Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
473/08.3GBAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: LIVRE APRECIÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 06/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: 124º,125º 127º,412º, 428ºDO CPP
Sumário: 1.A livre apreciação exige a convicção, fundamentada, do julgador, para além da dúvida razoável.
2. A “confissão” em audiência de julgamento de um familiar próximo do arguido é apreciada no conjunto da prova produzida, de acordo com o princípio da livre convicção do julgador, nos termos consagrados no artigo 127º do CPP.
Decisão Texto Integral: 19

I.
NN arguido nos autos, recorre da sentença em que o tribunal de comarca decidiu:
1) - Condenar o arguido NN pela prática, em concurso real, de dois crime de dano, p. e p. pelos art. 212.º, n.º 1, C. Penal, nas penas parcelares de 70 (setenta) dias de multa para cada um deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 700,00 (setecentos euros), a que correspondem 66 dias de prisão subsidiária.
2) Condenar o arguido a pagar ao demandante F a quantia de € 111,40 (cento e onze euros e quarenta cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais.
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Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:
a) - O ora recorrente dó aqui como reproduzida os factos constantes da douta acusação bem como dá como reproduzido tudo quanto foi dado como provado e não provado na douta sentença.
b) Tribunal formou a sua convicção, segundo se refere na douta sentença, na análise crítica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente: Os documentos defls.2, 25 a 29, 98, 127 a 130, e de fls.3 a 10 dos autos apensos (502/08.0GBAND).E nos depoimentos do arguido, do ofendido e das testemunhas.
c) Na parte que interessa ao presente recurso, deu o Mº Juiz “a quo”, como provado o seguinte: “Resulta da prova produzida uma clara e total incompatibilidade entre dois núcleos de uma mesma família” (sublinhado nosso).; “Por um lado, o arguido, os seus pais e a avó paterna. Por outro lado, a tia paterna do arguido e a respectiva família directa”; “O ofendido e respectiva família presenciaram (nos termos expostos) o arguido a cortar os tubos. Nenhum facto se alegou nem nada se demonstrou que fundamente qualquer motivo pelo qual as testemunhas da acusação poderiam falsamente imputar a prática dos factos ao arguido “; “No entanto, a clara, profunda e manifesta animosidade existente entre todos os membros destes dois núcleos familiares poderia levar a questionar a certeza de tais imputações. Contudo, se dúvidas pudessem existir, e não existem factos concretos que as possam suscitar, em nosso entender, ficariam claramente afastadas quando o arguido, para arredar a sua própria responsabilidade, de forma concertada com a avó e restantes membros da sua família directa, opta por imputar a prática dos factos à sua avó, pessoa de 88 anos de idade há data dos factos e que se locomove com dificuldade e com o auxílio de uma bengala”. “Em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, é manifestamente contrário às regras da experiência comum admitir que uma pessoa com a capacidade física exibida pela testemunha em audiência de julgamento pudesse ter cortado com uma serra os dois tubos em causa “; “Face a esta evidência, e no sentido de contornar esta aparente impossibilidade, invocou ainda o arguido e restantes testemunhas de defesa que a avó, entretanto, teve um A.V.C. que a debilitou fisicamente. Ora, não só não existe qualquer prova médica de que tal tenha acontecido como a própria avó nega que tal tenha ocorrido, afirmando antes que, apesar de ter tido um outro problema de saúde, se sente ainda hoje capaz de cortar o referido tubo”; “Em síntese, em nosso entender, a necessidade sentida pelo arguido de apresentar ao Tribunal uma inverosímil versão sobre a autoria dos factos mais não faz de que acrescentar credibilidade aos depoimentos que lhe imputam a ele essa mesma autoria”.
d) Em face do que o Mº Juiz “a quo” considerou dar como provado, condenou o arguido:
(…)
e) Estamos em presença de dois núcleos familiares, por um lado o ofendido, mulher M e filha A e por outro lado o arguido, o pai deste F, a mãe M e a sua avó, mãe da sua mãe e do ofendido, AB.
f) A prova carreada para os autos, quer de acusação, quer de defesa é apenas constituída pelos respectivos familiares, mulher e filha do ofendido por um lado, por outro, pais e avó do arguido. Por força de processo partilhas, as duas famílias encontram-se incompatibilizadas e de relações cortadas há anos.
g) Os canos, para extracção de água, encontram-se num poço, pertencente à avó do arguido e na propriedade desta, como resultou da audiência de julgamento.
h) Igualmente resultou da audiência de julgamento e que não foi transcrita na douta sentença, mas que se alcança da gravação da prova, que se vai requerer juntar, que a avó proprietária do poço havia há algum tempo e por varias vezes solicitado ao seu filho (ofendido), que retirasse do dito poço os respectivos canos. Insistentemente lhe fez tal pedido.
i) Como o ofendido e seu filho o não tirasse disse-o claramente em Tribunal, que foi ao local e cortou, como consta da douta sentença o cano, por duas vezes. E disse-o com convicção e força no que disse, sem haver margem para quaisquer dúvidas.
j) Sendo que, a 24 de Julho de 2008 a referida avó do arguido, A B era uma mulher vigorosa, que trabalhava no campo e fazia as suas lides domésticas sozinha, inclusivé ía buscar lenha aos pinhais para a sua casa.
k) O AVC, que o Mº Juiz “a quo”, põe em causa e de que efectivamente a AB foi acometida, ocorreu em 14 de Março de 2009, oito meses depois dos factos de que o arguido vem acusado, conforme melhor se alcança do relatório de alta, passado pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, que vai junto e se dá como reproduzido, doc. nº 1.
l) Apesar desse A.V.C., de que recuperou, continua a ser a avó A B, uma mulher válida, vigorosa e perfeitamente orientada no tempo e no espaço, sem qualquer défice cognitivo, com total capacidade de julgamento e iniciativa agindo de acordo com a sua vontade, conforme melhor se alcança do relatório passado pelo Centro Social, Cultural e Recreativo da Freguesia de Avelãs de Cima e pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, que vão juntos e se dão como reproduzidos - docs. nºs. 2 e 3.
rn) A referida avó, quando procedeu ao corte dos canos, tal como referiu expressamente em Tribunal, estava no uso das suas plenas capacidades físicas e psíquicas.
n) Não se vê, nem se descortina dos autos, porque razão é que o Mº Juiz, pode valorar os depoimentos do ofendido e dos seus familiares e desvalorar o depoimento do arguido e da sua avó. Pois que, estão os dois em pé de igualdade.
o) Repete-se que os dois blocos familiares se encontram incompatibilizados. Sendo que, o corte dos canos pela avó, mais não foi do que, o aparecer de uma oportunidade, por parte do ofendido, de modo a prejudicar a outra parte, atingindo-a através do arguido.
p) Para além do ofendido ter participado contra o arguido N S, também participou contra o pai deste, F pelos mesmos factos, que referiu que este igualmente praticou posteriormente ou seja, que também o F pai do arguido lhe havia cortado os canos, como resulta dos autos de fls.
q) E em audiência de julgamento referiu que após o segundo corte dos canos não colocou aí quaisquer outros, o que está em total contradição com o que referiu na queixa apresentada contra o dito F e junta aos autos.
r) Significa que o referido ofendido faltou à verdade e que a queixa apresentada contra o F foi forjada, quer naquela queixa, quer no depoimento que prestou em Tribunal.
s) As declarações do ofendido e seus familiares não são corroboradas por qualquer outra prova testemunhal ou documental da qual não pudesse haver quaisquer dúvidas. E essa prova não foi nem obtida nem produzida em Tribunal.
t) O ofendido e os seus familiares disseram em julgamento o que lhes apeteceu no sentido de condenar o sobrinho e primo por facto que ele não praticou.
u) Em nosso entender o Mº Juiz “a quo” devia ter valorado o depoimento da avó do arguido AB e em consequência absolvido o arguido.
v) A absolvição que igualmente se reclama no tocante ao pedido cível. Pois que nenhuma prova foi carreada para o processo do custo dos canos cortados.
w) Nenhuma das testemunhas de acusação referiu que o custo de tais canos tivesse sido de € 55,70, o que consequentemente só podia levar à absolvição do arguido em tal pedido.
x) A douta sentença violou assim o disposto nos artigos 212º do Código Penal entre outros.
NESTES TERMOS deve o recurso ser julgado procedente e em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que leve em consideração tudo quanto supra se alegou, absolvendo-se o arguido.
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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, alegando, em síntese, que: - o recurso deve ser rejeitado porque o recorrente não especifica, nem nas conclusões nem na motivação que as suporta, concretos pontos da matéria de facto tidos por incorrectamente julgados nem os concretos meios de prova que exigem a adopção de decisão diferente; - a junção de documentos na fase de recurso é intempestiva; - caso o recurso não seja rejeitado liminarmente, deve improceder porquanto a sentença, devidamente fundamentada, obedece aos parâmetros do princípio, legal, da livre apreciação da prova.
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Foi indeferido, por ausência de base legal, o requerimento de transcrição da prova objecto de gravação em audiência.
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Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido de que, sendo compreensível a pretensão do recorrente e os fundamentos invocados, o recurso deve improceder, em síntese, pelos fundamentos materiais aduzidos na resposta apresentada em 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, em conferência, mantendo-se inalterados os pressupostos de validade e regularidade da instância afirmados no despacho liminar, cumpre decidir.
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II.

1. O objecto do recurso, traçado pelas respectivas conclusões (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173, fazendo eco da jurisprudência uniforme daquele alto tribunal) circunscreve-se, no caso, à discordância da decisão da matéria de facto. Sustentando o recorrente que deve ser dado como provado - dando prevalência aos meios de prova por si arrolados em detrimento daqueles que foram valorados pela decisão recorrida - que não foi o recorrente o autor dos factos constitutivos do crime mas antes “a avó A B”, conforme o depoimento desta, prestado em audiência.

2. A apreciação, obriga a que se tenha presente a decisão do tribunal recorrido, em matéria de facto, com a motivação que a suporta.
É a seguinte:
A) FACTOS PROVADOS:
1. No dia 24 de Julho de 2008, a hora não apurada, mas antes das 11h30m, o arguido NN dirigiu-se a um terreno situado na localidade de …, Anadia, onde estava implantado um tubo ligado um motor eléctrico para extracção de água de um poço ali existente, tubo esse pertencente a F.
2. Uma vez ali chegado, o arguido serrou, cortou e partiu o dito tubo, inutilizando-o, assim causando um prejuízo no montante de € 55,70 (cinquenta e cinco euros e setenta cêntimos).
3. No dia 7 de Agosto de 2008, a hora não apura do dia, no mesmo local acima referido e já depois de F ter substituído o tubo inutilizado pelo arguido por outro, este voltou a serrar e a cortar o novo tubo, assim causando novamente um prejuízo no valor de € 55,70 (cinquenta e cinco euros e setenta cêntimos).
4. O arguido é sobrinho do ofendido F e, à data da prática dos factos supra referidos, estavam mutuamente incompatibilizados por motivos relacionados com a partilha de bens de um familiar de ambos.
5. O arguido sabia que os referidos tubos não lhe pertenciam e que, ao serrá-los, cortá-los e parti-los nas duas ocasiões referidas, actuava sem autorização e contra a vontade do respectivo dono, querendo agir da forma por que o fez.
6. Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
7. A água extraída através do referido motor era utilizada pelo demandante para a rega de uma horta, em que tinha plantado diversas hortícolas.
8. O arguido é casado; não têm filhos; vivem em casa dos seus pais; amortizam um crédito para aquisição de uma habitação em prestações mensais de cerca de € 400,00; a mulher trabalha como operadora de hipermercado, auferindo cerca de € 500,00 mensais; e o arguido trabalha como sapador florestal, auferindo cerca de € 630,00 mensais, e como bombeiro voluntário, auferindo € 10,00 por cada serviço de turno realizado.
9. O arguido é socialmente considerado como uma pessoa séria, trabalhadora, respeitada e bom marido.
10. Do registo criminal do arguido não consta qualquer inscrição.

B) FACTOS NÃO PROVADOS
1. Em consequência do corte dos tubos, o motor eléctrico que puxava a água esteve a trabalhar sem que efectivamente extraísse água, o que fez com que a bomba se danificasse e necessitasse de reparação; reparação que custará € 75,00.
2. Em consequência do corte dos tubos e danificação do motor, o demandante não pôde regar a horta o que fez com que os vegetais secassem e mirrassem, até se estragarem não podendo ser consumidos.
3. O que causou ao demandante um prejuízo que se estima em € 200,00, correspondente ao valor das hortícolas estragadas.
4. Em consequência do comportamento do arguido e sua repetição, o demandante optou por não plantar novas hortícolas, que estariam condenadas à seca, já que o motor estava danificado e o tubo novamente cortado.
5. Desse modo, teve o demandante que comprar as hortícolas que, não fosse o comportamento do arguido, poderia ter plantado e feito crescer, causando-lhe um prejuízo que se estima em € 250,00.

C) MOTIVAÇÃO
O Tribunal baseou a sua convicção na análise crítica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente:
Os documentos de fls.2, 25 a 29, 98, 127 a 130, e de fls.3 a 10 dos autos apensos (502/08.0GBAND).
As declarações do arguido:
Nega a prática dos factos; relatou o corte de relações e a incompatibilidade existente entre ele, os seus pais e a sua avó paterna, por um lado, e a sua tia paterna e respectiva família, por outro lado; declara que o avó paterna lhe disse que foi ela que, pelas duas vezes, cortou os tubos de ligação ao motor. Mais referiu as suas condições pessoais, familiares e económico-financeiras.
As declarações do ofendido/demandante (tio do arguido por afinidade):
Confirmou as más relações familiares existentes.
Na primeira ocasião, não constatou o corte do tubo, apenas soube pelo que lhe foi relatado pela filha; constatou o tubo cortado no local.
Na segunda ocasião, presenciou o arguido a cortar o tubo e constatou o tubo cortado no local.
Procedeu e custeou a substituição do tubo cortado pelo arguido.
Os depoimentos das seguintes testemunhas:
A (prima do arguido e filha do ofendido/demandante):
Confirmou as más relações familiares existentes.
Em ambas as ocasiões presenciou o arguido a cortar o tubo.
M (tia paterna do arguido e mulher do ofendido/demandante):
Confirmou as más relações familiares existentes.
Na primeira ocasião, não constatou o corte do tubo, apenas soube pelo que lhe foi relatado pela filha; constatou o tubo cortado.
Na segunda ocasião, presenciou o arguido no local e constatou o tubo cortado.
AB (avó paterna do arguido e sogra do ofendido/demandante):
Confirmou as más relações familiares existentes.
Tinha 88 anos de idade na data dos factos; frequenta um lar de terceira idade desde Janeiro de 2008; confirma ter tido um problema de saúde mas nega ter tido qualquer acidente vascular cerebral (A.V.C.).
Declara que foi ela que, pelas duas vezes, cortou o tubo de extracção de água e não o seu neto.
M M (mulher do arguido):
Não revelou ter qualquer conhecimento pessoal e directo sobre os factos; relatou os traços de personalidade que reconhece ao marido.
F (pai do arguido):
Confirmou as más relações familiares existentes.
Não revelou ter qualquer conhecimento pessoal e directo sobre os factos; relatou os traços de personalidade que reconhece ao filho.
MA (mãe do arguido):
Confirmou as más relações familiares existentes.
Não revelou ter qualquer conhecimento pessoal e directo sobre os factos; relatou os traços de personalidade que reconhece ao filho.
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Resulta da prova produzida uma clara e total incompatibilidade entre dois núcleos de uma mesma família.
Por um lado, o arguido, os seus pais e a avó paterna. Por outro lado, a tia paterna do arguido e a respectiva família directa.
O ofendido e respectiva família presenciaram (nos termos expostos) o arguido a cortar os tubos. Nenhum facto se alegou nem nada se demonstrou que fundamente qualquer motivo pelo qual as testemunhas da acusação poderiam falsamente imputar a prática dos factos ao arguido.
No entanto, a clara, profunda e manifesta animosidade existente entre todos os membros destes dois núcleos familiares poderia levar a questionar a certeza de tais imputações. Contudo, se dúvidas pudessem existir, e não existem factos concretos que as possam suscitar, em nosso entender, ficariam claramente afastadas quando o arguido, para arredar a sua própria responsabilidade, de forma concertada com a avó e restantes membros da sua família directa, opta por imputar a prática dos factos à sua avó, pessoa de 88 anos de idade há data dos factos e que se locomove com dificuldade e com o auxílio de uma bengala.
Em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, é manifestamente contrário às regras da experiência comum admitir que uma pessoa com a capacidade física exibida pelo testemunha em audiência de julgamento pudesse ter cortado com uma serra os dois tubos em causa.
Face a esta evidência, e no sentido de contornar esta aparente impossibilidade, invocou ainda o arguido e restantes testemunhas de defesa que a avó, entretanto, teve um A.V.C. que a debilitou fisicamente. Ora, não só não existe qualquer prova médica de que tal tenha acontecido como a própria avó nega que tal tenha ocorrido, afirmando antes que, apesar de ter tido um outro problema de saúde, se sente ainda hoje capaz de cortar o referido tubo.
Em síntese, em nosso entender, a necessidade sentida pelo arguido de apresentar ao Tribunal uma inverosímil versão sobre a autoria dos factos mais não faz de que acrescentar credibilidade aos depoimentos que lhe imputam a ele essa mesma autoria.
Quanto aos factos não provados:
A motivação resulta de sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova ou prova bastante e credível.
O Tribunal valorou o C.R.C. do arguido quanto aos antecedentes criminais.
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3. Apreciação

A prova documental e a prova pericial estão sujeitas a critérios legais de apreciação vinculada - cfr., respectivamente, os artigos 169º e 163º do CPP.
Já os depoimentos prestados oralmente em audiência (únicos meios de prova cuja valoração é questionada, no caso) estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127º do CPP.
Com efeito, postula o referido art. 127º: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Prof. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência,
- é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material,
- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
Como refere o Prof. FIGUEIREDO DIAS (Direito Processual Penal, p. 202-203) “a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionalidade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo”...”não a pura convicção subjectiva ... se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão ... a convicção do juiz há-de ser .. em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros ... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.
O registo dos depoimentos prestados, oralmente, na audiência de discussão e julgamento, permite o controlo, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência – certificadas pela gravação. Mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão cruzada dos meios de prova, a oralidade e imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício vivo do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência, pública, de discussão e julgamento.
Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias e jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; Ac. R. C. de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.
A convicção do tribunal é formada antes de mais com base nos dados objectivos fornecidos pela prova documental, pericial e outras provas constituídas de apreciação vinculada. Conjugando e articulando criticamente esses meios de prova com os depoimentos prestados na plenitude da audiência, apreciados em função do distanciamento de cada depoente do objecto do processo, da sua razão de ciência, das certezas e das lacunas dos depoimentos, das humanas paixões, da ligação de cada depoente ao objecto do litígio e aos sujeitos processuais, na comunicação dialéctica que se estabelece na audiência de discussão e julgamento, sob a fiscalização directa dos sujeitos processuais, sob a vigilância da comunidade, na publicidade da audiência.
Por outro lado a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 615.
O princípio da livre apreciação da prova tem como limite o princípio in dubio pro reo, princípio atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, Figueiredo Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58.
Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.
Mas também a dúvida deve ser argumentada, coerente, razoável – cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.
A livre apreciação exige a convicção, fundamentada, do julgador, para além da dúvida razoável. E o princípio in dubio pro reo limita a livre convicção quando, após a produção da prova e sua análise á luz das regras da experiência comum, persista uma dúvida razoável.
Sujeitos ambos às mesmas exigências de legalidade da prova e da sua apreciação em conformidade com os critérios legais, de forma motivada e crítica, objectiva e racional, em última instância com base no critério de razoabilidade das regras da experiência comum e do convívio social.
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No caso vertente, juntou o recorrente com as alegações de recurso, documentos relativos ao acometimento, após da data dos factos da acusação, da testemunha A B por um Acidente Vascular Cerebral.
No sentido de demonstrar a veracidade do seu depoimento (que não a capacidade intelectual no momento em que produziu o depoimento invocado!) e a inconsistência da apreciação desse depoimento efectuada na sentença recorrida, pretendendo demonstrar que, na altura da prática dos factos descritos na acusação seria uma mulher vigorosa, “capaz” da prática dos factos imputados ao neto/recorrente.
Nos termos do art. 165º do CPP os documentos devem ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo possível, devem sê-lo até ao encerramento da audiência.
Não valendo para efeito da formação da convicção do tribunal quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência – art. 355º do CPP.
O art. 706º do CPC refere-se “aos casos excepcionais do art. 524º”. Ou seja: - quando não tenha sido possível juntar o documento até ao encerramento da audiência ou destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha mostrado necessária por virtude de ocorrência posterior; ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Nenhuma dessas circunstâncias de evidenciando, no caso.
Pelo contrário, na alegação do recorrente trata-se de documento relativo a um AVC conhecido – tanto que invocou e pretendeu demonstrar durante a audiência - do recorrente havia muito tempo. Sobre que incidiu produção de prova, em audiência.
Sendo manifesto que o recorrente podia tê-los junto em tempo oportuno, assim o quisesse, na vez de lançar poeira para o ar.
Assim a junção dos documentos, além de irrelevantes – não estabelecem qualquer relação directa com a prática dos factos e prejudica a versão do recorrente, na medida em que o padecimento do AVC é ajustado a descredibilizar o depoimento, posterior, – é claramente intempestiva.
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No que toca à valoração da prova, o recorrente não invoca a valoração de meios de prova ilegais ou não produzidos validamente. Nem a violação de critérios legais de apreciação vinculada.
Nem põe em causa, sequer, o conteúdo material do repertório probatório em que repousa a sentença recorrida.
Sustenta apenas que o tribunal recorrido devia ter valorado de forma diferente o repertório em que se fundamenta. Dando prevalência ao depoimento do recorrente e de sua avó – o primeiro negando a prática dos factos pelo recorrente e a segunda assumindo ela própria em audiência a prática dos factos imputados ao neto – do que ao depoimento do queixoso e das testemunhas de acusação que atribuiriam ao arguido/recorrente a danificação dos canos.
Trata-se, pois, de meios de prova sujeitos ao critério da livre apreciação, motivada, nos termos a que se fez referência supra.
Sustenta o recorrente que deve ser dado como provado que não foi ele o autor dos factos constitutivos do crime mas antes que os mesmos foram praticados pela octogenária “avó A B”, em conformidade com o depoimento desta, prestado em audiência.
Não está em causa o teor, conteúdo ou afirmações produzidas em audiência que a gravação pudesse demonstrar ser diferente daquele que resulta da sentença ou da motivação desta.
A própria sentença refere, tal como sustenta o recorrente, que a avó do recorrente assumiu, em audiência, a autoria do facto típico.
Partindo do repertório e da análise da prova efectuada na sentença recorrida [reproduzida, como fundamento do recurso na alínea c) das conclusões] o recorrente sustenta que deveria levar à solução contrária.
Atribuindo a perspectiva do recorrente o valor de prova plena à “confissão” do crime, em audiência, por terceiro que não é parte no processo nem pode ser responsabilizado no âmbito do mesmo.
Ora, como se viu, a sentença recorrida analisa de forma exaustiva e crítica o depoimento em questão, reconhecendo que assumiu a autoria dos factos, mas tendo essa “confissão” por não verídica pelas razões que aponta e desenvolve.
Por outro lado o recorrente não põe em causa o teor dos depoimentos, convergentes, do queixoso, da mulher e de uma filha, articulados com o móbil que nem o recorrente consegue negar. Que afirmaram ter presenciado a prática dos factos, pelo recorrente e em que se ancora a decisão recorrida para dar os factos como provados.
Nem o recorrente vai tão longe que assuma “ter visto” a avozinha a cortar os tubos – se o fizesse colocava-se no local do crime e via-se na necessidade de explicar a sua presença.
Refugia-se antes e apenas em que “ela disse” que foi ele a autora. Sem que tenha, aliás, esclarecido as circunstâncias em que o poderia ter feito.
Sendo o próprio fundamento invocado pelo recorrente – padecimento de um AVC entre a alegada prática dos factos e a produção depoimento em questão – mais uma razão para por em causa a genuinidade e lucidez do depoimento, pois que não sofre dúvida que prestou o depoimento depois de acometida pelo AVC e como tal sob o efeito das suas sequelas.
Não invocando o recorrente, nem existindo qualquer outro meio de prova, que aponte, minimamente, no sentido da insólita assunção de culpa por parte da octogenária avó - que ninguém viu ou representou, sequer, na masculinidade dos actos descritos na acusação.
Em termos meramente descritivos temos, de um lado, o depoimento – isolado – da avozinha. E do outro temos os três depoimentos (convergentes) do queixoso, da mulher e de uma filha.
E em termos de apreciação crítica em conformidade com o critério legal do art. 127º do CPP é evidente a falta de idoneidade do depoimento da octogenária ao assumir, na fase em que o fez, um acto da natureza, aos 88 anos de idade. Sujeita a tropeçar nos obstáculos evidenciados pelas fotografias da localização do dano, juntas aos autos, além de se poder magoar com as ferramentas indispensáveis para realizar a tropelia, imprópria de uma senhora e da sua idade.
Podendo acrescentar-se ao acervo da motivação probatória em que repousa a decisão recorrida, em termos de senso comum, que o recorrente não adianta qualquer razão, muito menos plausível, para a “confissão” da octogenária avozinha surgir - apenas - na fase processual da audiência de discussão e julgamento.
Pois que, se estivesse “convencida” da sua culpa não deixaria de a ter assumido logo após a ocorrência dos factos, ou ao menos em tempo oportuno para evitar, além do mais, a acusação de um inocente (fosse ela a autora do crime) e o incómodo da submissão do neto a julgamento! Para além das perdas de tempo e incómodos aos demais intervenientes processuais.
Sendo pois a “confissão” da avozinha, além de serôdia, claramente oportunista, por surgir apenas numa fase processual em que o objecto do processo está definido e não podia ser responsabilizada, no processo – atitude contrária à da avozinha da história, cuja atitude é ingénua.
Diga-se ainda, tendo em vista a credibilidade do depoimento, que, em audiência, negou ter sofrido qualquer acidente vascular cerebral (A.V.C.). O que contraria a alegação do próprio recorrente e constitui mais um motivo de suspeição da veracidade do depoimento da anciã – com 88 anos ao tempo dos factos.
Assim, encontrando-se a decisão recorrida fundamentada em meios de prova legais, validamente produzidos e analisados de forma crítica, objectiva e racional (três depoimentos convergentes, além do evidente móbil do recorrente, que contrariam a inverosímil história da avozinha) e apresentando-se a leitura do recorrente inconclusiva para o efeito pretendido, impõe-se a improcedência do recurso, nada havendo a censurar à decisão recorrida.
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Relativamente ao questionado valor da reparação do cano, diga-se que é manifesta a existência do dano - nem o recorrente põe em causa o dano, objecto de prova fotográfica nos autos.
E quanto ao valor da reparação – único questionado – é manifesto que os canos cortados tinham valor económico e funcional comercial. Bastando ao recorrente informar-se do valor dos canos destruídos e mão-de-obra necessária á reparação, para saber que a reparação ou substituição do cano tem custos que não podem andar longe daquele que foi dado como provado – evitando aliás a remissão fácil para liquidação em execução de sentença, obrigando as partes a novo processo.
De qualquer forma, no afã recursivo, ignorando os fundamentos da decisão, o recorrente esquece que se encontra junta aos autos uma factura da reparação (cfr. fls. 53). Cujo fundamento e conteúdo, além de módico e ajustado à reparação dos canos cortados, nem foi posto em causa em audiência nem o é, sequer, no recurso.
Assim, não tendo a decisão recorrida, neste ponto, o suporte probatório questionado pelo recorrente (depoimentos), a motivação do recurso erra o alvo, caindo pela base, sendo, como tal, manifestamente insubsistente.
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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, julgando-o totalmente improcedente. --------
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) UC