com ornamentações e velas a quantia de € 200,00.
s) Que o A, na compra de roupa de luto, umas calças, camisa e casaco, o A. gastou a quantia de € 150,00;
t) Por via da queda ficaram inutilizáveis um casaco, camisa, calças, cinto, um relógio e um telemóvel de marca ..., no valor de € 50,00, € 20,00, € 30,00, €10,00, €100,00, €150,00, respetivamente, que BB trazia consigo.
5.ª – Vejamos a prova que implica decisão diversa:
6.º - Declarações de DD – depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – com início ocorreu pelas 14:48:47 e o seu termo pelas 15:17:47 do dia 20 de Maio de 2021.
7.ª – Declarou que o falecido vivia com os pais e depois de ter ficado desempregado, saiu da vila onde vivia à procura de trabalho; que era trabalhador, respeitado e respeitável por todos e era um 8.º - Declarações de EE - depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – com início pelas 15:19:17 e o seu termo pelas 15:34:02 do dia 20 de Maio de 2021.
8.ª – a testemunha declarou que é de ..., é agente funerário e conhecia o falecido e a família deste, por serem da terra. Que o Autor lhe pagou o funeral que rondou os 1.600,00 euros e que acha razoável o valor de 500,00 euros para ornamentações e velas gastas pelo autor com o funeral.
9.ª – Disse que o falecido era um homem tranquilo e ligado aos pais e ás irmãs. Que na altura do acidente, se encontrava a trabalhar para os lados de .... Que tinha uma boa relação com o pai. Que o Autor ficou muito angustiado com a morte de filho e que muitas vezes desabafa com ele no escritório. Mais disse que ficou mal com a morte da mulher mas ficou pior com a morte do filho...
10.ª – Declarações de FF, genro do Autor e cunhado do falecido - o seu depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com o início ocorreu pelas 15:37:44 e o seu termo pelas 15:59:25 do dia 20 de Maio de 2021.
11.ª – Referiu que conhecia bem o falecido, até pelas relações familiares... Que o mesmo era uma pessoa humilde, bom rapaz, trabalhador, dedicado à casa; esteve casado pouco tempo e depois viveu com os pais.; que passou um mau bocado com a morte da mãe mas que depois disso ainda viveu com o pai cerca de 6/7 anos;  Esteve sempre ao lado do pai;
12.ª – Que o autor era pessoa sociável e prestável e toda a gente da freguesia o respeitava e ele respeitava toda a gente... Era trabalhador e respeitado... não perdia uma hora de trabalho... quando a família precisava dele, ele estava sempre disposto a ajudar.
13.ª – Confirmou que o aqui Autor é uma pessoa muito doente... desde a morte da esposa e depois do filho, ficou muito abalado... depois da mulher morrer, o filho era o amparo dele... que sentiu muito a morte do filho... e ainda hoje se lembra do filho... que o enterrou junto com a mãe e vai muitas vezes ao cemitério.  Tem dor e angustia.
14.ª – Referiu, ainda, que o Autor, dentro das possibilidades dele, fez um bom funeral para o filho... o melhor possível para se despedir do filho... as pessoas são religiosas, gostam disso ... não acho 500,00 euros muito ( para a despesas em ornamentação e velas );
15.ª – Referiu que ele próprio foi ... levantar o corpo e entregaram-lhe um saco com pertences – um relógio, telemóvel, umas calças, a roupa do corpo – estava tudo danificado... não sei quanto valia – telemóvel entre 100,00 euros – 150,00 euros, relógio cerca de 100,00 euros ... tudo 400,00 euros.
16.ª – Confirmou que a empresa onde o falecido trabalhava fechou – setor da cortiça – e como estava desempregado, foi para ... tentar arranjar trabalho. Vinha a casa do pai quase todos os fins de semana – vinha com muita frequência...
17.ª – Vejamos as declarações de CC, depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, com inicio pelas 09:56:53 e o seu termo pelas 10:19:06 do dia 23 de Setembro de 2021.
18.º - A testemunha era o condutor do veículo seguro e sem qualquer dúvida que o BB estava vivo quando chegou a ambulância, que respirava...
19.ª – O mesmo se retira das declarações de GG, Guarda da GNR - depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início pelas 09:48:30 e o seu termo pelas 09:56:20 do dia 23 de Setembro de 2021.
20.ª – O mesmo referiu que a vitima já estava na ambulância e estava a receber suporte de vida...a morte foi á posteriori.
21.ª – Pela mesma bitola alinhou HH, Guarda da GNR - depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início ocorreu pelas 16:01:41 e o seu termo pelas 16:04:18 do dia 20 de Maio de 2021.
22.ª – Referiu que não esteve no local, pois só se desloca quando as vítimas falecem no local. Referiu que a morte ocorreu já no hospital, aliás de acordo com a declaração do óbito.
23.ª – Assim, resulta de forma clara e transparente, dos depoimentos das testemunhas II (elemento da GNR), de JJ e de CC a afirmação clara e sem qualquer dúvida de que que BB ainda estaria vivo. Esses depoimentos resultam do próprio condutor do veículo seguro que viu o falecido em primeiro lugar e não teve dúvidas em referir que o BB estaria vivo, só vindo a falecer mais tarde – no Hospital.
24.ª - Isso mesmo é reafirmado pelo elemento da GNR presente no local e, naturalmente, habituado a participações de que resultaram morte dos intervenientes.
25.ª - Esta perceção foi obtida pela observação direta – quando o falecido se encontrava ainda no pavimento – mas também pelas manobras de reanimação efetuadas, seguidas do transporte para o hospital.
26.ª – O Tribunal desvalorizou, totalmente, o sofrimento do Autor pela perda do filho;
27.ª - Diga-se que não há nos autos – nem podia haver – qualquer facto que legitime um afastamento total e irreversível entre o Autor e o seu filho falecido, nem qualquer imputação criminal a ambos.
28.ª - Ficou claro que do depoimento das testemunhas arroladas pelo A., DD, EE e FF, este genro do A:
- Que o falecido BB era uma pessoa humilde, bom rapaz, trabalhador;
- Que foi casado e o casamento correu mal e regressou a casa dos pais;
- Que a sua mãe faleceu de repente e ele passou um mau bocado.
- Que depois da morte da mãe esteve a viver com o pai durante seis a sete anos e esteve sempre a seu lado;
- Que a empresa em que trabalhava fechou e foi viver para ..., à procura de trabalho, pois onde vivia era difícil, mas falava com o pai com frequência.
- Que era uma pessoa sociável e prestável. Toda a gente da freguesia o respeitava e ele respeitava toda a gente...
- Que, apesar de estar fora de casa, vinha com frequência a casa do pai – aqui Autor;
– Que tinha uma boa relação com o pai, mas depois da morte da mãe ele ficou abalado.
- Que o aqui autor ainda hoje se queixa da falta do filho q que se sente muito abalado e angustiado por essa falta.
29.º - Estas testemunhas vivem na vila onde sempre viveu o falecido – ... até pouco antes da sua morte, onde foi para ... á procura de trabalho. Mas mesmo estando fora, o falecido visitava o pai e as irmãs como todos esclareceram devidamente.
30.ª - Ao invés, o Tribunal recorrido desconsiderou completamente estes depoimentos, suportado nas declarações de CC que acabaram por incidir apenas e só na pessoa do falecido. Disse em que circunstâncias encontrou o falecido e como o mesmo veio viver e trabalhar com os pais.
31.ª - E, compulsado o depoimento de CC, em nenhum momento ele referiu que o aqui autor nada sofreu com a morte do filho... Diga-se que só o viu após o funeral do filho, quando este o visitou para recolher os pertences do filho. Foi o aqui autor que preparou as exéquias fúnebres – com todo o gosto como resulta do depoimento das três testemunhas supra referidas – e que o colocou na campa, juntamente com a sua falecida esposa.
32.ª - Pergunta-se; o que resulta do depoimento de CC que contrarie a dor e a perda do aqui autor? NADA. Que conhecimento esta testemunha tem do sentimento que o Autor nutre pelo filho? NENHUM.
33.ª - As testemunhas DD, EE e FF descreveram comportamentos exteriorizados pelo A. que se poderiam compaginar com o alegado sofrimento e dor pela perda do filho.
34.ª - Entende o Tribunal recorrido que não foi produzida prova, pessoal ou documental, que sustentasse alegado e elencado em r), s) e t), razão pela qual se julgaram não provados. Assim não entendemos. Vejamos:
35.ª - A testemunha EE, agente funerário que realizou o funeral pago pelo aqui autor, com experiencia bastante nesta área, disse que o valor de 500,00 euros era razoável para o pagamento de todas as ornamentações, coroas de flores e velas que o autor suportou com o funeral, pois o aqui Autor fez um funeral bonito, na expressão do mesmo.
36.ª - Isto também foi corroborado pela testemunha DD, que também esteve presente no funeral.
37.ª - O mesmo se diga a propósito da inutilização dos bens que o falecido possuía à data do acidente: um casaco, camisa, calças, cinto, um relógio e um telemóvel.
38.ª - Foi expressamente referido pela testemunha FF que estes bens lhe foram entregues completamente inutilizados e dentro de um saco, no Hospital .... Mais referiu ser razoável contabilizar em 400,00 euros o referido prejuízo. O que se situa dentro da normalidade das coisas, não se revelando desproporcionado.
39.ª - Deve, ainda, ficar a constar da matéria de facto provada o seguinte:
O autor suportou a quantia de € 1785,00 a título de despesas de funeral mas já recebeu da Segurança Social a importância de 1.287,00 euros, pelo que apenas tem a receber a importância de 498,00 euros.
40.ª - Tal facto foi alegado, provado quer por documento – Doc. 6 junto com a p.i.- quer pelas declarações do agente funerário EE, acima transcritas.
41.ª - Ora, cremos que a conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a seguinte matéria de facto:
d) O BB teve perceção da queda;
e) Que, após esta e antes do falecimento teve dores, sentiu ansiedade, angústia, medo da morte e sentimentos de incapacidade de evitar a sua morte;
f) Que BB mantinha ligação afetiva com as irmãs e com o A.
g) Telefonava para o A. de quem era amigo, companheiro e confidente
h) O A. tinha por BB afeto e amor.
i) O A e BB prestavam mutuamente, consolo e apoio.
j) O BB era uma pessoa alegre,
k) Era considerado pelo A. um filho extremoso, meigo e exemplar.
l) O falecimento de BB, provocou no A., dor, angústia, saudade e desgosto;
m) Após o falecimento de BB, o A. deixou de ter alegria e confiança no futuro,
n) Deixou de conviver socialmente e raramente sai de casa.
p) Chora e não tem vontade de falar ou conversar com outras pessoas.
q) Antes da morte de BB, o A. era uma pessoa alegre e com vontade de viver.
r) Que o A. gastou em ramos e coroas de flores para o funeral, e com ornamentações e velas uma quantia não inferior a € 500,00;
s) Por via da queda ficaram inutilizáveis um casaco, camisa, calças, cinto, um relógio e um telemóvel de marca ..., tudo no valor de € 500,00;
42.ª - Deve, ainda, ser aditado um novo facto aos factos provados:
O autor suportou a quantia de € 1785,00 a título de despesas de funeral mas já recebeu da Segurança Social a importância de 1.287,00 euros, pelo que apenas tem a receber a importância de 498,00 euros.
43.ª – Vejamos o Quantum indemnizatório: - da Perda do Direito à vida: Neste contexto, há que considerar a idade do falecido BB, à data do acidente com 47 anos, e a esperança média de vida em Portugal; há que ponderar o seu estado de saúde inerente à idade, sem problemas de saúde que fizessem prever o encurtamento da esperança média de vida; O facto de ser alegre e trabalhador,
44.ª - Pensamos ser ponderado, justo e adequado fixar a indemnização pela perda do direito à vida de BB em 80.000,00 €, em vez dos 65.000,00 fixados pelo Tribunal recorrido, sendo devidos juros a partir da citação.
45.ª - Danos morais do aqui Recorrente pela morte do filho;
46.ª – atenta a alteração da matéria de facto, computa o Recorrente o seu dano moral pela perda do filho em € 30.000,00, com juros contados a partir da citação que lhe deve ser atribuído, assim se revogando a sentença recorrida;
47.ª - Outros danos – gasto em ramos e coroas de flores para o funeral, e com ornamentações e velas, deve ser atribuído ao Autor uma quantia não inferior a € 500,00;
48.ª - Por via da queda ficaram inutilizáveis um casaco, camisa, calças, cinto, um relógio e um telemóvel de marca ..., devendo ser atribuído ao autor um montante não inferior a € 500,00;
49.ª - Que o autor suportou a quantia de € 1785,00 a título de despesas de funeral mas já recebeu da Segurança Social a importância de 1.287,00 euros, pelo que apenas tem a receber a importância de 498,00 euros.
50.ª - Assim, deve ser atribuído ao aqui Recorrente, a este título, a quantia de 1.498,00, que lhe deve ser atribuído, com juros contados a partir da citação, assim se revogando a sentença recorrida;
51.ª – Por último, os danos morais do finado BB ocorridos entre o acidente e a morte:
52.ª – Com a alteração da matéria de facto, resulta que após esta e antes do falecimento teve dores, sentiu ansiedade, angústia, medo da morte e sentimentos de incapacidade de evitar a sua morte; 53.ª – Mas, independentemente da alteração da matéria de facto, que sufragamos nesta Apelação, seguimos de perto o entendimento seguido pelo Ac. TRP de 27 de Abril de 2021 – Relator: Rodrigues Pires, disponível em www.dgsi.pt:
V - O sofrimento tido pela vítima entre o momento do embate e o momento da morte é indemnizável, mesmo não se tendo provado o período de tempo que mediou entre estes dois momentos.
54.ª – O falecido recebeu assistência médica no local, ficou em situação de paragem cardiorrespiratória, vindo a falecer na via pública, em consequência das lesões advindas do acidente em questão.
55.ª - Certo que se desconhece, porém, o tempo que mediou entre a ocorrência do acidente e a morte da vítima e também o seu estado de consciência nesse período de tempo, indeterminado, mas em qualquer circunstância curto, uma vez que o embate ocorreu às 15h30m e a verificação do óbito foi feita às 17h00 m.
56.ª - Assim, entendemos que, independentemente de se sufragar, ou não, a alteração da matéria de facto proposta, deve ser concedido ao autor um montante indemnizatório não inferior a 5.000,00€, com juros contados a partir da citação;
57.ª - Deste modo, não só pelo que vimos de referir, como também face a todo o exposto, ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, 373.º a 376.º e 483.º e seguintes do Código Civil, sendo manifesto o erro na apreciação da prova.
Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada na medida acima assinalada, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!!».

*

E) - A Ré, no recurso que interpôs, ofereceu, a findar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:

«1.

O objecto primordial do presente recurso é a veemente impugnação da decisão proferida porquanto a Apelante considera que os seguintes factos deveriam ter resultado provados:

- o desequilíbrio e queda de BB vieram a ocorrer por via do estado de influência do álcool e de substâncias psicotrópicas em que se encontrava;

- inicialmente o CC recusou fazer o transporte do infeliz BB, mas, depois de muita insistência por parte deste último, acedeu ao seu pedido, autorizando-o a subir no reboque

2.

Desde logo, no que ao desequilíbrio e à queda diz respeito e deste ter ocorrido por força do estado de influência do álcool e de estupefacientes, entende a Apelante que o Tribunal a quo podia e devia ter-se socorrido de presunção judicial – e, assim, de factos conhecidos retirar factos desconhecidos – na apreciação do nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia e do consumo de estupefacientes e o acidente.

3.

Em face das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, não se vê como não se possa estabelecer uma relação entre uma injustificada perda de controlo de equilíbrio e as consequências conhecidas do estado de embriaguez em que estava a vítima, a que acresce o consumo de estupefacientes – isto numa dinâmica de condução em que não se apurou qualquer outro facto que permitisse perceber e justificar a queda.

4.

A simples factualidade apurada – estado de alcoolemia e de consumo de estupefacientes e forma como se verificou a queda – permitiriam, por si só, concluir, através de presunção judicial, os efeitos que o álcool e os estupefacientes tiveram nas capacidades sensitivo-motoras e de equilíbrio da infeliz vítima.

5.

Ademais, o Tribunal a quo não ponderou a circunstância do acidente ter ocorrido após o almoço – o que foi referido pela testemunha CC ao minuto 10:00 a 10:35 (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 23 de Setembro de 2021, nome do ficheiro áudio 20210923095651_3430501_2871921, das 09:56:51 às 10:19:06) e pela testemunha KK ao minuto 04:40 a 05:00 (Depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 20 de Maio de 2021, nome do ficheiro áudio 20210520163710_3430501_2871921, das 16:37:10 às 16:44:32).

6.

Em face dos meios de prova supra elencados e, bem assim, por presunção judicial retirada da concatenação entre grau de alcoolemia e do consumo de estupefacientes de que a infeliz vítima era portador, dinâmica do acidente e regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, o Tribunal a quo não poderia ter deixado de considerar provado que:

o desequilíbrio e queda de BB vieram a ocorrer por via do estado de influência do álcool e de substâncias psicotrópicas em que se encontrava

7.

Sem prejuízo do que já resulta no facto 9) dado como provado na douta sentença, entende a Apelante que se mostra necessário concretizar e reforçar a sequência factual verificada, porquanto da prova produzida em julgamento resultou que naquele dia o CC se recusou, num primeiro momento, a fazer o transporte do BB e só após muita insistência para ser transportado naquelas condições é que o CC acedeu.

8.

Isso mesmo resultou das declarações da testemunha CC ao minuto 03:50 a 05:10 e da testemunha KK ao minuto 04:10 a 04:40.

9.

Entende, por isso, a Apelante que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado o seguinte facto:

Inicialmente o CC recusou fazer o transporte do infeliz BB, mas, depois de muita insistência por parte deste último, acedeu ao seu pedido, autorizando-o a subir no reboque

DA MATÉRIA DE DIREITO

10.

Entende a Apelante que, mesmo considerando os factos tal qual se encontram dados como provados na sentença em crise, a queda ficou a dever-se, a título de culpa, única e exclusivamente à vítima.

11.

Sendo o motivo da queda desconhecido e antes resultando que a queda se deu numa recta, em patamar e com asfalto em regular estado de conservação, sempre com o devido respeito, não há qualquer nexo causal entre a queda e o facto da vítima se encontrar a ser transportado num reboque.

12.

A que acresce a circunstância de que foi decisão do BB ali seguir e ser transportados nas condições em que o foi.

13.

Todavia, se se julgar procedente a impugnação da matéria de facto, dúvidas não restam de que causal da queda, a título de culpa, está o estado de embriaguez e de consumo de estupefacientes.

14.

Nenhum outro motivo justifica que numa recta, em patamar e com asfalto em regular estado de conservação a infeliz vítima tenha caído do reboque.

15.

E, nessa medida, se mostra evidenciado o nexo causal entre o sinistro e a culpa do infeliz BB traduzida na circunstância de circular nas condições de alcoolemia e consumo de estupefacientes em que o fazia.

16.

Por força do vindo de referir, impõe-se a absolvição da Ré do pedido.

17.

Mas, ainda que assim não se entenda, sempre será de censurar a culpa do lesado/vítima nos danos ocorridos.

18.

Era exigível a um bom pai de família colocado naquelas concretas situações de facto que não se fizesse voluntariamente transportar naquele reboque, não só porque estava exposto ao risco de queda pela ausência de uma qualquer segurança, mas também porque a vítima não podia desconhecer que estava embriagado e que havia consumido estupefacientes, o que potencia ainda mais o risco de queda.

19.

o que agrava a censura a fazer ao comportamento da vítima, pois que, mesmo assim, insistiu em ser transportado no reboque, donde os danos sofridos pela vítima apenas ocorreram em consequência  das condições de transporte que assumidamente aceitou, associadas ao estado de alcoolemia e de consumo de estupefacientes.

20.

Ao abrigo do disposto no artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, considerando a concorrência de um facto culposo do lesado para a produção dos danos, o seu grau de culpa e a contribuição do mesmo para as consequências verificadas, deve a indemnização ser totalmente excluída.

21.

O Tribunal a quo na douta Sentença dos Autos, ao decidir como decidiu, violou o preceituado nos artigos 342.º, 487.º e seguintes e 570.º, todos do Código Civil e, bem assim, o disposto nos artigos 411.º, 413.º e 414.º, todos do CPC. (...)».

*
Ambos os Apelantes responderam às alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela contraparte.
*
II - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil[2] - doravante NCPC, para se distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC -, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, as questões a solucionar no presente recurso, consistem em saber:
- Se é de proceder à alteração da matéria de facto em que se fundou a sentença recorrida;
- Se, em face da factualidade provada, é correcta a decisão de julgar a acção parcialmente procedente, nos termos decididos na sentença impugnada.

*
III - Fundamentação:

A) - Na sentença da 1.ª Instância, a decisão proferida quanto à matéria de facto foi a que ora se transcreve:

«2.1   - Factos provados

i- Por acordo das partes e conforme o decidido no despacho saneador.

(1) Através de uma operação de fusão por incorporação, as companhias A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., S..., S.A., pessoa coletiva n.º ... e K..., T..., S.A., pessoa coletiva n.º ... foram incorporadas na T..., S.A. Assim, todos os direitos e obrigações, património, ativos, passivos e responsabilidades das sociedades incorporadas foram transferidos para sociedade incorporante, que assegurará a continuidade das operações das sociedades incorporadas. Em consequência, a T..., S.A. foi redenominada para S..., S.A., mantendo o mesmo número de identificação de pessoa colectiva [apud certidão permanente disponível, código 0572-8068-3848].

(2) O proprietário trator agrícola matriculado como ...36 tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação, relativamente a danos causados a terceiros, transferida para a Ré mediante a apólice n.º ...29.

(3) BB [a quem nos passamos a referir como BB] faleceu no dia .../.../2018, à data com 47 anos, no estado de divorciado, sem ter feito testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

(4) O A. é o único herdeiro de BB.

Ii – emergentes da audiência de discussão e julgamento

(5) No dia .../.../2018, BB fazia limpezas num aviário, na localidade de ... com CC;

6) Durante essa atividade foi carregado estrume para um reboque, matriculado como ...1, que estava acoplado a um trator agrícola matriculado como ...36

(7) Quando o reboque ficou cheio, foi tapado na parte superior, sobre o estrume, com uma cobertura maleável e amovível, comumente identificada como "oleado".

(8) Tal reboque haveria de ser descarregado na residência de BB, que ficava a cerca de 10 km daquele local.

(9) Antes do início da marcha, BB subiu para o reboque, com o conhecimento e autorização do CC e posicionou-se sobre o oleado.

(10) A parte superior do reboque assim carregado ficava a cerca de um 1,60 m de altura em relação ao solo.

(11) Nem o ...36 nem o reboque acoplado tinham qualquer lugar específico para o transporte de passageiros, antes e só para o respetivo condutor, o que era do conhecimento de CC.

(12) Depois de BB se ter posicionado no reboque, nos anteditos termos, CC iniciou a marcha, manobrando o trator e o reboque acoplado, entrando na Estrada Nacional ... em direção à sua residência na localidade de ....

(13) Junto ao Km 52,18 da referida EN, já na freguesia ..., concelho ..., BB veio a cair do reboque para o pavimento da via, o que ocorreu por razões que, em concreto, não se lograram apurar.

(14) Em consequência da queda BB sofreu as lesões crânio-meningo-encefálicas e raquidianas as quais foram causa direta e necessária da sua morte, verificada pelas 17 horas desse mesmo dia.

(15) Ao Km 52,18 da referida EN ..., a via tinha 7 metros de largura, sendo constituída por duas vias de trânsito de sentido oposto, separadas por marcas longitudinais descontínuas.

(16) O pavimento era composto de um aglomerado asfáltico e encontrava-se em regular estado de conservação.

(17) O pavimento estava limpo e seco.

(18) A estrada apresenta uma configuração recta, em patamar.

(19) Aquando da queda o trator pelo arguido seguia a uma velocidade não concretamente apurada.

(20) Já após a queda, mas em momento que, em concreto, não se logrou apurar, foi colhida uma amostra de sangue a BB que revelou a presença de metabolitos activos e inactivos de canabinóides e etanol (álcool) sob uma concentração de 1,18 g/l de sangue, considerando um erro de 0,15 g/l.

(21) CC sabia que ao transportar BB nas anteditas condições desrespeitava a obrigação de não transportar pessoas em número superior à lotação do veículo, ou a transportá-las de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da actividade da condução. Não obstante, livremente, decidiu fazê-lo.

(22) CC poderia prever como possível que sobreviessem lesões físicas, ou mesmo a morte, a BB, acaso o mesmo caísse do reboque onde seguia. Não representou, todavia, a possibilidade de BB poder cair do reboque, e que da queda pudesse sobrevir a morte do mesmo.

(23) Não eram conhecidos problemas de saúde, física ou cerebral / comportamental a BB.

(24) À data do acidente, BB consumia estupefacientes, vivia na rua e era arrumador de carros, em ..., nas imediações do hospital daquela cidade.

(25) Por ser sem abrigo, CC convidou BB para viver em casa dos sus pais.

(26) Onde esteve durante alguns meses e a quem por vezes tratava como "paizinho" e "mãezinha".

(27) A. gastou a quantia de € 1.785,00 a título de despesas de funeral, tendo recebido da Segurança Social apenas a importância de 1.287,00 euros;

2.2- Factos não provados

Não se provou:

a) Que a atividade desenvolvida por BB, nos termos provado em 1) se fazia por conta e sob as ordens e instruções de CC.

b) Que a queda de BB, nas circunstâncias de tempo e lugar provados ocorreu devido à instabilidade e irregularidade da condução decorrente do trator se encontrar acoplado a um reboque carregado de estrume, à forma como BB era transportado, e porque CC conduzia desatento, a velocidade superior a 40 km/h, o que provocou o desequilíbrio (e posterior queda) de BB.

c) Que o desequilíbrio e queda de BB vieram a ocorrer por via do estado de influência do álcool e de substancias em que se encontrava.

d) Que BB teve perceção da queda;

e) Que, apos esta e antes do falecimento teve dores, sentiu ansiedade, angústia, medo da morte e sentimentos de incapacidade de evitar a sua morte1;

f) Que BB mantinha ligação afetiva com as irmãs e com o A.

g) Telefonava todos os dias para o A. de quem era o melhor amigo, companheiro e confidente

h) Que o A. tinha por BB afeto e amor.

i) Que o A e BB prestavam mutuamente, consolo e apoio.

j) Que BB era uma pessoa alegre,

k) Era considerado pelo A. um filho extremoso, meigo e exemplar.

l) Que o falecimento de BB, provocou no A., dor, angústia, saudade e desgosto;

m) Que, após o falecimento de BB, o A. deixou de ter alegria e confiança no futuro,

n) Deixou de dormir e sofre de pesadelos constantes desde a morte do filho,

o) deixou de conviver socialmente e raramente sai de casa.

p) Chora diariamente e não tem vontade de falar ou conversar com outras pessoas.

q) Que antes da morte de BB, o A. era uma pessoa alegre e com vontade de viver.

r) Que o A. gastou em ramos e coroas de flores para o funeral uma quantia não inferior a € 300,00 e com ornamentações e velas a quantia de € 200,00.

s) Que o A, na compra de roupa de luto, umas calças, camisa e casaco, o A. gastou a quantia de € 150,00;

t) Por via da queda ficaram inutilizáveis um casaco, camisa, calças, cinto, um relógio e um telemóvel de marca ..., no valor de € 50,00, € 20,00, € 30,00, €10,00, €100,00, €150,00, respetivamente, que BB trazia consigo.

2.3- Outros factos

Inexistem outros factos, provados ou não provados com relevo para a decisão a proferir, havendo de consignar-se que tudo o demais alegado nos articulados e não seleccionado como facto, se julgou ser ora meras conclusões de facto, ora meras repetições, fazendo uso de linguagem descritiva diversa, ou meras redundâncias.».

*
B) - A impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
De acordo com o artº 662º, nº 1, do NCPC, a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.

Começa-se por salientar o que foi entendido - à semelhança daquilo que se escreveu noutros Acórdãos desta Relação - no Acórdão da Relação de Coimbra, de 04/04/2017 (Apelação nº 516/12.6TBPCV.C1)[4], relatado pelo Exmo. Desembargador, ora Conselheiro do STJ, Jorge Arcanjo e subscrito, enquanto 2ª Adjunto, pelo agora relator: «[…] o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringirse aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecerse que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento (cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 (proc. nº 241/05), de 1/7/2014 (proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação.

Por outro lado, a prova deve ser valorada de forma holística, ou seja, no seu conjunto, reclamando uma ponderação global, segundo o standard da “probabilidade lógica prevalecente”, em que havendo versões contraditórias sobre determinado facto, o julgador deve escolher das diferentes probabilidades a que, perante o conjunto dos elementos probatórios, se evidencie como a mais provável (cf Michele Taruffo, La Prueba de Los Hechos, 2002, pág. 292 e segs.).[…]».

Caso a impugnação dos pontos da matéria de facto que o Recorrente pretende ver alterados pela Relação se funde na valoração errada de prova não tarifada, ou seja, daquela que está no âmbito da livre apreciação do julgador, tal alteração só será possível ao Tribunal “ad quem” levar a efeito, caso este, na reapreciação que fizer da prova para formar a sua convicção quanto a tal matéria, detectar patentes deficiências na valoração feita pelo Tribunal “a quo”, inclusive, ao nível da aplicação das regras de experiência comum.

Ora, tal como sucede quanto aos documentos - quer no que concerne aos documentos particulares (376º do CC, “a contrario”) quer relativamente àqueles que assumem a natureza de documentos autênticos - estes na parte desprovida de força probatória plena (artº 371º, nº 1, do CC) -, é o princípio da livre convicção do Tribunal, estatuído no art.º 607º, n.º 5, do NCPC, que rege a valoração, da prova pericial (artº 389º, do CC e 489º do NCPC), dos depoimentos prestados pelas testemunhas (artº 396º do CC), bem assim como a dos depoimentos e das declarações prestados pelas partes (naquilo que não consubstanciar confissão - cfr. artºs 452º e ss., 466º, nº 3, do NCPC).

Vejamos.

A alegação factual transmuta-se em factualidade processualmente assente quando a prova daquela for convincente, isto é, for idónea a dotar o Tribunal de elementos que lhe permitam, fundadamente, adquirir o convencimento, seguro, posto que não infalível, de que os factos alegados correspondem à realidade ocorrida, sendo que, como se referiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 30/11/2017 (Apelação nº 1426/15.0T8BGC-A.G1), citando a Exma. Srª. Cons. Ana Luísa Geraldes (“Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, “in” Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609), “…em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
E também o Sr. Cons. Abrantes Geraldes adverte que as diferentes circunstâncias em que se encontra o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal de 2ª instância «…deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados» (“in” «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, Julho de 2013, pag. 235.).
1)-No caso “sub judice”, no âmbito da reapreciação da prova, defende o Autor, que:
Tendo em conta uma correcta valoração dos depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, CC, GG, LL, LL e “elementos documentais juntos”, vg., o Doc. 6 junto com a p.i.:
deve ser dada como assente a seguinte matéria  de facto:
d) O BB teve perceção da queda;
e) Que, após esta e antes do falecimento teve dores, sentiu ansiedade, angústia, medo da morte e sentimentos de incapacidade de evitar a sua morte;
f) Que BB mantinha ligação afetiva com as irmãs e com o A.
g) Telefonava para o A. de quem era amigo, companheiro e confidente
h) O A. tinha por BB afeto e amor.
i) O A e BB prestavam mutuamente, consolo e apoio.
j) O BB era uma pessoa alegre,
k) Era considerado pelo A. um filho extremoso, meigo e exemplar.
l) O falecimento de BB, provocou no A., dor, angústia, saudade e desgosto;
m) Após o falecimento de BB, o A. deixou de ter alegria e confiança no futuro,
n) Deixou de conviver socialmente e raramente sai de casa.
p) Chora e não tem vontade de falar ou conversar com outras pessoas.
q) Antes da morte de BB, o A. era uma pessoa alegre e com vontade de
viver.
r) Que o A. gastou em ramos e coroas de flores para o funeral, e com ornamentações e velas uma quantia não inferior a € 500,00;
s) Por via da queda ficaram inutilizáveis um casaco, camisa, calças, cinto, um relógio e um telemóvel de marca ..., tudo no valor de € 500,00;
- Deve, ainda, ser aditado um novo facto aos factos provados:
O autor suportou a quantia de € 1785,00 a título de despesas de funeral mas já recebeu da Segurança Social a importância de 1.287,00 euros, pelo que apenas tem a receber a importância de 498,00 euros.
2) – A Ré, por seu turno, com base nos depoimentos das testemunhas KK e CC, nos factos já provados que indica e no funcionamento da presunção judicial, pretende que se dê como provado que:
-  O desequilíbrio e queda de BB vieram a ocorrer por via do estado de influência do álcool e de substâncias psicotrópicas em que se encontrava;
- Inicialmente o CC recusou fazer o transporte do infeliz BB, mas, depois de muita insistência por parte deste último, acedeu ao seu pedido, autorizando-o a subir no reboque.

Vejamos.

Na sentença, a propósito da valoração da prova no que respeita aos factos em causa, escreveu-se, entre o mais:

«[…] Quanto aos factos não provados, nos termos elencados, eles assim se julgaram, no essencial, por falta da necessária prova para a sua afirmação.

Não foi produzida prova que permitisse concluir que BB fazia as limpezas provadas em 1), por conta e sob as ordens de CC; antes, o que resultou do depoimento deste – sem que nada fizesse questionar o que foi afirmado(…)

– foi que BB auxiliava graciosa e voluntariamente com CC, o pai deste MM, na limpeza do aviário. Daí o que se veio a julgar não provado em a).

Quanto à factualidade que se julgou não provada em b) e c), assim como no processo crime sucedera, não foi nestes autos produzida prova que a permitisse afirmar. Em suma, apesar de sabermos que a atividade da condução se pode desenvolver de múltiplas formas, que se dividirão necessariamente entre corretas e incorretas, ninguém observou e relatou qualquer forma que se pudesse considerar incorreta. O condutor, CC, também não o afirmou.

Por via das regras da física e da mecânica (das massas), um reboque, cheio ou vazio, acoplado a um trator, não constitui causa natural e inevitável de um tipo de condução que se possa adjetivar de irregular. Se assim fosse, não seria legalmente permitida, nem fisicamente possível, a formação desse tipo de conjunto de transporte. Por essa razão, aliás, não é possível acoplar um reboque a uma aeronave.

Ainda que desconhecendo as concretas características do trator agrícola, as imagens dele obtidas, extratadas na certidão do auto de notícia, junta aos autos a 3.3.2020, permitem observar que se trada de um trator de pequena dimensão, pequena cavalagem e já antigo5. As regras da experiência permitem, com segurança, afirmar que com uma carga de estrume como aquela visível em imagem, carga essa de material denso e pesado, como o é o estrume de aviário, só poderia ser atingida a alegada velocidade de 40 km/h se a via tivesse um certo grau de inclinação (no caso era em patamar, suave, como se vê nas imagens), se o trator seguisse em sentido descendente, sem engrenagem da caixa de velocidade – fosse em "ponto morto" - e se a força gerada pela gravidade, por relação à massa constituída por trator e reboque, viesse, paulatinamente, a provocar a aceleração até aos 40 km/h.

Ainda assim, se essa velocidade fosse atingida, parece claro que, como resultou das declarações de CC, e se julgou provado na sentença penal, o trator não conseguiria imobilizar-se num espaço tão curto quanto aquele documentado no auto de notícia, senão mesmo não seria mesmo possível que o trator se mantivesse na via, ou seja, não se despistasse.

Por outro lado, das imagens do reboque resulta que, pese embora este estivesse cheio, mesmo formando uma cúpula para lá dos limites dos taipais laterais, verificamos que a superfície horizontal é extensa, pelo menos correspondente a superfície do próprio atrelado. O que quer dizer, uma vez mais recorrendo às regras da experiência e respeitando as regras da física – por via do plano de inclinação da cúpula gerada pela carga - que o simples facto de o trator iniciar a marcha e fazer a marcha, CC viesse necessariamente a cair. Para tanto, seria necessário que o plano de inclinação formado pela carga fosse de tal ordem – por exemplo, em plano quase vertical - que a mera movimentação provocasse a perda de aderência do corpo de CC à carga.

Por outro, lado ainda, a perda de capacidades de equilíbrio geradas pela ingestão de bebidas alcoólicas e consumo de canabinóides não ocorre automaticamente. Antes, o que o saber comum e experiência dizem, porque são realidades observáveis no dia-a-dia, é que quer um quer outro ou a cumulação de ambos, terão de atingir níveis elevados de saturação no sangue; e, para além desses níveis, os efeitos variam em gravidade consoante a composição de cada pessoa e o concreto nível saturação, indo da mera sensação de tontura ou perda de equilíbrio, até à incapacidade motora total, isto é, ao ponto de não haver equilíbrio para manter qualquer postura posicional vertical, senão a de repouso total.

Ora, se ficou claro pelo depoimento de CC que BB, pelos seus próprios meios, subiu para o reboque e se acomodou; e, se antes disso, esteve a desenvolver atividade física, carregando estrume, podemos com segurança afastar a possibilidade de uma perda incontrolável de equilíbrio. E, podemos com segurança reconhecer que as capacidades motoras de BB estariam quase integralmente salvaguardadas. Caso contrário nem a tarefa de carregar estrume nem a tarefa de subir para o reboque seriam exequíveis sem quer fosse percetível para terceiro a perda de equilíbrio ou qualquer outra capacidade motora, nomeadamente força muscular.

Demonstrativo este raciocínio é, por exemplo, a circunstância de que nem todos os condutores que manobram veículos com TAS de 1,18 g/l, têm acidentes rodoviários– senão mesmo uma ínfima parte deles é que têm – e, para o ato da condução, a acuidade visual, a destreza de movimentação e o tempo de reação, são essenciais.

Logo, parece-nos, não só o mero estado de embriaguez, ainda que adicionado à influência de substâncias, não pode ser considerado como causa inevitável do desequilíbrio, como apenas e só um estado de influência com repercussões notórias, visíveis e percetíveis por terceiro nos poderia dar, no caso, a necessária segurança para afirmar que o desequilíbrio, e inevitável queda, se ficou a dever a esse estado de influência alcoólica e de substâncias.

Quanto à factualidade que se julgou não provada em d) e e), uma vez mais, a prova produzida foi insuficiente.

Por um lado, em virtude da mera observação à distância – que não pode deixar de ser contextualizada pelo caráter traumático e claramente emotivo condicionante da perceção sensorial e, por consequência, da sua fiabilidade – dos depoimentos das testemunhas II (elemento da GNR) e de CC resultou a afirmação de que que BB ainda estaria vivo. Tal razão de ciência, contudo, resultou da constatação (por observação à distância) de que estavam a ser executadas manobras de reanimação e de seguida foi feito o transporte para o hospital. Ainda que sem conhecimento direto – apenas por via da dos formalismos inerentes à certificação do óbito – relatados por NN, pessoa que prestou assistência no local a BB – também a testemunha LL afirmou que BB faleceu "à entrada do hospital".

Todavia, e pese embora a hora da morte não signifique, por si só, que até então o falecido possa ter estado consciente e ciente do seu estado, ficou claro do depoimento da testemunha NN, pessoa com conhecimentos técnicos e, logo, fiável, que quando executou as manobras de reanimação, antes do transporte, BB não respondia a qualquer estímulo, sendo já cadáver.

Na ausência de qualquer prova produzida que permitisse concluir que, entre a queda e a assistência, por aquela NN, BB tivesse estado consciente, necessariamente não se poderia julgar provada esta factualidade.

Anota-se que apenas aquela selecionada é passível de resposta e julgamento de facto, sendo a demais alega a este propósito, além de repetitiva e redundante, constituída por meras conclusões de facto

Quando à factualidade que se julgou não provada de f) a q): por não ser habitual, poder-se-á legitimamente estranhar como é possível que, para um pai, a perda de um filho possa não atingir a dimensão alegada pelo A., pai de BB, na petição inicial. Mas, o julgamento do facto, no processo civil, faz-se no caso concreto e pela verificação da ocorrência ou não ocorrência, ou da dúvida sobre uma ou outra. Não se basta, nem pode bastar, por padrões estatísticos de ocorrência, ou de normalidade de ocorrência porque, afinal, também sabemos, pelo recurso ao método científico – da demonstração racional positiva, ainda que por inferência lógica - que depois de excluídas todas as demais possibilidades de explicação para um facto, evento ou acontecimento, aquela que restar, por mais improvável que seja, não deixará de ser a verdadeira explicação.

(…)

ficou claro do depoimento das testemunhas arroladas pelo A., DD, EE e FF, este genro do A. que BB não vivia há vários anos com o A.

Ficou também claro do depoimento de CC – que se apresentou a depor de uma forma que se teve como objetiva e isenta – e do pai deste MM, que apesar das já assinaladas limitações, se mostrou claro neste particular que, afinal, não só BB vivia já sozinho, como vivia na rua e era arrumador de carros, razão pela qual como se prova, CC acabou por o convidar para vir viver com o pais, forma que entendeu ser adequada para aquele BB, como seria uma forma de os seus pais, idosos, terem apoio. Este afastamento físico, apesar de não ser determinante, não deixa de ser sintomático de que, afinal, a ligação entre o A. e BB não podia ter a dimensão que aquelas testemunhas, sobretudo DD e FF, retrataram no seu depoimento, dimensão essa que até formalmente – modo de depor das testemunhas – pareceu empolada. Aliás, se o relacionamento entre o A. e BB tivesse a dimensão que estas testemunhas quiseram dar-lhe – nesta parte com as considerações subjetivistas que foram fazendo – não se compreende como não tivesse o A. prestado declarações – afinal ele melhor que ninguém poderia dizer como se sentia – e como, pelo menos uma das irmãs de BB não fosse sequer indicada como testemunha.

Mas, é claro que o afastamento físico pode ser imposto – não voluntário – nomeadamente por razões laborais, e essa imposição em nada perturbaria a ligação de afeto paternal, até porque atualmente há meios de compensar o custo da ausência física, quer por contacto telefónico ou equivalente, quer pela facilidade de movimentação das pessoas.

Todavia, uma vez mais, não se prova que o afastamento de BB tivesse sido determinado por uma imposição, nomeadamente para a procura de trabalho. Prova-se, antes, coisa diversa e incompatível com esse propósito de procura de trabalho, que que mais fere a credibilidade dos depoimentos daquelas testemunhas DD e FF, o primeiro apresentando a saída de BB como consequência necessária da ausência de trabalho na localidade; o segundo, apesar da ligação familiar, demonstrando pouco ou nada saber de BB porque, afinal, também afirmou que este saiu da localidade para ir trabalhar para ... e que, recentemente, estava a trabalhar no sítio onde faleceu, o que não é, de todo o caso.

Restaria considerar que, não obstante, os contatos telefónicos, que estas testemunhas disseram ser recorrentes, senão mesmo diários, poderiam ser expressão sintomática dessa ligação de afeto. Contudo, não temos como possa ser seguro, senão por ouvir dizer de terceiro, que estas testemunhas pudessem com certeza afirmar esses contactos.

E, não bastasse, do depoimento de CC e do pai deste resultou a afirmação de eventos incompatíveis quer com os alegados contactos telefónicos, quer com a ligação de proximidade que aquelas testemunhas quiseram transmitir. Aqui, relembramos que MM relatou que nas conversas que ia tendo com BB este "dizia mal do pai", o aqui A., sendo que a si e à sua esposa BB – pessoa que disse ser amigo de toda a gente, respeitador e trabalhador -  se referia como "paizinho" e "mãezinha", respetivamente.

Relembramos também que CC relatou que se comoveu com a situação de BB quando o conheceu, exatamente por via do seu estado, vivendo viver na rua, e por via do que o próprio lhe contou sobre a sua vida passada: disse que, desde que tinha saído de casa do pai, com 18 anos, que a relação era má, que nunca mais voltou a casa, que o pai dava maus tratos à mãe e a ele próprio, que era mau, tipo carrasco não o querendo ver nem falar com ele.

Mais ainda, procurando sindicar esta descrição, por tão incongruente com o relado daqueloutras testemunhas, tentou o tribunal descortinar, através da formulação de questões aparentemente desconexas, se este relato não seria ele próprio empolado. Mas, à questão feita de como reagiu o A. e demais família, nomeadamente quando após o óbito, teria de ser necessário entregar as coisas de BB à família, CC descreveu, uma vez mais objetivamente e até com alguma tristeza, que o A. e uma filha vieram a sua casa, não queriam sequer levar nada que fosse de BB, acabando apenas por levar uma mala, de suas existentes, com roupa daquele; e, que depois de informados do que se passara para justificar como, afinal, BB viera a morrer, nem o A. nem a filha manifestaram qualquer tipo de sentimento ou pesar; e o funeral foi feito "tão rápido" que nem lhe deram a possibilidade de estar presente, como desejava, razão pela qual, disse, acabou por ele próprio mandar rezar uma missa em ..., deu conhecimento às pessoas que eram amigos de BB e, com eles, acabaram por ir a essa missa para lhe prestar homenagem.

É claro que as referidas testemunhas DD, EE e FF descreveram comportamentos exteriorizados pelo A. que se poderiam compaginar com o alegado sofrimento e dor pela perda do filho.

Contudo, se, por um lado, a credibilidade do que disseram saiu abalada pelas anteditas razões - e, logo, não se poderia ter como bastante apenas aquilo que disseram - por outro, não podemos deixar de ter em conta que aquilo que observaram e foram adjetivando como comportamento do A. resultou da mera impressão, por observação – e ninguém consegue ler o que vai na mente das pessoas – sendo suas as conclusões que tal comportamento se prendia com a morte de BB, quer por o observarem quer por, eventualmente o A. o poder dizer que fosse.

Tal não significa, nem que tais declarações do A. fossem verdadeiras, nem que o estado observado não fosse antes expressão de outros estados anímicos, ou patologias, do próprio A.

Logo, o que afirmaram estas testemunhas sobre o comportamento do A. após a morte de BB mais não é do que o fruto da impressão "do destinatário" ou do observador, comportamento esse que é incerto, por polivalente, quanto à ligação causal com a morte de BB. Necessário seria, pois, por via do caráter técnico-científico das consequências de evento traumático, como as alegadas, que fosse produzida prova pericial que analisasse o estado do A. e firmasse as conclusões necessárias ao estabelecimento / caracterização do estado anímico e a sua ligação causal com a morte de BB.

Neste quadro, não restaria senão concluir como se concluiu, julgando insuficiente a prova produzida com a inevitável consequência do julgamento daqueles factos como não provados.

Não foi produzida prova, pessoal ou documental, que sustentasse alegado e elencado em r), s) e t), razão pela qual se julgaram não provados.[…]».
Vejamos.
A circunstância de uma testemunha - ou, por maioria de razão, a própria parte - afirmar determinados factos não implica, necessariamente - ao invés do que se tem visto defender, com alguma frequência, em sede de recurso da decisão proferida quanto à matéria de facto - que o julgador tenha de considerar esses factos como assentes, pois que razões podem ocorrer, fornecidas nesse próprio depoimento (v.g., precisão, coerência, verosimilhança do que é narrado pelo depoente, etc.), ou por outros elementos de prova existentes, que levem o tribunal a não adquirir a convicção de que tais afirmações correspondam, efectivamente, àquilo que, com segurança, se pode ter como correspondendo à realidade.
O interesse directo na causa da parte que preste depoimento, o interesse profissional ou societário, os laços familiares, ou as relações de amizade/inimizade, que existam ou que existiram entre a parte e o depoente, assim como uma narrativa, por banda deste, descontextualizada ou sem elementos referenciais bastantes para atestar a solidez do afirmado, ou, ainda, uma "excessiva" adesão - ainda que inconsciente - à versão factual de um dos litigantes, tudo são circunstâncias que não podem ser olvidadas na apreciação da matéria de facto.
Dito isto, começamos já por referir que, feita a análise dos depoimentos indicados pelo Autor, não se vislumbra em qualquer um desses elementos probatórios, veiculem afirmações que, em termos concretos e seguros, nos levem a ter como confortada nestes a resposta que o Autor pretende que se dê quanto à matéria que impugna, salvo no que respeita ao desgosto que algumas testemunhas referem ter provocado, no Autor, a morte do seu filho e ao afecto e amor que tinha por ele.
Vejamos.
A testemunha DD afirmou:
- Que a vítima vivia com os pais e como era trabalhador e amigo destes, foi à busca de melhores condições, tendo saído de casa há cerca de 6 / 7 anos à procura de trabalho;
– Que vinha muito a .....e muitas vezes o viu o pai a falar com ele pelo telefone.
- Que o Autor ficou muito marcado com a morte do filho.
A testemunha EE, agente funerário, afirmou:
- Que fez o funeral... O pagamento rondou os 1.600,00 euros
-Que era um filho ligado aos pais e às irmãs e que o Autor ficou muito angustiado com a sua morte;
A testemunha FF, genro do Autor, afirmou:
- Que a vítima foi viver para ... mas todos os dias falava com o pai
- Que vinha a casa do pai quase todos os fins de semana – vinha com muita frequência…
-Que o Autor sentiu muito a morte do filho.
-Que a vítima foi viver para ... mas todos os dias falava com o pai;
-Que, ela, testemunha, foi a ... levantar o corpo e que lhe entregaram-me um saco com pertences da vítima – um relógio, telemóvel, umas calças, a roupa do corpo – estava tudo danificado... não sei quanto valia – telemóvel entre 100,00 euros – 150,00 euros, relógio cerca de 100,00 euros ... tudo 400,00 euros;
A testemunha GG, Guarda da GNR, afirmou que quando chegou ao local a vitima já estava na ambulância e estava a receber suporte de vida...a morte foi á posteriori.
-A testemunha LL, Guarda da GNR afirmou que a vítima faleceu à entrada do hospital.
A testemunha OO funcionária do “...”, afirmou que já pouco se lembrava, não sabendo se a vítima já se encontrava em paragem cardio-respiratória.
A testemunha CC, afirmou:
-Ter reparado que a vítima estava viva, que lhe davam assistência como se estivesse vivo;
- Que conheceu a vítima como arrumador de carros, a viver em ...;
- Que a vítima falava muito da mãe, nas não queria ver o pai, tendo-lhe contado que saíra de casa porque o pai o tratava mal.
Ora, como se sabe, pois é matéria assente:
- À data do acidente, BB consumia estupefacientes, vivia na rua e era arrumador de carros, em ..., nas imediações do hospital daquela cidade e, por ser sem abrigo, CC convidou-o para viver em casa dos seus pais. (24 e 25)
Estas condições pessoais do BB e condições de vida, demandariam, para se dar como provada a matéria das alíneas f), g), i), j), k), m), n), p) e q), não as meras afirmações que as testemunhas fizeram quanto a isso, mas factualidade concretizadora que atestasse a verossimilhança, a veracidade dessas afirmações, factualidade essa que quase inexistiu, e, quando surgiu, apresentou-se muito pouco consistente.
A isto acresce que, em depoimento, seguro, consistente, denotando isenção, a testemunha CC mostrou antes conhecimento de uma quase indiferença da sorte do BB, por parte da família deste, em contraste com a relação idílica que outras testemunhas afirmaram existir entre a vítima e a família paterna, embora se admita, como se verá mais abaixo, que sem evidentes manifestações a evidenciá-lo, o Autor nutrisse afecto e amor relativamente a esse seu filho.
Não há, qualquer depoimento, que, indicie, sequer, que o BB teve percepção da queda (d)), nem se detecta nos depoimentos prestados, designadamente, no das testemunhas GG, LL e CC, a transmissão de conhecimentos de onde resulte, de forma minimamente segura que a vítima, após a queda e antes do falecimento teve dores, sentiu ansiedade, angústia, medo da morte e sentimentos de incapacidade de evitar a sua morte (e));
No que respeita aos gastos referidos na alínea r), não se vislumbra que se haja feito prova hábil dos mesmos, o que se pode dizer, também, dos prejuízos referidos na alínea s), afirmados por FF, genro do Autor, que, por exemplo, atribuiu o valor de 100 (cem euros) ao relógio da vítima, preço este que é absolutamente inverosímil possuir o relógio de um “sem abrigo”, arrumador de carros.
Não se procede ao aditamento peticionado, pois não se detecta que diferença pode fazer relativamente ao que já está dado como provado no nº 27.
Finalmente, consideramos que, não obstante o que ficou dito, não se pode negar que algum afecto o Autor nutrisse pelo seu filho BB, nem que a morte deste não lhe tivesse causado desgosto.
Embora com gradação variável, o desgosto pela morte de um filho é conatural à condição de pai.
Veja-se o que se diz no Acórdão do STJ, de 15 de Abril de 2009 (revista nº 08P3704): “(…) Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.
Como se refere no acórdão do STJ de 26-06-1991, BMJ 408, 538, trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.
É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.
Na sua determinação “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não.(…)”.
Assim, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto peticionada pelo Autor, sendo de indeferir quanto ao restante, procede quanto aos seguintes factos que se dão como provados sob os nºs 28 e 29.
(28) O A. tinha por BB afeto e amor.
(29) O falecimento de BB, provocou no A. desgosto.
Em consequência, do elenco dos factos não provados é eliminada a al. h) e a alínea l), passa a ter a seguinte redacção:
“l) O falecimento de BB, provocou no A., dor, angústia e saudade.”
A Ré, por sua vez, em sede de impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, defende que se dê como provado:
- O desequilíbrio e queda de BB vieram a ocorrer por via do estado de influência do álcool e de substâncias psicotrópicas em que se encontrava; (al.c) dos factos não provados);
- Inicialmente o CC recusou fazer o transporte do infeliz BB, mas, depois de muita insistência por parte deste último, acedeu ao seu pedido, autorizando-o a subir no reboque.
Ora, desconhecendo-se, de todo, o que motivou a queda – que podia, portanto, suceder, só pelas condições instáveis em que era transportado o BB, imputar essa queda à referida influência do álcool e de substâncias psicotrópicas, é inferência que não é suportada por factualidade provada (nomeadamente a indicada pela Ré) que a permita.
Sendo, a presunção judicial, a ilação que o julgador, por força das regras de experiência comum, - ou seja, de acordo com aquilo que, em situações semelhantes, as mais das vezes sucede (“id quod plerumque accidit”) - tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (artºs 349° e 351º do CC), têm, assim, como pressuposto necessário de funcionamento, a prova de factos base que legitimem a referida ilação.
Ora essa prova de factos base não existe aqui, de modo a dar como provado que “O desequilíbrio e queda de BB vieram a ocorrer por via do estado de influência do álcool e de substâncias psicotrópicas em que se encontrava; (al.c) dos factos não provados)”.
Por outro lado e salvo o devido respeito, não obstante entendermos que diferença alguma que isso faria em termos de direito (porquanto está provado que o condutor do tractor, livremente, decidiu fazer o transporte em causa), não se detecta nos depoimentos das testemunhas CC e KK, declarações que permitam asseverar que aquele condutor do tractor, inicialmente, haja recusado a fazer o transporte do BB.
Assim, improcede a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, peticionada pela Ré.

*
C) - O direito:
Começamos por lembrar que, estando, quanto a nós, dependente, o direito de indemnização respeitante aos danos não patrimoniais próprios da vítima (excluído o dano morte), da prova da factualidade das alíneas d) e e), a inalterabilidade dessas alíneas do elenco dos factos não provados deixa sem base de fundamentação fáctiva a indemnização de 5.000,00€ que, a esse título, peticionou o Apelante.
Por identidade de razões, a improcede a indemnização por danos patrimoniais, que não na parte provada e ainda não objecto de reparação ao Autor, atinente às despesas de funeral.
Na verdade, tendo-se provado que “(23) A. gastou a quantia de € 1.785,00 a título de despesas de funeral, tendo recebido da Segurança Social apenas a importância de 1.287,00 euros.”, faltará ressarcir o Autor do montante de 498,00 €, respeitante à diferença entre esses dois valores.
Discorda-se, pois, da sentença quando aí se diz:
“(…) No caso dos autos, as únicas despesas provadas passíveis de ser qualificados como danos de valia patrimonial são as relativas as despesas de funeral.
Tais despesas foram suportadas pelo A., que em relação ao acidente e ao lesado é um terceiro. Todavia, os terceiros com direito à indemnização pelas despesas de funeral são apenas aqueles enunciados no n.º 2 do art.º 495.º, não se contando neles os ascendentes. Além disso, não se alega nem prova que o A., enquanto ascendente do falecido, viesse recebendo alimentos deste ou que tivesse direito a eles, por via do previsto nos art.º 1874.º, 2003.º e 2009.º, todos do Código Civil.”.
Por outro lado, enquanto descendente, e por direito próprio, o A. tem direito apenas e só aos danos pessoais, nos termos dos art.º 496.º, n.º 2 e 4 do Código Civil.
Logo, o A. não tem direito ao peticionado montante de despesas a título de despesas com o funeral. (…)”.
Efectivamente, segundo o nº 1 do artº 495.º do CC, com a epígrafe, “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, “No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.”.
Note-se que já no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 21/02/2003 (Apelação nº 3506/02 – Relatado pelo então Desembargador Távora Vítor), se consignou: “Da conjugação do disposto nos artsº 483º e 495º e 563º resulta que o lesante tem que indemnizar os danos que o lesado teria sofrido se não fosse a lesão. Ora de entre estes estão sem dúvida alguma as despesas que o Autor teve que suportar com o funeral da companheira como expressamente prevê o nº 1 do artº 495º.”.
Assim, o lesado que aqui teve despesas de funeral, foi o ora Autor, pai e único herdeiro da vítima, que deve ser reembolsado pela seguradora desse dano patrimonial, que, por força do referido artº 495º, nº 1 e do contrato de seguro é obrigada a pagar-lhe os aludidos 498,00 €, resultado do abatimento do já recebido pelo Autor a título de subsídio de funeral, pois, como se disse no Acórdão do STJ, de 17-06-1999 (Revista n.º 225/99 )”Não é lógico nem legal que, na fixação de uma verba indemnizatória por acidente de viação, não se tenha em conta o devido abatimento dos montantes recebidos pelos lesados das instituições de segurança social, designadamente os subsídios de funeral ou de morte e as pensões de sobrevivência.”.
Pretende o Autor, também, que a indemnização pela perda do direito à vida de BB seja fixada em 80.000,00 €, em vez dos 65.000,00 fixados pelo Tribunal recorrido, sendo devidos juros a partir da citação.
Entendeu-se no Acórdão do STJ, de 10-12-2020 (Incidente n.º 5/05.5TBPTS.L1.S1) que, “Situando-se as indemnizações atribuídas pelo Supremo, nos últimos anos, em regra, entre € 60 000,00 e € 80 000,00, não há motivo para alterar a indemnização fixada no valor de € 70000,00, pelo dano de perda do direito à vida.”.
Afigura-se, assim, que foi acertada a indemnização de 65.000,00 pela perda do direito à vida de BB.
Pretende, finalmente, o Autor, que o seu dano não patrimonial, decorrente da morte do seu filho, seja indemnizado em € 30.000,00, com juros contados a partir da citação.
O n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil (CC) dispõe que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.". 
De acordo com nº 2 “Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.”.
Por sua vez, o n.º 4 do mesmo artigo preceitua que "O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”.
Como flui do acima exposto, no que respeita à relação entre a vítima e ao seu pai, ora Autor, e ao que, quanto a este, se provou como reflexo dessa perda, apurou-se apenas que:
28) O A. tinha por BB afeto e amor.
(29) O falecimento de BB, provocou no A. desgosto.
Assim, afigura-se que, em critério de equidade é adequada à compensação pelo dano não patrimonial do Autor, decorrente da morte do seu filho, a indemnização de € 20.000,00 (vinte mil euros).
Acrescem aos montantes indemnizatórios os juros de mora, vencidos desde a citação, conforme o peticionado, e os vincendos, até integral pagamento.
Como resulta do acima exposto, aquando da análise da impugnação da decisão proferida quanto a matéria de facto, improcedendo o que nesse âmbito pretendia a Ré, não há como concluir, como esta defendia, que o sinistro se ficou a dever, a título de culpa, ao infeliz BB.
Por outro lado, não se vê, também, que haja factualidade que permita concluir que a vítima agravou os danos e, nessa medida, mereça a censura prevista no artigo 570.º do Código Civil.
Nada nos diz que ao BB se impunha configurar a perigosidade de se fazer transportar no reboque do tractor, como fez, tanto mais que se provou que o mesmo, antes do início da marcha, subiu para o reboque, com o conhecimento e autorização do CC.
Era ao segurado da Ré, que, como condutor do tractor, cabia a decisão de aceder a transportar a vítima no reboque desse veículo no lugar onde esta se acomodou, ou de recusar esse transporte, podendo, inclusive, não colocar o tractor a circular enquanto o referido BB não aceitasse sair desse reboque.
Assim, sendo o referido BB, transportado no reboque do tractor segurado na Ré, com o conhecimento e autorização do condutor desse veículo, este condutor agiu sob a sua inteira responsabilidade, sendo essa sua conduta determinante para o resultado danoso que veio a ocorrer na pessoa desse "passageiro".
Improcede, pois, a Apelação da Ré.
*
IV - Decisão:
Em conformidade com tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em decidir o seguinte:
 - Julgam improcedente o recurso da Ré;
- Julgando a apelação do Autor, parcialmente procedente, revogam parcialmente a decisão do Tribunal “a quo”, nos seguintes termos:
a) – Julgando a acção parcialmente procedente:
1) – Mantêm a condenação da Ré a pagar ao Autor, pelo dano não patrimonial próprio do aludido BB, que consistiu na perda do direito à vida, na indemnização de 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros);
2) – Condenam a Ré a pagar ao Autor, pelo dano não patrimonial que sofreu, decorrente da morte do seu filho BB, a indemnização de € 20.000,00 (vinte mil euros).
3) – Condenam a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por dano patrimonial respeitante a despesa com o funeral do BB, a quantia de 498,00 € (quatrocentos e noventa e oito euros);
4) – Condenam a Ré a pagar ao Autor, juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, sobre todas as quantias indemnizatórias acima elencadas.
Vai a Ré, assim, condenada a pagar ao Autor a indemnização global de 85.498,00 € (oitenta e cinco, quatrocentos e noventa e oito mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e até integral pagamento;
b)-Absolvem a Ré do mais peticionado na acção.

As custas da Apelação da Ré ficam a cargo desta e os do Recurso do Autor ficam a cargo deste e da Ré, na proporção do respectivo decaimento. (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, “in fine”, todos do NCPC).
**
10/5/2022[5]

(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)


[1] Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[3] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
[4] Consultável - tal como os restantes acórdãos da Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
[5] Acórdão processado e revisto pelo Relator.