Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
252/11.0TBPCV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA DE CRÉDITO
TERCEIRO DEVEDOR
EXECUÇÃO INCIDENTAL
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.773, 777 CPC
Sumário: 1 – A execução instaurada ao abrigo do artigo 860.º, numero 3 do Código de Processo Civil (777º NCPC) decorre duma penhora de direitos incidente sobre o salário auferido pelo Executado, nas suas vestes de trabalhador subordinado e que para o credor Exequente constitui um crédito sobre terceiros de que aquele é titular e por tal motivo susceptível de penhora.

2 - Não tendo a entidade empregadora do Executado, apesar de notificada nos termos do artigo 856.º, número 1 do Código de Processo Civil (773º NCPC), negado ou configurado de maneira diversa a existência dessa sua obrigação periódica de índole laboral e retributiva, o que implicou a sua aceitação nos exactos moldes da sua indicação à penhora, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 856.º (cf. ainda artigos 858.º e 859.º - 773º, 775º e 776º NCPC), nem procedido, subsequentemente, ao seu depósito, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 860.º do Código de Processo Civil (777º NCPC), colocou-se numa situação de incumprimento de um débito seu.

3 – Tal incumprimento impede o ressarcimento, por essa via e por parte do Exequente, dos seus créditos sobre o Executado, permitindo o legislador ao demandante executivo o accionamento, igualmente por recurso à acção executiva, da entidade relapsa, de maneira a lograr, através da penhora e venda de bens da mesma, a realização dos montantes que, depois de retirados ao vencimento do Executado, deveriam ter sido depositados oportunamente pela mesma e não foram.

4 – Logo, esta segunda execução não tem qualquer autonomia relativamente à acção executiva principal, sendo puramente incidental e instrumental relativamente a esta.

5 – Esta segunda execução está dependente e sujeita a quaisquer vicissitudes que aconteçam na acção executiva principal, pois bastará ocorrer no âmbito desta a sua extinção total ou parcial, em virtude, por exemplo, da procedência da oposição à execução ou do pagamento voluntário ou coercivo de parte ou da totalidade da quantia exequenda para aquela ver alterado o seu objecto ou perder mesmo a sua razão de ser, sem prejuízo das custas que fiquem em dívida.

6 – Não existe uma necessária e inevitável coincidência entre as duas, em termos de quantia exequenda, dado na principal se visar a cobrança coerciva dos créditos em que os Executados foram judicialmente condenados, ao passo que na segunda só estão em causa os valores não depositados pela entidade patronal do Executado marido, desde a data do vencimento da sua obrigação até à sua regularização ou extinção da mesma, que poderá verificar-se muito antes daquela (pense-se na liquidação das prestações atrasadas e no depósito voluntário das demais ou na cessação da relação laboral

7 – Quaisquer penhoras e vendas de bens que ocorram no quadro da segunda têm um inevitável reflexo na tramitação daqueles outros autos executivos (principais), quer em termos da estratégia prosseguida pelo Exequente, como da actividade desenvolvida pelo agente de execução, como finalmente no que concerne à maneira como o processo é conduzido pelo seu juiz titular.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

R (…)S.A., Exequente nos autos à margem identificados, notificada da sentença que rejeitou a execução por alegada manifesta falta de título executivo, e não se podendo conformar com a mesma, veio dela interpor competente RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

A) O documento apresentado à execução, é título bastante, dado o mesmo basear-se na falta de resposta da entidade patronal do Executado, “terceiro devedor” à notificação para penhora no âmbito de acção executiva principal;

B) Ora, não tendo a entidade empregadora do Executado, apesar de notificada nos termos do artigo 773.º, número 1 do Código de Processo Civil, negado ou configurado de maneira diversa a existência dessa sua obrigação periódica de índole laboral e retributiva, o que implicou a sua aceitação nos exactos moldes da sua indicação à penhora, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 773.º nem procedido, subsequentemente, ao seu depósito art.777, n.º3, colocou-se numa situação de incumprimento de um débito seu;

C) Tal incumprimento impede o ressarcimento, por essa via e por parte do Exequente, dos seus créditos sobre o Executado, permitindo o legislador ao demandante executivo o accionamento, igualmente por recurso à acção executiva, da entidade relapsa, de maneira a lograr, através da penhora e venda de bens da mesma, a realização dos montantes que, depois de retirados ao vencimento do Executado, deveriam ter sido depositados oportunamente pela mesma e não foram;

D) Assim,, a falta de resposta por parte da Entidade patronal e subsequente emissão de certidão pelo Senhora Agente de Execução a expressar esse mesmo facto, importa a constituição e o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, tal com o determina o disposto no artigo 777.º n.º 3 do Código de Processo Civil;

E) Não vê pois a apelante, razão para retirar força executiva ao documento junto aos autos, que é claro e refere “Tendo a execução, movida contra um executado que auferia remunerações de uma sociedade de que era gerente, revertido contra essa sociedade, nos termos do art. 777 nº3 do CPCiv., tendo a recorrida incumprido a obrigação de efectuar descontos na remuneração do executado, e tendo por isso revertido contra si a execução, a mesma ficou obrigada a pagar em lugar do executado a dívida deste, que é liquida, certa e exigível, e não apenas as prestações da dívida correspondentes aos descontos não efectuados e que o deveriam ter sido”;

Nestes termos, e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

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Não foram produzidas quaisquer contra-alegações.

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que decorrem do elemento narrativo dos Autos, em decorrência da sua própria revelação, designadamente, no que importa fazer ressumar, que:

- Da decisão, de fls. 17-18, consta:

«Compulsado o requerimento executivo agora apresentado constata-se que o Exequente desconsiderou por completou o despacho de 06-01-2017.

 Com efeito, no despacho tentou esclarecer-se que a dívida exequenda do Processo Executivo a cumular contra a “terceira devedora” exige que seja determinada qual foi a obrigação (certa, exigível e líquida) que a mesma reconheceu mas não cumprir, identificando, tanto quanto possível, a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento.

 Ora, tal não se verifica quando a execução se baseia apenas numa notificação para penhora de créditos que não indica o montante da dívida (a dívida de que o Executado é credor) nem a sua data de vencimento, mas que se limita a indicar o valor máximo que interessa penhorar.

 Conforme jurisprudência também citada [acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2016 (em www.dgsi.pt – Processo n.º2181/12.1TBPVZE.P1)] “A responsabilidade do terceiro devedor há-de ser sempre limitada à medida do valor da sua obrigação, relativamente ao primitivo executado e não relativa à divida do primitivo executado perante o exequente. Ou seja, a “prestação” a que o antigo art.º 860.º, n.º 3, actual 777.º, n.º 3, do C.P.Civil, se reporta não é a devida pelo executado ao exequente mas antes a devida pelo terceiro devedor do executado a este.”.

 Não obstante, vem agora o Exequente apresentar requerimento executivo contra a “terceira devedora” indicando apenas como valor líquido da dívida exequenda exactamente o mesmo valor que considerar ser o valor dívida do Executado.

 Deste modo, não existe qualquer alegação sobre quais são os concretos montantes da dívida da “terceira devedora” para com o Executado, nem em que data tais concretos montantes se venceram, nem de onde resulta o reconhecimento por parte da “terceira devedora” de que deve esses concretos montantes ao Executado.

 Em conclusão, a nosso ver, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, é total a falta de alegação sobre a certeza, a exigibilidade, e a liquidez, da dívida que a  “terceira devedora” terá para com o Executado, e a falta de título executivo do qual resultem esses mesmos requisitos da obrigação exequenda (artigo 713.º do Código de Processo Civil).

Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminarmente o requerimento executivo.

 2) Custas pela Exequente»;

- Constando desse outro despacho, de fls. 34-35:

«A cumulação de execução contra a "terceira devedora" depende da apresentação de requerimento executivo, que cumpra todos os requisitos previstos no artigo 724.º do Código de Processo Civil, e também exige que seja determinada qual foi a obrigação (certa, exigível e líquida) que a mesma reconheceu mas não cumprir.

Conforme resulta do artigo 724.°, n.º 3, do Código de Processo Civil, quando a Exequente pretende a penhora de créditos deve declarar-se, tanto quanto possível, a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento.

Quando se intenta a acção executiva prevista no artigo 777.°, n.º 3, do Código de Processo Civil, é necessário alegar os requisitos da obrigação exequenda (certa, exigível e líquida).

Ora, tal não se verifica quando a execução se baseia apenas numa notificação para penhora de créditos que não indica o montante da dívida (a dívida de que a Executada é credora) nem a sua data de vencimento, mas que se limita a indicar o valor máximo que interessa penhorar.

Reafirmando o que parece ser, mas nem sempre é, evidente, e acompanhando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2016(em WWW.dgsipt - Processo nº2181/121TBPVZE.P1): "A responsabilidade do terceiro devedor há-de ser sempre limitada à medida do valor da sua obrigação, relativamente ao primitivo executado e não relativa à divida do primitivo executado perante o exequente. Ou seja, a "prestação" a que o antigo art.º 860.º, n.º 3, actual 777.º, n.º 3, do C.P. Civil, se reporta não é a devida pelo executado ao exequente, mas antes a devida pelo terceiro devedor do executado a este.".

A concretização do montante concreto do crédito que a Executada tem a haver da "terceira devedora": ou já consta da notificação contra a qual a "terceira devedora" não deduz contestação (reconhecimento tácito); ou a "terceira devedora" expressamente se reconhece como devedora e informa o montante do crédito que deve; ou esse crédito concreto é apurado no Processo Executivo como base em prova documental bastante e inequívoca. De outro modo, permanece desconhecido o montante do concreto crédito cuja cobrança coactiva se pretende obter da "terceira devedora".

Deste modo, notifique a Exequente para, no prazo de 10 dias, querendo, apresentar requerimento executivo que observe o "supra" exposto e o artigo 724.º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Notifique o(a) Sr(a) Agente de Execução»;

- Por sua vez, do requerimento executivo de fls. 2, consta:

«Valor da Execução: 8 260,74 € (Oito Mil Duzentos e Sessenta Euros e Setenta e Quatro Cêntimos)

Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções]

Titulo Executivo: Outro título com força executiva

Cumular ao Processo:

Factos:

1 - No âmbito da Acção Executiva com o n.º 252/11.0TBPCV que corre termos no Juiz 2 do Juízo de Execução de Coimbra do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, foi identificada como entidade patronal do Executado, a ora Executada P (…) Lda. - cfr. certidão judicial emitida em 28 de Novembro de 2016, que aqui se junta como Documento n.º 1.

2 - A Entidade Patronal iniciou os descontos a 20 de Janeiro de 2012, contudo, desde 8 de Maio de 2013, não efectua qualquer pagamento para o processo.

3 - Em 15/10/2013, 09/07/2014 e 13/09/2016 a aqui Executada foi notificada para proceder á penhora de 1/3 do vencimento do Executado C (…)  até perfazer o montante de € 8 760,74 e proceder ao seu depósito mensal na conta cliente do Sr. Agente de Execução.

4 - Apesar de notificada nos termos descritos no número anterior, a Executada nada disse, assim como não completou os descontos relativos à penhora do Vencimento do Executado, tendo permanecido em dívida € 8 260,74 - cfr. Documento n.º 1.

5 - A certidão que aqui se junta como Documento n.º 1, constitui título executivo, nos termos e ao abrigo do artigo 777.º n.º 3 do CPC.

6 - Neste termos, é a Executada responsável pelo pagamento à Exequente da quantia de € 8 260,74, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento, que aqui se peticionam».

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art° 608º, do mesmo Código.

*

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

I.

A) O documento apresentado à execução, é título bastante, dado o mesmo basear-se na falta de resposta da entidade patronal do Executado, “terceiro devedor” à notificação para penhora no âmbito de acção executiva principal;

B) Ora, não tendo a entidade empregadora do Executado, apesar de notificada nos termos do artigo 773.º, número 1 do Código de Processo Civil, negado ou configurado de maneira diversa a existência dessa sua obrigação periódica de índole laboral e retributiva, o que implicou a sua aceitação nos exactos moldes da sua indicação à penhora, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 773.º nem procedido, subsequentemente, ao seu depósito art.777, n.º3, colocou-se numa situação de incumprimento de um débito seu;

C) Tal incumprimento impede o ressarcimento, por essa via e por parte do Exequente, dos seus créditos sobre o Executado, permitindo o legislador ao demandante executivo o accionamento, igualmente por recurso à acção executiva, da entidade relapsa, de maneira a lograr, através da penhora e venda de bens da mesma, a realização dos montantes que, depois de retirados ao vencimento do Executado, deveriam ter sido depositados oportunamente pela mesma e não foram;

D) Assim, a falta de resposta por parte da Entidade patronal e subsequente emissão de certidão pelo Senhora Agente de Execução a expressar esse mesmo facto, importa a constituição e o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, tal como o determina o disposto no artigo 777.º n.º 3 do Código de Processo Civil;

E) Não vê, pois, a apelante, razão para retirar força executiva ao documento junto aos autos, que é claro e refere “Tendo a execução, movida contra um executado que auferia remunerações de uma sociedade (…), revertido contra essa sociedade, nos termos do art. 777 nº3 do CPCiv., tendo a recorrida incumprido a obrigação de efectuar descontos na remuneração do executado, e tendo por isso revertido contra si a execução, a mesma ficou obrigada a pagar em lugar do executado a dívida deste, que é liquida, certa e exigível, e não apenas as prestações da dívida correspondentes aos descontos não efectuados e que o deveriam ter sido”;

Apreciando - e louvando-nos em corrente decisória sobre a problemática, de que é expressão, v.g., aquela que se consigna no Ac. RL de 25-06-2009, a que corresponde o Proc. com o nº 52-B/2000.L1-6, Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO -, diga-se, no arrimo a tal orientação, perante o caso sub judice, que:

«Tal execução instaurada ao abrigo do artigo 860.º, numero 3 do Código de Processo Civil (777º NCPC, depósito ou entrega de prestação devida), decorre duma penhora de direitos incidente sobre o salário auferido pelo Executado, nas suas vestes de trabalhador subordinado e que para o credor Exequente constitui um crédito sobre terceiros de que aquele é titular e por tal motivo susceptível de penhora, muito embora com restrições e limites derivados da sua específica natureza e função alimentar (cf. artigo 824.º, números 1, alínea a) e 2 do Código de Processo Civil – 738º NCPC).

Ora, não tendo a entidade empregadora do Executado, apesar de notificada nos termos do artigo 856.º, número 1 do Código de Processo Civil (773º NCPC, penhora de créditos), negado ou configurado de maneira diversa a existência dessa sua obrigação periódica de índole laboral e retributiva, o que implicou a sua aceitação nos exactos moldes da sua indicação à penhora, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 856.º (cf. ainda artigos 858.º e 859.º - 773º,775º e 776º NCPC), nem procedido, subsequentemente, ao seu depósito, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 860.º do Código de Processo Civil (777º NCPC), colocou-se numa situação de incumprimento de um débito seu.

Tal incumprimento impede o ressarcimento, por essa via e por parte do Exequente, dos seus créditos sobre o Executado, permitindo o legislador ao demandante executivo o accionamento, igualmente por recurso à acção executiva, da entidade relapsa, de maneira a lograr, através da penhora e venda de bens da mesma, a realização dos montantes que, depois de retirados ao vencimento do Executado, deveriam ter sido depositados oportunamente pela mesma e não foram.

Logo, esta segunda execução não tem qualquer autonomia relativamente à acção executiva principal, sendo puramente incidental e instrumental relativamente a esta (…).

Mais, esta segunda execução está dependente e sujeita a quaisquer vicissitudes que aconteçam na acção executiva principal, pois bastará ocorrer no âmbito desta a sua extinção total ou parcial, em virtude, por exemplo, da procedência da oposição à execução ou do pagamento voluntário ou coercivo de parte ou da totalidade da quantia exequenda para aquela ver alterado o seu objecto ou perder mesmo a sua razão de ser, sem prejuízo das custas que fiquem em dívida.

Por outro lado - e muito embora não exista uma necessária e inevitável coincidência entre as duas, em termos de quantia exequenda, dado na principal se visar a cobrança coerciva dos créditos em que o(s) Executado(s) foi/foram judicialmente condenado(s), ao passo que na segunda só estão em causa os valores não depositados pela entidade patronal do Executado, desde a data do vencimento da sua obrigação até à sua regularização ou extinção da mesma, que poderá verificar-se muito antes daquela (pense-se na liquidação das prestações atrasadas e no depósito voluntário das demais ou na cessação da relação laboral) -, quaisquer penhoras e vendas de bens que ocorram no quadro da segunda têm um inevitável reflexo na tramitação daqueles outros autos executivos (principais), quer em termos da estratégia prosseguida pelo Exequente, como da actividade desenvolvida pelo agente de execução, como finalmente no que concerne à maneira como o processo é conduzido pelo seu juiz titular.

Tal controlo recíproco só é possível através do conhecimento regular e cruzado entre as duas execuções, o que obriga a uma comunicação mais ou menos constante entre as duas e que não se satisfaz, muitas vezes, com as meras informações prestadas pelo Exequente (comum às duas).

Separar uma e outra acção executiva revela-se, consequentemente, contraproducente, não só em termos jurídicos como, inclusive, práticos».

No sentido aqui propugnado vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2008, processo n.º 7451/2008-6, relator: Olindo Geraldes, publicado em www.dgsi.pt, dizendo o respectivo sumário o seguinte:

«I. A execução instaurada contra a entidade empregadora do executado, nos termos do n.º 3 do artigo 860.º do CPC (777º NCPC), tem natureza incidental.

II. O tribunal da execução, instaurada antes da vigência do DL n.º 38/2003, de 8 de Março, continua manter a competência material, para a execução proposta pelo exequente, nos termos do n.º 3 do art. 860.º do CPC (777º NCPC), mesmo que esta tenha sido apresentada depois da instalação dos juízos de execução (vejam-se igualmente os 3 Arestos indicados em tal Acórdão e que tomam posição idêntica à aqui por nós assumida)».

Conforme se diz a dada altura do mencionado Acórdão deste tribunal (muito embora se discordando na parte onde se afirma visarem as duas execuções o pagamento da mesma quantia exequenda, pelos motivos acima explanados): “Não obstante a alteração subjectiva passiva da execução, esta continua a ter o mesmo objecto daquela donde proveio, o que é suficiente para lhe retirar a autonomia e ser processada com total independência. Não representa, por isso, mais do que um mero incidente, inserido na execução instaurada contra o primitivo devedor (agora com a cumulação de dois títulos executivos), e que só por maior facilidade é processado em apenso.

Como se referiu nos citados arestos, trata-se de uma execução a ter por fundamento um título executivo “impróprio”, por constituído nos termos do n.º 3 do art. 860.º do CPC, nomeadamente a partir da notificação da penhora do crédito e da falta de declaração do devedor (LEBRE DE FREITAS e A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 2003, pág. 459)” (Cf. Ac. RL de 25-06-2009, a que corresponde o Proc. com o nº 52-B/2000.L1-6, Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO).

Assim, acolhendo pretensão recursiva, segundo a qual

D) (…) a falta de resposta por parte da Entidade patronal e subsequente emissão de certidão pelo Senhora Agente de Execução a expressar esse mesmo facto, importa a constituição e o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, tal com o determina o disposto no artigo 777.º n.º 3 do Código de Processo Civil;

E) Não vendo razão para retirar força executiva ao documento junto aos autos, que é claro e refere “Tendo a execução, movida contra um executado que auferia remunerações de uma sociedade de que era gerente, revertido contra essa sociedade, nos termos do art. 777 nº3 do CPCiv., tendo a recorrida incumprido a obrigação de efectuar descontos na remuneração do executado, e tendo por isso revertido contra si a execução, a mesma ficou obrigada a pagar em lugar do executado a dívida deste, que é liquida, certa e exigível, e não apenas as prestações da dívida correspondentes aos descontos não efectuados e que o deveriam ter sido”;

Pelas razões expostas, pois, o presente recurso de apelação merece provimento, “revogando-se a decisão em causa, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências”.

O que determina responder afirmativamente às questões (todas as questões) formuladas em I.

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Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 632º,nº7 NCPC) - em termos, de resto, de correspondência ao consagrado no Ac. RL de 25-06-2009, no Proc. com o nº 52-B/2000.L1-6, Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO -, que:

I – A execução instaurada ao abrigo do artigo 860.º, numero 3 do Código de Processo Civil (777º NCPC) decorre duma penhora de direitos incidente sobre o salário auferido pelo Executado, nas suas vestes de trabalhador subordinado e que para o credor Exequente constitui um crédito sobre terceiros de que aquele é titular e por tal motivo susceptível de penhora, muito embora com restrições e limites derivados da sua específica natureza e função alimentar (cf. artigo 824.º, números 1, alínea a) e 2 do Código de Processo Civil - 738º NCPC).

II – Ora, não tendo a entidade empregadora do Executado, apesar de notificada nos termos do artigo 856.º, número 1 do Código de Processo Civil (773º NCPC), negado ou configurado de maneira diversa a existência dessa sua obrigação periódica de índole laboral e retributiva, o que implicou a sua aceitação nos exactos moldes da sua indicação à penhora, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 856.º (cf. ainda artigos 858.º e 859.º - 773º, 775º e 776º NCPC), nem procedido, subsequentemente, ao seu depósito, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 860.º do Código de Processo Civil (777º NCPC), colocou-se numa situação de incumprimento de um débito seu.

III – Tal incumprimento impede o ressarcimento, por essa via e por parte do Exequente, dos seus créditos sobre o Executado, permitindo o legislador ao demandante executivo o accionamento, igualmente por recurso à acção executiva, da entidade relapsa, de maneira a lograr, através da penhora e venda de bens da mesma, a realização dos montantes que, depois de retirados ao vencimento do Executado, deveriam ter sido depositados oportunamente pela mesma e não foram.

IV – Logo, esta segunda execução não tem qualquer autonomia relativamente à acção executiva principal, sendo puramente incidental e instrumental relativamente a esta.

V – Esta segunda execução está dependente e sujeita a quaisquer vicissitudes que aconteçam na acção executiva principal, pois bastará ocorrer no âmbito desta a sua extinção total ou parcial, em virtude, por exemplo, da procedência da oposição à execução ou do pagamento voluntário ou coercivo de parte ou da totalidade da quantia exequenda para aquela ver alterado o seu objecto ou perder mesmo a sua razão de ser, sem prejuízo das custas que fiquem em dívida.

VI – Não existe uma necessária e inevitável coincidência entre as duas, em termos de quantia exequenda, dado na principal se visar a cobrança coerciva dos créditos em que os Executados foram judicialmente condenados, ao passo que na segunda só estão em causa os valores não depositados pela entidade patronal do Executado marido, desde a data do vencimento da sua obrigação até à sua regularização ou extinção da mesma, que poderá verificar-se muito antes daquela (pense-se na liquidação das prestações atrasadas e no depósito voluntário das demais ou na cessação da relação laboral

VII – Quaisquer penhoras e vendas de bens que ocorram no quadro da segunda têm um inevitável reflexo na tramitação daqueles outros autos executivos (principais), quer em termos da estratégia prosseguida pelo Exequente, como da actividade desenvolvida pelo agente de execução, como finalmente no que concerne à maneira como o processo é conduzido pelo seu juiz titular.

VIII – Tal controlo recíproco só é possível através do conhecimento regular e cruzado entre as duas execuções, o que obriga a uma comunicação mais ou menos constante entre as duas e que não se satisfaz, muitas vezes, com as meras informações prestadas pelo Exequente (comum às duas). Separar uma e outra acção executiva revela-se, consequentemente, contraproducente, não só em termos jurídicos como, inclusive, práticos.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, revoga-se a decisão em causa, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências.

Sem Custas.

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António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo