Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
996/05.6TBACB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
CABEÇA DE CASAL
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 06/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 2014, 2025, 2093, 2095 CC, 269 Nº3, 941, 947 CPC
Sumário: 1. Não pode ser pedida na instância de incidente de habilitação de herdeiros (apenso-B) a extinção da instância, por deserção, da acção principal (apenso-A);

2. O incidente de habilitação visa determinar as pessoas que podem ocupar no litigo a posição/lugar do falecido, falecido no qual reside ou deve residir originalmente a legitimidade, e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância;

3. Porque a obrigação de prestar contas do cabeça-de-casal é eminentemente de natureza patrimonial, essa obrigação transmite-se aos herdeiros do cabeça-de casal, por morte deste, não conduzindo obrigatoriamente à extinção da respectiva instância nos termos do art. 269º, nº 3, do NCPC.

Decisão Texto Integral:

I - Relatório

1. F (…), por apenso aos autos de acção de prestação de contas 996/05.6TBACB-A, em que é autor/requerente (sendo associados a este os chamados C (…), C (…) e F (…)  e ré/requerida A (…), requerer habilitação de sucessores.

Para tanto, alegou o falecimento desta última na pendência da acção, no estado civil de viúva, deixando como únicos herdeiros os seus quatro filhos:

- T (…)

- A (…),

- S (…),

- B (…).

Foi deduzida oposição pelos habilitandos, dizendo em síntese que a acção principal de prestação de contas está extinta por deserção, e que a obrigação de prestação de contas pelo cabeça de casal é infungível, pelo que por morte deste está extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade da lide.

*

Foi proferida decisão que julgou procedente o incidente e, em consequência, julgou os identificados T (…), S (…) e B (…)habilitados como herdeiros e representantes da falecida ré A (…), os quais passarão a ocupar a posição processual que à falecida cabia, a fim de, com eles, se prosseguir na causa.

*

2. Os referidos habilitados interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. O ponto 3 dos factos provados no segmento em que refere já transitado em julgado é matéria de direito devendo, consequentemente, tal alínea ser expurgada dos factos provados;

2. Na verdade, em termos de direito, tal despacho não transitou e os habilitandos, recorrentes aqui, enquanto tais não tinham do mesmo conhecimento, nem tinha que ter.

3. A matéria da extinção da instância foi, por eles, alegada autonomamente e sem qualquer dependência do requerido por terceiro.

4. Pelo que, não tendo apreciado esta questão foi cometida uma nulidade que terá que ser/deverá ser sanada pela pronúncia do Mmo. Juiz a quo, sobre esta matéria.

Sem prejuízo,

5. A instância do processo principal está extinta por deserção, não sendo o efeito do requerimento do requerente no processo principal o pretendido.

6. A cessação da suspensão da instância, por falecimento da parte, apenas ocorreu com o requerimento do incidente de habilitação de herdeiros e, nessa data, a instância já se encontrava deserta, deserção essa que ocorre independentemente de despacho judicial.

7. Encontrando-se a instância extinta por deserção, o caso dos autos não se integra em nenhum dos previstos de renovação de instância extinta.

8. Pelo que, o requerimento inicial deveria ter sido liminarmente rejeitado.

9. Não o tendo sido, a douta sentença, ora posta em crise, deveria ter declarado a deserção da instância principal e,

10. Consequentemente, o indeferimento do presente incidente,

Sem prejuízo, e quanto à questão de fundo:

11. Os requeridos não podem ser julgados habilitados no processo de prestação de contas do cabeça-de-casal dado que essa obrigação é intuito persona e extinguiu-se, no que aos requeridos se refere, com a morte da requerida Ana Mafalda.

12. A obrigação de prestação de contas que impende sobre o cabeça de casal é do tipo infungível, ou intuito personae, designação que deriva de o cargo não ser transmissível nem em vida nem por morte, face à sua infungibilidade (artigo 2095.º C.C.)

13. A infungibilidade da obrigação da cabeça do casal origina que a impossibilidade de cumprimento da prestação sem culpa deste tenha efeito liberatório da obrigação.

14. O cabeça-de-casal faleceu em 2015/04/14, obviamente, por causa que lhe não foi imputável.

15. Após o despacho que declarou a suspensão da instância no apenso transcorreram mais de seis meses sem que existisse impulso processual por quem tinha o ónus de o fazer.

16. Pelo que aquela instância está deserta, o que deverá ser declarado pelo Mmo. Juiz a quo, por simples despacho (artigo 281.º n.º 4-CPC) e, consequentemente, extinta.

Termos em que dado provimento ao presente recurso estarão V. Exa. Como sempre a fazer a Acostumada Justiça!

3. O requerente F (…) contra-alegou, concluindo que:

1) A douta decisão recorrida está devidamente fundamentada de acordo com as normas jurídicas e com a jurisprudência seguida.

2) A fundamentação está assente nos factos e documentos juntos aos autos.

3) Pelo que, a douta decisão da matéria de facto, deverá manter-se nos seus precisos termos, por se encontrar em consonância com a prova produzida nos autos.

4) A douta decisão recorrida está ainda de acordo com o direito, não enfermando de qualquer nulidade, erro na apreciação da prova ou aplicação do direito, nem viola qualquer norma legal.

5) Devendo assim o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida nos precisos termos em que foi proferida.

Assim, se fará Justiça

II – Factos Provados

1º - F (…) propôs a 31/12/2012 acção de prestação de contas nº 996/05.6TBACB-A, que constituem os autos principais, contra a (aí) ré/requerida A (…) alegando, muito em suma e para além do mais, que esta foi nomeada cabeça de casal no âmbito do processo de inventário nº 996/05.6TBACB, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, para partilha das heranças deixadas por óbito de M (…) e de J (…); que a ré, desde tal nomeação, administra a herança, fazendo o que bem entende com os bens da herança, e que nunca prestou contas de tal administração; tendo peticionado em tal acção que a ré preste contas de todos os actos praticados desde que assumiu o cargo de cabeça de casal das referidas heranças, para apuramento e aprovação das receitas obtidas e despesas realizadas e, a sua condenação, sendo caso disso, no pagamento do saldo que vier a apurar-se.

2º - Em tal acção de prestação de contas, por requerimento do aí Chamado F (…) de 18/12/2015, foi requerido que a correspondente instância fosse julgada deserta nos termos do art. 281º, nºs 1 e 4, do CPC.

3º - Por despacho proferido a 14/01/2016, já transitado em julgado, foi indeferido tal requerimento.

4º - A (…) faleceu no dia 14/04/2015, no estado de viúva.

5º - T (…), A (…), S (…) e B (…) são os únicos filhos de A (…)

6º - A (…) não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Nulidade da decisão.

- Deserção da instância no processo de prestação de contas.

- Habilitação dos herdeiros da cabeça de casal.

2. Os recorrentes pretendem que o facto 3., no segmento referente ao trânsito em julgado seja eliminado (conclusões 1. e 2.).

Não vamos conhecer de tal impugnação, por irrelevante para a sorte da decisão e solução do recurso, pelas razões que explanaremos no ponto 4. infra.

3. Dizem também que a decisão é nula por omissão de pronúncia sobre a deserção da instância ocorrida na acção de prestação de contas (conclusões 3. e 4.). Equivaleria tal alegação à nulidade prevista no art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC.

Não têm razão, porque o julgador a quo pronunciou-se sobre essa questão, como se vê do seguinte trecho que se transcreve “Um dos fundamentos de … oposição é que a acção principal está extinta por deserção. Todavia, tal fundamento está prejudicado em face da decisão proferida por despacho de 14/01/2016, já transitado em julgado, que indeferiu o requerimento para que fosse julgada deserta tal instância nos termos do art. 281º, nºs 1 e 4, do CPC”. Não procede, assim, tal arguição.

4. Alegam, também, os apelantes que a instância da acção principal de prestação de contas está extinta por deserção da instância (conclusões 5. a 10. e 14. a 16.). Com o devido respeito, e passe a expressão, os recorrentes dão “um tiro ao lado” do que interessa aos presentes autos, em virtude de terem desfocado a questão relevante e decidenda.

A acção principal de prestação de contas, que corre no apenso-A é independente do presente incidente de habilitação, que corre no apenso-B. São, assim, instâncias diferentes. É claro que uma extinção da instância, por deserção, naquela acção se repercutiria na instância do presente incidente (nos termos do art. 277º e) do NCPC). Mas até que isso eventualmente aconteça ambas as instâncias permanecem independentes e autónomas.

Por conseguinte, se os ora apelantes entendem que houve lugar à deserção da instância naquela acção é aí que terão de pugnar pela declaração da sua extinção, e depois em caso de resposta afirmativa retirar as consequências legais. Mas não, obviamente, na instância do presente incidente.

Aliás, nessa acção de prestação de contas já houve despacho judicial, a requerimento de um interessado, a indeferir o pedido de desistência da instância, só ultrapassável mediante recurso, caso ainda seja possível interpô-lo. Daí que se torne evidente, agora, a irrelevância da pretendida alteração da matéria de facto referida no ponto 2. supra. Na verdade, se o despacho já transitou não houve qualquer extinção da instância por deserção. Se ainda não transitou é susceptível de recurso e de alteração, mas até lá não existe qualquer extinção da instância, por deserção. Tudo sem prejuízo de os ora apelantes eventual e oportunamente virem a pugnar pela referida extinção da instância nessa acção. No presente incidente é que não.  

5. Quanto à habilitação defendem os recorrentes que a obrigação de prestação de contas é infungível (conclusões 11. a 13.). Na decisão recorrida escreveu-se que:

“O outro fundamento da oposição é o de que a obrigação de prestação de contas pelo Cabeça de casal é infungível, ou intuito personae, pelo que a impossibilidade de cumprimento por parte do cabeça de casal por causa que lhe não é imputável e de caracter permanente e irremovível, como é o caso de morte deste, tem efeito liberatório da obrigação, tornando consequentemente impossível ou inútil a continuação da lide da prestação de contas, o que dá origem à extinção da correspondente instância.

Salvo o devido respeito, que é muito, não concordamos com tal posição, pois sendo indiscutível que o cargo de cabeça de casal não é transmissível em vida nem por morte, tal como estatuí o artº 2095º do Código Civil, não se discutindo a transmissibilidade mortis causa em tal cargo, há que determinar se a relação jurídica em causa – a obrigação de prestação de contas por parte da cabeça de casal nos autos de Prestação de Contas em curso - há-de manter-se, transmitindo-se tal obrigação para os sucessores da cabeça de casal, na qualidade de herdeiros desta, ou se se deve extinguir em razão da sua natureza ou por força da lei, nos termos do disposto no artº 2025º, nº1 do Código Civil, o qual dispõe: «Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei».

Como bem se refere no d. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/05/2013 (acessível in www.dgsi.pt, processo 345/09.4TBBRG-A.G1), que se segue de perto, não se tratando de discutir a transmissibilidade no cargo de cabeça de casal, e nenhuma outra disposição legal a tal dispondo, não ocorre causa legal de extinção da obrigação de prestação de contas.

Resta, assim, apreciar, se deve tal relação jurídica extinguir-se em razão da sua natureza, havendo que distinguir-se a intransmissibilidade das obrigações de carácter pessoal da transmissibilidade daquelas que se revestem de índole patrimonial.

Como refere o Prof. Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais”, vol. III, pg.62, a obrigação de prestar contas que a lei comete ao cabeça de casal, anualmente, “é transmissível por via hereditária (ibidem artº 2025º-1), incumbindo, pois, aos herdeiros de cabeça de casal que dela se não obrigou”, remetendo o Ilustre Prof. Para a jurisprudência dos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/84, BMJ 335/296, e, Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial, I, 276, e, Ac. RL, de 18/6/1985, in CJ, X, Tomo 3, pg.167, decisões que, igualmente, referem a natureza de índole patrimonial da obrigação de prestação de contas, e, assim, a sua transmissibilidade mortis causa, constando dos respectivos sumários: Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/84: “- II. Tendo falecido, sem prestar contas, o sócio que exercia de facto as funções de gerente, tal obrigação de prestação de contas à transmissível aos seus herdeiros”; Ac. RL, de 18/6/1985 – “A obrigação de prestar contas, não sendo de carácter pessoal, transmite-se aos herdeiros do sócio gerente falecido”.

Mais se referindo no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, supra citado, com referência à transmissibilidade da obrigação de prestar contas: “O disposto nos artigos 2024º e 2025º do Código Civil impõe resposta afirmativa ao definirem o âmbito da sucessão por morte (….) São meras relações de ordem patrimonial, por isso transmissíveis. É esta, aliás, a doutrina antiga deste Supremo Tribunal (…)”.

Concluímos, a par da jurisprudência e doutrina citadas, ter natureza patrimonial a obrigação de prestar contas, nomeadamente do cabeça de casal, in casu referente ao período de tempo em que a falecida cabeça de casal exerceu o cabeçalato, e, que assim, se transmite aos respectivos herdeiros por via sucessória.

No mesmo sentido se pronunciaram outros arestos, nomeadamente o d. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/2011 (acessível in www.dgsi.pt, processo 3717/05.0TVLSB.L1), em cujo sumário se pode ler o seguinte:

«I - A natureza patrimonial da obrigação de prestar contas revela-se nomeadamente no próprio objecto da acção, a que alude o art. 1014.º do CPC que visa o “apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”, operações estas que assumem um carácter predominantemente patrimonial.

II - Também o que importa no âmbito dessa acção, em termos de obrigação de prestar contas, é quem de facto administra bens alheios, independentemente da fonte que gera essa obrigação.

III - Uma coisa é a intransmissibilidade do cargo de cabeça de casal, a que alude o art. 2095.º do CC e outra bem diferente é a própria natureza da obrigação de prestar contas, por quem administra património alheio, como afinal acontece no caso em apreço.

IV - E uma coisa é a pessoalidade do cargo de cabeça de casal e outra é a natureza da obrigação de prestar contas a que está obrigado, o que significa que o facto do cargo de cabeça de casal ser de natureza pessoal, não faz com essa pessoalidade se transmita também à obrigação de prestar contas.

V - E sendo a obrigação de prestar contas de natureza patrimonial, ela é susceptível de transmissão para os respectivos herdeiros de quem fez administração de bens alheios, não se verificando, por isso, em sede de acção de prestação de contas, a impossibilidade originária da lide pelo facto de ter ocorrido a morte de quem exerceu essa administração.».

Sendo, pois, admissível a habilitação de herdeiros na situação em apreço, torna-se desnecessário recorrer à nomeação de um curador especial prevista no art. 2074º, nº 3, do Código Civil.”.

Este discurso jurídico mostra-se acertado, tendo ponderado as normas legais pertinentes e a jurisprudência e doutrina relevante, pelo que merece ser acompanhado.

Ex abundanti, podemos acrescentar, mais algumas notas.

O incidente de habilitação tem por objecto determinar quem tem a qualidade que o legitime para substituir a parte falecida. Na verdade, pelo processo incidental apenas se trata de averiguar se o habilitado tem as condições legalmente exigidas para a substituição; não se aprecia a sua legitimidade senão como substituto da parte falecida, pois é nesta, como parte substituída, que reside ou deve residir originalmente a legitimidade (vide E. Lopes-Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância, 1992, pág. 297). Ou seja, o habilitado apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este último competiam, ficando sujeito à sua anterior actuação processual e devendo aceitar a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando para o futuro e dentro destes limites, o processo.

Assim, a habilitação-incidental tem como efeito que o sucessor é habilitado não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido (vide Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. I, 1982, pág. 575).

Assim, o que está verdadeiramente em jogo, não é a intransmissibilidade, em vida ou por morte do cargo de cabeça-de-casal, como dita o aludido art. 2095º do CC, mas sim saber, face ao mencionado art. 2025º, nº 1, do CC, se constituem objecto da sucessão as relações jurídicas que não devam extinguir-se por morte do respectivo titular, ressalvadas as naturais ou ditadas por lei.
Ora, sabendo nós que o cabeça-de-casal está obrigado a prestar contas, nos termos do art. 2093º do CC e 941ºe 947º do NCPC, é para nós evidente, que a feição de tais normativos legais demonstra que a prestação de contas reveste uma obrigação de natureza eminentemente patrimonial. E como tal, a obrigação de prestar contas é transmissível aos herdeiros da pessoa a tanto obrigada.

Como se concluiu no citado Ac. do STJ de 16.6.2011 - que refere que traduzindo-se a obrigação de prestar contas essencialmente no apuramento de receitas obtidas e despesas realizadas por quem administra bens alheios, com vista a apurar-se um saldo final - dúvidas parecem não existir quanto ao carácter patrimonial dessa obrigação. Aresto que contraria o Ac. do STJ de 29.11.2005, CJ, T. III, pág. 149 (invocado pelos recorrentes), e muito bem, quando refere que este último acórdão se “esqueceu” de analisar esta realidade da natureza patrimonial da obrigação de prestar contas.

Por conseguinte, não sendo uma obrigação insusceptível de sucessão, nem estando a sua transmissão afastada expressamente pela Lei, não se descortina existir fundamento legal pertinente que obrigue a não aderir ao entendimento maioritário da jurisprudência e da doutrina acima referidas. Isto é, a obrigação de prestar contas que a lei comete ao cabeça-de-casal é transmissível via hereditária, incumbindo, pois, aos herdeiros do cabeça-de-casal que dela se não desobrigou.

Sendo esse o entendimento acabado de explanar aquele a que aderimos, amparados, ainda, noutra jurisprudência, concretamente no Ac. da Rel. Lisboa de 14.11.2000, CJ, T. V, pág. 97, no Ac. da Rel. Guimarães de 15.10.2013, Proc.3527/09.5TBBRG-A e no Ac. desta Rel. de 2.2.2016, Proc.91/14.7T8SEI, (os dois últimos invocados pelo recorrido) ambos disponíveis em www.dgsi.pt.  

No nosso caso, e referentemente ao período de tempo em que a falecida cabeça-de-casal exerceu o cabeçalato, a sua obrigação de prestação de contas, como não podia deixar de ser, transmite-se aos respectivos herdeiros por via sucessória (a não ser assim, é motivo para perguntar, quem tinha a obrigação de prestar contas ?). É de manter, pois, a decisão recorrida. 

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não pode ser pedida na instância de incidente de habilitação de herdeiros (apenso-B) a extinção da instância, por deserção, da acção principal (apenso-A);

ii) O incidente de habilitação visa determinar as pessoas que podem ocupar no litigo a posição/lugar do falecido, falecido no qual reside ou deve residir originalmente a legitimidade, e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância;

iii) Porque a obrigação de prestar contas do cabeça-de-casal é eminentemente de natureza patrimonial, essa obrigação transmite-se aos herdeiros do cabeça-de casal, por morte deste, não conduzindo obrigatoriamente à extinção da respectiva instância nos termos do art. 269º, nº 3, do NCPC.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelos recorrentes.

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  Coimbra, 28.6.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias