Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
465/12.8TBBBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
AUTORIA
ASSINATURA
FORÇA PROBATÓRIA
OPOSIÇÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, ALCOBAÇA, INSTÂNCIA CENTRAL – 1.ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 374.º E 376.º DO CÓDIGO CIVIL E 574.º N.º 3 DO NCPC
Sumário: 1. A assinatura de um documento particular considera-se verdadeira, quando reconhecida ou não impugnada, pela parte contra quem o documento é apresentado.

2. E o reconhecimento da autoria de um documento particular, tem por consequência que se tenham de ter por provadas as declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.


3. Daqui resulta, pois, que se vier a apurar-se que a assinatura aposta na referida “Declaração” é efectivamente da executada, nos termos expostos, tem de dar-se por provado que a mesma foi a beneficiária do empréstimo a que naquela se alude, caso em que, já não lhe é lícito afirmar que desconhece quem é a pessoa que lhe emprestou tal quantia, porque tal
declaração equivale a confissão dado tratar-se de facto pessoal.

Decisão Texto Integral:

            Comarca de Leiria, Alcobaça, Instância Central – 1.ª Secção de Execução

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            Por apenso à execução comum, para pagamento de quantia certa, em que figura como exequente A... e executada B... , já ambas identificadas nos autos, veio a executada deduzir oposição, através dos presentes embargos de executado, peticionando a final a sua absolvição.

            Para tal, alega, em resumo, que inexiste título executivo, com o fundamento em que não é da sua autoria a assinatura aposta no pretenso documento que titula a dívida exequenda.

            Mesmo que assim se venha a considerar, tem de julgar-se ser a exequente parte ilegítima, com o fundamento em que no alegado documento que titula o crédito exequendo, apenas consta a identificação da credora como sendo “D. AA... ”, que pode ser não necessariamente a pessoa que figura como exequente, ou seja, a embargante, para além de impugnar a assinatura que do mesmo consta, como sendo da sua autoria, coloca, também, em crise que a pessoa que nele consta como credora, seja a ora exequente.

            Por último, a embargante impugna a existência do alegado mútuo, que é invocado no requerimento executivo.

            Depois de liminarmente admitidos e deles notificada, a exequente pugna pela improcedência dos embargos deduzidos à execução que promove, com o fundamento em que, mediante contrato de mútuo, celebrado em 14 de Fevereiro de 2007, entregou à executada a quantia de 15.000,00 €, cf. consta da declaração de dívida assinada por esta e é confirmado através de declaração de justificação emitida pela C... , pelo que o documento em causa constitui título executivo, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, al. c), do CPC, por ser da executada a assinatura que do mesmo consta.

            No tocante à alegada ilegitimidade, alega que só devido à sua idade avançada não reparou que na referida declaração de dívida não consta o seu nome completo, mas que a referência ali feita à “D. AA... ”, se refere a si, pelo que é, efectivamente, a sua pessoa que ali é mencionada como tendo emprestado à executada a quantia nela referida, do que decorre a sua legitimidade para promover os termos da execução que intentou.

            Quanto à existência do mútuo reitera a veracidade dos factos que alegou e pede a condenação da embargante por litigância de má fé.

Em consequência, conclui pela improcedência dos embargos.        

Com dispensa de audiência prévia, foi proferida a decisão de fl.s 36 a 39, na qual se julgou procedente a invocada excepção de ilegitimidade da exequente, com a consequente executada da instância.

Inconformada com a mesma, recorreu a exequente A..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 35 – verifica-se um erro de paginação: de fl.s 73 retorna-se a 34), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

a) Por força do disposto no artigo 46.º n.º 1 alínea c) do código de processo civil segundo a redacção aplicável à data da entrada do requerimento executivo,  “ a) podem servir de base à execução para pagamento de quantia certa os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importam constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes”.
b) Por contrato de mútuo celebrado em 14 de fevereiro de 2014 a exequente emprestou à executada a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) tendo a recorrida emitido e manuscrito uma declaração de divida à aqui recorrente onde declara que recebeu nessa data como empréstimo de D. AA... a quantia peticionada nos autos.

c) A recorrida sempre reconheceu a dívida perante a recorrente, encontrando-se esse documento particular devidamente identificado com o nome da devedora e com o nome da Recorrente, nome pela qual é conhecida publicamente, sendo este documento per si titulo executivo, o qual foi ainda acompanhado de outro documento emitido pela instituição de crédito sacada a C... onde consta aposta a data em que ocorreu a entrega da quantia mutuada.

d) A recorrida invocou previamente a sua falta citação nos autos, no entanto foi verificado que a citação foi devidamente realizada, não conformada deduziu embargos de executado, alegando a inexistência do título dado à execução, e da sua análise ao documento dado à execução como título considerou que a assinatura não é integralmente legível impugnando a autoria da assinatura e a veracidade das referidas letras e assinatura, conforme art 374.º n.º 2 do CCivil.

e) A Recorrente apresentou prova (documento bancário) e outros escritos redigidos pela recorrida que atestam que o documento foi redigido e assinado pela recorrida e descreveu as circunstâncias e factos em que a quantia mutuada foi entregue à recorrida, oferecendo ainda prova testemunhal de modo a assegurar o ónus da prova:

f) Inconformada a recorrida alegou o disposto no artigo 55.º n.º 1do CPC na sua anterior redacção em que refere que toda a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no titulo tenha a posição de devedor, considerou que não assistia legitimidade processual à exequente aqui Recorrente para demandar a executada porque no documento consta como credora o nome D. AA... concluindo por isso que este nome não é necessariamente da Exequente;

g) Afirmou ainda que a Exequente e aqui Recorrente se arroga dessa qualidade mas tal não se sobrepõe a uma realidade objectiva – a de que não há identidade entre a sua pessoa e a referida no documento dado à execução, arguindo assim a excepção de ilegitimidade processual da exequente, consubstanciada na inexistente identificação da mesma no documento manuscrito que como título executivo foi assinado pela devedora aqui Recorrida, excepção que no seu entendimento deve levar á absolvição da Executa ora recorrida.

h)   Impugnou ainda a recorrida a factualidade carreada aos autos pela Exequente ora Requerente, por não ter celebrado qualquer negócio jurídico com a Exequente e ora Recorrente cujo cumprimento se pretendia por via da execução;

i) Efectivamente a Recorrida sabe que celebrou um contrato de mútuo em 14 de fevereiro de 2007, com a Exequente e ora Recorrente A... , tendo esta lhe entregue de empréstimo a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) conforme atesta a declaração manuscrita pela própria junta ao requerimento executivo e assinada pela Recorrida assim como o documento emitido pela C... (Declaração de justificação da dívida).

j)  E dos fatos não se pode ignorar que os dois documentos foram manuscritos e redigidos no mesmo Local ( C... ) em simultâneo e na mesma data pela Recorrida e nos dois são identificadas quer Exequente – D. AA... e Recorrida - B... .

k) Ora há identidade objectiva onde pelo título e da sua leitura apuramos que D. AA... e A... são a mesma pessoa e são a mesma identidade e esta figura no documento particular dado à execução como prova o documento de saque do Banco emitido no mesmo dia, pelo que há legitimidade processual da Exequente A... como Credora;

l) Aliás o alegado princípio da prova da Recorrente por aplicação do artigo 374.º nº 2 do Código Civil, foi pelo tribunal aquo preterida, não permitindo a demonstração dos fatos, precludindo o direito da Exequente e ora Recorrente de ser ressarcida da quantia mutuada , conforme explicitou na sua contestação a relação material subjacente à divida, contrariando a tese da Recorrida que afirma não ter existido qualquer fato gerador da obrigação.

m) O tribunal decidiu pela ilegitimidade da Exequente mas vejamos:

“Não quer isto dizer que todos os documentos dados à execução tenham de conter o nome completo e/ ou elementos de identificação do credor/devedor, afigurando-se que bastará pelo teor do documento e das assinaturas, se consiga estabelecer, sem qualquer dúvida a identidade das pessoas (em especial de quem  assume a posição de devedor), o que entendeu não suceder no caso concreto quanto à identidade do credor.

n) Ora salvo melhor opinião, verifica-se a literalidade do título executivo com a declaração de divida apresentada onde refere D. AA... , ou seja não consta o nome completo mas a Exequente e Credora são a mesma pessoa e têm a mesma identidade, logo pela prova junta aos autos, o tribunal a quo deveria ter apurado em sede de embargos de executado e com a Contestação se as circunstâncias, os fatos descritos e contrato de mútuo ocorreu nos termos e condicionalismos descritos.  

o) Pelos articulados e pela matéria de fato alegada impunha-se ao Juiz não um poder arbitrário mas o poder –dever ou poder funcional “poder prevenção”, ou seja o dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos (in Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág 65).

p) Para que um documento particular possa valer como título executivo relativamente a quem nele figura como credor em conformidade com o artigo 46.º n1 alínea c) basta que o mesmo esteja assinado pelo referido devedor, sendo irrelevante para exequibilidade do título a circunstância de o nome do devedor e demais elementos de identificação não constarem no texto do documento. Ou seja o indispensável para que o documento particular possa valer como título executivo é que esteja assinado pelo devedor, pois é com essa assinatura que subscreve o seu teor, assumindo ou reconhecendo a obrigação que nele é mencionada. (in acórdão do tribunal da relação de Coimbra, proc 5366/09.4T2 AGD-A C.1).

q) Esse título executivo pressupõe força legal suficiente para servir de base à execução. È o título executivo que determina o fim e os limites da execução. O artigo 46.º nº 1 alínea c) dispensa o uso do processo declarativo de condenação, quando não existe controvérsia sobre a existência de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável, situação que a Exequente se propôs provar em sede de resposta aos embargos da executada, deduzindo na sua contestação os fatos que materializaram a relação jurídica subjacente.

r) A ilegitimidade da Exequente não se mostra objectivamente, existindo fatos e indícios suficientes nos autos que não podem ser abalados pelas presunções operadas pelo juízo decisório vertido na sentença, logo procedendo a oposição nos autos pela falta de título por considerar-se a ilegitimidade da Exequente, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas.

s) A Exequente e Recorrente tem essa titularidade conferida pelo título, em demandar e contradizer e ao contrário do alegado o documento escrito dado à execução configura um declaração de dívida típica, que deveria ter sido discutida em sede de embargos/Contestação por meio de audiência de julgamento.

t) Acresce que não pode confundir-se a legitimidade com o mérito da causa, por muito que tal nem sempre se revele fácil. Se a interpretação do documento implicar a conclusão que a executada não é responsável perante quem veio executar a dívida nos autos – A... , a questão é de mérito, no entanto em sede de legitimidade o que formalmente se constata (do título) é que a executada assumiu no documento (título dado à execução) pagar ao credor identificado como D. AA... o montante de 15.000,00€ (quinze mil euros) e a Exequente é D. AA... mas o seu nome completo é A... , pelo que conforme o disposto no art.º 55.º n.º 1 do CPC, ela figura como credora e a Executada como devedora;

u) Esta questão impunha ao tribunal a livre apreciação da prova o que se verificou não acontecer, por decisão de mero despacho de absolvição da instância;

v) A sentença do tribunal a quo Não considerou o vertido pela Requerente, da relação material subjacente ao título, não apreciando matéria que devia apreciar violando o disposto no art.º 668 n.º 1 alínea d) do CPC à época dos fatos pelo deve ser decretada a sua nulidade.

w) A sentença proferida é contraditória quando refere que “No âmbito da acção executiva não cabe apurar se a exequente é a pessoa que emprestou a quantia monetária se tal não resultar já do título executivo, em termos de literalidade, porque equivaleria a produzir prova sobre legitimidade material. Não quer isto dizer que todos os documentos dados à execução tenham de conter o nome completo e/ ou elementos de identificação do credor/devedor, afigurando-se que bastará pelo teor do documento e das assinaturas, se consiga estabelecer, sem qualquer dúvida a identidade das pessoas (em especial de quem  assume a posição de devedor), o que não sucede no caso concreto quanto à identidade do credor. No entanto por não constar o nome completo da Exequente e só D. AA... entende que não há literalidade nem identidade da Exequente, violando assim o disposto no art.º 668 n.º 1 alínea c) do CPC segundo a redacção anterior.

Pelo exposto

Nestes termos, deve julgar-se o recurso procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, como é imperativo da lei e da JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

           

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a da ilegitimidade da exequente, para os termos da presente execução.

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede, a que deve acrescentar-se a seguinte:

1. Cf. fl.s 45, a exequente, no requerimento executivo, aqui dado por reproduzido, invocou a seguinte causa de pedir:

“ A Exequente celebrou um contrato de mútuo em 14/02/2007, com a executada no valor de 15.000,00 € mediante documento particular, para a executada realizar um pagamento urgente tendo sido convencionado que seria por uns dias não tendo porém e apesar das interpelações até à presente data entregue à exequente a quantia em dívida …”.

2. O documento particular a que se refere o item anterior, é manuscrito e encontra-se junto, por fotocópia, a fl.s 51, aqui dado por integralmente reproduzido, com o seguinte teor:

“Declaração

B... com BI (...) , declaro que recebi da D. AA... neste dia o Empréstimo de 15 mil euros que assumo na totalidade este empréstimo e que lhe pago entre um mês e meio, dois meses e que lhe pago o juro correspondente ao mesmo do banco.”.

Após o que se segue uma assinatura.

3. Cf. doc. de fl.s 52, aqui dado por inteiramente reproduzido, encontra-se junta aos autos cópia de um doc. denominado “Declaração de Justificação”, constituído por impresso próprio da C... , em que se refere como “Tipo de Operação”, o levantamento da quantia de 15.000,00 €, na Agência da C... nas (...) datado de 14/12/2007, por reporte a uma conta nela identificada, de que é titular A... e em que é identificada como “Interveniente/Beneficiário B... e em que no quadro designado por “Justificação de Fundos e Identificação do Beneficiário, consta, de forma manuscrita, o seguinte

“O levantamento de 15,000 euros vai servir para empréstimo à D. B... ”.

Segue-se uma assinatura, atribuída à Declarante “(...)”, a que se seguem outras duas, de funcionários da C... .

Se a exequente é parte legítima para os termos da presente execução.

Como resulta do que acima se referiu, importa aferir se a exequente é ou não, parte legítima para como tal figurar nos presentes autos de execução.

Defende a executada que a mesma carece de legitimidade para tal, porquanto, do confronto com o título para tal apresentado, não se pode concluir que seja a exequente a pessoa que ali consta como credora.

A decisão recorrida sancionou tal entendimento, com os seguintes fundamentos:

“Vertendo ao caso concreto, verifica-se que o credor que figura no título executivo é “D. AA... ” (a pessoa que terá emprestado a quantia monetária à subscritora do documento em causa), sendo que a exequente é A... .

A exequente alega que a “D. AA... ” é a própria, suportada ainda no documento que serviu de “declaração de justificação” no banco em que se operou o levantamento dos funso.

Sucede que, efectivamente, do título executivo não resulta a identidade concreta da pessoa aí identificada como “D. AA... ” e o documento intitulado “declaração de justificação” não se encontra assinado pela executada e não constitui, portanto, título executivo, para efeitos do anterior art. 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC (na versão vigente a 31/08/2013).

Assim, numa análise literal do título executivo não é possível retirar a identidade concreta do credor, nomeadamente no sentido de considerar a exequente como a pessoa a favor de quem foi efectuado o reconhecimento ou a confissão da dívida.

Por outro lado, afigura-se que se trata de matéria que não pode estar sujeita a prova, porquanto, conforme já se referiu, “a legitimidade das partes no domínio da acção executiva não radica na posição das mesmas no âmbito da relação material controvertida”. Dito de outra forma, no âmbito da acção executiva não cabe apurar se a exequente é a pessoa que emprestou a quantia monetária se tal não resultar já do título executivo, em termos de literalidade, porquanto equivaleria a produzir prova sobre a legitimidade material.

Não quer isto dizer que todos os documentos dados à execução tenham de conter obrigatoriamente o nome completo e/ou elementos de identificação do credor e/ou do devedor, afigurando-se que bastará que pelo teor do documento e das assinaturas, se consiga estabelecer, sem qualquer dúvida, a identidade das pessoas (em especial de quem assume a posição de devedor), o que não sucede no caso concreto quanto à identidade do credor.

Assim, no caso concreto, afigura-se que, face à literalidade do título, se verifica uma situação de ilegitimidade activa da exequente e, em consequência, a exequente carece previamente de definir o seu direito de crédito sobre a ora executada através do recurso a uma acção declarativa.”.

Desde já adiantando a solução a dar a esta questão, não pode concordar-se com a conclusão a que se chegou na decisão recorrida.

Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 55.º, n.º 1, do CPC (53.º, n.º 1 do NCPC):

“A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”.

Daqui resulta, como refere Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois Da Reforma 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág. 121, que, na acção executiva, a legitimidade se afere pelo confronto entre as partes e o título executivo, bastando ver quem ali figura como credor e como devedor.

O que leva a que, como escreve Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, a pág. 75, se conclua que a legitimidade, na acção executiva, se afere através de um critério formal: figurar no título como credor ou como devedor.

O título executivo constitui, assim, a referência para aferir da legitimidade das partes na acção executiva, de modo a que “o autor é sempre determinado, mesmo que seja apenas determinável, em face do título … tem legitimidade executiva quem é o titular, pelo título ou a partir dele, da relação material como o autor a configura.” – cf. Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2013, a pág.s 298 e 299.

Por último, convém realçar que a referência feita nos artigos 55.º, n.º 1, do CPC e 53.º, n.º 1, do NCPC, remete para a “pessoa que no título executivo figure como credor” e não para o nome que aí conste.

Efectivamente, o que releva é que se averigúe se a pessoa que surge como exequente é a que figura no título executivo como credor, independentemente de o nome que aí consta, corresponder ou não, na totalidade, ao verdadeiro ou ao nome porque essa pessoa é conhecida.

É que não será difícil imaginar situações em que uma pessoa seja conhecida ou use um nome que não corresponda ao seu verdadeiro nome, ou sem que se faça a referência à totalidade do nome (v. g. o uso de alcunha, nome abreviado, nome completado pela referência a nome de familiares, sendo muito comum, principalmente, nos meios rurais, que uma determinada pessoa seja conhecida pelo nome próprio por referência ao nome da mãe ou outro familiar), casos em que, ainda assim, não se pode pôr em crise que se trata de uma certa e determinada pessoa, não obstante não constar do título o “nome oficial” da pessoa que ali figura como credor, uma vez que, reitera-se, o relevante é que o exequente seja a pessoa que no título figure como credor.

Volvendo ao caso dos autos, temos que no título executivo figura como credora, a “D. AA... ”, sendo certo que a exequente se chama A... .

Pelo que, importa averiguar se esta “D. AA... ” é ou não a pessoa que aqui aparece como exequente, se é ou não, a pessoa que emprestou o dinheiro à aqui executada, a que se alude na referida “Declaração”.

Averiguação, esta que, salvo o devido respeito, ainda nesta fase processual não pode ser concluída, por os autos ainda não conterem todos os factos para tal relevantes e só neste caso, cf. artigo 595.º, n.º 1, al. a), do NCPC, se poderia conhecer da invocada excepção de ilegitimidade da exequente.

E os autos não contêm todos os elementos para que, desde já, se possa conhecer da questão da ilegitimidade da exequente, porquanto a executada impugnou a veracidade da autoria, que a exequente lhe imputa, relativamente à assinatura aposta na declaração que constitui o título executivo, em face do que importa convocar o disposto nos artigos 374.º e 376.º do Código Civil.

De acordo com estes preceitos, a assinatura de um documento particular considera-se verdadeira, quando reconhecida ou não impugnada, pela parte contra quem o documento é apresentado.

E o reconhecimento da autoria de um documento particular, tem por consequência que se tenham de ter por provadas as declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante – cf. artigo 376.º, n.os 1 e 2, CC.

Daqui resulta, pois, que se vier a apurar-se que a assinatura aposta na referida “Declaração” é efectivamente da executada, nos termos expostos, tem de dar-se por provado que a mesma foi a beneficiária do empréstimo a que naquela se alude, caso em que, já não lhe é lícito afirmar que desconhece quem é a pessoa que lhe emprestou tal quantia.

Isto porque, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º 3, do NCPC “Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.”.

Ora, a provar-se que pertence à executada a assinatura aposta na referida “Declaração”, esta já não se pode defender (validamente) invocando o facto de desconhecer se a “D. AA... ” que ali figura é ou não a ora exequente. Sendo dela tal assinatura, ao defender-se desta maneira, nos termos do artigos ora citados, tem de se ter por confessado que assim é, por se tratar de facto que lhe é pessoal – tem de saber a quem pediu emprestada tal quantia!

Por tudo isto, impõe-se relegar para momento posterior o conhecimento da excepção em apreço, importando averiguar a identidade da pessoa que no título figura como credora e se corresponde ou não à pessoa que aqui aparece nas vestes de exequente, para o que, nos termos expostos, releva, igualmente, que se apure se a executada é ou não, a autora da assinatura aposta no documento que corporiza o título executivo, se esta foi ou não, aposta pelo seu punho.

Assim, ordena-se a baixa dos autos à 1.ª instância, devendo os mesmos prosseguir em conformidade com o ora decidido, ou seja, mediante instrução da causa a fim de averiguar da autoria da assinatura aposta no documento que constitui o título executivo e da identidade da pessoa que nele figura como credora, após o que se poderá/deverá conhecer da invocada excepção de ilegitimidade activa da exequente.

Não pode, pois, subsistir a decisão recorrida, procedendo o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso, em função do que se revoga a decisão recorrida, baixando os autos à 1.ª instância, onde os mesmos deverão prosseguir os seus ulteriores termos, em conformidade com o ora decidido.

Custas a fixar a final.

            Coimbra, 05 de Maio de 2015.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves