Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1593/04.9TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
DANO
Data do Acordão: 02/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.495,496, 562, 563, 564 DO CC, 31 DA LEI Nº 100/97 DE 13/9, PORTARIA Nº 377/2008 DE 26/5
Sumário: I - Sendo o acidente simultaneamente de viação e de trabalho, não são cumuláveis as respectivas indemnizações, mas apenas complementares.

II - Quanto aos danos patrimoniais futuros, o lesado poderá optar por ser indemnizado pelo acidente de trabalho ou pelo acidente de viação. No caso de a opção ser a indemnização por acidente de viação (ou se não chegar a ser efectuada qualquer opção) suspende-se a indemnização por acidente de trabalho, designadamente as pensões vincendas até se esgotar o capital recebido a título de danos patrimoniais futuros por perdas salariais, devendo o/a responsável pelo acidente de trabalho requerer ao tribunal do trabalho competente a suspensão do pagamento das pensões.

III – Respondendo a seguradora do acidente de viação em primeira linha pelos danos resultantes do mesmo, terá que efectuar o pagamento integral, não podendo escusar-se com fundamento em ter sido fixada a indemnização no processo laboral, não sendo legítimo proceder-se a qualquer dedução das pensões laborais já pagas.

III - Os critérios orientadores indicados na Portaria nº 377/2008 de 26/5, ainda que não vinculativos, podem servir de auxiliar para a quantificação equitativa dos danos.

IV- Deve fixar-se em € 60.000,00 o valor do dano não patrimonial pela perda do direito à vida.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

           

I. A... , por si e em representação de sua filha B...., menor, intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros C... e D..., pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a quantia de € 527 966,96, acrescida de juros moratórios vencidos (€ 157 435,41) e vincendos, alegando, em resumo, ter ocorrido um acidente de viação no dia 08.3.2001 envolvendo o veículo ligeiro de matrícula XV-00-00, pertencente ao A. e então tripulado pela esposa E..., e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula HG-00-00, pertencente à 2ª Ré e conduzido, ao serviço desta, por F...., único responsável pela ocorrência, resultando do embate diversos danos patrimoniais e não patrimoniais a indemnizar e a compensar na forma peticionada, a título principal ou subsidiário conforme se indica a fls. 21.

A seguradora C... contestou, impugnando os factos da petição relativos à dinâmica do sinistro e aos danos, afirmando, nomeadamente, que foi o excesso de velocidade do veículo XV que deu causa ao acidente e que os valores peticionados são exagerados e estão já parcialmente pagos; referiu ainda que, respondendo a 1ª Ré pela totalidade do pedido, a 2ª Ré é parte ilegítima.

            A 2ª Ré ofereceu também a sua contestação, na qual excepcionou a sua própria ilegitimidade, dada a existência de seguro de capital ilimitado, e impugnou os factos alegados na petição quanto à forma como se deu o acidente e aos danos sobrevindos.

            Replicando, o A. manteve o alegado na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pela 2ª Ré e se afirmou a validade e regularidade da instância; seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, foi a mesma objecto de reclamação por parte do A., parcialmente atendida.

Efectuado o julgamento, a matéria de facto foi decidida conforme consta de fls. 640.

Na sentença, o tribunal recorrido julgou a acção parcialmente procedente e provada, condenando a Ré C... a pagar ao A. a quantia de € 242 777,73 (duzentos e quarenta e dois mil setecentos e setenta e sete euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, e absolveu a 2ª Ré do pedido.

Desta sentença recorreu a Ré Seguradora, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - Por ter sido integralmente gravada a prova produzida e por constar do processo certidão da segunda sentença (condenatória) proferida no processo crime instaurado com base no mesmo acidente de viação, devem ser alteradas as respostas dadas aos factos constantes da base instrutória sob os n.°s 19, 20, 62, 65 e 66, devendo ainda ser julgados provados os factos constantes da decisão proferida nos autos de processo de acidente de trabalho que, com o n.° 128/2001, correu termos pelo 1° Juízo do Tribunal do Trabalho de Leiria.

2ª - O Mm.º Juiz recorrido deu como provados os factos constantes da base instrutória sob os n.°s 19 (“O condutor do HG, antes de efectuar a manobra referida em g) não respeitou o sinal mencionado em d), nem olhou para o espelho mencionado em e)”) e 20 (“(...) e não se apercebeu que se apresentava sua esquerda, na faixa de rodagem, o veículo XV?”) e como não provados os factos constantes dos arts. 65 (“(...) e certificou-se que podia entrar na estrada municipal’) e 66 (“O condutor do HG, tendo verificado que não se aproximava qualquer veículo em ambos os sentidos, intentou a manobra mencionada em g)”),

3ª - Quando resulta claramente do depoimento — integralmente gravado na cassete n.°1 — da testemunha F..., condutor do HG, que este parou na intersecção da via por onde circulava (Rua da Mata) com a via por onde pretendia passar a circular (Estrada Municipal do Telheiro) e que, olhando para a sua esquerda e para a sua direita, não viu qualquer veículo a circular pela Estrada Municipal do Telheiro.

4ª - As declarações desta testemunha são perfeitamente compatíveis com as respostas positivas que mereceram os art.ºs 21º, 48º, 53º, 54º, 55º e 64º da base instrutória, bem como com o facto constante da alínea d) dos factos assentes e com os factos dados como provados na sentença proferida no processo crime acima referido e dela constantes sob os n.°s 7 (“Este sinal encontrava-se implantado a cerca de dois/três metros aquém da intersecção da Rua da Mata com a Estrada Municipal do Telheiro”) e 8 (“O arguido veio apenas a imobilizar o pesado cerca de dois a três metros mais à frente do referido sinal STOP”) sob a epígrafe “FACTOS”.

5ª - Assim, com base no depoimento da testemunha F... e nos factos considerados provados na sentença proferida no processo crime e cuja força probatória não foi afastada pelas respostas à matéria de facto dadas neste processo (e compatibilizando-a com a restante matéria de facto dada como provada), deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, considerando-se não provados os factos constantes dos art.ºs 19 e 20 da base instrutória e como provados os factos dos art.ºs 65 e 66 da base instrutória.

6ª - No que se refere ao facto do art.º 62 da base instrutória, a decisão recorrida deu como provado que a condutora do XV auferia o salário líquido de € 523,74 depois de dar como provado que a condutora do XV auferia, catorze vezes ao ano, o vencimento mensal de € 504,88, acrescido de, onze vezes ao ano, subsídio de alimentação de € 102,13.

7ª - É manifesta a contradição entre estes dois factos, pelo que, tendo em atenção os documentos juntos com a petição inicial, sob os n° 19 e 21, deve ser julgado provado que a condutora do XV auferia, catorze vezes ao ano, o vencimento mensal de € 504,88 €, acrescido de, onze vezes ao ano, subsídio de alimentação de € 102,13, dando-se assim resposta afirmativa ao quesito 30 e resposta negativa ao quesito 62 da base instrutória.

8ª - Finalmente, face ao teor da alínea o) dos factos assentes, tem de considerar-se provado que foram atribuídas ao A. A...s, para si, a título de prestações pecuniárias resultantes de acidente de trabalho, uma pensão anual e vitalícia (anualmente actualizável nos termos da lei) no montante de 492 687$00 (2 457,51 €) a partir de 14.3.2001, a quantia de 804.000$00 (4 010,34€) a título de subsídio por morte, a quantia de 536 000$00 (2 673,56 €) a título de indemnização por despesas de funeral, a quantia de 1 000$00 (4,99 €), a título de despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal de Trabalho de Leiria e 15 967$00 (79,64 €) a título de indemnizações por I.T.A. entre 09.3.2001 e 13.3.2001, e, como legal representante de sua filha B..., a título de prestações pecuniárias resultantes de acidente de trabalho, uma pensão anual e temporária (anualmente actualizável) no montante de 328 458$00 (1 638,34 €), devendo também considerar-se provado que o pagamento dessas prestações, na proporção constante daquela decisão, é da responsabilidade da G..... - Companhia de Seguros, S. A., seguradora por acidentes de trabalho, e de H..... , entidade patronal da vítima.

9ª - Tendo em conta os factos dados como provados na sentença, com a alteração resultante da modificação das respostas dadas àqueles pontos da base instrutória, resulta que o condutor do veículo pesado nenhuma culpa teve na eclosão do acidente, uma vez que respeitou todas as regras de trânsito, parando na intersecção da via por onde circulava com aquela por onde pretendia passar a circular, iniciando a manobra de mudança de direcção à esquerda quando se certificou de que não circulava qualquer veículo em ambos os sentidos da estrada por onde ia passar a circular (não podendo ser-lhe imputada qualquer responsabilidade por o veículo pesado que conduzia ser de grande porte e lento no arranque).

10ª - Ao invés, a condutora do veículo XV circulava distraída e com velocidade excessiva para o local e para as condições de trânsito existentes no momento, uma vez que só avistou o veículo pesado quando este já tinha efectuado mais de metade da manobra de mudança de direcção à esquerda e que, dispondo de uma distância de 106 metros para imobilizar o seu veículo, não foi capaz de o imobilizar ou, sequer, de diminuir a velocidade que lhe imprimia, antes de embater na lateral esquerda do veículo pesado, violando, designadamente, o disposto nos art.ºs 3°-2, 24°-1, 25°-1-c), f) e h e 29°-2 do Código da Estrada.

11ª - Assim, é de imputar exclusivamente à condutora do veículo XV a culpa na eclosão do acidente em causa nos autos.

12ª - Ao decidir de forma diversa, a sentença violou o disposto nos art.ºs 3°-2, 24°-1, 25°-1-c), f) e h e 29°-2 do Código da Estrada, bem como o disposto nos art.ºs 483°, 503°, 505°, 562°, 563°, 570° e 572° do C. Civil.

13ª - Caso assim se não entenda, sempre teria de ser parcialmente revogada a sentença recorrida, uma vez que as verbas atribuídas a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, são exageradas ou não devidas.

14ª - Face à matéria de facto dada como provada, resulta que os danos patrimoniais futuros dos AA. consequentes da privação de parte do rendimento da falecida E... (uma vez que esta também gastava consigo mesma uma parte significativa desse rendimento, cerca de metade, como se considera na sentença recorrida) estão já totalmente ressarcidos com as indemnizações recebidas da Segurança social e das entidades responsáveis pela reparação do acidente de trabalho.

15ª - A falecida E... auferia um vencimento mensal bruto de € 504,88, do qual resultava um rendimento mensal líquido de € 421,61, uma vez que descontava, também mensalmente, € 55,54 para a Segurança social e € 27,73 para o I.R.S..

16ª - Gastando consigo mesma metade dessa quantia, a falecida E... contribuiria para a economia dos AA. com a quantia mensal de € 210,81; mas, porque tal quantia era entregue catorze vezes ao ano, a falecida contribuía com € 2 951,34 anuais para a economia comum (não se contabilizando aqui o subsídio de alimentação, uma vez que este subsídio é integralmente gasto com a alimentação do próprio trabalhador).

17ª - O A. A... tem recebido, e continuará a receber, da Companhia de Seguros G... e da entidade patronal da falecida E... (e a ora apelante reembolsou e continuará a reembolsar àquelas entidades aqueles montantes) uma pensão anual e vitalícia no montante anual de € 2 457,51 (fixado em 2001 mas contabilizado desde o dia seguinte ao da morte da sinistrada E...), anualmente actualizável.

18ª - E a A. B...tem recebido, e continuará a receber, da Companhia de Seguros G... e da entidade patronal da falecida E... uma pensão anual e temporária no montante anual de 1 638,34 €, anualmente actualizável.

19ª - Assim, os AA. não têm direito a receber qualquer quantia da ora apelante a título de danos patrimoniais futuros, uma vez que foram já, e continuam a ser, ressarcidos desses danos no âmbito da reparação do acidente de trabalho sofrido pela sinistrada E..., não tendo nunca declarado pretender optar pela indemnização devida no âmbito do acidente de trabalho e não sendo tais indemnizações cumuláveis.

20ª - Para o caso de os AA. virem a optar pela indemnização devida no âmbito do acidente de viação, com a consequente devolução das importâncias recebidas a título de indemnização por acidente de trabalho, nunca os danos patrimoniais futuros poderiam ser calculados no montante fixado pela sentença recorrida (€ 120 000).

21ª - A falecida E... contribuiria para a economia comum com o montante anual de 2 951,34 € anuais e tinha 33 anos de idade à data da sua morte, pelo que o montante a atribuir como indemnização por danos patrimoniais futuros não poderia exceder os € 62 443 ou os € 72 723,48, consoante se considere os 65 ou os 75 anos como a idade até à qual seria devida essa compensação (montantes que resultam da aplicação ao caso concreto da fórmula de cálculo constante da Portaria 377/2008, de 26 de Maio, decalcada da fórmula habitualmente utilizada pela jurisprudência, considerando uma taxa de juro nominal de 5 % e uma taxa anual de crescimento de 2 % e que o capital da indemnização deverá estar esgotado no fim do período de vida activa considerado).

22ª - Tendo em conta os critérios constantes da Portaria acima referida, e para que possa haver uma maior similitude e justiça relativa entre os casos pendentes e futuros (e independentemente da aplicabilidade directa desses critérios e valores orientadores), a indemnização a arbitrar a título de danos patrimoniais futuros deverá ser fixada no montante de € 67 955,03 €, considerada a idade de 70 anos, como consta do art.º 6°-1-b) dessa Portaria.

23ª - A sentença recorrida violou — por erro de interpretação e aplicação — o disposto nos art.ºs 483°, 562° e 564° do C. Civil e deverá ser substituída por outra que decida que os AA. não têm direito a indemnização por danos patrimoniais futuros no âmbito deste processo, por terem sido, e continuarem a ser, indemnizados no âmbito do mencionado processo de acidente de trabalho e que substitua a indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais futuros por uma indemnização não superior a € 67 955,03 €, para o caso de os AA. virem a optar pela indemnização devida no âmbito do acidente de viação, com a consequente devolução das importâncias recebidas a título de indemnização por acidente de trabalho.

24ª - Sabendo-se que não é fácil atribuir uma indemnização justa por danos não patrimoniais, na sua fixação há que ter em consideração todos os factores que permitam obter uma certa justiça relativa, pelo que se deve atender não só aos usos da jurisprudência como à acima referida Portaria 377/2008.

25ª - O montante de € 20 000 é adequado para indemnizar o A.A... (uma vez que era casado com a vítima há menos de 25 anos, à data da morte desta) e o de € 15 000 é adequado para indemnizar a A. B...(uma vez que tinha menos de 25 anos à data da morte de sua mãe).

26ª - Será razoável fixar, no caso em apreço, em € 50 000 o montante da indemnização pela perda do direito à vida de E....

27ª - No que respeita aos danos não patrimoniais próprios da vítima, será razoável fixar, no caso em apreço, em € 7 000 o montante da indemnização pelos danos morais próprios de E... (limite máximo de indemnização previsto naquela portaria por um período de sobrevivência superior a 72 horas).

28ª - Ao decidir de forma diversa, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 483°, 562°, 564°, 566° e 570° do C. Civil.

29ª - Como resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 4/2002 (publicado no D.R., 1 Série-A, n.° 146, de 27.6.2002), a decisão só poderá condenar em juros de mora contados desde a decisão actualizadora, e não a partir da citação, não havendo dúvidas de que a sentença recorrida actualizou os montantes arbitrados (com excepção dos danos patrimoniais no montante de 777,73 €  - correspondentes ao montante das taxas moderadoras e à diferença do custo do funeral não coberto pelo respectivo subsídio recebido).

30ª - Ao decidir de forma diversa, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 566°-2, 804°, 805°-3 e 806° do C. Civil, bem como aquele Acórdão Uniformizador, devendo ser revogada, condenando-se a recorrente no pagamento de juros de mora sobre as quantias que eventualmente venham a ser arbitradas a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a partir da data da prolação da sentença, absolvendo-a quanto aos restantes juros.

Os AA. contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso, com a “rectificação” do valor da indemnização atribuída pelos danos patrimoniais futuros para € 125 000.

Colhidos os vistos e atento o referido acervo conclusivo - não podendo este Tribunal conhecer de matérias aí não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art.ºs 684º, n.º3 e 690º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], na redacção anterior à conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8) -, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões: impugnação da decisão de facto; responsabilidade pela produção do sinistro; valor da indemnização devida e juros moratórios.


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II. 1. A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

            a) No dia 08.3.2001, cerca das nove horas, na Estrada Municipal do Telheiro, a qual liga as povoações da Marinha Grande e Leiria, na secção daquela estrada que forma um cruzamento com a Rua da Mata e a Rua da Fonte, no lugar de Telheiro, ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel ligeiro de marca volkswagen, modelo Golf, com a matrícula XV-00-00 e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula HG-00-00, propriedade da Ré D... (A)

b) O veículo XV era conduzido por E..., e seguia pela estrada municipal do Telheiro, no sentido Maceira-Marinha Grande. (B)

c) O veículo HG era conduzido por F... e, antes do acidente, circulava pela Rua da Mata, em direcção à povoação da Maceira. (C)

            d) Na Rua da Mata, alguns metros antes do cruzamento referido em II. 1. a), existia, à data do acidente, um sinal vertical de “STOP”, colocado visivelmente à direita. (D)

            e) Na Rua da Fonte, fronteira à Rua da Mata, existia, à data do acidente, um espelho orientador, de formato esférico convexo, colocado visivelmente junto à berma direita que faz esquina com a Estrada Municipal do Telheiro, para conferir ângulo de visão aos condutores que, provindos da Rua da Mata, pretendam atravessar ou ingressar na faixa de rodagem daquela Estrada Municipal, reflectindo a eventual presença de veículos que circulem na via principal. (E)

f) Na altura do acidente, o piso da Estrada Municipal do Telheiro estava molhado devido ao chuvisco que então caía. (F)

            g) O veículo HG, ao chegar ao cruzamento referido em II. 1. a), deixou a Rua da Mata e ingressou na Estrada Municipal do Telheiro, mudando o seu sentido de marcha para a esquerda, na direcção de Maceira-Lis. (G)

            h) O autor A...s, à data referida em II. 1. a), era casado com E.... (H)

            i) A autora B... nasceu no dia 11.8.1992 e é filha do autor A,... e de E.... (I)

            j) E... faleceu no dia 13.3.2001, com a idade de 33 anos. (J)

            k) A morte de E... foi devida às lesões traumáticas do pescoço, complicadas de trombose das artérias carótidas internas e enfarte cerebral. Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte. Estas e as restantes lesões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, podendo ter sido devidas a acidente de viação. (L)

            l) A Ré D... havia transferido a responsabilidade civil ilimitada decorrente de acidentes de viação em que interviessem entre outros, o veículo HG-00-00, para a Ré Companhia de Seguros, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 481634/50. (M)

            m) O condutor do HG foi constituído arguido e acusado pelo Ministério Público nos autos de processo comum (Tribunal Singular) n.° 363/0l.OTACBR pela prática do crime de homicídio negligente previsto e punido pelo n.° 2 do art. 137.° do Cód. Penal, bem como das contra-ordenações previstas e punidas pelos art°s. 21.°, B2 e 23.°, al. A) do Regulamento do Cód. Estrada e pelos art°s. 139.° e 146.°, als. e) e i) do Cód. Estrada. (N)

            n) O acidente referido em II. 1. a) foi configurado também como acidente de trabalho, tendo, no âmbito dos autos de processo de acidente de trabalho instaurado pelo MP junto do Tribunal de Trabalho de Leiria, onde, sob o n.° 128/2001 AT MP, correu termos pelo 1.° Juízo, sido atribuídas aos AA. as prestações constantes da decisão de fls. 59 e seguintes, assumidas pela G... - Companhia de Seguros, S.A., cujo teor se dá aqui por reproduzido. (O)

            o) No âmbito do processo referido em II. 1. m) foi proferida sentença, transitada em julgado no dia 20.12.2005, condenando o arguido F... como autor de um crime de homicídio por negligência grosseira, na pena de 2 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos. (P)

            p) O condutor do veículo HG, à data referida em II. 1. a) conduzia este veículo sob as ordens e direcção da Ré D..., encontrando-se ao seu serviço. (1º)

            q) No local referido em II. 1. a) a faixa de rodagem tem cerca de 5,5 metros de largura e desenha-se, a jusante e a montante, numa recta de boa visibilidade. (2º)

             r) (...) a qual é antecedida, no sentido de quem procede da povoação da Maceira, de uma curva, de ângulo aberto, que dista 106 (cento e seis) metros do cruzamento referido em II. 1. a). (resposta ao art.º 3º da b.i.)

s) O aludido cruzamento tem fraca visibilidade para os veículos que se apresentem da Rua da Mata para atravessar ou ingressar na Estrada Municipal do Telheiro, sendo porém visível, da berma desta, a curva referida em II. 1. r). (resposta ao art.º 4º da b.i.)

            t) Quando o condutor do HG efectuava a manobra mencionada em II. 1. g), atravessou a faixa de rodagem direita da Estrada Municipal por onde circulava o XV, (6º)

u) (…) e ambos os veículos convergiram no referido cruzamento, colidindo com violência, (7º)

            v) (...) a cerca de 2,5 metros da berma direita, atento o sentido Maceira – Marinha Grande. (8º)

w) O veículo HG foi embatido na parte lateral esquerda, sensivelmente ao meio, pela frente do veículo XV, (9º)

x) (…) sendo que na dinâmica da colisão, a caixa fechada traseira do veículo HG tombou sobre o capot e pára-brisas do XV que destruiu. (10º)

            y) Na data referida em II. 1. a), a condutora do XV percorria o seu trajecto diário habitual, deslocando-se de casa para o local de trabalho, sito na Marinha Grande, (11º)

            z) (…) e antes de chegar ao cruzamento em causa, provinha da Escola Primária de À-dos-Pretos, situada na Estrada Municipal, a poucas centenas de metros do local do acidente, (12º)

aa) (…) onde havia deixado a autora B...que ali frequentava o 4º ano. (13º)

            bb) O veículo XV tinha sido objecto de uma Inspecção Técnica Periódica em 28.02.2001, (14º)

            cc) (…) onde não lhe foi denotada qualquer deficiência, (15º)

            dd) (...) estando em bom estado de conservação e funcionamento o sistema de travagem e os pneus operacionais. (16º)

            ee) A condutora do XV conduzia desde Março de 1989, (17º)

            ff) (…) nunca tendo sido interveniente em acidente de viação. (18º)

            gg) O condutor do HG, antes de efectuar a manobra referida em II. 1. g) não respeitou o sinal mencionado em II. 1. d), nem olhou para o espelho mencionado em II. 1. e), (19º)[2]

            hh) (…) e não se apercebeu que se apresentava à sua esquerda, na faixa de rodagem, o veículo XV. (20º)

            ii) O veículo HG era lento no arranque, (21º)

            jj) (...) o que era conhecido do condutor. (22º)

            kk) Em consequência do acidente referido em II. 1. a) o veículo XV ficou destruído e em estado irrecuperável. (23º)

            ll) O facto referido em II. 1. j) foi consequência directa do acidente referido em II. 1. a). (24º)

            mm) Na data mencionada em II. 1. a), em consequência dos ferimentos e lesões sofridas, a condutora do XV foi transportada de ambulância para o Hospital de Santo André, em Leiria, onde foi assistida e ficou internada até 09.3.2001. (25º)

            nn) Em 10.3.2001, a condutora do veículo XV foi transferida para o Serviço de Urgência do Hospital Universitário de Coimbra e daí para o Centro Neurológico de S. Martinho do Bispo, onde veio a falecer. (26º)

            oo) Entre a data do acidente e o facto referido em II. 1. j), a condutora do XV padeceu de grande sofrimento e dor, vómitos, tonturas e tromboses, com paralisação parcial do seu lado esquerdo, designadamente os membros, e afectação da fala, (27º)

            pp) (…) bem como angústia e desespero, tendo, nas últimas horas da sua vida, entrado em estado comatoso, ligada a uma máquina de ventilação, não sem antes se ter apercebido do estado em que se encontrava e do desfecho que a esperava. (28º)

            qq) À data do acidente, a condutora do XV trabalhava, como escriturária sob as ordens, direcção e fiscalização da firma H..., com sede na ....(29º)

            rr) No trabalho referido em II. 1. qq), a condutora do XV auferia catorze vezes ao ano, o vencimento mensal de € 504,88, acrescido de, onze vezes ao ano, subsídio de alimentação de € 102,13. (30º)

ss) A condutora do XV era o suporte emocional e securizante do seu lar, constituído por si e pelos autores. (31º)

            tt) A autora B...tem uma personalidade com características do síndrome de Asperger. (32º)

            uu) Em consequência do facto referido em II. 1. tt), a E... tinha com ela uma especial ligação, baseada, para além do profundo amor maternal, em fortíssimo instinto de protecção e amparo, dispensando-lhe assistência, atenção, afecto e estímulo permanente. (33º)

            vv) Em consequência das lesões decorrentes do acidente referido em II. 1. a), a condutora do XV realizou Tomografias Axiais Computorizadas e exames de Raios-X, para diagnóstico das lesões e respectiva evolução clínica, e teve que adquirir medicamentos. (34º)

ww) Os factos referidos em II. mm e nn) importaram o pagamento de taxas moderadoras. (35º)

            xx) Os factos referidos em II. 1. vv e ww) importaram a quantia de € 76,43. (36º)

            yy) Em consequência do facto referido em II. 1. j), os autores despenderam a quantia de € 3 375,86, a título de despesas de funeral, incluindo a respectiva campa. (37º)

            zz) Os autores sofreram muito com o facto referido em II. 1. j), (38º)

            aaa) (...) tendo a harmonia, segurança e estabilidade familiar e emocional do seu lar ficado, definitiva e irremediavelmente, abalados. (39º)

            bbb) A E... era uma pessoa saudável, alegre e muito estimada no seu seio familiar e social, tendo sempre mantido com os autores uma excelente relação[3] de harmonia e de amor recíprocos, na qual baseava e projectava os planos futuros da sua vida em família. (40º)

            ccc) Desde o internamento referido em II. 1. nn) e até ao falecimento da vítima, o autor viveu em constante e permanente estado de temor, ansiedade e inquietação, assistindo ao profundo sofrimento da vítima, tendo ainda acalentado esperança na sua sobrevivência. (resposta ao art.º 41º da b.i.)

            ddd) Em consequência do facto referido em II. 1. j), o autor A...perdeu a sua companheira de sempre e mãe da sua única filha, vendo-se, abrupta e inesperadamente, obrigado a readaptar a sua vida, existência e planos futuros à nova realidade, (42º)

            eee) (...) e viu-se forçado a reajustar todos os seus horários, hábitos e vivência diária para educar e tratar sozinho a autora Carolina, em particular prestando-lhe a assistência e amparo exigidos pelo facto referido II. 1. tt). (43º)

            fff) Em consequência dos factos referidos em II. 1. j) e tt), a autora B...passou a requerer acompanhamento e tratamento pedopsiquiátrico regular, o que mantém até à presente data. (44º)

            ggg) Em consequência do facto referido em II. 1. j) os autores ficaram num profundo estado de dor, sofrimento, infelicidade e depressão. (45º)

            hhh) Quando a condutora do XV avistou o veículo HG, este encontrava-se[4] a efectuar a manobra mencionada em II. 1. g), (resposta ao art.º 48º da b.i.)

            iii) Quando a condutora do XV efectuou a curva, tinha uma visibilidade de 106 metros. (resposta ao art.º 53º)

            jjj) O veículo HG é um veículo de grande porte. (54º)

            kkk) O veículo HG, para efectuar completamente a manobra referida em II. 1. g) e passar a circular apenas na metade direita da faixa de rodagem da Estrada Municipal do Telheiro, atento o sentido Marinha-Maceira, demoraria alguns segundos, (resposta ao art.º 55º da b.i.)

            lll) A ré C... pagou à companhia de seguros referida em II. 1. n) o montante por esta reclamado. (59º)

            mmm) A ré C... pagou ao Instituto da Solidariedade Social a quantia de € 3 055,74 a título de subsídio por morte e, ainda, subsídio de sobrevivência, num total global de € 5 798,44, (60º)

            nnn) (…) e fez um acordo com o CNP (Instituto da Segurança Social)  quanto ao subsídio de sobrevivência, pagando as verbas reclamadas. (61º)

            ooo) A condutora do XV auferia o salário líquido de € 523,74. (resposta ao art.º 62º da b.i.)

            ppp) Antes de efectuar a manobra referida em II. 1 g), o condutor do HG imobilizou a viatura. (64º)

            qqq) A Ré C... pagou aos AA., em 15.5.2001, a quantia de 520 000$00, pelos danos materiais sofridos pela viatura sinistrada. (71º)

            2. A alteração, pela Relação, da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, só pode verificar-se se ocorrer alguma das situações (excepcionais) contempladas no n.º 1 do art.º 712º (na redacção anterior à introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.8) e que são as seguintes: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (n.º 2 do referido art.º).

No nosso direito processual civil acha-se consagrado o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada (art.º 655º do CPC).

O princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e por presunções judiciais) vigora no domínio da prova pericial (ou por arbitramento) (art.º 389º CC), da prova por inspecção (art.º 391º CC) e da prova por testemunhas (art.º 396º CC), sendo a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais.[5]

Aquele princípio situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.[6]

As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto[7], sendo que, nos termos do art.º 396º do CC, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.

Daí que a Relação só possa alterar a decisão sobre a matéria de facto e anular a decisão, excepcionalmente, nas situações acima descritas.

Na sequência do alargamento dos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, por parte da Relação, tem a jurisprudência convergido em determinados parâmetros de intervenção:

- Considerado, desde logo, o preâmbulo do DL 39/95, de 15.02[8], o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador[9].

- Depois, não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, maxime, os referidos princípios da livre apreciação da prova e da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância encontra-se em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência.

- O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância, a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.[10]

- O que não obsta, necessariamente, à apreciação crítica da fundamentação da decisão de 1.ª instância, não bastando uma argumentação alicerçada em mero poder de autoridade.

3.

(…)

Improcedendo as conclusões de recurso (“1ª a 8ª”), mantém-se o julgamento de facto feito pela 1ª instância, expurgando-se, apenas, do ponto II. 1. gg), a conclusão nele inserida.
4. Atendendo à descrita factualidade é inteiramente correcto o enquadramento jurídico efectuado na sentença recorrida, na medida em que o acidente dos autos tem a sua razão de ser na actuação negligente do condutor do veículo HG, ao desrespeitar regras elementares da condução automóvel, designadamente, as dos art.ºs 3º, n.º 2; 29º, n.º 1 e 35º, n.º 1 do Código da Estrada (na redacção conferida pelo DL n.º 265-A/2001, de 28.9) - o acidente é explicado e encontra-se inextricavelmente ligado à conduta do F... e não vemos qualquer outro facto ou circunstância que o explique ou justifique, sendo evidente que com o seu descrito comportamento fez aumentar a probabilidade de produção do resultado (danoso) em comparação com o “risco permitido”; tal conduta foi causa adequada do resultado porque “fazia esperar o resultado como consequência não improvável” ou por ser uma “acção perigosa em relação ao resultado”.[11] 
Acresce que não se demonstrou que a condutora do XV tivesse contribuído, ainda que parcialmente, para o ocorrência, obtendo resposta negativa os principais factos controvertidos que a Ré alegara nesse sentido (cf., nomedamente, as respostas aos art.ºs 46º, 47º, 49º a 52º, 56º, 57º e 65º a 70º da base instrutória), o que permite afirmar a culpa exclusiva do condutor do veículo HG na produção do sinistro.

Provou-se também que o F...conduzia o HG, aquando do acidente, ao serviço e sob as ordens e direcção da 2ª Ré [cf. II. 1. p)], o que significa que o fazia na qualidade de comissário, pelo que, atenta a descrita materialidade, sempre haveria que considerar a culpa presumida (não ilidida) prevista no n.º 3 do artigo 503º do Código Civil.

Concluindo-se, assim, que o condutor do veículo HG, seguro na Ré C..., foi o único e exclusivo culpado na eclosão do acidente e pela total insubsistência das “conclusões 9ª a 12ª”, a 2ª Ré, verificados os pressupostos da responsabilidade civil e face à transferência da responsabilidade pelos danos decorrentes da circulação do veículo HG [cf. II. 1. l)], deverá pagar os valores indemnizatórios e compensatórios devidos nos presentes autos.

5. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art.º 564º do CC).

O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, determina que se fixe por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º, n.º 2, do CC).

Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3, do mesmo art.º).

No caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural (art.º 495º, n.º 3 do CC).

Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou, como se refere na sentença, “que contrabalance o mal sofrido”.

Importa ainda não perder de vista que apenas são compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC); por morte da vítima, o direito à indemnização/compensação por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, em primeira linha, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização, nos termos do n.º 2 (n.ºs 2 e 3 do mesmo art.º).

Neste último art.º da lei civil substantiva consideram-se o dano da morte/perda do direito à vida e os danos sofridos pela vítima antes de morrer [há que considerar os sofridos pelo falecido, enquanto vivo, como as dores físicas e morais, a angústia da proximidade da morte, os internamentos hospitalares e respectivos tratamentos] e pelos familiares da vítima com a sua morte.

A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494° (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso).

Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[12]  

Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

É neste contexto que se poderá atender ainda aos critérios orientadores indicados pela Portaria 377/2008, de 26.5, a qual não visa fixar critérios rígidos de cálculo de indemnizações nem impede a atribuição de valores superiores aos que resultem da aplicação das fórmulas e orientações nela indicadas (cf. art.º 1º da referida Portaria).

6. Tal como na generalidade das situações, no caso vertente estão em causa o dano emergente - prejuízos causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão – bem como o lucro cessante - benefícios que o lesado deixou de obter, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.

No presente caso não se questiona o valor de € 777,73 devido por danos patrimoniais (despesas), estando em causa, no que concerne aos (demais) danos não patrimoniais, um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte, importando encontrar um capital susceptível de produzir rendimento equivalente ao perdido pelos lesados, sem que se traduza no seu enriquecimento.

Por isso, há-de, em consequência, fazer-se apelo a critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida, assumindo a falibilidade da capacidade humana para prever, mas tendo em conta o que já aconteceu, as regras da experiência comum e o que é normal que venha a acontecer, há que decidir com a segurança possível e a temperança própria da equidade; isto é, há que optar por um modo de cumprimento e aplicação da lei constituída[13].

Isto implica entrar em linha de conta com a idade ao tempo do acidente, a natureza da actividade produtiva exercida pela vítima, o valor da remuneração correspondente, a duração provável da sua vida activa, a expectativa de aumento do seu rendimento, etc.

Com base nestas variáveis, há quem entenda dever recorrer a um cálculo matemático, servindo-se de tabelas para a formação de rendas vitalícias, ou tabelas correspondentes a acidentes de trabalho e remição de pensões ou tabelas financeiras para determinação de uma renda periódica correspondente a um determinado juro.

Estas operações, sempre aleatórias, apenas podem servir como meros auxiliares quando as circunstâncias o justifiquem e, acima delas, há que respeitar as regras indemnizatórias fixadas no Código Civil.[14]

Está aqui em causa a indemnização das pessoas carecidas de alimentos do prejuízo que para elas advém da falta da pessoa lesada, na medida em que, desaparecida esta, não mais os titulares do direito a alimentos poderão contar com a sua ajuda, constituindo dessa forma um dano futuro indemnizável, porque previsível.

Assim e tendo em atenção a factualidade constante de II. 1. alíneas h), i), j), rr) e ooo) e o teor dos documentos de fls. 93 (requerimento de concessão do benefício de apoio judiciário), 399 e 401 [cópias das declarações para efeitos IRS relativas aos anos de 2000 e 2001 apresentadas pelo A. e que relevaram, sobretudo, na resposta ao quesito 63º da base instrutória – cf. fls. 645], temos como razoável considerar, tal como o fez o tribunal recorrido, que a falecida contribuiria com aproximadamente metade dos seus rendimentos para as despesas domésticas e de educação da filha, importância de que os AA. se viram privados em razão do falecimento.

Afigura-se-nos, contudo, que o montante encontrado de € 120 000 deverá sofrer uma redução não inferior a 1/3, atendendo, principalmente, àqueles que têm sido os valores fixados pela jurisprudência em situações com alguma similitude[15] e tendo ainda presentes os critérios orientadores previstos na citada Portaria n.º 377/2008, de 26.5, razão pela qual se entende dever ser fixada a importância de € 80 000 (oitenta mil euros) que se considera como adequada e ajustada à situação dos autos.

            7. No caso vertente temos confluência de situações de responsabilidade civil no domínio dos acidentes de trabalho, já que o acidente de viação foi simultaneamente acidente de trabalho.

É desde há muito pacífico o entendimento de que a indemnização por acidente de viação não é acumulável com a emergente de acidente de trabalho, sendo antes complementares, no sentido de esta subsistir para além da medida em que é absorvida por aquela, devendo o pagamento da última suspender-se pelo tempo necessário para ficar absorvido o montante da primeira, passando a ser feito logo que se esgote a respectiva cobertura, sempre que o sinistrado ou os seus beneficiários sobrevivam,[16] perspectiva que, de resto, encontra acolhimento na previsão do art.º 31º da Lei n.º 100/97, de 13.9, aplicável ao caso sub judice.

Porém, o responsável civil pelo acidente tem que indemnizar o lesado e todas as pessoas que lhe prestaram a assistência (art.º 495º, n.º 2 do CC).

No tocante aos danos patrimoniais futuros, o lesado poderá optar por ser indemnizado pelo acidente de trabalho ou pelo acidente de viação, mas não pode cumular as duas indemnizações.

No caso de a opção ser a indemnização por acidente de viação (ou se não chegar a ser efectuada qualquer opção) suspende-se a indemnização por acidente de trabalho, designadamente as pensões vincendas até se esgotar o capital recebido a título de danos patrimoniais futuros por perdas salariais, devendo o/a responsável pelo acidente de trabalho requerer ao tribunal do trabalho competente a suspensão do pagamento das pensões[17], pelo que não se deverá proceder nesta sede a qualquer dedução[18], não sendo assim correcto o entendimento de que os AA. “não têm direito a indemnização por danos patrimoniais futuros no âmbito deste processo, por terem sido, e continuarem a ser, indemnizados no âmbito do mencionado processo de acidente de trabalho”.

8. Relativamente à compensação pela perda do direito à vida afigura-se razoável e ajustado o montante arbitrado pelo tribunal recorrido (€ 60 000), considerada a matéria de facto provada e porque se trata de um valor conforme aos mais recentes padrões de cálculo da jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal de Justiça[19] – como é jurisprudência dominante, a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, entendimento que o próprio legislador terá vindo a adoptar dado o regular aumento dos seguros obrigatórios e dos respectivos prémios, e a importância da compensação atribuída está em linha com esta perspectiva das coisas, impondo-se, de resto, o progressivo aumento dos valores a arbitrar pela supressão do bem supremo (VIDA).

No que concerne aos danos não patrimoniais próprios da vítima, temos como igualmente adequado e equitativo o montante fixado pelo tribunal recorrido (€ 12 000), atendendo à elevada gravidade de tais danos e à respectiva duração [cf., sobretudo, II.1. alíneas k), mm), nn), oo) e pp)].[20]

            Quanto à compensação devida pelos danos não patrimoniais próprios dos demandantes, atendendo à factualidade aludida em II. 1. alíneas ss), tt), uu), zz), aaa), bbb), ccc), ddd), eee), fff) e ggg) e pese embora a extrema dificuldade em fixar a compensação devida por aqueles danos indagados em audiência de discussão e julgamento e cuja existência (passada, actual e futura), ao contrário dos anteriormente referidos, não deixará de estar associada às contingências do devir social e da personalidade individual (com o seu possível agravamento ou a sua progressiva atenuação), pensamos que se justificará, salvo o devido respeito por opinião em contrário, uma ligeira diminuição dos valores atribuídos, fixando-se, agora, os valores de € 25 000 (vinte e cinco mil euros) e de € 17 500 (dezassete mil e quinhentos euros), como devidos ao A. e à menor Carolina, respectivamente, valores que temos por ajustados à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas diversas decisões do nosso mais alto tribunal[21].

9. Na decisão sob censura decidiu-se condenar a Ré ao pagamento de juros de mora à taxa supletiva legal desde a citação até integral pagamento e a incidir sobre a totalidade da indemnização fixada, tendo-se referido: “Sobre o montante indemnizatório são devidos juros, nos termos dos artºs 804º, 805º, e 806º, desde a citação (nos inequívocos termos da 2ª parte do nº 3 do artigo 805º do Código Civil, à taxa legal (…)) e até integral pagamento”.

Dispõe o art.º 805º, n.º 3, do CC que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora nos termos da primeira parte deste número.”
Decorre desta norma que o termo inicial da contagem de juros moratórios, no caso de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, é, em regra, a citação para a acção.

Porém, no tempo presente importa ainda ter em conta o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002[22], no qual se dispôs que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

Na interpretação deste acórdão uniformizador tem vindo a ser entendido, no STJ, que embora não seja exigível, para se concluir ter havido a actualização em causa, que se faça menção expressa nesse sentido, é, no entanto, necessário que transpareça do teor da decisão que a indemnização foi actualizada, designadamente e, por exemplo, com a alusão aos fenómenos da taxa da inflação ou da desvalorização ou correcção monetárias, ou ao tempo transcorrido desde a propositura da acção; se a actualização não transparecer do teor da decisão, os juros moratórios deverão ser contabilizados desde a citação, sem que se distinga, para tal efeito, entre danos não patrimoniais e as demais diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, de cálculo actualizado constante do n.º 2 do art.º 566 do CC[23], perspectiva a que adere porquanto respeita integralmente a “ratio” dos supra referidos normativos da lei civil substantiva.

Ao lermos a decisão recorrida não vemos que tenha sido feita qualquer actualização, tudo indicando que os valores fixados o foram em relação aos indicados na petição e nesta nada é mencionado em vista de uma actualização na decisão final.

A indemnização e a compensação arbitradas na decisão sob censura ficaram aquém do que havia sido peticionado pelos AA. e não ficou esclarecido se foram actualizadas por referência ao momento da prolação da decisão ou se se teve em conta o momento da propositura da acção[24], pelo que, pese embora a regra segundo a qual o tribunal deve ter em atenção a data mais recente a que puder aceder (art.º 566º, n.º 2, do CC), não será possível concluir pela efectiva actualização com referência à data da sentença condenatória.

Por conseguinte, os juros de mora deverão ser contabilizados - sobre todas as parcelas indemnizatórias, sem distinção entre as relativas aos danos não patrimoniais e as relativas às demais espécies de danos - desde a citação e até efectivo pagamento, à taxa legal supletiva, aplicando-se, actualmente, a taxa de 4 % (Portaria n.º 291/2003, de 08.4), em vigor desde 01.5.2003, sem prejuízo da aplicação de ulteriores taxas supletivas que venham a vigorar aos juros corridos na vigência desses novos normativos.

10. A Ré/recorrente deverá pagar aos AA. a importância global de € 195 277,73 [€ 777,73 + € 80 000 (a) + € 60 000 + € 12 000 + € 25 000 + € 17 500 (b), a título de danos patrimoniais (a) e danos não patrimoniais (b)] e os respectivos juros moratórios.


*

            III. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando nessa medida a sentença recorrida, condena-se a Ré Seguradora a pagar aos AA. a indemnização de € 195 277,73 (cento e noventa e cinco mil duzentos e setenta e sete euros e setenta e três cêntimos), mantendo-se o demais decidido.

Custas na 1ª instância na proporção do decaimento e as do recurso na proporção de 1/3 e 2/3, por AA. e Ré,  respectivamente, sendo que os AA. não beneficiam do benefício do apoio judiciário (cf. fls. 117, 118, 440 e 752).


[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[2] Cf. nova redacção aludida no ponto II. 3., infra.
[3] Foi rectificado o lapso existente, considerado o teor do item 113º da petição inicial.
[4] Vide resposta de fls. 640 e teor do art.º 48º, a fls. 317.
[5] Cfr., de entre vários, acórdão do STJ de 30.12.1977, in BMJ, 271º, 185.
[6] Vide J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, Volume 2, Coimbra Editora, 2001, pág. 635.
[7] Vide Antunes Varela, e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 455 e, designadamente, acórdãos da RL de 20.4.1989 e de 19.11.1998, in CJ, XIV, 2, 143 e CJ, XXIII, 5, 97, respectivamente.

[8] Diploma que veio consagrar, na área do processo civil, a possibilidade da documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, assim se permitindo um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.

[9] Refere-se no preâmbulo do referido diploma: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.

[10] Vide Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, pág. 266.

Refere o mesmo autor: “Além do mais, todos sabem que por muito esforço que possa ser feito na racionalização do processo decisório aquando da motivação da matéria de facto sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos. (...) Carecendo o Tribunal da Relação destes elementos coadjuvantes e necessários para que a justiça se faça, correm-se sérios riscos de a injustiça material advir da segunda decisão sobre a matéria de facto (ibidem, pág. 267).

Cfr. ainda, entre outros, os acórdãos do STJ de 20.9.2005-processo 05A2007 e da RC de 13.01.2009-processo 4966/04.3TBLRA, publicados no “site” da dgsi, onde se pode ler: «De salientar (...) que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (...)”..
                                                                                                                                                                                   
[11] Vide, a propósito, Claus Roxin, “Problemas Fundamentais...”, Vega, 1986, págs.150 e 257.

[12] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente.
[13] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 11.9.1994 e de 13.9.2007-processo 07B2382, in CJ, II, 3, 92 e “site” da dgsi, respectivamente.
[14] Cf., nomeadamente, o acórdão do STJ de 05.02.2009-processo 08B4093, publicado no “site” das dgsi.
[15] Vide, de entre vários, os acórdãos do STJ 13.9.2007-processo 07B2382, 29.01.2008-processo 07A3014, 05.02.2009-processo 08B4093, 26.5.2009-processo 3413/03.2TBVCT.S1 e 25.6.2009-processo 08B3234, publicados no “site” da dgsi.
     Tenha-se ainda em atenção a hipótese indicada no trabalho do Senhor Conselheiro Joaquim José de Sousa Dinis, “Dano Corporal em Acidentes de Viação – Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial – Perspectivas futuras”, in CJ-STJ, IX, 1, pág. 9.
[16] Vide, entre outros, os acórdãos do STA de 04.3.1957 e do STJ de 24.01.2002, in AD n.º 162º, 872 e CJ-STJ, X, 1, 54, respectivamente; V. Ribeiro, Acidentes de Trabalho, 1984, páginas 225 e seguintes; C. Carvalho, Acidentes de Trabalho, 2.ª edição, páginas 154 e seguintes e Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, Almedina, pág. 150.
[17] Cfr., neste sentido, José Santos Geraldes, Regularização de Sinistros de Acidentes de Viação Automóvel – Questões Pertinentes, Texto distribuído pelo CEJ. Vide ainda o cit. acórdão do STJ de 24.01.2002 e o acórdão do STJ de 30.6.2009-processo 1995/05.3TBVCD.S1, publicado no “site” da dgsi, no qual se afirma, designadamente, que “embora a fixação ao lesado, no âmbito laboral, dum montante de capital ou duma pensão vitalícia, vise ressarcir a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais, não pode a seguradora do acidente de viação escusar-se ao pagamento da indemnização que lhe cabe com o fundamento da cumulação de indemnizações (laboral e por acidente de viação”) e, ainda, que “respondendo a companhia de seguros Ré, ora recorrente, em primeira linha pelos danos resultantes do acidente de viação, sempre teria que efectuar o pagamento integral dos danos da sinistrada, sem que lhe fosse possível invocar a duplicação de indemnizações, pois nos termos do art. 31.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13-09, seria à seguradora do acidente de trabalho (e não a recorrente, seguradora do acidente de viação) que competiria efectuar, caso se justificasse, o pedido de reembolso do que foi pago à Autora”.
[18] Que sempre seria impossível levar a cabo de imediato, dada a inexistência de factos concretos [cf., principalmente, II. 1. lll) e, ainda, os documento de fls. 132 e 177 - a propósito da razão de ser das “Provisões/Reservas Matemáticas”, vide, entre outros, o acórdão da RC de 09.10.2007-processo 285/2002.C1, publicado no “site” da dgsi].
[19] Cf., por último, de entre vários, os acórdãos do STJ de 05.02.2009-processo 08B4093, 07.7.2009-processo 205/07.3GTLRA.C1, 14.7.2009-processo 1541/06.1TBSTS.S1, 10.9.2009-processo 341/04.8GTTVD.S1 e 17.12.2009-processo 77/06.5TBAND.C1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[20] Ademais, a dar-se algum relevo ao critério orientador sugerido na Portaria n.º 377/2008, de 26.5, o caso em análise seria certamente daqueles em que se justificaria uma muito considerável majoração em função do nível de sofrimento e antevisão da morte.
[21] Cf., de entre vários, o cit. acórdão do STJ de 05.02.2009- processo 08B4093.
[22] Publicado no Diário da República, n.º 146, I Série-A, de 27.6.2002.
[23] Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 13.01.2005-processo 04B3378 e 13.9.2007-07B2382, publicados no “site” da dgsi.

[24]Todavia, antolha-se-nos correcto o expendido na contra-alegação de fls. 721, quando os AA. propendem para a não actualização, pelo menos, no tocante à indemnização por danos não patrimoniais futuros, já que o tribunal recorrido alude à “esperança média de vida da vítima nos 79 anos de idade (que se reportava à data da morte) e não à actual esperança média de vida que é de 81 anos de idade para as mulheres” (fls. 664 e 741).