Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
339/08.7GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: IMPUTABILIDADE
INIMPUTABILIDADE
Data do Acordão: 11/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALEMTNE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 20ºDO CP
Sumário: 1. A imputabilidade, como elemento fundamental para a responsabilização penal, pressupõe a capacidade do agente de, no momento da prática dos factos, avaliar a ilicitude deste e de se determinar de acordo com essa avaliação.
2. O juízo de imputabilidade não pode fazer-se em abstracto, mas só em concreto, isto é em relação com um certo facto, num certo momento.
Decisão Texto Integral: 48

I. RELATÓRIO.

No processo comum nº 339/08.7GLRA.C1 J. foi condenado: (i) como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa; (ii) como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 180 (cento e oitenta) dias de multa por cada um deles; (iii) como autor material de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa; (iv) em cúmulo jurídico de tais penas, na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros); (v) na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 (seis) meses.

Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes MF e A o arguido foi condenado a pagar àqueles a quantia de € 7663,79 (sete mil seiscentos e sessenta e três euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.
Finalmente foi o arguido condenado nas custas do processo, fixando em 2 UC o valor da taxa de justiça devida (cfr. Artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 74º, 82º, nº 1 e 85º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais), acrescida de 1 %, por força do disposto no artigo 13º n.º 3, do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro e fixando-se ½ da taxa de justiça devida a título de procuradoria, bem como no pagamento dos honorários à Ilustre Defensora Oficiosa de acordo com a Tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, para além das custas do pedido cível na proporção do decaimento.

Não se conformando com a decisão, o arguido recorreu para este Tribunal.

Nas suas alegações, o recorrente conclui na sua motivação nos seguintes termos:
1.ª: Os pontos tidos por provados e descritos em 1. a 6. do item supra “Os concretos ponto de facto, considerados incorrectamente julgados”, face à prova globalmente produzida, numa análise interpretativa, critico-reflexiva e, à luz da experiência comum, mostram-se incorrectamente julgados;

2.ª: As provas a impor decisão diversa são, concretamente, as declarações do arguido e dos próprios queixosos e bem assim os depoimentos da testemunha FD, e ainda dos relatórios médicos de fls. 246 a 250 (Relatório de observação psicológica), fls. 330 (relatório medico), fis. 338 a 345 (relatório medico e psicológico), fls. 328, e fls. 207 a 209;

3.ª: Tudo conjugado, não poderia dar-se como não provado que: “A doença do arguido impedia-o de avaliam no momento em causa as consequências dos seus actos;”

4.ª: tendo sido dado como provado que o arguido “é portador de doença depressiva, com agravamento progressivo, sendo seguido no Centro de Saúde de Anadia desde 1983 e no Hospital Sobral Cid; Tal doença corresponde a uma perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar, conhecido como distúrbio de stress pós traumático, devido a experiencia na guerra colonial, quadro esse que se iniciou por volta do ano de 1977; Os sintomas mais marcantes são: irritabilidade, impulsividade, nervosismo, dificuldade no controle de impulsos, isolamento, períodos de alheamento, insónias, falta de iniciativa, tristeza, rebeldia, pensamentos recorrentes sobre a guerra; Antes de Outubro de 2008, o arguido encontrava-se descompensado; Actualmente o arguido está a recuperar, mas ainda não está curado; A doença de que padece tem levado a incapacidade para o trabalho; O arguido sofre de distúrbio de personalidade psicopático, de perigosidade social e imputável, impunha-se decisão diversa.

5.º: Na verdade, não estava o arguido, pela doença de que padece, em condições de reflectir, quando descarregava a sua fúria e a sua frustração, com um ferro, no veículo dos ofendidos, e, consequentemente porque se encontravam ambos junto do vidro, atingindo-os a ambos.

6.ª: A considerar um quadro de culpabilidade por parte do arguido, sempre se teria que considerar um quadro de negligência e não nenhum tipo de dolo.

7.º: O arguido não actuou de forma livre, voluntária e consciente.

8.ª: O Arguido a praticar os factos constantes na sentença, fê-lo sem consciência, sem intenção, nem sequer representando as consequências dos seus actos, dado ser portador de doença depressiva grave com os sintomas já relatados, com compromisso sério do seu comportamento, doença esta que impedia o Arguido à data da prática dos factos de avaliar a licitude e ilicitude da sua conduta e de pautar a sua actuação de acordo com essa avaliação.

9.ª: O Arguído é inimputável, porquanto se encontrava impedido à data dos factos de doença psíquica grave, que o impedia de avaliar as suas acções.

10.ª: Sempre seria de considerar que estamos perante um caso de inimputabilidade diminuída (art. 20.° n.°2 do CP), já que existe “uma base biológica grave, permanente, e que o agente não domina os seus efeitos”

11.ª: A considerar um quadro de culpabilidade por parte do arguido, sempre se teria que considerar um quadro de negligência e não nenhum tipo de dolo, o que levaria claramente à absolvição do mesmo em alguns dos crimes por que vinha acusado e por que foi condenado.

12.ª: Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram correctamente observados, interpretadas e aplicados os princípios gerais do direito penal e civil atinentes, nem os comandos legais vigentes, concretamente, o disposto nos artigos 32.0 n.°1 da CRP, artigos 70.°, 71.0, 20.°,

13.° O valor fixado pelo tribunal a título de danos não patrimoniais, afronta claramente as regras da boa prudência, o bom senso prático, de justa medida das coisa e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

15º: O tribunal violou os artigos 496º e 494º do CC.

Na resposta ao recurso o Ministério Público e os ofendidos pronunciaram-se pelo não provimento do recurso, devendo a decisão proferida ser mantida na integra, posição igualmente sustentada pelo Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação.

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II. FUNDAMENTAÇÂO

As questões que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação são: (i) impugnação da matéria de facto quanto ao julgamento relativo à imputabilidade do arguido; (ii) inexistência de culpa do arguido; (iii) existência de imputabilidade diminuida; (iv) actuação a título de negligência; (v) valor dos danos não patrimoniais fixados.

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Importa, num primeiro momento, atentar na decisão recorrida e na factualidade dada como provada pelo Tribunal, bem como na sua fundamentação.

A – DE FACTO

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 10 de Julho de 2008, cerca das 14h45, o ofendido A conduzia o seu veículo automóvel de matrícula 97-…, no IC 2, no sentido de marcha Condeixa-Leiria, seguindo como passageira a sua esposa, a ofendida M;
2. Ao chegar à zona de Venda.., Pombal, o arguido que seguia à retaguarda do veículo do ofendido, conduzindo o veículo pesado de mercadorias, de matrícula 21-…, com reboque, decidiu efectuar manobra de ultrapassagem;
3. Como o ofendido não tivesse abrandado a sua marcha, existiram trocas de gestos agressivos entre os dois condutores;
4. A determinada altura, o arguido atravessa o seu veículo à frente do ofendido, transpondo dupla linha contínua, isto de forma repentina, obrigando o mesmo a parar;
5. Acto contínuo, o arguido sai da sua viatura, munido de um ferro, com cerca de 50 cm de comprimento, e agrediu com o mesmo ambos os ofendidos, A e M, desferindo-lhes várias pancadas com o ferro, pelas diversas partes do corpo;
6. Em seguida, com o mesmo ferro atingiu com o mesmo o veículo do ofendido, na zona do tejadilho e na porta do condutor, provocando várias amolgadelas, vidros partidos e outros estragos;
7. Em consequência do descrito comportamento do arguido, sofreram os ofendidos:
- a M, traumatismo do cotovelo esquerdo, braço direito e perna esquerda, com várias equimoses, lesões que determinaram 15 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (8 dias);

- o A, traumatismo da mão esquerda e direita, com fractura do 4º dedo da mão esquerda;

8. O arguido efectuou a descrita manobra estradal intencionalmente – ultrapassagem e paragem repentina, com transposição de dupla linha contínua e consequente invasão da faixa de rodagem onde seguiam os ofendidos -, consciente que a mesma era apta a provocar uma colisão e a colocar em perigo a vida dos ofendidos, o que só não veio a acontecer devido à prontidão com que o ofendido imobilizou a sua viatura, admitindo tal possibilidade e conformando-se com a mesma;
9. Actuou com intenção concretizada de atingir os ofendidos na sua integridade física, ao atingir os mesmos com o ferro mencionado, provocando-lhes lesões conforme pretendia;
10. Sabia que o referido veículo automóvel não lhe pertencia e que ao provocar estragos no mesmo actuava contra a vontade do seu proprietário, conforme queria;
11. Em todos os descritos comportamentos, actuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo do carácter proibitivo dos seus comportamentos;
12. De seguida, o arguido fugiu do local sem prestar qualquer auxílio aos ofendidos que ali permaneceram feridos, envolvidos em sangue e cheios de dores;
13. Na sequência das lesões referidas em 7 o ofendido andou engessado na sua mão e braço esquerdos, o que o impossibilitou de trabalhar de 10 de Julho a 19 de Agosto de 2008;
14. A ofendida M é portadora de um aparelho desfibrador cardíaco que tem como finalidade corrigir arritmias graves, muitas vezes mortais;
15. Na sequência da actuação do arguido, em 10.07.2008, entre as 15h25 e 15h26, M teve duas crises de taquicardia ventricular, a primeira com a duração de 11 segundos e a segunda com a duração de 40 segundos, que poderiam conduzir, principalmente a segunda, pela sua duração, a situações graves de manutenção de sinais vitais, nomeadamente lesões cerebrais graves por isquémia ou por trombose;
16. Os ofendidos suportaram dores físicas em consequência dos traumatismos referidos;
17. Os ofendidos sofreram lesões psicológicas e traumas em consequência do comportamento do arguido;
18. Os ofendidos evidenciaram no seu dia a dia medo, ansiedade, instabilidade e a ofendida nervosismo em circular de automóvel na estrada;
19. Os ofendidos, casados entre si, são pessoas simples, pacatas, pacíficas, educadas, respeitadas por todos aqueles que com eles se relacionam;
20. Têm 3 filhos menores, com 16, 14 e 2 anos de idade;
21. Depois da agressão do arguido, os lesados sentiram bastante dificuldade em tratar convenientemente dos filhos que ainda exigem cuidados especiais, sobretudo o mais novo;
22. A ofendida viu-se obrigada a permanecer deitada durante horas por conselho médico, sendo ajudada na lida doméstica e cuidados dos filhos por vizinhas e familiares;
23. Os ofendidos suportaram a quantia de € 1,70 em exames médicos;
24. Em despesas de farmácia despenderam os ofendidos a quantia de € 15,05;
25. Em consultas médicas no Centro de Saúde gastaram os ofendidos a quantia de € 4,30;
26. Em atendimentos no Hospital Distrital de Pombal gastaram os ofendidos a quantia de € 19,80;
27. O automóvel propriedade do ofendido, com a matrícula 97…, danificado pelo arguido, foi rebocado, tendo aquele pago pelo serviço € 96,00;
28. O referido veículo do ofendido teve danos no lado esquerdo, lado do condutor, nomeadamente porta dianteira, vidro dessa porta, espelho retrovisor, estofos no interior;
29. Esse veículo foi reparado na oficina da Mazda – Auto-Sueco (Coimbra), Ldª, cujo valor da reparação - € 2.244,49 – foi suportado pela Companhia de Seguros Zurich, onde o ofendido fez o seguro para o seu veículo;
30. A título de franquia à oficina o ofendido pagou a quantia de € 636,00;
31. O ofendido tem que pagar à Companhia de Seguros Zurich o valor de € 280,94, durante quatro anos pelo agravamento na apólice de seguro;
32. A viatura do ofendido esteve imobilizada entre 10.07.2008 e 20.07.2008, com um custo diário de € 55,00, o que equivale a um prejuízo para o ofendido de € 550,00;
33. Para limpeza do sangue que existia nos bancos da frente do automóvel, o ofendido gastou a quantia de € 60,00;
34. O arguido é portador de doença depressiva, com agravamento progressivo, sendo seguido no Centro de Saúde de Anadia desde 1983 e no Hospital Sobral Cid;
35. Tal doença corresponde a uma perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar, conhecido como distúrbio de stress pós-traumático, devido à experiência na guerra colonial, quadro esse que se iniciou por volta do ano de 1977;
36. Os sintomas mais marcantes são: irritabilidade, impulsividade, nervosismo, dificuldade no controle de impulsos, isolamento, períodos de alheamento, insónias, falta de iniciativa, tristeza, rebeldia, pensamentos recorrentes sobre a guerra;
37. Antes de Outubro de 2008, o arguido encontrava-se descompensado;
38. Actualmente o arguido está a recuperar, mas ainda não está curado;
39. A doença de que padece tem levado à incapacidade para o trabalho;
40. O arguido sofre de distúrbio de personalidade psicopático, de perigosidade social e é imputável;
41. O arguido era motorista;
42. Está reformado, recebendo de reforma a quantia mensal de € 303,00;
43. Vive com a esposa, em casa própria, pagando pelo empréstimo relativo à aquisição da sua habitação a quantia mensal de € 500,00/€ 600,00;
44. A esposa do arguido faz limpezas num banco, auferindo mensalmente a quantia de € 150,00/€ 200,00;
45. Tem duas filhas maiores de idade, sendo estas que ajudam economicamente os pais;
46. O arguido gasta cerca de € 250,00 por mês em medicamentos, sendo a filha que suporta esta despesa;
47. De escolaridade tem a 4ª classe;
48. O arguido foi condenado, por sentença de 24.09.2009, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de injúria, na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, por factos praticados em 27.10.2007.

Não se provou que:

A doença do arguido impedia-o de avaliar, no momento em causa nos autos, as consequências dos seus actos;


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Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal no que respeita à factualidade provada formou-se com base nos documentos de fls. 5 a 7, 10 a 12, 57 a 59, 94 e 95, 114 a 115 (relatórios médico-legais), fls. 134 (declaração da entidade patronal do ofendido), fls. 135 (relatório médico relativo à ofendida), fls. 136 (recibos de farmácia), fls. 137 (Recibos do Centro de Saúde de Amor), fls. 139 e 141 (Recibos do Hospital Distrital de Pombal), fls. 143 (recibo do reboque), fls. 144 e 145 (relatórios de peritagem), fls. 146 (recibo da Auto-Sueco, Ldª), fls. 147 (declaração de G… Seguros), fls. 207 a 209 (relatórios médicos do arguido), fls. 210 a 212 (certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativa ao arguido), fls. 246 a 250 (Relatório de observação psicológica), fls. 330 (relatório médico), fls. 338 a 345 (relatório médico e psicológico) conjugados com a análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento.

Em primeiro lugar foram consideradas as declarações do arguido que confirmou que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação conduzia o veículo pesado identificado naquela peça processual, no IC 2, sentido norte-sul, estando em contacto com o rádio que normalmente costuma utilizar. Entrou em contacto com um colega, MD, através do dito rádio, e combinou parar numas bombas de gasolina para tomarem um café.

Confirmou que fez a ultrapassagem ao veículo conduzido pelo ofendido e que mais à frente parou o veículo que conduzia, saiu do mesmo com um ferro (chave de rodas), não se recordando de mais nada.

Esclareceu que sofre de stress pós traumático desde que veio do Ultramar, é medicado, admitindo como possível que os factos se tenham passado conforme relatado na acusação.

Por outro lado, foi considerado o depoimento espontâneo e credível do ofendido A que, apesar do seu interesse na causa, explicou ao tribunal a dinâmica dos factos em questão, por forma a convencer da veracidade das suas afirmações.

Com efeito, referiu que no dia e hora referidos na acusação conduzia o veículo identificado nos factos provados, no IC 2, sentido norte-sul, vinha acompanhado da sua esposa quando, depois de passar Condeixa, vê um camião a fazer sinais de luzes e a buzinar. Mais à frente, tal veículo pesado ultrapassou-o e atravessa-se à sua frente, obrigando-o a travar a fundo para evitar um embate.

Esclareceu que o arguido (que conduzia o referido pesado) pisou o duplo traço contínuo e fez a manobra numa zona onde já só existe uma via de trânsito.

De seguida, o arguido apareceu pela parte de trás do pesado com um tubo de ferro na mão e, utilizando tal instrumento, começa a bater no veículo do ofendido, partindo o vidro do lado do condutor. Adiantou que a sua esposa, a ofendida M F atira-se para cima dele, para defender o marido e o arguido desferiu-lhe o ferro nas pernas, desferindo também o ferro no corpo do ofendido, atingindo-o na mão. Na sequência de tal agressão a sua esposa ficou a sangrar, sendo socorrida por um indivíduo que se identificou como sendo bombeiro.

Por último, confirmou que o arguido abandonou o local dos factos.

Também as declarações da ofendida MF foram consideradas pelo Tribunal uma vez que da forma clara e lógica com que falou ficou-nos a convicção de que falava verdade.

Explicou a dinâmica dos factos desde o momento em que ela e o marido circulavam no IC 2 e o veículo pesado conduzido pelo arguido seguia atrás, esclarecendo que o mesmo buzinou e ultrapassou o veículo conduzido pelo seu marido, depois de várias tentativas. De seguida, o arguido imobilizou o veículo que conduzia, saiu do mesmo e, munido de um ferro, dirige-se ao veículo onde estavam os ofendidos e começa a bater no mesmo, provocando danos. Imediatamente atinge a ofendida com o dito ferro, atingindo-a em várias partes do corpo, de tal modo que a ofendida ficou inconsciente, só tendo recuperado no Hospital.

Referiu que o arguido tinha consciência daquilo que estava a fazer, tanto mais que acabou por fugir do local.

Por sua vez, considerou-se o depoimento espontâneo e credível da testemunha MD que, pelo facto circular no IC 2, nas circunstâncias de tempo e lugar em que seguia o arguido, demonstrou ter conhecimento de alguns dos factos em causa nos autos.

Esclareceu que entrou no IC 2 no cruzamento do Marco do Sul, seguia no sentido norte-sul, foi ultrapassado por um veículo pesado que buzinou, adiantando que naquele local não era permitido ultrapassar, tendo o arguido pisado o traço longitudinal contínuo. Devido a esta manobra do arguido, o depoente referiu que teve que se encostar para a berma para evitar um embate. Quando chegou mais à frente avistou o veículo pesado parado, uma fila de veículos parados e uma senhora a sair de um veículo, a gritar e a pedir socorro, sendo que a mesma estava a sangrar e apresentava estilhaços de vidros no peito.

O tribunal considerou, também, o depoimento da testemunha MO que, apesar de não ter assistido aos factos em causa nos autos, referiu que viu a ofendida com o braço ligado, esclarecendo o estado físico e psicológico em que os ofendidos se encontravam depois da conduta perpetrada pelo arguido, salientando o receio, o estado de nervos e o medo que os mesmos tinham depois dos acontecimentos relatados. Revelou ter conhecimento de tal situação pelo facto de ser vizinha dos ofendidos e conviver com eles regularmente.

Adiantou que tudo sucedeu cerca de uma semana depois do nascimento do filho mais novo do casal, impossibilitando a ofendida de cuidar do seu filho e fazer a normal lida da casa. Aliás, foi a depoente que ficou a tratar do bébé durante uma semana, para além de dar apoio à casa, onde residiam também mais duas filhas do casal.

Foi peremptória em afirmar, de forma clara e convincente, que os acontecimentos dos autos afectaram toda a família, pois que as filhas mais velhas do casal tinham que cozinhar, tratar do irmão mais novo, sendo que muitas vezes apareciam aflitas em casa da depoente a perguntar como se fazia sopa ou outro cozinhado.

Confirmou que a ofendida ficou traumatizada em conduzir e andar na estrada, esclarecendo que a mesma só voltou a conduzir em casos de absoluta necessidade.

De destacar o depoimento da testemunha E que, dada a forma coerente e clara com que explicou ao tribunal as consequências físicas e psicológicas que o acidente em causa teve para os ofendidos, convenceu da veracidade das suas afirmações.

Com efeito, relatou o estado de espírito em que ficou a ofendida após os acontecimentos, referindo que a mesma falava muito do assunto, estava muto traumatizada, ficou com muito medo de andar na estrada, o que teve consequências ao nível da alteração do seu comportamento, ela que até ali era uma pessoa muito independente.

De forma sincera e credível disse ao tribunal que os ofendidos são pessoas muito simples, pacatas, têm três filhos, esclarecendo que depois do incidente ocorrido ficaram muito limitados para cuidar dos seus filhos, uma vez que o ofendido tinha a mão imobilizada e a ofendida o braço. Por esse motivo, confirmou que os ofendidos tiveram que ter a ajuda de familiares e terceiros, sendo a depoente uma das pessoas que ajudou os ofendidos a tratar dos filhos.

As declarações dos ofendidos forma corroboradas pelo depoimento da testemunha C, que circulava no IC 2, sentido sul-norte, conduzindo um veículo pesado que tem um sistema de rádio com uma antena que capta a cerca de 2 km. Esclareceu que ouviu uma pessoa a falar sozinha que demonstrava estar muito nervoso, ameaçando que ia fazer algo, sendo que no meio dessa conversa ouviu outra pessoa a tentar acalmar o indivíduo. A determinada altura vê o veículo pesado conduzido pelo arguido a fazer a manobra de ultrapassagem referida nos factos provados, pisando o traço contínuo e de seguida a imobilizar o veículo na faixa de rodagem. Viu o arguido sair do veículo pesado, com um ferro na mão. Nesse momento deixou de ver o que se passou uma vez que o arguido estava na traseira do veículo, só conseguindo perceber que o mesmo fazia movimentos com o objecto (ferro) para cima e para baixo.

E isto porque o depoente estava parado nos semáforos. Quando os mesmos passam ao sinal verde o arguido dirigiu-se ao veículo pesado, abriu a porta, atira o ferro lá para dentro e arranca.

Viu o veículo dos ofendidos danificado e verificou que os ofendidos estavam a sangrar.

Acresce que este depoimento é consentâneo com as declarações prestadas pela testemunha MD, colega do arguido, que contactou com este via rádio, momentos antes dos incidentes em causa nos autos, esclarecendo que combinou com o arguido para ele parar nas bombas de gasolina para tomarem um café. Referiu que o arguido lhe disse para ele reparar no veículo que não o deixava ultrapassar, sendo que de seguida o arguido lhe disse que já não parava nas ditas bombas porque ia enervado.

Por outro lado, considerou-se o depoimento isento e imparcial da testemunha F que, apesar de não ter assistido aos incidentes em causa nos autos, viu os ofendidos depois de os mesmos terem sido agredidos, uma vez que circulava no IC 2, apercebeu-se que algo se passava e como é bombeiro decidiu parar. Referiu que a ofendida se queixava que tinha “pace-maker”, dizendo que ia morrer. De seguida, a ofendida entrou em estado de choque, sendo que o depoente lhe mediu a pulsação, referindo que a mesma era muito elevada, esclarecendo que lhe avaliou os sinais vitais. A ofendida perdeu os sentidos e depois foi para a ambulância.

Acrescentou que o ofendido apresentava várias lesões, estava apático e muito preocupado com a esposa.

O tribunal considerou, ainda, o depoimento espontâneo e credível da testemunha AP, patrão do ofendido, que confirmou que o seu empregado esteve de baixa médica em consequência das lesões sofridas nas circunstâncias referidas nos factos provados.

Esclareceu que chegou a ir a casa dos ofendidos, tendo visto a ofendida com hematomas nas pernas, nos braços e a queixar-se com dores.

Foi importante o depoimento da testemunha MI que pelo facto de ser empregada doméstica dos ofendidos revelou ter conhecimento do que se passava em casa dos mesmos depois dos incidentes relatados.

Com efeito, confirmou que o casal tem 3 filhos menores e que, em consequência das lesões sofridas, não conseguiam tratar dos filhos, designadamente do mais novo que necessitava de mais cuidados. Aliás, a testemunha referiu que os ofendidos nem sequer conseguiam tratar deles próprios, tinham que ter a ajuda de terceiras pessoas para fazer a rotina normal do dia a dia.

Foi peremptória em dizer que os ofendidos sofreram muito, designadamente a ofendida que teve que estar deitada cerca de duas semanas sendo que a ofendida ficou com um trauma de andar de carro.

Confirmou que os ofendidos não conseguiam fazer nada em casa. Desde a alimentação, ao tratamento da roupa e às idas dos filhos para a escola em tudo tiveram que ser ajudados por familiares, vizinhos e amigos.

Por último, atendeu-se ao depoimento da testemunha O, esposa do arguido, que apesar de não ter assistido a nada, referiu que falou com o marido pelo telemóvel, logo depois de se terem passado os factos em causa nos autos, e este disse-lhe que não estava nada bem, que tinha acontecido algo muito grave e que já devia ter feito asneira, o que demonstra que o arguido tinha plena consciência da ilicitude do seu comportamento.

Todos estes depoimentos conjugados entre si levam-nos a crer que tudo se passou conforme referido nos factos provados.

Quanto à situação económica e familiar do arguido consideraram-se as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.

Relativamente aos antecedentes criminais do arguido considerou-se o certificado de registo criminal junto aos autos.

(….)

B – DE DIREITO

Sendo esta a matéria de facto provada, cumpre fazer o seu enquadramento jurídico-penal.

Em primeiro lugar, o arguido vem acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº1, alínea b), do Código Penal.

Nos termos do referido artigo 291º,

“1. Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:

b) violando grosseiramente as regras de trânsito rodoviário relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;

e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa” – de 10 a 360 dias, nos termos do artigo 47º, nº1, do Código Penal.

Assim sendo, as condutas susceptíveis de colocar em perigo os bens jurídicos protegidos por esta disposição legal consistem na violação grosseira das regras de circulação rodoviária (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 1080).

Trata-se de um crime de perigo concreto, já que o próprio perigo é elemento do tipo legal de crime, isto é, exige-se que a conduta do agente tenha em concreto posto em perigo determinados bens jurídicos como a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado.

Quanto ao bem jurídico protegido o legislador visou, fundamentalmente, punir todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a circulação rodoviária e que simultaneamente ponham em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado.

Na alínea b) visa-se sobretudo abarcar todas aquelas situações em que há uma violação de elementares deveres de condução no âmbito da circulação rodoviária.

O crime previsto no nº 1 do artigo 291º, traduz-se numa acção dolosa e criação dolosa de perigo, isto é, o agente quer agir de determinada forma e assim criar perigo.

Resulta dos factos provados que o arguido conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula..-XX, efectuou uma manobra de ultrapassagem transpondo dupla linha contínua, atravessando o seu veículo à frente do veículo conduzido pelo ofendido, de forma repentina, obrigando o mesmo a parar.

Deste modo, ficou provado que o arguido conduzia a aludida viatura violando grosseiramente as regras de circulação rodoviária, como era sua intenção, conformando-se com o resultado que tinha previsto.

Acresce que o arguido representou previamente a ilicitude dos factos e a sua punibilidade.

Deste modo, não há dúvidas de que a conduta do arguido preenche a tipicidade da alínea b) do nº 1 do referido artigo 291º.

Na verdade, ao conduzir o referido veículo conforme descrito nos factos provados, o arguido infringiu grosseiramente as regras de trânsito rodoviário, tendo em conta, designadamente, as regras contidas nos artigos 35º, 36º, 38º, do Código da Estrada.

Considerando que o arguido conduziu um veículo automóvel, fazendo uma ultrapassagem, transpondo dupla linha contínua, atravessando o seu veículo à frente do veículo conduzido pelo ofendido, de forma repentina, houve uma acção dolosa com uma criação de perigo dolosa, já que o arguido se conformou com a possibilidade de pôr em perigo a vida e integridade física de terceiras pessoas.

Assim sendo, cometeu o arguido um crime previsto e punido pelo artigo 291º, nº 1, alínea b) do Código Penal.

O artigo 69º, nº1, do mesmo Diploma diz que “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292º”.

Trata-se de uma pena acessória - pena que só pode ser aplicada na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal – e que, nos termos do disposto no nº 2, do Código Penal, a lei faz corresponder à prática de certos factos ilícitos típicos, sendo pressuposto formal da sua aplicação a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução ou com utilização de veículo e pressuposto material que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável – Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 165.

Ora, no caso em presença, os factos provados permitem formular ao arguido um juízo de censura, justificando a aplicação da sanção acessória.

Nestes termos, à pena prevista no artigo 291º, nº 1, do Código Penal acrescerá a sanção acessória, prevista no artigo 69º, nº1 do mesmo diploma, de proibição de conduzir veículos motorizados por um período que, em abstracto, vai de 3 meses a 3 anos.

Em segundo lugar vem o arguido acusado de ter praticado dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal.

Dispõe o artigo 143º, n.º 1, do referido Diploma que “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”, tendo a pena de multa como limite mínimo 10 dias e máximo 360 dias – artigo 47º n.º 1 do mesmo diploma.

O bem jurídico tutelado pelo ilícito em causa é a integridade física de outra pessoa, sendo aquela, numa concepção corporal – objectiva, caracterizável como o bem estar físico acompanhado do normal funcionamento das funções corporais. Assim, é encarável numa dupla perspectiva, isto é, o corpo e a saúde de outra pessoa, embora a violação do mesmo possa acarretar consigo consequências psíquicas (cfr. Oliveira Sá, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 1991, pág. 412; Paula Ribeiro Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 1999, pág. 202).

Trata-se de um crime material podendo realizar-se através de ofensas no corpo e/ou ofensas na saúde, ficando preenchido o tipo legal do mesmo com a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou do sofrimento causados ou lesão corporal (Vide Comentário Conimbricense do Código Penal, 1999, pág. 205).

O tipo legal em causa exige o dolo, em qualquer das suas modalidades, previstas no artigo 14º do Código Penal.

Dos factos provados resulta que no dia 10 de Julho de 2008, o arguido, munido de um ferro com cerca de 50 cm de comprimento, agrediu os ofendidos, desferindo-lhes várias pancadas com tal objecto pelas diversas partes do corpo.

Temos ainda como assente que como consequência do descrito comportamento do arguido, sofreram os ofendidos as lesões descritas nos factos provados, as quais determinaram para a assistente 15 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral.

Provou-se, também, que o arguido agiu com o propósito de atingir os ofendidos na sua integridade física e provocar-lhes lesões físicas.

Agiu, pois, o arguido por forma a, dolosamente (artigo 14º, nº 1, do Código Penal), causar ofensas no corpo dos ofendidos, verificando-se os elementos objectivo e subjectivo dos crimes de ofensa à integridade física de que vem acusado.

Os ofendidos consideram que os factos praticados pelo arguido integram a prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 144º, alínea d), 145º, nº 1, alínea a) e b) e 132º, nº 2, alíneas e) e h).

O artigo 144º do Código Penal dispõe que “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: … d) Provocar-lhe perigo para a vida; é punido com pena de prisão de dois a dez anos”.

O crime de ofensa à integridade física qualificada está previsto no artigo 145º do Código Penal, o qual dispõe que “1. Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º; b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do artigo 144º. 2. São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º”.

Por sua vez, o artigo 132º, nº 2, al. e) refere-se ao facto de o agente “ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil”, referindo-se a alínea h) da mesma disposição legal à circunstância de o agente praticar o facto com a utilização de um meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum.

O crime de ofensa à integridade física qualificada é uma forma agravada da ofensa à integridade física simples.

Contudo, também aqui, tal como ocorre para a qualificação do crime de homicídio, aquela qualificação não resulta de forma automática da verificação de uma ou várias circunstâncias enumeradas no artigo 132º, nº2, sendo necessário que revele especial censurabilidade ou perversidade, circunstâncias estas que não fazem parte do tipo, antes se referem à culpa (cfr. Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, pág. 203 a 205). Também tem sido este o entendimento da jurisprudência (cfr., designadamente, Acórdãos do STJ de 11.05.2000 e 27.09.2000, in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano VIII, Tomo II, p. 188 e Tomo III, p. 179).

A lei utilizou, assim, um critério generalizador combinado com a chamada técnica dos exemplos padrão, pelo que o facto de o crime ser praticado por qualquer motivo torpe ou fútil ou com a utilização de um meio particularmente perigoso só será relevante para efeitos do preenchimento do artigo 145º se se traduzir numa conduta que revele uma especial censurabilidade ou perversidade.

Dos factos provados já chegámos à conclusão de que o arguido praticou dois crimes de ofensa à integridade física simples.

Vejamos, agora, se a ofensa perpetrada contra a ofendida integra a prática do crime previsto no artigo 144º do Código Penal.

Defendem os ofendidos que a atitude do arguido pôs em risco a vida da vítima Maria Florípes, a qual era detentora de um “pacemaker”, sofreu paragem cardíaca, perdeu os sentidos, ficando inconsciente, só reanimando no hospital.

Sem por em causa os argumentos dos ofendidos, somos de entender que, por parte do arguido, não era previsível que a sua conduta pusesse em risco a vida da vítima, pois que o mesmo não sabia, nem podia saber que a ofendida tinha problemas cardíacos e era detentora de um pacemaker. Na verdade, em termos de previsibilidade de resultado, não seria normal que as lesões perpetradas pelo arguido na pessoa da ofendida conduzissem a uma paragem cardíaca. Aliás, tal só aconteceu em virtude do anterior historial clínico da vítima.

Deste modo, concluímos que a conduta do arguido não se integra no âmbito da ofensa à integridade física grave.

Vejamos agora se ocorre a qualificação do crime.

Da factualidade provada resulta que o comportamento do arguido é desconforme com os valores defendidos pelo Direito. Na verdade, quando o arguido alcança os ofendidos, munido de um ferro, desfere-o no corpo dos mesmos.

No entanto, não podemos olvidar que também foi dado como provado que o arguido sofre de uma perturbação psicológica cujos sintomas mais marcantes estão descritos nos factos provados e que têm a ver com a circunstância de o arguido reagir mal perante situações de stress.

Ora também foi dado como provado que o arguido ao efectuar a manobra de ultrapassagem ao ofendido, este não abrandou a marcha e houve troca de gestos agressivos entre os dois condutores.

Deste modo, afigura-se-nos que o arguido foi colocado perante uma situação de stress e nervosismo, sendo portador de uma doença que não o permite controlar as reacções e, como tal, não poderemos afirmar que a sua conduta se revista de especial perversidade ou censurabilidade.

Assim, somos de considerar que o arguido não praticou crime de ofensa à integridade física qualificada.

Por último, vem o arguido acusado pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal

Dispõe o artigo 212º, nº 1, do referido Diploma que “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”, tendo a pena de multa como limite mínimo 10 dias e máximo 360 dias – artigo 47º n.º 1 do Código Penal.

O bem jurídico protegido é a propriedade, sendo que o objecto da acção é qualquer coisa alheia e corpórea, devendo entender-se corporeidade no sentido de se tratar de uma coisa materialmente apreensível ou, de qualquer forma, exposta à acção do homem (cfr. Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, 1999, Tomo II, pág. 208).

O objecto da acção pode, pois, ser uma coisa móvel ou imóvel. O que interessa é que se trate de uma coisa alheia, sendo que “ao atingir uma coisa alheia o agente do crime põe em causa o bem jurídico propriedade” (cfr. José António Barreiros, in Crimes Contra o Património, 1996, pág. 142).

A incriminação prevê quatro modalidades de acção típica: destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável.

A destruição é a forma mais intensa do cometimento da infracção e determina a perda total da utilidade da coisa e implica o sacrifício da sua substância.

A danificação abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição.

Desfigurar significa alterar a imagem exterior da coisa querida pelo respectivo proprietário.

Tornar não utilizável significa reduzir a utilidade da coisa segundo a sua função.

No que respeita ao tipo subjectivo o dano só é punível sob a forma de dolo, ainda que eventual, e para que se verifique o dolo necessário se torna que o agente represente que a sua acção sacrifica a coisa alheia.

Porém, para a realização do crime basta o dolo genérico, sendo irrelevante os fins que o agente se propôs realizar (cfr. José António Barreiros, ob. cit., pág. 143).

Resulta dos factos provados que, no dia 10 de Julho de 2008, o arguido, munido de um ferro com 50 cm de comprimento, atingiu com o mesmo o veículo do ofendido, na zona do tejadilho e na porta do condutor, provocando várias amolgadelas, vidros partidos e outros estragos.

O arguido actuou contra a vontade da proprietário do veículo, conforme queria.

Agiu, assim, o arguido dolosamente, nos termos do disposto no artigo 14º, nº1, do Código Penal.

Provou-se, também, que actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Assim, estão verificados os elementos objectivo e subjectivo do crime de dano pelo qual vem acusado.

Dos autos não resulta que o arguido tenha actuado ao abrigo de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que deverá ser condenado pelos referidos ilícitos.

III - DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Os ofendidos MF e A formularam contra o arguido pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do demandado a pagar-lhes a quantia de € 13.000,00, a título de danos não patrimoniais e a quantia de € 1.763,79, a título de danos patrimoniais, acrescidas de juros que se vencerem até integral pagamento.

Dispõe o artigo 129º do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil, isto é, ela deve atribuir-se e calcular-se com base em critérios puramente civis. Envolvendo a comissão de um crime a diminuição de bens jurídicos na titularidade de alguém, deverá o respectivo autor ressarcir o dano. Sempre que a natureza do prejuízo consinta, impõe-se a reintegração in natura ou específica, mediante a reconstituição natural. Quando não é possível a reconstituição natural impõe-se uma indemnização que compense o lesado não só do prejuízo causado como dos benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, e ainda dos danos não patrimoniais dignos de tutela jurídica.

Com a indemnização procura ressarcir-se todos os danos causados, de natureza patrimonial e não patrimonial por forma a compensar o lesado das lesões por si sofridas.

Como elementos indispensáveis para fazer funcionar a indemnização pela responsabilidade civil temos ainda a necessidade de estabelecer a existência de danos, o nexo de causalidade entre os danos e a conduta do agente e, finalmente, se confirmados estes dois elementos, o quantum do pedido.

Os eventuais direitos dos demandantes resultam da responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos do agressor.

Dispõe o artigo 483º, nº 1, do Código Civil que “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Trata-se de causa de pedir complexa onde se reúnem todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Prof. Antunes Varela, “das Obrigações”, página 356).

Os danos indemnizáveis são patrimoniais e não patrimoniais. Os referidos no artigo 564º do Código Civil compreendem o prejuízo causado (dano emergente) os benefícios que o lesado deixou de auferir em consequência da lesão (lucro cessante) – artigo 564º, nº 1, para além dos danos futuros (artigo 564º, nº 2).

Ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou reputação) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens (bem estar, honra, bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. São estes os danos não patrimoniais.

Na realidade, podemos identificar os danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias, os danos cessantes, isto é, os custos de reparação ou reconstituição, os danos futuros e os prejuízos de ordem não patrimonial.

Vejamos então os prejuízos que interessam à decisão do pedido de indemnização civil formulado.

Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, o qual pode ser uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida deste; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação de serviços alheios necessários quer para a prestação de auxílio ou de assistência, quer para a eliminação de aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito.

Os custos de reconstituição ou de reparação correspondem ao preço dos bens ou serviços necessários para proceder a uma correcta reparação, quando tal seja possível, da parte do corpo ou órgão destruídos ou danificados (hospitalização, operações cirúrgicas, próteses).

Os dano morais são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (como a vida, a saúde, a liberdade, a beleza). A obrigação de ressarcir estes danos tem uma natureza mais compensatória que indemnizatória, estando ainda presente a vertente sancionatória (neste sentido, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Almedina, 9ª edição, página 630).

A lei manda atender àqueles danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 490º, nº 1, do Código Civil), a apreciar objectivamente. Por outro lado, a lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (artigo 496º, nº 3, do Código Civil), tendo em atenção os factores referidos no artigo 494º do Código Civil: grau de culpa do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias. Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras da justa medida das coisas e da ponderação cuidadosa das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, visando-se reparar o dano e punir a conduta.

Valem aqui as considerações já tecidas relativamente à matéria criminal. No caso concreto, o arguido, com a sua conduta dolosa, ofendeu a propriedade e a integridade física dos lesados.

Deste modo, existe o facto (dano e agressão), dano (lesões morais e corporais de ambos os demandantes) ilicitude (violação de normas penais), culpa (dolo nessa actuação) bem como nexo de imputação do facto ao agente pois foi a conduta do arguido que deu lugar às lesões dos demandantes.


*

Tendo em conta os factos dados como provados e os factores de reparação acima enunciados temos pois que atribuir as seguintes indemnizações:

Os danos não patrimoniais

Devem ser atendidos os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Todos os danos morais provados merecem, em elevado grau, até pelos valores em causa, a tutela do direito.

O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, através de adequados e equilibrados critérios de justiça material e concreta.

Como se tem entendido na mais recente jurisprudência do S.T.J., para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º do Código Civil, a indemnização por danos não patrimoniais tem que constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa (cfr. Acórdão do S.T.J. de 11/10/94, BMJ 440/449 e, das Relações, Acórdão da Relação de Lisboa de 13/2/97, Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, pág. 123).

Deve, portanto, dar-se ao ofendido, no caso de danos morais, uma quantia em dinheiro que se considere adequada e proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, pesares ou sofrimentos que o ofensor lhe tenha ocasionado.

Relativamente ao ofendido A. houve violação dos seus direitos de personalidade, designadamente o direito à integridade física, o que constitui o demandado na obrigação de o indemnizar.

No que respeita ao requisito da gravidade, no caso concreto, apesar de ter ficado provado que em resultado da agressão levada a cabo pelo arguido, o ofendido A esteve sem trabalhar desde 10 de Julho até 19 de Agosto de 2008, o certo é que os atentados ao interesse do ofendido revestem-se de alguma severidade. Com efeito, ficou provado que em consequência da conduta do arguido o ofendido sofreu traumatismos nas mãos esquerda e direita, com fractura do 4º dedo da mão esquerda, o que obrigou o mesmo a andar com a mão e o braço esquerdos engessados.

Acrescem as dores físicas que o ofendido teve que suportar e as dificuldades que sentiu em tratar dos filhos, sobretudo do mais novo que exige cuidados especiais tendo em conta a sua idade.

No que diz respeito à ofendida MF houve violação do seu direito à integridade física, o que também constitui o demandado na obrigação de indemnizar.

Relativamente à ofendida e no que respeita ao requisito da gravidade, apesar de ter ficado provado que a agressão levada a cabo pelo arguido lhe determinou 15 dias para cura, sendo afectada a sua capacidade para trabalhar durante 8 dias, o certo é que os atentados ao interesse da ofendida revestiram-se igualmente de alguma gravidade. Na verdade, ficou provado que em consequência da conduta do arguido a ofendida sofreu traumatismo no cotovelo esquerdo, braço direito e perna esquerda, com várias equimoses, sendo certo que a mesma é portadora de uma aparelho desfibrilador cardíaco e que, na sequência do medo e da violência exercida no seu corpo, pelo arguido, teve duas crises de taquicardia ventricular, a primeira com a duração de 11 segundos e a segunda com a duração de 40 segundos, que poderiam conduzir, principalmente a segunda, pela sua duração, a lesões cerebrais graves.

Para além disso, a ofendida sofreu lesões físicas e psíquicas, resultando dos factos provados que a mesma evidenciou, no seu dia a dia, traumas e nervosismo de conduzir e circular em automóveis.

Acresce que os ofendidos têm três filhos e que, depois da agressão perpetrada pelo arguido, sentiram bastante dificuldade em tratar convenientemente dos seus filhos, nomeadamente do mais novo que ainda exige cuidados especiais dada a sua idade.

Sobre o ressarcimento dos danos não patrimoniais não existe propriamente indemnização, mas compensação da lesão sofrida, a fixar equitativamente em função não só da gravidade dos danos como do grau de culpa do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso – cfr. Acórdão do S.T.J. de 18/02/98, in www.dgsi.pt. Todavia, há que ter sempre em conta que a “(…) indemnização por danos morais deve ter alcance significativo e não meramente simbólico, devendo o respectivo montante ser adequado à compensação do dano sofrido mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro” – Acórdão o Tribunal do Porto de 16/01/1997, publicado no BMJ, 463/636.

Voltando ao caso dos autos, tendo em conta todas as considerações tecidas, julgo adequado fixar aos ofendidos MF e A a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude da conduta do arguido. A esta quantia acrescem juros de mora a partir da presente decisão até integral pagamento.


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Vejamos cada uma das questões em apreciação no recurso.

(i) Impugnação da matéria de facto quanto ao julgamento relativo à imputabilidade do arguido.
Sobre esta dimensão do recurso, o recorrente vem sustentar que existe uma incorrecção de julgamento quanto aos pontos 5, 6, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados assim descritos na sentença (a que no entanto dá uma outra numeração no seu recurso, diga-se) invocando e referindo, para tanto, quais as concretas provas que entende imporem decisão diversa nomeadamente os documentos de fls fls. 207 a 209 (relatórios médicos do arguido), fls. 210 a 212 (certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativa ao arguido), fls. 246 a 250 (Relatório de observação psicológica), fls. 330 (relatório médico), fls. 338 a 345 (relatório médico e psicológico), relatório de fls 328, as declarações do arguido, as declarações do ofendido e da ofendida e da testemunha FD.

Importa sublinhar que o que está em causa, nesta parte do recurso é tão só a decisão do tribunal de dar como provado que o arguido, no momento dos factos era imputável, sustentado o recorrente que o Tribunal não poderia dar como não provado que «a doença do arguido impedia-o de avaliar no momento em causa as consequências dos sues actos».

Sobre a questão importa começar por atentar no que foi dado como provado que o Tribunal, e que foi o seguinte: Acto contínuo, o arguido sai da sua viatura, munido de um ferro, com cerca de 50 cm de comprimento, e agrediu com o mesmo ambos os ofendidos, A e MF desferindo-lhes várias pancadas com o ferro, pelas diversas partes do corpo; Em seguida, com o mesmo ferro atingiu com o mesmo o veículo do ofendido, na zona do tejadilho e na porta do condutor, provocando várias amolgadelas, vidros partidos e outros estragos; O arguido efectuou a descrita manobra estradal intencionalmente – ultrapassagem e paragem repentina, com transposição de dupla linha contínua e consequente invasão da faixa de rodagem onde seguiam os ofendidos -, consciente que a mesma era apta a provocar uma colisão e a colocar em perigo a vida dos ofendidos, o que só não veio a acontecer devido à prontidão com que o ofendido imobilizou a sua viatura, admitindo tal possibilidade e conformando-se com a mesma; Actuou com intenção concretizada de atingir os ofendidos na sua integridade física, ao atingir os mesmos com o ferro mencionado, provocando-lhes lesões conforme pretendia; Sabia que o referido veículo automóvel não lhe pertencia e que ao provocar estragos no mesmo actuava contra a vontade do seu proprietário, conforme queria. Em todos os descritos comportamentos, actuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo do carácter proibitivo dos seus comportamentos.

Para fundar esta matéria de facto provada o Tribunal, embora não explicitamente referenciada a estes precisos factos, sustenta-se nos relatórios médicos juntos [( fls. 207 a 209 (relatórios médicos do arguido), fls. 210 a 212 (certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativa ao arguido), fls. 246 a 250 (Relatório de observação psicológica), fls. 330 (relatório médico), fls. 338 a 345 (relatório médico e psicológico)] conjugados com a análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento.

Em relação àqueles relatórios, que se encontram juntos, importa referir que os mesmos consubstanciam:

a) fls 207 a 209 (relatórios médicos do arguido) onde se diz no primeiro (do Centro de Saúde de Anadia, 17.4.2009) que o arguido «tem sido acompanhado neste Centro desde 1983 por um quadro de ansiedade e depressão que iniciou em 1977 e cujos sintomas mais marcantes são irritabilidade, insónias, isolamento, períodos de adinamia e falta de iniciativa», no segundo do médico N. de 22/10/2008, que refere («observei hoje pela 1ª vez o Sr… que me pareceu ter os seguintes diagnósticos: a) distúrbio de stress pós traumático devido à sua experiência na guerra colonial; b) depressão relativa a problemas financeiros e familiares«) e no terceiro, do mesmo médico de 12 de Janeiro de 2009 onde se refere (o Sr…anda a ser seguido em consultas de psiquiatria por disturbios de stress pós traumático de guerra. Embora se encontre melhorado (o doente é seguido por mim desde Outubro de 2008) previamente encontrava-se bastante descompensado, com grande instabilidade, tristeza, pensamentos recorrentes sobre a guerra, rebelde, etc.)

b) fls. 210 a 212 (certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativa ao arguido).

c) fls 246 a 250 («Relatório da Observação Psicológica Efectuada a J…» no Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação de Coimbra, e 6.08.2009), onde se conclui: «tendo em conta os resultados obtidos nas diferentes provas psicológicas a que o examinado foi submetido, pensamos poder concluir o seguinte: - possui um nível intelectual que se pode considerar ainda compatível com o esperado para a população geral; - na estrutura da sua personalidade sobressaem traços de introversão de grande instabilidade emocional, associados a níveis patológicos de ansiedade-estado; - demonstra ser uma pessoa demasiado vulnerável ao stress, com pouca tolerância à frustração, bem como dificuldade em confrontar e resolver problemas; - nas características mais especificas da sua personalidade e do ponto de vista psicométrico, ficou determinado um padrão de resposta compatível com a existência de um sério transtorno de personalidade, que justifica adequado acompanhamento clínico-psiquiátrico».

d) fls 330 (relatório médico do médico N., de 21 de Janeiro de 2010, onde se refere apenas que« O Sr…veio a esta consulta há mais de um ano. Foi orientado para a consulta externa do centro Hospitalar psiquiátrico de Coimbra» )

e) fls. 338 a 345 (relatório do exame às faculdades mentais do arguido) realizado pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental de Aveiro, em que se na discussão se refere que «o examinando clinicamente apresenta um Disturbio de Personalidade Psicopático é capaz de entender a ilicitude das suas atitudes apresentando alguma culpabilidade e reprovação pessoal» e se conclui padecer o arguido de «1. distúrbio de personalidade psicopático; 2. Imputável; perigosidadde social»)

O tribunal funda a sua convicção sobre a matéria, ainda nas declarações do arguido que sobre os factos concretos não se recorda mas admitiu «como possível que os factos se tenham passado conforme relatado na acusação».

Sobre os factos (e a «consciência» do arguido na sua prática) o Tribunal valorou ainda os depoimentos dos ofendidos, sendo explícita a sua afirmação no que respeita à ofendida ao referir que «o arguido tinha consciência daquilo que estava a fazer, tanto mais que acabou por fugir do local», da testemunha FD colega do arguido que, que contactou com este via rádio, momentos antes dos incidentes em causa nos autos, esclarecendo que combinou com o arguido para ele parar nas bombas de gasolina para tomarem um café. Referiu que o arguido lhe disse para ele reparar no veículo que não o deixava ultrapassar, sendo que de seguida o arguido lhe disse que já não parava nas ditas bombas porque ia enervado e finalmente da testemunha O, esposa do arguido, que apesar de não ter assistido a nada, referiu que falou com o marido pelo telemóvel, logo depois de se terem passado os factos em causa nos autos, e este disse-lhe que não estava nada bem, que tinha acontecido algo muito grave e que já devia ter feito asneira, o que demonstra que o arguido tinha plena consciência da ilicitude do seu comportamento.

Efectuado este cotejo importa sublinhar, no que respeita aos relatórios médicos juntos aos autos e que, segundo o recorrente, imporiam uma conclusão diferente daquela que o Tribunal efectuou sobre a questão da imputabilidade, apenas o relatório de fls. 328 referido pelo recorrente não foi levado em consideração pelo Tribunal para fundar a sua convicção. Todos os restantes relatórios referidos pelo recorrente foram também objecto de valoração pelo Tribunal, em conjugação com as testemunhas e declarações de arguido, para chegar a uma decisão oposta àquela que agora se pretende.

Tal relatório elaborado pelo médico Mário Sousa em 19.01.2010, diz-se o seguinte: «Em resposta à V. referência 2132851 de 23-12-2009 e posterior insistência com a referência 2146024 de 13-01-2010 respeitante ao processo 339/08.7GCLRA, informo que só no dia 14-01-2010 recebi a vossa comunicação. Em resposta às questões formuladas informo que o SrJ… é seguido por mim desde 1999. Fez Serviço Militar combatendo em Moçambique na guerra colonial, sofrendo desde então de Stress Pós-traumático de Guerra, sendo seguido mensalmente em consulta de especialidade no Hospital Sobral Cid.

Refere um quadro sintomatológico de que consta: entre outros, ansiedade, desorientação, irritabilidade, insónias, tristeza, necessidade de isolamento. Tem pesadelos nocturnos em que se vê a usar armas e a fazer mal a determinadas pessoas. Refere tomar XANAX (Alprazolam) desde a década de 70. Foi seguido em consulta de Psiquiatria na Clínica de Oiã, não se recordando de há quantos anos e a medicação tomada. Quando o comecei a consultar tomava com regularidade XANAX e MEDIPAX. Foi seguido no Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra provavelmente desde ano de 2007, foi nesta consulta que lhe foi prescrito SEROQUEL, tendo-lhe sido renovado o receituário deste medicamento, por mim em Set. 2008. Entretanto suspendeu a medicação devido aos efeitos secundários sentidos — sonolência, tonturas, desorientação entre outros. Posteriormente teve alta desta consulta e passou a ser seguido no Hospital Sobra! Cid.

Da medicação tomada para este efeito e prescrita ou renovada por mim (dado que nas consultas hospitalares de Psiquiatria lhe era prescrita, renovada ou alterada a medicação) destaco:

- Alprazolam quase constantemente.

- Em 6/2006 VICTAN, FLUOXETINA

- 7/2006 CIPRALEX, VENLAFAXINA 75

- 12/2007 TRAZONE AC, CIPRALEX

- 1/2008 VENILAFAXINA 75

- 9/2008 CIPRALEX, VENLAFAXINA 75, SEROQUEL

- 8/2009 VENLAFAXINA 75

- 12/2009 PAROXETINA

Mais pormenores no que concerne à caracterização psicológica do doente e à medicação tomada deverão ser solicitados aos serviços de Psiquiatria, que têm seguido o doente ao longo dos anos

Para uma delimitação precisa do conhecimento da matéria em causa importa num primeiro momento precisar que a imputabilidade, como elemento fundamental para a responsabilização penal, pressupõe a capacidade do agente de, no momento da prática dos factos, avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

Recorde-se que nos termos do Código Penal, só é inimputável quem por força de uma anomalia psíquica for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação (20º, nº 1 do Código Penal).

O que se quer dizer é quem não basta o elemento biológico sustentado num quadro de patologias «que produzem certos efeitos sobre a livre determinação do agente» (nas palavras fundamentais de Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, Almedina, Coimbra, 1971, p. 337). É necessário ainda um elemento psicológico ou normativo sustentado na constatação de que uma perturbação produza tais efeitos «que excluam a possibilidade de o agente se comportar de outra maneira» (ob cit. p. 344).

Importa ainda sublinhar que o juízo de imputabilidade não pode fazer-se em abstracto, «mas só em concreto, isto é em relação com um certo facto, com a realização de um certo tipo legal de crime» (ainda Eduardo Correia, cit. p. 346).

Tendo presentes os factos referidos e o que foi dito sobre a inimputabilidade importa referir que nos vários relatórios clínicos juntos aos autos e decorrentes de outras tantas avaliações clínicas do arguido a patologia detectada é aquela que o tribunal deu como provada: O arguido é portador de doença depressiva, com agravamento progressivo, correspondente a uma perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar, conhecido como distúrbio de stress pós-traumático, devido à experiência na guerra colonial, quadro esse que se iniciou por volta do ano de 1977. Os sintomas mais marcantes são: irritabilidade, impulsividade, nervosismo, dificuldade no controle de impulsos, isolamento, períodos de alheamento, insónias, falta de iniciativa, tristeza, rebeldia, pensamentos recorrentes sobre a guerra.

Sobre este quadro clínico, que consubstancia inequivocamente a existência de uma patologia clínica do foro mental, foi efectuado um juízo cientifico em relação aos factos que lhe eram imputados, pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental de Aveiro, em que se conclui que padecendo o arguido de distúrbio de personalidade psicopática é imputável.
O referido relatório não foi objecto de qualquer oposição e/ou pedido de esclarecimento por parte de nenhum sujeito processual na audiência de julgamento, nomeadamente pelo arguido que dele teve conhecimento durante a audiência.
Por outro lado dos restantes relatórios (incluindo aquele que o arguido agora invoca e que consta a fls 328, e que nada diz de relevante ou de novo em relação aos demais relatórios juntos, confirmando apenas o que naqueles é dito e foi dado como provado) nada se pode retirar sobre um juízo de inimputabilidade que agora é pretendido pelo arguido, tendo como consequência a alteração da matéria de facto. Ou seja em nenhum deles é dito que o arguido é ou não imputável, por virtude da patologia detectada.
Finalmente e em relação aos depoimentos quer do arguido quer dos ofendidos, quer da testemunha FD o que pode dizer-se é que nenhum de tais depoimentos é só por si capaz de sustentar um juízo sobre a imputabilidae/inimputabilidade do arguido. Trata-se de depoimentos que na sua essência, no que à questão importa, são corroborados pelo Tribunal e pelo recorrente.
Ouvidos tais depoimentos por este Tribunal, sobre esta dimensão do recurso, corrobora-se tal coincidência mas também se diz que em nada de tais depoimentos põem em causa a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância. Refira-se que a essência das declarações do arguido de que «não me lembro», a partir de certo momento dos factos é verdadeira, como coincidentes são as declarações das testemunhas ofendidas (A e MF) em relação ao que viram e confirmaram (toda a evolução dos factos, nos termos que estão dados como provados) bem como no depoimento da testemunha F D que confirma o estado de enervamento do arguido.
Ou seja e em síntese contrariamente ao que pretende o recorrente, as provas que indica (acima referidas) de todo permitem concluir por uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo Tribunal em relação à questão essencial em causa relativa ao facto de o Tribunal ter dado como não provado que «a doença do arguido impedia-o de avaliar no momento em causa as consequências dos seus actos», ou seja de que era inimputável.
Daí que nesta parte se decida pela não procedência do recurso.
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(ii) Inexistência de culpa do arguido.

Sobre esta dimensão do recurso, refere o recorrente que ao praticar os factos constantes na sentença, fê-lo sem consciência, sem intenção, nem sequer representando as consequências dos seus actos, dado ser portador de doença depressiva grave com os sintomas já relatados, com compromisso sério do seu comportamento, doença esta que impedia o Arguido à data da prática dos factos de avaliar a licitude e ilicitude da sua conduta e de pautar a sua actuação de acordo com essa avaliação. Conclui o recorrente que é inimputável, porquanto à data dos factos padecia de doença psíquica grave, que o impedia de avaliar as suas acções.

Importa referir, sublinhando o que já se analisou no ponto anterior, que o arguido por exame clínico efectuado, tendo em conta a alegação e demonstração fáctica de que padece de uma patologia clínica - perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar, conhecido como distúrbio de stress pós-traumático, devido à experiência na guerra colonial, quadro esse que se iniciou por volta do ano de 1977 - foi declarado imputável.

A decisão em causa não foi, como já se referiu, impugnada nem questionada por nenhum sujeito processual.

Daí que pretender, agora, invocar que agiu sem culpa exactamente por ser inimputável, sem nenhuma argumentação factual sustentada que não seja a sua própria convicção, não tem qualquer sentido nem é só por si suficiente para sequer tocar nesta parte a bem fundada decisão.

Daí que, nesta parte improceda também o recurso.

*

(iii) Existência de imputabilidade diminuída.

Invoca ainda o recorrente que sempre seria de considerar que estamos perante um caso de inimputabilidade diminuída (art. 20.° n.°2 do CP), já que existe “uma base biológica grave, permanente, e que o agente não domina os seus efeitos”.

Estabelece o artigo 20 n-º 2 do CP que «pode ser declarado inimputável que, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental, e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída».

Conforme se refere cirúrgicamente mas de modo perfeitamente compreensível no Acórdão do STJ de 26.09.2007, «Na verdade, o significado concreto da imputabilidade diminuída é a culpabilidade atenuada. (…) Se ele [arguido] sucumbe ao estímulo delictivo é sinal de que a sua capacidade de resistência face aos impulsos do “pathos” era inferior á normal. Esta carência de poder determina uma diminuição da reprovação e também uma diminuição do grau de culpa. O reconhecimento da capacidade de imputabilidade diminuída pressupõe, assim, que a aptidão de compreensão e direcção do autor se encontre consideravelmente diminuída por uma causa biológica».

O modo como funciona o problema da imputabilidade diminuída é referido por Maria João Antunes em O Internamento de Imputáveis em Estabelecimentos destinados a Inimputáveis (Studia Iuridica, 2, Coimbra Editora, 1993, pag. 34). Aí se diz que o problema da imputabilidade diminuída deve ser resolvido desta forma: o juiz remete o delinquente para o domínio das penas – ou seja, não o declarando inimputável – quando a anomalia psíquica não é uma tal que impeça o agente de dominar os seus efeitos ou quando concluir que esta reacção ainda responde às exigências preventivas decorrentes da perigosidade do delinquente; para o domínio das medidas de segurança – com a declaração de inimputabilidade – é remetido o delinquente cujos efeitos da anomalia psíquica não domina nem pode dominar.

Ora está demonstrado que o arguido o arguido sofre de perturbação psicológica crónica conhecido como distúrbio de stress pós-traumático, cujos sintomas mais marcantes são: irritabilidade, impulsividade, nervosismo, dificuldade no controle de impulsos, isolamento, períodos de alheamento, insónias, falta de iniciativa, tristeza, rebeldia, pensamentos recorrentes sobre a guerra;

Se é certo que essa patologia pode afectar a sua capacidade de autodeterminação, não ficou demonstrado em momento que a exclua ou que a diminua de forma significativa. Também não está demonstrado que essa patologia possa ter alguma influência, positiva ou negativa, na sua culpa.

Não se esqueça que a questão da imputabilidade diminuída é reversível. Ou seja, segundo a doutrina, «nos casos de imputabilidade diminuída, as conexões objectivas de sentido entre a pessoa do agente e o facto são ainda compreensíveis e aquele deve, por isso, ser considerado imputável, então as qualidades especiais do seu carácter entram no objecto do juízo de culpa e por ela tem o agente de responder. Se essas qualidades forem especialmente desvaliosas de um ponto de vista jurídico-penalmente relevante, elas fundamentarão – ao contrário do que sucederia numa perspectiva tradicional – uma agravação da culpa e um (eventual) aumento de pena; se, pelo contrário, elas fizerem com que o facto se revele mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal, poderá justificar-se uma atenuação da culpa e uma diminuição da pena”, cf. Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, I, pág. 585.

Em síntese o que se quer referir é que a patologia detectada ao arguido, face aos factos provados em que se envolveu, não permite sustentar um qualquer juízo de imputabilidade diminuída que levasse, quer a uma diminuição da culpa, quer porventura a uma agravação.

(iv) Actuação a título de negligência.

Sobre esta questão invoca o recorrente que ao considerar um quadro de culpabilidade por parte do arguido, sempre se teria que considerar um quadro de negligência e não nenhum tipo de dolo, o que levaria claramente à absolvição do mesmo em alguns dos crimes por que vinha acusado e por que foi condenado.

Ora sobre tal questão a factualidade provada é absolutamente inequívoca sobre o comportamento doloso do arguido em toda a sua conduta. O recorrente parece confundir a questão da imputabilidade (ou da sua ausência) decorrente da patologia detectada com a questão do tipo de culpa. Em momento algum está sequer indiciado que o arguido agiu apenas «não procedendo com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigado ou de que era capaz».

O que está provado e sobre o qual não foram suscitadas dúvidas ao Tribunal perante a prova produzida é que em toda a sua actuação – e foram quatro resoluções autónomas que consubstanciaram outros tantos tantos crimes – o arguido actuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo do carácter proibitivo dos seus comportamentos. Nomeadamente quando efectuou a manobra estradal de ultrapassagem e paragem repentina, com transposição de dupla linha contínua e consequente invasão da faixa de rodagem onde seguiam os ofendidos, intencionalmente, consciente que a mesma era apta a provocar uma colisão e a colocar em perigo a vida dos ofendidos; quando agiu com intenção concretizada de atingir os ofendidos na sua integridade física, ao atingir os mesmos com o ferro mencionado, provocando-lhes lesões conforme pretendia e quando provocou os estragos no veículo actuando contra a vontade do seu proprietário, sabendo que o veículo automóvel dos ofendidos não lhe pertencia.

Carece assim de qualquer fundamento, nesta parte, o alegado pelo recorrente.

(v) Valor dos danos não patrimoniais fixados.

Sobre esta matéria o recorrente invoca que O valor fixado pelo tribunal a título de danos não patrimoniais, afronta claramente as regras da boa prudência, o bom senso prático, de justa medida das coisa e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Vejamos antes de mais o que decidiu o Tribunal quanto a esta matéria.

«Relativamente ao ofendido A houve violação dos seus direitos de personalidade, designadamente o direito à integridade física, o que constitui o demandado na obrigação de o indemnizar.

No que respeita ao requisito da gravidade, no caso concreto, apesar de ter ficado provado que em resultado da agressão levada a cabo pelo arguido, o ofendido A esteve sem trabalhar desde 10 de Julho até 19 de Agosto de 2008, o certo é que os atentados ao interesse do ofendido revestem-se de alguma severidade. Com efeito, ficou provado que em consequência da conduta do arguido o ofendido sofreu traumatismos nas mãos esquerda e direita, com fractura do 4º dedo da mão esquerda, o que obrigou o mesmo a andar com a mão e o braço esquerdos engessados.

Acrescem as dores físicas que o ofendido teve que suportar e as dificuldades que sentiu em tratar dos filhos, sobretudo do mais novo que exige cuidados especiais tendo em conta a sua idade.

No que diz respeito à ofendida MF houve violação do seu direito à integridade física, o que também constitui o demandado na obrigação de indemnizar.

Relativamente à ofendida e no que respeita ao requisito da gravidade, apesar de ter ficado provado que a agressão levada a cabo pelo arguido lhe determinou 15 dias para cura, sendo afectada a sua capacidade para trabalhar durante 8 dias, o certo é que os atentados ao interesse da ofendida revestiram-se igualmente de alguma gravidade. Na verdade, ficou provado que em consequência da conduta do arguido a ofendida sofreu traumatismo no cotovelo esquerdo, braço direito e perna esquerda, com várias equimoses, sendo certo que a mesma é portadora de uma aparelho desfibrilador cardíaco e que, na sequência do medo e da violência exercida no seu corpo, pelo arguido, teve duas crises de taquicardia ventricular, a primeira com a duração de 11 segundos e a segunda com a duração de 40 segundos, que poderiam conduzir, principalmente a segunda, pela sua duração, a lesões cerebrais graves.

Para além disso, a ofendida sofreu lesões físicas e psíquicas, resultando dos factos provados que a mesma evidenciou, no seu dia a dia, traumas e nervosismo de conduzir e circular em automóveis.

Acresce que os ofendidos têm três filhos e que, depois da agressão perpetrada pelo arguido, sentiram bastante dificuldade em tratar convenientemente dos seus filhos, nomeadamente do mais novo que ainda exige cuidados especiais dada a sua idade.

(…)Voltando ao caso dos autos, tendo em conta todas as considerações tecidas, julgo adequado fixar aos ofendidos MF e A a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude da conduta do arguido. A esta quantia acrescem juros de mora a partir da presente decisão até integral pagamento.

Para compreensão da questão suscitada há que referir que os ofendidos MF e A. deduziram pedido de indemnização cível contra o arguido (fls 131 e ss) e relativamente aos danos não patrimoniais pediram a condenação do arguido a pagar-lhes a quantia não inferir a 13 000,00 €.

Na sua peça processual onde sustentam o seu pedido, embora discriminando os factos referentes a um a outro que imputaram ao arguido, nomeadamente por virtude das consequências diversas que tiveram com a conduta do arguido a nível da sua integridade física, efectuaram o pedido sem discriminação subjectiva.

De acordo com o disposto no artigo 483.º do Código Civil, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Na consecução do princípio geral da indemnização por violação ilícita de direitos ou interesses, dispõe o artigo. 496°, n°1 do Código Civil que «na fixação do indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o seu nº 3 refere que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.

O princípio fundamental do ressarcimento dos danos não patrimoniais, quando se verificam os restantes elementos que a condicionam e colocam em movimento os fundamentos da responsabilidade civil, está consagrado na legislação com uma perspectiva restritiva. Na fixação da indemnização só são ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. O que o legislador quis dizer, claramente, é que mesmo que se verifiquem danos não patrimoniais decorrentes de determinada acção ilícita e culposa, só são passíveis de indemnização aqueles que (i) forem graves e (ii) mereçam a tutela do direito.

Conforme é jurisprudência e doutrina pacifica, «danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação(…)» (cf., por todos, Sousa Diniz, «Avaliação e Reparação do dano Patrimonial e não patrimonial», Julgar, nº 9, Dezembro 2009, p. 32, e também neste sentido o Ac. Relação de Coimbra de 3.2.2010, in www.dgsi.pt)

Para a sua fixação importa reter que os mesmos danos são dogmaticamente entendidos como mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função mista, essencialmente compensatória com uma envolvência em certa medida sancionatória (neste sentido, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 532).

O entendimento jurídico dogmático da natureza do dano não patrimonial, nos termos que vêm sendo expostos, vem assumindo na jurisprudência uma dimensão quantitativa proporcional à relevância que a sociedade dá aos valores do dano. Nesse sentido a uma restritiva interpretação do valor que deve configurar a indemnização/compensação os Tribunais superiores têm vindo a densificar os montantes que devem fixar-se neste domínio (cf. neste sentido os Acórdãos desta Relação de 3.2.2010 e 20.01.2010, que falam em «aplicar indemnizações não miserabilistas, mas ajustados à realidade, ajustados a compensar, com dignidade, os padecimentos causados».

Com base nesta configuração dogmática importa atentar no caso sub judice e no que foi a decisão do Tribunal.

E a primeira conclusão é a de que o Tribunal deveria ter individualizado os ressarcimento dos danos em função dos seus titulares, mesmo que eles o não tenham efectuado no pedido.

Trata-se de danos pessoais e individualizados mesmo que decorrentes de uma única actuação e ainda que os ofendidos sejam casados um com o outro ou que tenham tido danos aparentemente idênticos.

Vejamos por isso o caso do ofendido A que, por virtude da actuação do arguido sofreu traumatismo da mão esquerda e direita, com fractura do 4º dedo da mão esquerda(…)andou engessado na sua mão e braço esquerdos, o que o impossibilitou de trabalhar de 10 de Julho a 19 de Agosto de 2008. Mais se provou, com interesse para a questão em apreciação que o ofendido suportou dores físicas em consequência dos traumatismos referidos (…) sofreu lesões psicológicas e traumas em consequência do comportamento do arguido; evidenciou no seu dia a dia medo, ansiedade, instabilidade. Finalmente com algum interesse ficou demonstrado que Depois da agressão do arguido, o lesado sentiu bastante dificuldade em tratar convenientemente dos filhos (3 filhos menores, com 16, 14 e 2 anos de idade) que ainda exigem cuidados especiais, sobretudo o mais novo.

No caso da ofendida MF, ficou demonstrado que sofreu traumatismo do cotovelo esquerdo, braço direito e perna esquerda, com várias equimoses, lesões que determinaram 15 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (8 dias. Mais ficou demonstrado que é portadora de um aparelho desfibrador cardíaco que tem como finalidade corrigir arritmias graves, muitas vezes mortais e que na sequência da actuação do arguido, em 10.07.2008, entre as 15h25 e 15h26, M F teve duas crises de taquicardia ventricular, a primeira com a duração de 11 segundos e a segunda com a duração de 40 segundos, que poderiam conduzir, principalmente a segunda, pela sua duração, a situações graves de manutenção de sinais vitais, nomeadamente lesões cerebrais graves por isquémia ou por trombose. Ficou ainda provado que suportou dores físicas em consequência dos traumatismos referidos (…) sofreu lesões psicológicas e traumas em consequência do comportamento do arguido e (…) evidencia no seu dia a dia medo, ansiedade, instabilidade e a ofendida nervosismo em circular de automóvel na estrada. Igualmente ficou demonstrado que Depois da agressão do arguido sentiu bastante dificuldade em tratar convenientemente dos filhos (3 filhos menores, com 16, 14 e 2 anos de idade) que ainda exigem cuidados especiais, sobretudo o mais novo e que a ofendida viu-se obrigada a permanecer deitada durante horas por conselho médico, sendo ajudada na lida doméstica e cuidados dos filhos por vizinhas e familiares.
Ora é evidente que sendo os factos criminosos que provocaram os danos dos ofendidos idênticos (e importa sublinhar porque também nesta fase deve ser sublinhada a sua configuração absurda e inaceitável), as consequências, para cada um dos ofendidos, foi diversa.
Assim sendo e tendo presente o juízo de equidade - mas não arbitrariedade - que sustenta a determinação do quantitativo indemnizatório referente a danos não patrimoniais o quantitativo fixado pelo Tribunal de primeira instância mostra-se relativamente elevado, até por comparação a situações que vêm sendo decididas pelos Tribunais Superiores, máxime por este Tribunal (vide acórdãos já citado de 3.2.2010 e da mesma Relação de 20.01.2010, na mesma base de dados).
Assumindo a estrutura compensatória, mais do reparatória, do ressarcimento dos danos não patrimoniais e tendo em conta a dimensão absurda dos factos (com uma projecção inequívoca no comportamento futuro das vítimas) e as suas consequências (diversas para cada um dos ofendidos, como se viu) entende-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em mil euros (€1500) para o ofendido A e em mil e quatrocentos euros (€ 1750) para a ofendida MF.

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, confirmando-se parcialmente a decisão recorrida, alterando apenas o montante das indemnizações por danos não patrimoniais devidos pelo arguido, que se fixam em mil euros (€1500) para o ofendido A. e em mil setecentos e cinquenta euros (€ 1750) para a ofendida MF.
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).

Coimbra, 23 de Novembro de 2010


Mouraz Lopes


Félix de Almeida