Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/19.8T8TBU-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMPT. GENÉRICA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 423º, Nº 1, E 424º DO NCPC.
Sumário: I - Os requerimentos sucessivos e recíprocos de junção de documentos fora dos articulados a que dizem respeito nos termos do art. 423º, nº 1 do CPC, desde que não possam ser considerados como uso anormal do processo nos termos do art. 542º, nº 2, al.d) do CPC, apenas podem ser sancionados em multa de acordo com o nº 2 do citado art.423º.

II - Esta possibilidade de junção sucessiva de documentos não determina que a tramitação do processo, nomeadamente com o agendamento e realização dos actos processuais, sofra qualquer dilação para que o juiz ou as partes tomem posição sobre os documentos, dentro do disciplinado pelo art. 424º do CPC.

III - A rejeição liminar dos documentos pelo juiz, nos termos do art. 443º, nº 1 do CPC, não constitui decisão surpresa porque a parte contrária já teve conhecimento dessa junção e não é o silêncio desta ou a sua não alegação de que o documento é impertinente ou desnecessário que permite ao juiz o poder indeclinável e incondicionado que ele tem de indeferir a junção.

IV - Servindo os documentos a fazer prova dos factos articulados naqueles que a lei admita (v.g. petição e contestação) o requerimento da sua junção só serve para solicitar essa junção e indicar que factos já articulados esses documentos se destinam provar e a resposta a esses documentos apenas serve para protestar a sua impertinência ou desnecessidade; arguir a sua genuinidade ou ilidir a sua autenticidade (arts. 444º e 446º do CPC) sendo inadmissível a alegação de quaisquer factos não articulados, mesmo que sob o pretexto de serem uma explicação do contexto dos documentos, os quais a terem sido alegados se devem considerar não escritos.

Decisão Texto Integral:   







              Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

 Relatório

No Tribunal da Comarca de Coimbra, Juízo de competência genérica de Tábua, na acção declarativa com forma de processo comum que S... moveu contra I..., por despacho o tribunal julgou que o requerimento da autora de resposta à contestação deu origem a todos os subsequentes e, não sendo ele admissível legalmente por não terem sido deduzidas na contestação excepções, determinou que fossem esses requerimentos posteriores à contestação, desentranhadas e devolvidos às partes, mais ordenando que ficassem nos autos os documentos juntos.

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a autora concluindo que:

“ a) o presente recurso vem interposto do despacho pré-saneador que ordenou o desentranhamento e devolução dos requerimentos com as referências nºs ..., com excepção dos documentos apresentados, e que condenou a autora em multa processual em quantia correspondente a 1 UC e nas custas do incidente, cuja taxa individual de justiça ficou em 1 UC, e da decisão proferida em Audiência Prévia de 13.5.2019 que manteve tal despacho pré-saneador, indeferindo o requerimento apresentado pela ora recorrente.

a) Da decisão surpresa:

Como resulta dos autos, a Ré não invocou, em momento algum, a inadmissibilidade de alguma “articulado” / requerimento da Autora, nem a Exmª Senhora Juíza a quo suscitou tal questão antes de proferir as decisões que ora se recorrem. Pelo que, nunca a ora recorrente teve oportunidade de se defender.

Antes de decidir não podia, nem devia, a Mmª Juiza a quo deixar de ordenar a notificação das partes para se pronunciarem sobre tal possibilidade, por força do que estabelece no n.º 3 do art.º 3º do CPC. Ao não o fazer violou, de forma grave, o princípio do contraditório, o que é gerador de nulidade, nos termos do disposto no art.º 195º do CPC. Assim, são as decisões recorridas nulas, por força do disposto nos art.ºs 3º, nº 3, 195º do CPC. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.

Sem prescindir:

b) Da violação do princípio do contraditório:

- mas se assim se não entender – o que se não aceita e só por necessidade de raciocínio se refere – sempre se dirá que a Ré juntou diversos documentos na sua contestação.

Ora, nos termos do disposto nos artºs 415º, nº 1, e 427º do CPC, a Autora tinha licitamente o direito de responder aos documentos juntos pela Ré na sua contestação no prazo supletivo de 10 dias, bem como aos documentos juntos posteriormente.

- Ao não admitir o requerimento com a referência ..., ao não permitir a resposta aos documentos juntos posteriormente pelas partes (requerimento com as referências ...), ao não permitir a sua resposta em Audiência Prévia, o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório e, em consequência, são as decisões recorridas nulas, por violação do princípio do contraditório e do disposto nos art.ºs 3º, nº 3, 4º, 415º e 427º do CPC. O que se requer seja declarado, com as legais consequências

Sem prescindir ainda:

c) Da violação do princípio da igualdade das partes:

- mas se assim se, igualmente, não entender – o que se não aceita e só por necessidade de raciocínio se refere – sempre se dirá que o requerimento probatório de 11.4.2019 não é da Autora (como consignou o Tribunal a quo), mas sim da Ré e tendo o mesmo sido, pelo menos tacitamente, admitido, não podia o Tribunal a quo deixar de ordenar o cumprimento do disposto no artº 598º, nº 2, do CPC. O que não fez, em claro prejuízo para a ora recorrente e em violação do princípio da igualdade das partes, previsto no artº 4º do CPC.

- Assim, são as decisões recorridas nulas, por violação do princípio do contraditório e do disposto no art.º 4º do CPC. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.

Por outro lado ainda e sem prescindir:

d) Da omissão de pronúncia:

- mas se assim também se não entender – o que também se não aceita e só por necessidade de raciocínio se refere – sempre se dirá que a ora recorrente alegou e requereu a condenação da Ré como litigante de má fé, bem como solicitou que o Tribunal ordenasse a junção de diversos documentos pela Ré (cfr. requerimento com a referência ...).

Acontece que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tais matérias, ordenando simplesmente o desentranhamento de tal requerimento.

- Ao decidir como decidiu violou, salvo melhor opinião, de forma grave, o direito de acesso aos tribunais, consagrados nos art.ºs 18º e 20º da CRP, bem como o poder / dever de os Tribunais administrarem a Justiça em nome do povo, consagrado nos art.ºs 202º e 205º da CRP. Ilegalidade e inconstitucionalidades que aqui se invocam para todos os efeitos legais. Assim, são as decisões recorridas nulas, por omissão de pronúncia, nos termos, designadamente, dos art.ºs 152º, nº 1, 615º, nº 1, al. d), do CPC, 18º, 20º, 202º e 205º da CRP. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.

Por outro lado:

Após ter sido notificada da contestação a Autora apresentou o requerimento com a referência ..., onde consignou não responder à contestação e respondeu aos documentos juntos pela Ré na contestação.

Salvo o devido respeito, a resposta aos documentos juntos com o último articulado é admissível, por força do disposto nos artºs 3º, nº 3, 4º, 415º, 427º, 444º e 446º do CPC e dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Assim, devem as decisões recorridas ser revogadas e, em consequência, deve ser admitido o requerimento com a referência ..., bem como a resposta aos documentos juntos posteriormente (requerimento com as referências ...) ou se assim se não entender, não poderia o Tribunal a quo conferir prazo para as partes responderem aos documentos juntos aos autos, atento o teor dos artºs 3º, nº 3, 4º, 427º, 444º e 446º do CPC e dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Acresce que:

Na parte final da pi, a autora consignou que procederia à junção de documentos caso a Ré impugnasse determinada matéria de facto por si alegada na petição inicial.

E, no requerimento com a referência ..., a Autora alegou factos e requereu a condenação da Ré em litigância de má-fé, bem como requereu outros meios de prova, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre tais pedidos, tendo – pelo menos implicitamente – indeferido os mesmos ao ordenar o desentranhamento do citado requerimento.

Ou seja, nos diversos requerimentos apresentados, a Autora justificou, de forma fundamentada, qual a razão de apenas juntar nesse momento processual os documentos.

E, ao fazê-lo, não deu causa a qualquer incidente anómalo nos presentes autos.

Assim, devem as decisões recorridas ser revogadas e, em consequência, devem os requerimentos com as referências ... ser admitidos e admitidos os meios de prova aí requeridos, bem como deve a ora recorrente ser absolvida da condenação em multa processual e em custas. O que se requer, com as legais consequências.

Ao ter decidido, como decidiu, violaram as decisões recorridas, designadamente, o disposto nos art.ºs 3º, 4º, 152º, 415º, 427º, 444º, 446º do CPC, e os art.ºs 13º, 18º, 20º, 202º e 205º da CRP.”

Não houve contra alegações.

Cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Os factos que servem a decisão são os que se referem no relatório, nomeadamente o teor da decisão recorrida e, ainda, cada um dos requerimentos que foram mandados desentranhar, razão pela qual se torna desnecessário transcrever aqui o seu teor, sem embargo de a eles virmos a fazer referência por transcrição caso a exposição decisória o convoque como importante.

No essencial, o que resulta dos autos como histórico é que a autora propôs contra a ré uma acção apresentando o seu articulado inicial a que se seguiu contestação.

Como com a contestação a ré juntou documentos, a autora, sob pretexto de responder aos mesmos, invocando o art. 448 do CPC, apresentou em 4-3-2019, requerimento no qual se pronunciou sobre o significado e contexto factual em que tais documentos teriam surgido, articulando factos que a esse contexto dizia referentes; requereu a condenação da ré como litigante de má-fé, protestando juntar documentos e requerendo que fosse a ré notificada para fazer a junção de documentos e aditando o rol de testemunhas.

A esta epigrafada “resposta” da autora, em 14-3-2019, veio a ré por sua vez responder à litigância de má-fé contra si articulada pela autora, referindo-se à junção dos documentos e tecendo igualmente considerações sobre o significado e contexto factual em que os mesmos teriam surgido e requerendo também ela a condenação da autora como litigante de má-fé, juntando documentos que se dizem com a finalidade de provar essa litigância fraudulenta.

Por sua vez, em 18-3-2019, perante a junção de documentos (os protestados juntar pela autora com o requerimento de 4-3-2019 e juntos mais tarde), a ré, a pretexto de responder a esses documentos, articula factos que pretendem enunciar o contexto em que os mesmos foram formados e elaborados e termina juntando mais documentos.

Perante essa nova junção de documentos, a autora, em novo requerimento de 28-3-2019, articulou factos que se dizem explicar a formação e contexto desses documentos e realiza nova junção de documentos em número de 14.

E de novo a autora, em 1-4-2019, através de requerimento, diz responder a documentos juntos pela ré, tecendo considerações articuladas em factos sobre esses documentos.

A ré, em requerimento de 11-4-2019, diz responder aos 14 documentos juntos pela autora em 28-3-2019 e concluiu pedindo aditamento ao rol de testemunhas.

É na sequência destes de todos estes requerimentos que o tribunal em primeira instância profere despacho no qual considerou que o requerimento da autora de resposta à contestação deu origem a todos os subsequentes e, não sendo ele admissível legalmente por não terem sido deduzidas na contestação excepções, determinou que fossem esses requerimentos posteriores à contestação, desentranhadas e devolvidos às partes. E mais determinou que ficassem nos autos os documentos juntos.

… …

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do presente recurso remete a arguição da nulidade do despacho proferido e sua consequente revogação.

Iniciando a análise da questão, verificamos que a acção proposta pela autora, e nisso concordam as partes porque até o dizem em requerimento, apenas admite como articulados a petição e a contestação. Porém, depois da contestação contam-se 5 articulados apresentados, no essencial, todos apelidados de resposta à junção de documentos da parte contrária, se bem que num deles (o de 4-3-2019) a autora tenha formulado pedido de condenação da ré como litigante de má-fé, e no subsequente, a demandada, (em de 14-3-2019), tenha respondido à litigância de má-fé contra si articulada e requerido igualmente a condenação da autora como litigante de má-fé (a que esta respondeu em 28-3-2019).

Na abordagem à admissibilidade dos requerimentos mandados desentranhar e mormente àquele que a decisão recorrida refere ter dado origem a todos os outros e que é o que serve de resposta aos documentos juntos com a contestação, teremos de ter bem presente que a regra base da junção de documentos está estabelecida no art. 423 do CPC (diploma a que pertencerão todas as normas citadas sem menção de origem) o qual refere que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. E acrescenta o nº2 do normativo que fora desse momento os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da audiência final, com a sanção pela sua junção fora do momento devido (da regra geral do nº1).

O art. 427, disciplinado a junção dos documentos deixa claro que quando o documento seja oferecido com o último articulado ou depois dele, a apresentação é notificada à parte contrária.

Com interesse para a decisão sublinhe-se que o art. 443 defere ao juiz o poder de mandar retirar do processo os documentos que juntos pelas partes entenda serem impertinentes ou desnecessários mas, ficando os documentos no processo, a parte contrária à do apresentante, em resposta, pode impugnar a genuinidade do documento como o disciplina o art. 444 e, de acordo com essa impugnação, requerer produção de prova para determinar essa mesma genuinidade (art. 445).

Esta referência aos preceitos deixa concluir de forma inequívoca que à junção dos documentos a parte contrária não pode sob pretexto de “resposta” ou “exercício do contraditório” comentar a história factual, articulando os factos, em que os mesmos foram criados ou “contextualizar” o seu significado, ou seja, não pode acrescentar novos factos aos factos que antes articulara. À junção dos documentos a parte contrária pode apenas, nos termos sobreditos e delimitados pela lei, opor-se à sua junção por impertinência ou desnecessidade, arguir a sua falta de genuinidade ou, impugnar o seu conteúdo “tout court” de forma que o mesmo, em virtude dessa impugnação, se não possa considerar de imediato como admitido com força probatória plena (art. 376 do CCivil).

Com esta observação podemos desde já perceber como são impertinentes e inadmissíveis todos os factos que em modo de explicação os documentos juntos pelas autora e ré cada uma delas reciprocamente articulou, tudo se resumindo a que, com significado útil, ambas impugnaram, na generalidade e de forma tabelar, todos os documentos juntos pela outra e nenhuma se opôs à respectiva junção. Acresce que, a resposta que cada parte tem como direito (exercício do contraditório, como lhe chamam autora e ré) é a que decorre do art. 443 e 446 para impugnarem nos termos sobreditos a genuinidade dos documentos e não a que se encontra firmada no art. 448, como protesta a autora recorrente, uma vez que, manifestamente a resposta a que se alude neste preceito resulta da previsão consequente do anterior e não se destina a responder à junção de documentos para simplesmente dizer que os mesmos são impertinentes ou desnecessários, ou para protestar impugnação genérica e avulsa dos mesmos.[1]

Posto isto, e abordando a lista de nulidades que a recorrente argui, podemos desde já descartar por falta de fundamento a que protesta ser a decisão recorrida uma decisão surpresa, no sentido de não ter sido facultada à parte a possibilidade de se pronunciar sobre uma matéria, não suscitada nos autos e de tal modo imprevista, que o tribunal tenha proferido. Isto é, uma decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3 do art. 3.

Tornando simples e incisivo o argumento veja-se que o art. 443 determina que o juiz, perante a junção de documentos por qualquer uma das partes, pode e deve, liminarmente, mandar retirá-los do processo por impertinentes ou desnecessários. Isto é, não constitui surpresa alguma para a parte que perante uma junção de documentos que realize o tribunal possa e deva pronunciar-se sobre a sua admissibilidade e sem que a parte contrária se tenha oposto porque esse exercício de regularidade é liminar, prévio e independente da posição da parte contrária. Efectivamente o entendimento que o juiz forme nos termos do art. 443 não está limitado a que a parte não apresentante dos documentos a ela se tenha oposto. E se assim é, quanto à própria junção dos documentos, por maior razão, se deve entender quando não se trata já da junção de documentos, ela mesma, mas sim do requerimento em que essa junção foi requerida.

Dizendo a recorrente que os seus requerimentos de resposta não podiam ser mandados desentranhar porque a ré/recorrida, afinal, a eles não se tinha oposto, fundando exclusivamente neste particular o sustento para reclamar a nulidade por ter sido proferida uma decisão surpresa, o absurdo que se sufraga é o de se estar a afirmar que o tribunal, assim, nunca poderia mandar desentranhar, por impertinente e inadmissível, um articulado que a lei não permitisse, a menos que isso tivesse sido suscitado pela parte contrária.

Por esta razão se entende que o tribunal recorrido não proferiu qualquer decisão surpresa e que com esse motivo a decisão recorrida não é nula.

Mas, ainda neste domínio que se prende com as demais invocações de nulidade e que têm, por matriz o que se pode e deve entender como pleno e eficaz exercício do contraditório torna-se necessário ter por esclarecido que o artigo 3 do CPC a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”, dispõe que:

1. O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.

3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

4. Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”

O direito ao contraditório, decorrência natural do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos susceptíveis de influenciar a decisão, “possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta”[2].

A estrutura da acção regulada pelo direito processual civil estabelecida entre partes litigantes exige que qualquer pessoa ou entidade tenha conhecimento do que foi contra si formulado, que se lhe dê oportunidade de defesa e, ainda, que ao longo da tramitação qualquer parte tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela outra parte, com a inerente possibilidade de pronúncia antes de ser proferida decisão. Esta vertente do contraditório – o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão – corresponde ao sentido tradicional do princípio, tendo consagração legal na segunda parte do nº1 e no nº 2, do art. 3. [3]

Acompanhando a evolução do entendimento do direito de acesso à justiça como direito fundamental, esta evolução tem-se projectado na tendência de substituição de um processo estritamente individualista, privatístico, por um direito processual socialmente mais aberto, sendo visível a mudança das linhas de orientação adjectiva, convocando-se o juiz para o empenhamento na solução concreta do conflito através da participação processual mais activa.

Nesse sentido, o nº3 do art. 3º, para além de estabelecer que o juiz “deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório”, acautela que o juiz não decida “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, só assim não sendo, como menciona este próprio preceito, em caso de “manifesta desnecessidade”. Nesta conformidade, para além de se evitarem as decisões-surpresa, passou a conferir-se às partes a possibilidade de intervirem e, com os seus argumentos, influenciarem a decisão.

A proibição da decisão-surpresa reporta, como dissemos, principalmente, a questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, estando no entanto dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade. E com este princípio quis-se impedir, essencialmente, que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas. A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspectivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de excepções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”[4] 4. Porém, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito susceptíveis de virem a integrar a base de decisão sendo o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”.

A lei não esclarece quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respectivo cumprimento ser manifestamente desnecessário e neste domínio é possível encontrar quem defenda que são limitadas as situações enquadráveis nesse conceito genérico, em que o juiz fica legitimado a afastar o cumprimento do princípio do contraditório com fundamento em “manifesta desnecessidade”, apontando como exemplos do afastamento legítimo do mesmo: a) o indeferimento de qualquer nulidade invocada por uma das partes; b) em matéria de procedimentos cautelares, quando seja necessário prevenir a violação do direito ou garantir o resultado útil da demanda[5]. Mas outros alargam este âmbito e sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares, na execução, em que a penhora é, em certos casos, realizada sem audiência prévia do executado, propugnando que igualmente não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação”[6].

Seja como seja, como conceito aberto, todas as interpretações resultam da casuística própria embora seja incontornável, em nosso aviso, que a observância do princípio do contraditório nesta dimensão positiva “tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que que o tribunal possa conhecer oficiosamente e que nenhuma das partes suscitou ao longo dos autos: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com a concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade”[7]. Mas tudo isto temperado com a ideia segundo a qual no conceito de “manifesta desnecessidade” se tem presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, porque a lei lhes confere esse poder, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo não pode razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa.

É este o caso que antes referimos e que cobre a previsão de o tribunal poder indeferir um requerimento liminarmente sem que a parte se tenha pronunciado sobre essa matéria e sua inadmissibilidade ou mandar retirar um documento dos autos por impertinente e desnecessário, por a surpresa se mede não pelo que a parte contrária tenha oposto mas sim pelo que o próprio tinha obrigação de prever a partir dos poderes que a lei confere ao julgador.

A referida disposição legal, limitando a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de “manifesta desnecessidade” isto é “quando – nomeadamente por se tratar de questões simples e incontroversas – tal audição se configure como verdadeiro ‘acto inútil’(…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”[8].

Confirmada por estas observações a inexistência de razão para considerar que o tribunal recorrido proferiu decisão surpresa ao mandar desentranhar os requerimentos identificados, observamos que num segundo momento, que entronca ainda com a protestada violação do princípio do contraditório, a recorrente defende que a decisão recorrida é nula porque, não sendo admissíveis provas sem exercício do contraditório, tinha todo o direito de responder como o fez.

Neste domínio, socorremo-nos de novo do que já anteriormente dissemos para delimitarmos o que a lei entende por responder à junção de documentos e que se circunscreve à oposição à sua junção, à impugnação da genuinidade e à ilisão da autenticidade ou força probatória. Estes precisos termos percebem-se se tivermos presente que os documentos servem para provar os factos, no caso vertente articulados na petição e na contestação, os únicos admissíveis, o que dispensa e impede, no requerimento para o efeito, comentários explicativos sobre os documentos e que, sob o pretexto de “contextualização”, visam introduzir nos autos matéria de facto não alegada anteriormente. Em rigor, a junção dos documentos tem de referir e só pode referir a que factos se destinam ser prova ou contraprova e nada mais, da mesma forma que a resposta admissível é apenas a que reporte aos próprios documentos em si mesmos, na sua genuinidade, autenticidade ou força probatória. Assim, tudo o que excede nesses requerimentos esses estritos domínios é impertinente e, como nenhuma das partes impugnou a genuinidade dos documentos, isto é que eles existem como foram apresentados, tudo o que se pode aproveitar como resposta a todos esses documentos é que cada uma das partes se não opôs à sua junção e impugnou-os como hábeis no seu conteúdo a fazerem prova dos factos a que se destinam.

É evidente que os requerimentos como suportes processuais, quer dos pedidos de junção dos documentos quer das declarações de não oposição à junção e de impugnação dos mesmos não podem ser retirados dos autos pois são eles mesmos que contêm esses pedidos de junção e resposta. Porém, não sendo retirados dos autos, é forçoso que se considerem não escritas e irrelevantes todas as declarações que, convocando factos, ali se tenham deixado expressas uma vez que não é para articular factos que essas respostas aos documentos servem. Sobre essa matéria nunca se poderia vir a fazer prova já que os documentos reportam à matéria articulada na petição e na contestação e não nesses articulados.

Assim não tem fundamento a arguição de nulidade da decisão recorrida com base na violação do princípio do contraditório.

… …

Numa abordagem próxima, a recorrente argui a nulidade da decisão recorrida por violação do princípio de igualdade das partes, traduzida em não ter mandado o tribunal desentranhar o requerimento da ré de 9.5.2019 e de, como assim, deveria ter notificado a autora para em 5 dias, querendo, aditar também o seu rol de testemunhas.

Tentando esclarecer esta questão, observamos que a autora tendo na sua petição juntado documentos e arrolado testemunhas, no requerimento de resposta aos documentos da contestação, em 4 de Março de 2019, aditou o seu rol de testemunhas e, por sua vez, a ré em 11 de Abril de 2019 veio igualmente aditar o seu rol de testemunhas. Porém, estes requerimentos foram (ambos) mandados desentranhar à semelhança dos outros quatro cujas referências se encontram descritas na decisão recorrida, o que significa que o aditamento ao rol de testemunhas produzido pela autora não foi considerado ao contrário do apresentado pela ré em 11-4-2019 ao qual, no despacho de 15 de Abril de 2019, o tribunal aludiu deixando expressamente consignado que nesse requerimento apenas se aproveitava o aditamento ao rol.

Quanto ao rol de testemunhas dispõe o art. 552 nº2 que no final da petição o autor deve apresentar o seu rol de testemunhas e, o art. 572 al. f) estabelece em correspondência que na contestação deve o réu apresentar o seu rol de testemunhas, sendo que, quer o autor o pode alterar na réplica se a ela houver lugar, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação e o réu, pode realizar idêntica alteração ao rol no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica, quando a houver.

Dispõe também o art. 598 nº2 que o rol de testemunhas pode ser alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, igual faculdade no prazo de 5 dias.

Com base nestas disposições, é patente que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre o aditamento ao rol de testemunhas requerido pela autora no requerimento de resposta aos documentos juntos pela ré na contestação e, por outro lado não cumpriu com a notificação prescrita no art. 598 nº 2, parte final, do CPC que à autora deveria ter sido feita.

Assim, impõe-se concluir que existe nulidade parcial da decisão recorrida na parte em que não se pronunciou sobre o aditamento ao rol de testemunhas requerido pela autora e quanto à falta de notificação à ré para que, em conformidade com o previsto no art. 598 nº2 do CPC, querendo, realizar aditamento ao seu rol.

… …

Uma outra questão suscitada sob a forma de nulidade por omissão de pronúncia diz respeito a ter sido requerida pela autora a condenação da ré como litigante de má-fé e, também, posteriormente, na resposta a este requerimento, pela ré, a condenação da autora como litigante de má-fé.

E sobre estas pretensões também o tribunal se não pronunciou por ter mandado desentranhar as peças processuais onde se encontravam esses requerimentos.

Muito brevemente, torna-se presente que no nosso ordenamento jurídico resulta do disposto no artigo 542º.nº1, do C.P.C. que a condenação em multa como litigante com má-fé não depende de pedido da parte, podendo/devendo o Tribunal efectuá-la desde que se verifiquem os respectivos pressupostos. Já no que diz respeito à indemnização, face ao disposto nesse mesmo preceito, afigura-se-nos inquestionável que ela terá de ser pedida pela parte, pois que, pese embora se evidente que a indemnização não tem que ser formulada nos articulados, podendo inclusive ser pedida na pendência do recurso, o litigante de má-fé apenas poderá ser condenado no pagamento de indemnização à parte contrária se, como diz a norma, “se esta a pedir”[9].

Assim, sendo necessária a dedução de pedido com vista ao ressarcimento dos prejuízos causados pela conduta processual de má-fé, cabe, contudo, salientar que como especificidades deste tipo de pedido o mesmo não se encontra sujeito ao regime preclusivo dos arts. 264 e 265, o que se compreende tendo em conta que o comportamento desleal tanto se poderá revelar logo no início da acção, como apenas em momento anterior à audiência de julgamento. Por tal motivo, o litigante de boa-fé poderá formular o correspondente pedido logo na fase dos articulados, na fase de instrução, ou até na audiência de discussão e julgamento, tanto por requerimento escrito, como de forma oral ficando o pedido lavrado em ata.

Olhando aos preceitos que regulamentam o instituto da litigância de má-fé, verificamos que o legislador processual não fixou com rigor a acção apropriada para a dedução do pedido indemnizatório, o que provocou que um entendimento, que julgamos maioritário, propenda no sentido de que a má-fé processual apenas possa ser apreciada no curso da acção em que o comportamento lesivo se verificou (sob pena de preclusão do direito a reclamar o correspectivo ressarcimento), enquanto outro defende que a apreciação da má-fé processuais na própria acção se trata de um mero benefício conferido à parte de que lhe será legítimo abdicar, admite a sua apreciação em acção autónoma[10].

A discussão não é exclusiva do ordenamento processual português, uma vez que como aqui a generalidade dos ordenamentos não dispôs de densificação legal, suficientemente clara e precisa, quanto ao procedimento a seguir pelo julgador em caso de condenação por má-fé em juízo[11].

Em nossa entender mesmo contra a protestada vantagem de que tal alternativa poderia evitar o protelar da decisão de mérito para a apreciação da questão da má-fé processual, eventual condenação ao pagamento de indemnização por danos, e respectiva liquidação, parece-nos que tal orientação, de admissão de acção autónoma não é a mais defensável pois tal possibilidade conduz a permitir que a parte lesada, tendo perfeita consciência da má-fé processual da contraparte, e tendo até assistido à eventual condenação desta em multa pelo tribunal, pudesse reservar o seu direito de ressarcimento fazendo-o valer apenas posteriormente em acção autónoma, em claro prejuízo da economia processual. Para além disso, admitir que a lei processual pretendesse atribuir à parte lesada a livre escolha da acção, seria permitir que o processo se multiplicasse dando origem a outro em que se viria a discutir o que o não foi em sede própria.

Deixando anotadas estas questões, e com rebate na decisão do recurso, temos, em síntese, que era admissível e processualmente tempestiva quer a dedução do pedido de condenação da ré como litigante de má-fé quer o da autora e, como tal, deveriam nessa parte e para essa finalidade ter sido atendidos os requerimentos em quer os mesmos foram formulados (e impugnados no cumprimento regular do contraditório).

Em resumo, sendo patente nos autos a sucessiva junção de documentos, num registo em que a cada junção a parte contraria respondia com outra e assim sucessivamente, tendo de considerar anómalo este procedimento no sentido de a junção dos documentos ser regulada pela lei no sentido sobredito e tendo como regra principal que a junção é feita com os articulados em que se tenham narrado os factos cujos documentos pretendem provar, a verdade é que tal junção pode fazer-se posteriormente. Mas sendo tal permitido, cabe ao juiz verificar a regularidade tempestiva de cada uma das junções para que como a lei determina as possa e deva sancionar (cada uma) e cada vez mais gravemente quanto entenda que essa junção sucessiva reveste um procedimento que exorbita da regularidade que a lei disciplinou nessa matéria, sem embargo de, quanto ao andamento processual essas junções de documentos não suspenderem o andamento regular dos autos nem obrigarem a que os mesmos parem na sua tramitação em direcção à audiência, para que cada parte possa responder[12]. Assim, desde que não se configure a junção e resposta como um uso anormal do processo nos termos do art. 542 nº2 al.d), a junção intempestiva de documentos apenas é sancionada com multa e os requerimentos em que constem os pedidos de junção e de resposta não podem ser mandados desentranhar, podendo apenas ser considerados não escritos nas partes em que excedam aquilo que a resposta pode legalmente conter.

Assim, os requerimentos aludidos na decisão recorrida, como possibilidade de as partes articularem matéria de facto, mesmo que sobre os documentos apresentados, não devem ser considerados, com base em a lei não permitir a alegação dessa matéria fora da petição inicial e da contestação. Porém, no que os requerimentos contêm de simples impugnação dos documentos, aditamento ao rol de testemunhas, requerimento de junção por parte da ré de documentos solicitados pela autora e bem assim formulação dos pedidos de condenação, respectivamente, de autora e ré como litigantes de má-fé e correspondentes oposições a tais pedidos, tais requerimentos são inteiramente admissíveis e como assim não devem ser mandados desentranhar considerando-se apenas não escritas e sem relevância e atendimento as observações e factos expendidos pelas requerentes a propósito dos documentos apresentados.

Na concretização do acabado de afirmar deverão admitir-se os requerimentos e considerar-se não escritos todos os factos referentes aos documentos juntos nos requerimentos mandados desentranhar por esse conteúdo alegatório ser incompatível com o que podia impugnar-se dos documentos conforme a lei processual a permite e delimita

Em síntese, procede a Apelação no sentido de não serem mandados desentranhar os requerimentos referidos mas, sem a extensão que a requerente pretendia.

… …

Síntese conclusiva:

- os requerimentos sucessivos e recíprocos de junção de documentos fora dos articulados a que dizem respeito nos termos do art. 423 nº1 do CPC, desde que não possam ser considerados como uso anormal do processo nos termos do art. 542 nº2 al.d) do CPC, apenas podem ser sancionados em multa de acordo com o nº2 do citado art.423.

- Esta possibilidade de junção sucessiva de documentos não determina que a tramitação do processo, nomeadamente com o agendamento e realização dos actos processuais, sofra qualquer dilação para que o juiz ou as partes tomem posição sobre os documentos, dentro do disciplinado pelo art. 424 do CPC.

- A rejeição liminar dos documentos pelo juiz, nos termos do art. 443 nº1 do CPC, não constitui decisão surpresa porque a parte contrária já teve conhecimento dessa junção e não é o silêncio desta ou a sua não alegação de que o documento é impertinente ou desnecessário que permite ao juiz o poder indeclinável e incondicionado que ele tem de indeferir a junção.

- Servindo os documentos a fazer prova dos factos articulados naqueles que a lei admita (v.g petição e contestação) o requerimento da sua junção só serve para solicitar essa junção e indicar que factos já articulados esses documentos se destinam provar e a resposta a esses documentos apenas serve para protestar a sua impertinência ou desnecessidade; arguir a sua genuinidade ou ilidir a sua autenticidade (arts. 444 e 446 do CPC) sendo inadmissível a alegação de quaisquer factos não articulados, mesmo que sob o pretexto de serem uma explicação do contexto dos documentos, os quais a terem sido alegados se devem considerar não escritos.

… …

Decisão

Pelo exposto acorda-se em julgar, nos termos sobreditos, procedente a Apelação e em consequência, revogando a decisão recorrida e determina-se:

- admitir os requerimentos, mandados desentranhar;

- considerar não escritos todos os factos/explicações constantes nos requerimentos mandados desentranhar na decisão recorrida;

- que se tomem em consideração os requerimentos de litigância de má-fé e respectivas respostas e os factos articulados nesses requerimento quanto, e só quanto, a esses pedidos de condenação;

- mais se acorda em determinar que o tribunal recorrido, na sequência desta decisão de recurso, se pronuncie sobre o aditamento ao rol de testemunhas solicitado pela autora no requerimento de 4-3-2019 e sobre a solicitação de ser a ré notificada para apresentar documentos, que também consta desse mesmo requerimento.

Custas pelo vencido afinal por não ter decaído a autora recorrente na sua pretensão, nem ter a recorrida apresentado contra alegações.

Coimbra, 24 de Setembro de 2019


[1] A resposta referida no art. 448 do CPC é a que se concede “à parte contrária” ao apresentante de documento arguido de parcialmente falso ou de documento particular assinado em branco , de declarações só parcialmente divergentes do ajustado com o signatário, que se queira fazer valer da parte não viciada

[2] Acórdão do STJ de 27/10/98, processo 98A817, in www.dgsi.pt
[3]Pimenta, Paulo, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, pág 26-27

[4] Rego, Carlos Lopes do (2004). Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I. Coimbra: Almedina, pág 32

[5] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, 2006, pág. 82.
[6] Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 10
[7] Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 33

[8]  Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 33

[9] Vd. o Ac. do TRP de 13 de Dezembro de 2001.
[10] 10 Ac. do TRP de 24 de Outubro de 2002 segundo o qual “o legislador não ter[á] pretendido mais que facultar ao lesado pela actuação de má fé um meio simples e célere de exercer o seu direito (…) sem querer bulir com a possibilidade de o credor de indemnização que não pretenda utilizar a faculdade que lhe é concedida através desse meio expedito lançar mão de acção autónoma”. E no mesmo sentido, Ac. TRP, de 19 de Maio de 1994, o Ac. do STJ, de 13 de Maio de 2004, o Ac. do STJ de 11 de Junho de 1981 e, ainda, o mais longínquo Ac. de 26 de Fevereiro de 1935 do mesmo STJ.
[11] BONGIORNO, Girolamo, Responsabilità Aggravata, in «Enciclopedia Giuridica», XXVI, 1989, p. 5;
MICHELI, Gian Antonio, Corso di Diritto Processuale Civile, Vol. I, Giuffrè, 1959 p. 247 e REDENTI, Enrico, Diritto Processuale Civile, Vol. I, Giuffrè, 1957, p. 193.

[12] Basta ter presente, por absurdo, que a entender-se o contrário cada parte poderia ficar indefinidamente a juntar documentos e a responder aos da outra impossibilitando dessa forma que o processo avançasse e fosse proferido saneador.